RESUMO: O artigo trata da dicotomia “justiça ou segurança”, abordando separadamente os conceitos operacionais de justiça e segurança, bem assim a visão de Radbruch sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: justiça, segurança.
SUMÁRIO: Introdução. 1. A grande indagação. 2. O ideal de justiça. 3. O ideal de segurança. 4. Radbruch, talvez o primeiro a discutir. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Direito já teve por objetivo servir de meio de defesa da vida e do patrimônio do Homem, buscando garantir a segurança e a justiça.
Com o passar do tempo e o avançar da humanidade, recrudesceram a criminalidade, a insegurança, a fome, o desespero, entre outros problemas sociais.
Diante desse cenário e da constatação de que a sociedade estabelece uma hierarquia de prioridades e valores (políticos, econômicos, religiosos, entre outros), ressurge o questionamento: Justiça ou Segurança?
Esses conceitos que se contrapõe ou se completam?
Neste breve texto, far-se-á reflexão sobre o assunto e verificar-se-á como o Direito, enquanto instrumento racionalizado de uma hierarquia de valores, trabalha a questão.
Quando se estuda a Filosofia do Direito, observa-se que uma das grandes dúvidas que ainda pairam no ar é: O que devo resguardar? A justiça ou a segurança?
Para iniciar a reflexão, vale lembrar o que é justiça e o que é segurança.
Segundo Tomás de Aquino e de acordo com a definição clássica, a essência da justiça consiste em dar a outra pessoa o que lhe é devido, segundo uma igualdade.
Já a segurança deve ser vista de outra forma. Para o Prof. Arlindo Bernart, a segurança do cidadão e da sociedade é a confiança de que há lei e de que ela será respeitada. Radbruch, por sua vez, diz que segurança significa a clara determinação e proteção do direito contra o não-direito, para todos. Pode-se, então, dizer que segurança é a garantia de não haver arbitrariedades, é a certeza de conhecer aquilo que pode acontecer (previsibilidade).
Verifica-se que os dois conceitos em certo ponto se chocam. É difícil tratar todos com justiça e segurança. Colocando-se os termos em uma balança imaginária, observa-se que aumentando a segurança, perde-se a justiça. E da mesma forma, aumentando a carga de justiça, perde-se em segurança. A indagação é: Qual o ponto ideal? Qual o ponto de equilíbrio?
Talvez seja impossível existir uma sociedade totalmente justa e totalmente segura. O desafio sempre será a busca pelo equilíbrio. Nos primórdios, não havia segurança para todas as pessoas e justiça para toda a comunidade. Havia apenas a justiça e a segurança para o mais forte.
Com o passar dos tempos, esse quadro foi paulatinamente superado. Aos poucos, os homens notaram ser necessário prever situações que ferissem de alguma forma as outras pessoas.
Para o Prof. Arlindo Bernart, “Sem lei não se tem ordem, não se tem segurança, não se tem progresso, não se tem participação, não se tem justiça social. Neste caso prevalecerá a força sustentada pela violência.”
2. O IDEAL DE JUSTIÇA
É fundamental para o Direito a ideia de justiça. Para que a ordem jurídica seja legítima, é indispensável que expresse o justo. Assim, o Direito Positivo deve ser o instrumento que proporcione o equilíbrio das relações sociais.
Entretanto, nesse processo a justiça pode deixar de ser apenas um ideal e se transfundir em regras práticas, cuja aplicação pode levar à perda de parte de sua substância.
De fato, a abstratividade da norma de direito não permite grande variação de critérios diante do caso concreto, trazendo enfraquecimento à ideia do valor justiça.
A justiça se efetiva, se torna viva no Direito, quando deixa de ser apenas intenção e se incorpora às leis, dando-lhes sentido, e passa a ser efetivamente exercitada na vida social e praticada pelos tribunais. Da mesma forma que o Direito depende da justiça para cumprir o seu papel, a justiça necessita também se corporificar nas leis, para se tornar prática.
Já foi dito que quanto mais o Direito traduzir a ideia de justiça mais os cidadãos se conformarão à lei. Direito sem justiça é mero produto do poder dominante.
Por ser a justiça uma virtude, talvez a principal delas, jamais chegará a ser realizada integralmente, constituindo-se sempre em ideal e meta a ser atingida. Sendo a justiça uma virtude moral, tal noção não será encontrada entre os animais, por não terem eles a percepção intelectual que os leve aos princípios, nem a autodeterminação, exclusivamente humana.
Cada época tem seu peculiar conceito de justiça, adaptado do conceito genérico e abstrato às condutas sociais do momento e do lugar. A justiça está acima dos interesses públicos defendidos pelo Estado, pois tais interesses, por mais relevantes que sejam, podem nem sempre ser legítimos.
3. O ideal de SEGURANÇA
Há muitas divergências acerca da definição de Segurança. Zaffaroni, por exemplo, refere-se à segurança jurídica como um conceito complexo, já que contém um significado objetivo (consistente no efetivo asseguramento de bens jurídicos) e outro subjetivo (consistente no sentimento de segurança jurídica, ou seja, na certeza desta disponibilidade). Neste sentido, o delito afeta duplamente a segurança jurídica: como afetação de bens jurídicos, lesiona seu aspecto objetivo, como alarma social lesiona seu aspecto subjetivo.
Também a segurança é um valor, e também ela aparece como objetivo do Direito. É referida de longa data, mas não tem provocado produção tão vasta como a justiça. Em parte porque alguns acreditam que a segurança é valor menos nobre que Justiça.
