Resumo:O sistema de freios e contrapesos é um importante instrumento contraas ingerências abusivas de um poder sobre o outro. Entretanto, se não exercido em conformidade com as normas constitucionais, poder-se-á caracterizar como intervenção indevida e ofensa à separação dos poderes. Como toda a atuação do Estado se submete ao princípio da legalidade, até mesmo os atos discricionários são passiveis de controle no que concerne aos seus aspectos legais. Dessa forma, o objetivo do presente artigo é esclarecer os aspectos fundamentais a compreensão do tema, principalmente à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-Chave:Atos administrativos. Discricionariedade. Controle judicial.
Abstract:The brake and balances system is an important tool against the abusive interference of a power over the other. However, if not exercised in accordance with the constitutional rules, it may be characterized as an improper intervention and harm the separation of powers. Since any State action is submitted to the principle of legality, even the discretionary acts are subject to control regarding their legal aspects. Thus, the aim of this paper is to clarify the fundamental aspects in understanding the subject, especially according to the jurisprudence of the Supreme Court.
1. Introdução: Noções Gerais
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) preceitua em seu art. 2º que os poderes legislativo, executivo e judiciário são independentes e harmônicos entre si. Isso significa que a independência não é absoluta e em determinadas situações existirão interferências de um poder sobre o outro a fim de serem obstadas arbitrariedades.
O objetivo da tripartição é evitar a concentração dos poderes nas mãos de uma única pessoa, como ocorreu no período absolutista, e por conseqüência, o abuso de poder.
Por outro lado, não pode haver interferência indiscriminada, mas somente nos casos determinados pela Constituição, sob pena de ofensa a separação de poderes, que é inclusive cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º da CFRB/88.
Nesse sentido, quando o judiciário é provocado para realizar a analise da legalidade dos atos da administração pública, nada mais está fazendo do que cumprindo com o seu papel de tutelar o direitodos jurisdicionados, conforme proclama o art. 5º, inciso XXXV, da CRFB/88.
Vige o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, em que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça de direito. Dessa forma, uma vez provocado pelo interessado, a tutela judiciária não poderá ser negada.
Ressalte-se ainda que o Brasil adota o sistema de jurisdição única, em que somente o Poder Judiciário profere decisões com caráter de definitividade. Nesse contexto, não obstante a matéria já tenha sido decidida na esfera administrativa, no Poder Judiciário a mesma poderá ser revista quanto aos aspectos legais.
2. Parâmetro para o controle judicial
A administração pública se submete ao princípio da legalidade, consoante disposição expressa do caput do art. 37 da CRFB/88. Nesse sentido, só pode fazer o que a lei autoriza, uma vez que deve atuar dentro dos estritos limites legais.
Ao analisar, portanto, o ato administrativo sub judice irá se verificar se foram observados todos os requisitos pertinentes, em especial o cumprimento do interesse público, pois este constitui a razão de ser do Estado.
Importante distinguir neste momento os atos vinculados e os atos discricionários. Os primeiros possuem todos os requisitos fixados na lei, não deixando margem para a apreciação subjetiva do administrador. Já nos segundos, apesar de também terem os requisitos previstos em lei, há margem para se apreciar a conveniência e oportunidade no mérito administrativo. Nas lições de Leonardo Carneiro da Cunha (2012), “o critério que os delimita resulta da faixa de liberdade concedida ao administrador público para a prática dos atos de sua incumbência” (CUNHA, 2012, p. 621).
Nesse passo, não obstante a possibilidade de atuação discricionária, não se pode agir com arbitrariedade, pois o interesse público é imanente a qualquer ato administrativo.
Então, os pressupostos legais poderão ser verificados em qualquer ato.
3. Edição dos atos discricionários e o controle judicial
Como é cediço, diante da infinidade de situações que norteiam as relações sociais, entre os indivíduos e entre estes e o Estado, é impossível o legislador prever com exatidão todas as condutas a serem tomadas pelo administrador. Difícil também é prever diante de situações abstratas qual deve ser a melhor solução a ser tomada. Eis a razão pela qual se faz necessária a existência do poder discricionário.
Nesse passo, é imprescindível que, em determinadas situações, diante da análise do caso concreto, o administrador possa atuar com liberdade para escolher dentre as opções possíveis aquela que melhor atenda a finalidade pública.
Entretanto, ressalta-se que o limite para o exercício do poder discricionário encontra-se na própria lei por meio da sua interpretação teleológica, pois não se pode fugir da sua finalidade, sob pena de tornar-se uma promessa inconseqüente do próprio direito. Fugir dos seus limites implica nulidade do ato, passível de ser declarado pelo poder judiciário, pois dos atos ilegais não se originam direitos, conforme Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal (STF).
