INTRODUÇÃO
O STJ decidiu que " é necessária a propositura de ação de conhecimento, em que sejam garantidos o contraditório e a ampla defesa, para o reconhecimento judicial do direito à repetição, por parte do INSS, de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, pois não se enquadram no conceito de crédito tributário, tampouco permitem sua inscrição em dívida ativa" (STJ, REsp 1177342/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 01/03/2011, DJe 19/04/2011).
Nessa e outras decisões, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a Lei de Execuções Fiscais autoriza a cobrança de dívidas não tributárias, pelas pessoas jurídicas especificadas em seu artigo 2º, porém, o seu conceito, apesar de amplo, não permite a inscrição em dívida todo e qualquer crédito a seu favor. Deve ser verificada se a dívida deriva efetivamente de uma atividade típica de direito público ou se, ao invés disso, decorre de outro evento qualquer, desvinculado da atividade estatal própria da pessoa jurídica que se diz credora, conquanto o crédito possa ser considerado receita pública. O INSS tem o direito de ser ressarcido dos danos materiais que suportou em decorrência de benefício previdenciário irregularmente concedido, todavia, tais fatos devem ser devidamente apurados em processo judicial, através das vias adequadas, assegurados o contraditório e a ampla defesa.
Diante desse quadro, cabe ao credor o ajuizamento de ação ordinária de cobrança. E a prescrição? Terá ela sido interrompida no processo de execução fiscal extinto por ter o Judiciário entendido inadequada a via eleita de cobrança?
Abordaremos os principais contornos da temática referente ao efeito interruptivo do prazo prescricional pela citação válida ocorrida em processo extinto sem julgamento de mérito.
DESENVOLVIMENTO
Nos termos do artigo 219, caput e § 1º, do CPC e de acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, exceto nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 267 do CPC, a citação válida em processo extinto sem julgamento do mérito importa na interrupção do prazo prescricional, que volta a correr com o trânsito em julgado da sentença de extinção do processo.
Reza o dispositivo legal:
“Art. 219 - A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
§ 1º - A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.”
Com o advento da Lei 10.406/2002 (Código Civil), a interrupção do prazo prescricional ocorrida no âmbito do processo passou a ser ali também regulada por seu art. 202, inciso I.
Malgrado alguns autores advogarem a revogação do art. 219 e parágrafos do CPC, que também trata da matéria, o momento e as peculiaridades do efeito interruptivo da praescriptio por consequência da prática de determinados atos processuais a que se referem os dois diplomas, têm aplicabilidade em situações distintas, levando à irretorquível afirmação de que se está diante de duas normas compatíveis entre si, embora disciplinem o mesmo objeto.
Isso porque o art. 202, I do Código Civil preceitua que a interrupção da prescrição, que só ocorrerá uma vez, dar-se-á “por despacho do juiz, ainda que incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual.”
Por outro lado, a Lei Instrumental Civil estatui que a citação válida tem o condão de interromper a prescrição, retroagindo o efeito interruptivo à propositura da ação, desde que o autor a promova nos termos da lei.
Em suma, exercido o direito de ação pelo titular do direito dentro do prazo prescricional e verificando-se a consumação da prescrição com data a ocorrer em momento anterior ao despacho citatório, ter-se-á a aplicação do Código de Processo Civil (CPC, art. 219 e parágrafos), interrompendo a prescrição a citação válida, com data retroativa á propositura da ação. Diferentemente, se a consumação da prescrição der-se em momento ulterior ao despacho citatório, este é que será a causa interruptiva por efeito da regra constante no Código Civil (CC, art. 202, I
O fundamento da prescrição é a segurança jurídica, a paz social, a tranquilidade da ordem jurídica, enfim, a prevalência de relações jurídicas estáveis, a respeito das quais não se opere uma situação de incerteza, tal qual ocorre com o transcurso de longo espaço de tempo associado a uma inércia do sujeito ativo de um direito subjetivo violado.
O problema surge, e esse é o tema do nosso trabalho, no caso da extinção do processo sem julgamento do mérito. A prescrição seria interrompida? Os efeitos da citação persistiriam ou seriam apagados por completo?
Conforme a disciplina do nosso Código de Processo Civil, a mera propositura da demanda possui o condão de interromper a prescrição. Tal interrupção ocorre em caráter provisório, sendo ratificada posteriormente pela citação válida do demandado. É a citação válida, portanto, que interrompe a prescrição.