Mas isso não quer dizer que seja dispensável. Quando se fala em ordem social, se fala implicitamente em justiça e segurança. Sem segurança a ordem não existe ou é imperfeita, o que inquina a possibilidade de realização total dos fins da sociedade e das pessoas que a compõe.
Alguns autores concebem a segurança jurídica apenas como sistema de legalidade que fornece aos indivíduos a certeza do Direito vigente. Nesse sentido é a colocação de Heinrich Henkel, para quem a certeza ordenadora constitui o núcleo desse valor. O jusfilósofo alemão definiu-a como “a exigência feita ao Direito positivo, para que promova, dentro do seu campo e com seus meios, certeza ordenadora”.
Outros autores entendem que a simples certeza ordenadora não é suficiente para revelar as exigências contidas no valor segurança. O saber a que se ater pode conduzir, ironicamente, à certeza da insegurança. Elías Díaz não concorda que a segurança se identifique apenas com a noção da existência de uma ordem jurídica, com o conhecimento do que está proibido e permitido, com o saber a que se ater. Exige, além de um sistema de legalidade, um sistema de legitimidade, pelo qual o Direito objetivo consagre os valores julgados imprescindíveis “no nível social alcançado pelo homem e considerado por ele como conquista histórica irreversível: a segurança não é só um fato, é também, sobretudo, um valor”.
4. RADBRUCH, TALVEZ O PRIMEIRO A DISCUTIR
O problema de saber o que deve prevalecer, se a exigência de segurança ou se a de justiça, voltou a ser proposto em nossa época, mas com contornos diferentes. Provavelmente foi Radbruch quem primeiro percebeu esta questão e sua significação. Isto aconteceu quando ele estava analisando a ideia de Direito.
Para Radbruch, a noção do Direito contém três elementos fundamentais: a ideia de justiça, de fim e de segurança. O Direito constitui por sua própria natureza, uma garantia de ordem social. Este papel é desempenhado principalmente através da certeza e segurança que o Direito oferece. Esta certeza pressupõe a positividade. Sem positividade não se pode falar em justiça e segurança. “A positividade do direito vem a ser, ela própria, um pressuposto da sua certeza. Não pode haver direito certo, que não seja positivo e, do mesmo modo, pode dizer-se que assim como a positividade é da essência do próprio conceito dum direito certo, assim também é da essência do direito positivo ser certo”.
Radbruch se atém especificamente a esse aspecto, partindo de uma posição nitidamente relativista. A seu ver, não se pode cogitar alcançar uma ordem justa. É bem por isso que se compreende e justifica a instauração de uma ordem que, embora não corresponda ao ideal de Justiça, constitua o Direito e portanto sirva de esquema para as condutas possíveis.
Para ele, é mais importante tratar de por termo a essas lutas e dissenções (as das ideologias relativas ao Direito e ao Estado, bem como as dissenções dos partidos) do que ficar eternamente aguardando o direito justo e harmônico como verdadeiro fim que ele deve buscar.
É mais importante a existência de uma ordem jurídica, do que estar a discutir desde logo a sua justiça e a reta finalidade, porque se estas (a justiça e a reta finalidade) são secundárias. Primacial, no sentir de todos, é a segurança e a paz social.
Seria um grande equívoco, conforme se depreende das singelas palavras transcritas, quem pretendesse, como ocorreu a alguns intérpretes, que para Radbruch a ideia do direito prescinde da de justiça. Nada mais inexato. Para ele todo direito tende a ser justo. É essa uma pretensão que todos acolhem. E, de modo preciso, proclama que a justiça e a segurança são os únicos elementos universalmente válidos da noção do direito. A ideia de fim já não desfruta do mesmo caráter.
Dessas asserções, todavia, não há que deduzir que os apontados elementos guardem entre si perfeita harmonia. Ocorre entre eles, ao contrário, constante conflito.
Embora de maneira singela, buscou-se demonstrar que o dilema “Justiça ou Segurança?” é antigo e bastante controverso. Desde Radbruch, provavelmente o primeiro a discutir o problema, até os dias atuais não há consenso.
Nota-se que o problema assemelha-se à balança onde se confrontam Justiça X Segurança. Quando em um dos extremos da balança acrescentamos justiça, perdemos um pouco de segurança. Quando, no outro lado, acrescentamos segurança perdemos um pouco de justiça. Ainda não descobrimos o ponto de equilíbrio. Será que ele existe?
Acredita-se que deva ser priorizada a justiça, pois ela certamente conduzirá à segurança. Já foi dito que quanto mais o Direito traduzir a ideia de justiça, mais os cidadãos se conformarão à lei. Direito sem justiça é mero produto do poder dominante.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica. Porto Alegre: Editora do Advogado, 1997.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
BERNART, Arlindo. O Justo e o Legal. Revista Jurídica. Blumenau: 1997. a.1, n.os 1/2 p. 117-120 jan./dez.
PRUDENTE, Antônio Souza. Poder Judiciário e Segurança Jurídica. Revista de Informação Legislativa. Brasília: 1992. a. 29, n.os 115 p. 571-580 jul./set.
Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau-SC, com especializações em Direito Tributário, pela mesma universidade, e Direito Previdenciário, pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Procurador Federal e professor em cursos de graduação e especialização.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Jackson Ricardo de. Justiça ou segurança? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42194/justica-ou-seguranca. Acesso em: 23 dez 2024.
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