RESUMO: Os servidores públicos são espécies de agentes administrativos e classificam-se, segundo a Constituição em: funcionários públicos (servidores investidos em cargos); empregados públicos (investidos em empregos); servidores públicos em sentido estrito (admitidos em funções públicas) e prestacionais de serviço público temporário (servidores contratados por tempo determinado). Portanto, todo aquele que ocupa um posto de trabalho dentro da Administração pública tem o rótulo genérico de “servidor”. Interessa-nos, neste trabalho, a questão do controle jurisdicional do ato de demissão do funcionário público da Administração direta, autárquica e fundacional(servidor estatutário), não sendo objeto do presente estudo a demissão dos demais servidores, eis que cada uma apresenta as suas peculiaridades, em razão do vínculo distinto que esses agentes mantêm com o Poder Público. Cumpre lembrar, ainda, que a demissão é uma sanção aplicável em virtude da prática de infração funcional grave, somente aplicável nas hipóteses expressamente previstas em lei, não se confundindo com a exoneração que, apesar de também extinguir o vínculo com a Administração, não tem qualquer relação com a aplicação de sanção[1].
PALAVRAS-CHAVE: Funcionário Público. Demissão. Ato Vinculado. Motivação. Controle. Poder Judiciário.
INTRODUÇÃO
Os atos administrativos inadequados ao fim para os quais foram destinados, ou contrários às disposições legais são inválidos, razão pela qual devem ser desfeitos. Assim, para tornar efetiva a submissão da Administração Pública à ordem jurídica, existe um tríplice sistema de controle de suas atividades: controle administrativo, legislativo e jurisdicional[2].
O controle legislativo é um controle externo a cargo do Poder Legislativo (o que inclui o Tribunal de Contas) e se divide em duas categorias básicas: o controle político e o controle financeiro. Como exemplos do controle legislativo podemos citar o julgamento anual das contas e o exame de relatórios (art. 49, IX, da CF/88), fiscalização direta dos atos do Poder Executivo (art. 49, X, CF/88), as comissões parlamentares de inquérito (art. 58, §3º, da CF/88), entre outros.
O controle administrativo caracteriza-se como uma justiça interna, dentro da própria Administração Pública que, assim agindo, pode revogar ou anular seus atos. Isso significa que a invalidação pela Administração implica no desfazimento do ato administrativo por motivos de conveniência ou oportunidade, como também por considerações de ilegalidade, sendo que esse autocontrole pode ser exercido de ofício pelo administrador.
Quando, porém, há situações contenciosas entre Administração Pública e o indivíduo, é o Poder Judiciário que exerce o controle jurisdicional das atividades administrativas, nas esferas civil e penal, anulando os atos e não os revogando (atribuição exclusiva de Administração). No entanto, ao contrário do que ocorre no controle administrativo, os atos administrativos não podem ser declarados inválidos de ofício pelo juiz, pois eles gozam de uma presunção de legalidade. Trata-se de um controle externo, cuja atuação, portanto, tem que ser provocada (princípio do dispositivo).
Além disso, ao declarar a nulidade do ato administrativo, a sentença, via de regra, restringe sua atuação ao caso sobre o qual se pronunciar, não operando efeitos de modo absoluto, ou seja, em relação a todos os atos da mesma natureza que houverem sido praticados pela Administração.
O Poder Judiciário, ainda, deve tomar cuidado para não substituir a Administração Pública nas suas funções, isto é, não pode agir como órgão administrativo superior. Para tanto,a apreciação jurisdicional se restringe ao exame da legalidade e legitimidade do ato administrativo jamais sobre o mérito administrativo (valoração dos motivos e escolha do objeto do ato). Isso, todavia, não significa que os atos discricionários não estão sujeitos ao controle judicial, pois caso contrário estaria aberto o caminho para a prática de atos arbitrários. Assim, no exercício do poder discricionário, todos os elementos do ato previstos em lei constituem matéria de legalidade e, portanto, são passíveis de anulação pelo controle externo. “O que o Judiciário não pode é ir além do exame da legalidade, para emitir um juízo de mérito sobre os atos da Administração.”[3]
Não se deve confundir, entretanto, conveniência e oportunidade do ato com seus motivos determinantes, estes sim passíveis de verificação pelo juiz. Assim, uma vez motivado o ato, este se torna vinculado ao motivo exposto de modo que se o magistrado verificar desconformidade entre ele e a realidade o ato será inválido e poderá assim ser declarado pelo Judiciário.
Ao juiz, porém, jamais cabe interferir na apreciação feita pelo administrador sobre a conveniência ou oportunidade do ato, devendo restringir-se ao exame da legalidade, incluindo-se aqui a comprovação dos motivos que nada mais são do que as razões que fundamentam os atos administrativos.