Passado tal momento, integrado o demandante à relação jurídica processual, caso o processo caminhe normalmente e seja extinto com o julgamento de seu mérito, nenhuma dúvida surgiria quanto á interrupção da prescrição.
A citação válida em um processo extinto sem o julgamento do mérito produz, no mínimo, os mesmo efeitos que o protesto, que é uma das causas interruptivas da prescrição. A citação válida, mesmo com a extinção do processo sem julgamento do mérito, demonstra, para o devedor e para a sociedade, que a pessoa que detêm o direito não está inerte, o que enseja, sob o risco de que se cometa grandes injustiças, a interrupção da prescrição. Na vida dos direitos, a regra é a satisfação. A prescrição é exceção e como tal deve ser tratada.
Tendo-se em vista não existir na disciplina dada à matéria pelo Código de Processo Civil nenhuma exceção ao disposto no caput do art. 219 do Código de Processo Civil, "a citação válida...interrompe a prescrição", a citação válida, mesmo que operada em processo extinto sem o julgamento do mérito, possuirá o condão de interromper a prescrição.
Entretanto, na doutrina o assunto é ainda controvertido. Para Arruda Alvim a prescrição não seria interrompida:
"nas hipóteses de extinção do processo, sem julgamento de mérito, (nos casos do art. 267, II e III) de um modo geral, os efeitos oriundos da citação inicial válida ficam despidos de valor, tal como se a citação nunca tivesse existido.
Ou, em outras palavras, com a extinção do processo, nesses dois casos, desfaz-se a relação jurídica processual que se formara com a citação inicial válida. Se, realizada a citação, fora a prescrição interrompida, ou se impedira a consumação da decadência ocorrendo a extinção do processo, sem julgamento do mérito, tais efeitos desaparecerão, isto é, o direito que não teria prescrito, prescreverá, e a decadência que não se teria consumado, ter-se-á consumado".
Já para Cândido Rangel Dinamarco, Eduardo Arruda Alvim e Antônio Luís da Câmara Leal:
"segundo o Código de Processo Civil, a citação válida é apta a interromper a prescrição, ainda quando determinada por juiz incompetente (com aquela construção tradicional e bastante conhecida, segundo a qual a prescrição se considera interrompida já ao aforamento da demanda: art. 219). Essa disposição é bastante harmoniosa com o sistema do processo civil comum, que manda prosseguir o processo perante o juiz que seja competente, em todos os casos. Como o processo das pequenas causas não prossegue e se extingue quando a incompetência é declarada, poderia parecer que aqui a solução fosse diferente e, extinto o processo pela incompetência, não mais se considerasse interrompido o curso do lapso prescricional. Não é assim, todavia. Inexiste disposição contrária ao art. 219 do Código de Processo Civil e sem a evidência de uma situação incompatível com ele não é lícito ao intérprete impor distinções e diminuir o alcance daquele dispositivo. Ao contrário, as normas que conduzem à perda do direito é eu merecem muita cautela e interpretação eventualmente restritiva, porque o normal é a satisfação das obrigações, e a sua extinção por prescrição é que é excepcional. Por isso, extinto o processo das pequenas causas sem julgamento do mérito, mesmo em virtude de incompetência, a interrupção da prescrição é efeito já produzido e que permanecerá; a prescrição recomeça a correr, como quer o art. 173 do Código Civil, do dia em que preclusa a sentença de extinção".
Embora a divergência jurisprudencial, o entendimento do STJ encontra-se pacificado, como podemos visualizar nas decisões que seguem:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AÇÃO DE COBRANÇA. DIÁRIAS. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO EM VIRTUDE DE CITAÇÃO VÁLIDA EM PROCESSO EXTINTO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. POSSIBILIDADE.1. O Tribunal de origem consignou que não ocorreu a prescrição, uma vez que a sentença proferida na ação ajuizada pelo Sindicato transitou em julgado, em 4.7.2008, data em que se reiniciou o curso do lapso prescricional restante, de dois anos e meio. "Assim, como a presente ação foi proposta em 14.12.2010, transcorrido, portanto, prazo inferior a 02 (dois) anos e 06 (seis) meses da data do trânsito em julgado da referida sentença, não há que se falar em prescrição da pretensão deduzida." 2. Mostra-se inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público.3. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. Súmula 85 do STJ.4. O acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a atual jurisprudência do STJ, segundo a qual a citação válida em processo extinto sem julgamento do mérito importa na interrupção do prazo prescricional. Incidência da Súmula 83/STJ.5. Agravo Regimental não provido.”