Leonardo Carneiro da Cunha faz a seguinte colocação:
Ultrapassados os limites da discricionariedade de molde a sobrepor-se ao espaço livre deixado pela lei, terá a administração invadido o campo da legalidade, atingindo os confins do arbítrio. Significa que, ao exercer o poder discricionário, não deve a autoridade pública desbordar dos traços delimitados pela lei. (CUNHA, 2012, 627)
Dessa forma, mesmo quando editado um ato discricionário, deve ser verificado se o interesse público foi atingido, sob pena de ser considerado inválido.
De mais a mais, não só no princípio da legalidade são encontrados os limites a autuação discricionária, mas igualmente nos postulados da razoabilidade e proporcionalidade.Em linhas gerais, o primeiro relaciona-se com o padrão social daquilo que é correto, ao passo que o segundo, da medida adequada, nem o mais nem o menos.
Desta feita, atualmente é pacifico o entendimento de que é passível o controle judicial dos atos discricionários, haja vista que até eles não podem sedistanciar do princípio da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
O Supremo Tribunal Federal inclusive já se manifestou diversas vezes sobre o tema, confira:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. LICENÇAS-PRÊMIO NÃO GOZADAS. CONCESSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 282 DO STF. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Ausência de prequestionamento do art. 37, caput, da Constituição. Incidência da Súmula 282 do STF. Ademais, a tardia alegação de ofensa ao texto constitucional, apenas deduzida em embargos de declaração, não supre o prequestionamento. II - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. III - Este Tribunal possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo discricionário tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes.IV - Agravo regimental improvido. (STF - ARE: 661845 RJ , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 05/03/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 15-03-2013 PUBLIC 18-03-2013)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 557 DO CPC. APLICABILIDADE. ALEGADA OFENSA AO ART. 2º DA CF. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE. CONTROLE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Matéria pacificada nesta Corte possibilita ao relator julgá-la monocraticamente, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil e da jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. 2. A apreciação pelo Poder Judiciário do ato administrativo discricionário tido por ilegal e abusivo não ofende o Princípio da Separação dos Poderes. Precedentes. 3. É incabível o Recurso Extraordinário nos casos em que se impõe o reexame do quadro fático-probatório para apreciar a apontada ofensa à Constituição Federal. Incidência da Súmula STF 279. 4. Agravo regimental improvido.(STF - AI: 777502 RS , Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 28/09/2010, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-204 DIVULG 22-10-2010 PUBLIC 25-10-2010 EMENT VOL-02421-05 PP-01103)
Conforme colecionado nos julgados acima, o ato tido por abusivo ou arbitrário sofrerá controle judicial sem que isso fique configurado ofensa a separação dos poderes, conforme art. 2º da CRFB/88.
Por outro lado, vale ressaltar que não cabe adentrar no mérito administrativo nos critérios de conveniência e oportunidade, mas tão somente averiguar os critérios legais. Não se admite que o Judiciário substitua a vontade do administrador ou escolha a decisão que repute mais adequada.
Maria Sylvia Zanella di Pietro apud Leonardo Carneiro Cunha preceitua:
A rigor, pode-se dizer que; com relação ao ato discricionário, o Judiciário pode apreciar os aspectos da legalidade e verificar se a administração não ultrapassou os limites da discricionariedade; neste caso, pode o Judiciário invadir o ato, porque a autoridade ultrapassou o espaço livre deixado pela lei e invadiu o campo da legalidade. (CUNHA, 2012, p. 631)
Com isso, o objetivo é apenas a correção de ilegalidades e desvios, para que se cumpra efetivamente com os princípios e regras constitucionais e legais.
4. Conclusão
Os atos administrativos discricionários são necessários ao cumprimento das próprias finalidades da administração pública, uma vez que é impossível o legislador prever todas as formas de atuação do administrador público.
Em que pese haver margem de oportunidade e conveniência para a escolha da melhor providência a ser dotada no caso concreto, esta deverá se dar de conformidade com os limites e fins sociais do direito, sob pena de intervenção do judiciário, por meio de provocação da parte interessada.
Nesse contexto, o controle judicial emerge como um importante instrumento de defesa contra as arbitrariedade e ingerências abusivas do administrador que age com desvio de finalidade. Entretanto, não cabe ao judiciário adentrar no mérito, sob pena de ofensa a separação de poderes.
5. Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 25 de novembro de 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.AI: 777502 RS, Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 28/09/2010, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-204 DIVULG 22-10-2010 PUBLIC 25-10-2010 EMENT VOL-02421-05 PP-01103. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16794397/agreg-no-agravo-de-instrumento-ai-777502-rs>. Acesso em 26 de novembro de 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 473.Administração Pública - Anulação ou Revogação dos Seus Próprios Atos. Disponível em: http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0473.htm. Acesso em: 26 de novembro de 2014.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo (SP): Dialética, 2012.
Procurador Federal, pós graduado em Direito e Processo Civil pela UNICOC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Armstron da Silva Cedrim. Controle judicial dos atos administrativos discricionários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42218/controle-judicial-dos-atos-administrativos-discricionarios. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.