(AgRg no AREsp 202.429/AP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 12/09/2013)
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA.SEGURO ACIDENTE PESSOAL. AJUIZAMENTO DE ANTERIOR DEMANDA, COM CITAÇÃO VÁLIDA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO ANTE A ILEGITIMIDADE PASSIVA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. OCORRÊNCIA.PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO.1. Esta Corte Superior de Justiça consolidou o entendimento de que a citação válida, excepcionando-se as causas do art. 267, II e III, do Código de Processo Civil, interrompe a prescrição.2. Na presente hipótese, mesmo tendo sido extinta sem resolução de mérito a ação anteriormente proposta, a citação no prazo e na forma da lei processual é suficiente a obstar a suscitada prescrição e viabilizar o prosseguimento do feito.3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 316.215/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 18/06/2013)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.INTERRUPÇÃO. CITAÇÃO VÁLIDA. SUBSTITUTO PROCESSUAL. SINDICATO.ILEGITIMIDADE DA PARTE. RECOMEÇO DO PRAZO PELA METADE. NÃO OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.1. É cediço que a citação válida tem o condão de interromper a prescrição, excepcionando-se as causas do art. 267, II e III, do Código de Processo Civil, quais sejam, negligência das partes e abandono de causa.2. A citação válida ocorrida no processo movido pelo sindicato, com o mesmo objeto da ação individual, ainda que tenha sido julgado extinto sem resolução do mérito em face da ilegitimidade ativa ad causam, configurou causa interruptiva do prazo prescricional para propositura da ação individual.3. Agravo regimental não provido.”(AgRg no AREsp 54.953/AP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 15/10/2012).
Assim, o surgimento do fato jurídico prescricional pressupõe o decurso do intervalo de tempo prescrito em lei associado à inércia do titular do direito de ação pelo seu não exercício (desde que inexistente fato ou ato a cujo curso prescricional a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva). O prazo prescricional do direito de cobrar o crédito finda-se se não houver o exercício do direito de ação no lapso. Sendo exercido o direito de ação diante do ajuizamento da execução fiscal, encerrou-se a inação do credor. Dessa forma, a citação válida em processo extinto sem julgamento do mérito, excepcionando-se as causas de inação do autor, interrompe a prescrição. Destarte, o prazo prescricional interrompido pela citação válida somente reinicia seu curso após o trânsito em julgado do processo extinto sem julgamento do mérito; pois, se assim não o fosse, a segunda ação também seria extinta por força da litispendência.
CONCLUSÃO
A citação válida, mesmo com a extinção do processo sem julgamento do mérito, demonstra, para o devedor e para a sociedade, que a pessoa que detêm o direito não está inerte, o que enseja, sob o risco de que se cometa grandes injustiças, a interrupção da prescrição. Na vida dos direitos, a regra é a satisfação. A prescrição é exceção e como tal deve ser tratada.
Portanto, a citação válida em processo extinto, sem resolução do mérito, tem o condão de interromper a prescrição até o trânsito em julgado da sentença terminativa.
Assim, extinta a execução fiscal por inadequação da via eleita, pode a autarquia previdenciária ajuizar ação de ressarcimento ao erário, vez que comprovou não ter se mantido inerte com relação ao crédito que busca cobrar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, vol. 2, 5ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1996.
- Cândido Rangel Dinamarco, Manual das Pequenas Causas, Ed. RT, p. 30.
- Eduardo Arruda Alvim, Curso de Direito Processual Civil, vol, 1, São Paulo, Ed. RT, 1998.
- Antônio Luís da Câmara Leal, Da Prescrição e da Decadência, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1982.
- Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo III: arts. 154 a 281, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996.
- Yussef Said Cahali, Aspectos Processuais da Prescrição e da Decadência, São Paulo, Ed. RT, 1979.
- Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao Estudo do Direito, Técnica, Decisão, Dominação, 2ª ed., São Paulo, Ed. Atlas, 1994.
Procuradora Federal
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIXTO, Luisa Webber Troian. A extinção da execução fiscal por inadequação da via eleita interrompe o curso da prescrição? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42192/a-extincao-da-execucao-fiscal-por-inadequacao-da-via-eleita-interrompe-o-curso-da-prescricao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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