Miguel Seabra Fagundes bem explica os limites do controle jurisdicional ao invocar lição de Raneletti:
“Ao Judiciário não se submetem os interesses que o ato administrativo contrarie, mas apenas os direitos individuais, acaso aferidos por ele. O mérito é de atribuição exclusiva do Poder Executivo e o Poder Judiciário, nele penetrando, ‘faria obra de administrador, violando, dessarte, o princípio da separação dos poderes’.”[4]
DESENVOLVIMENTO
1. Princípio da Legalidade
A legalidade impõe ao administrador total obediência aos preceitos legais quando da realização dos atos administrativos na busca do bem comum, pois no Direito Público não há liberdade nem vontade pessoal. Além disso, o ato administrativo envolve, em regra, múltiplos interesses, ao contrário do ato jurídico privado que se restringe, normalmente, às partes contratantes (pode, contudo, atingir interesses de terceiros, fazendo, porém, de maneira mais restrita que o ato jurídico público ou, teoricamente, denominado “ato administrativo”).
Assim, a Administração Pública está sempre subordinada à lei, de modo que – e aqui novamente invocamosHely Lopes Meirelles, “enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.”[5] Dessa forma, deve haver expressa autorização legal para que a autoridade pública possa agir.
O princípio da legalidade não admite exceções, nem mesmo (e muito menos) quando o Poder Público contrata servidores. Sempre, portanto, que for praticar qualquer ato administrativo que tenha repercussões jurídicas na relação jurídica que ele mantém com seu servidor, a Administração, através de seus agentes administrativos, deve se submeter aos ditames da lei, sob pena de praticar ato nulo, passível de reconhecimento pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.
O ato demissório de servidor concursado, estável ou não, é, portanto, ato vinculado típico, pois todos os “passos” da Administração estão previamente condicionados pela lei.
1.1. Poder Discricionário
A Administração Pública manifesta sua vontade através dos seus agentes administrativos. Os atos praticados por esses servidores revestem-se de requisitos diferenciados de maneira que deixam de ser simples atos jurídicos genéricos e passam à condição de ato administrativo, cujos elementos são forma, motivo, competência, objeto lícito e finalidade.
É o Poder Vinculado da Administração que impõe aos seus servidores total submissão à lei, em todos os elementos do ato administrativo. Ausente um dos requisitos, o ato é nulo. Isso porque o princípio da legalidade restringe a liberdade do Poder Público, vinculando-o aos ditames legais previamente estipulados para segurança dos próprios administrados.
Assim, uma vez previstos em lei todos os elementos do ato administrativo, eles devem ser obedecidos, de forma que o agente público estará realizando o chamado ato vinculado.
Por outro lado, é impossível ao legislador prever todas as situações concretas, em virtude da grande dinâmica que é a sociedade atual. Em razão disso, existe a possibilidade da Administração agir com uma margem de liberdade ou, em outras palavras, ela é dotada de Poder Discricionário que concede aos agentes públicos maior flexibilidade na escolha da conveniência e oportunidade do ato, bem como na possibilidade de praticá-lo com objetivo variável, de maneira a determinar o modo mais adequado de agir.
Dessa forma, enquanto no ato vinculado todos os elementos estão previstos em lei, no ato discricionário não. Os elementos vinculados são sempre a competência, finalidade e forma; o objeto e o motivo podem não estar previstos em lei, razão pela qual o administrador tem maior liberdade na sua decisão, tendo sempre em vista, porém, o interesse da coletividade. Assim, quando no exercício a competência discricionária, não há que se falar em atos nulos relacionados ao seu motivo ou conteúdo. Quanto aos demais elementos, o agente administrativo está obrigado a total obediência às previsões legais.
José Cretella Jr. nos mostra claramente como diferenciar a vinculação da discricionariedade:
“Os atos vinculados, dizem-se também atos executivos, porque devem constituir mera execução do preceito legal. Praticando-os, conforma-se a Administração com o procedimento determinado na lei, ao se verificarem as circunstâncias precisa e objetivamente antevistas pelo texto legal.”[6]
E finaliza dizendo, “(...) nos atos discricionários a rota foi apenas esboçada, genericamente, cabendo à Administração a faculdade de escolha.”[7]
Não se pode, contudo, confundir discricionariedade com arbitrariedade. Ambas expressam a ideia de liberdade, mas enquanto nesta a liberdade é ilimitada, sem qualquer subordinação à lei, naquela há um limite importo por essas leis, de modo que, ao atuar no campo da discrição, o gestor da coisa pública pode agir ou deixar de agir somente dentro dos parâmetros legais.
Sendo assim, o limite do Poder Discricionário é, justamente, o fim legal que, para a Administração, traduz-se na busca do bem comum. Não atendendo a esta finalidade, a autoridade estará exorbitando do poder que lhe foi conferido e o seu ato estará sujeito à anulação.
A discricionariedade, então, “não pode e não deve ser usada pela Administração Pública para dissimular atos arbitrários, fruto da vontade pessoal do administrador público, gerados pela vaidade ou pelo interesse em demonstrar austeridade, que na verdade inexiste. O poder discricionário, portanto, somente se legitima quando o administrador público utiliza-o escolhendo a melhor opção, a melhor escolha dentre aquelas que se lhe apresentam, resguardando, com este agir, o interesse público, razão última da existência do próprio Estado.”[8]
1.2. Desvio de Poder
O fim, “resultado que produz o efeito do ato”[9], é elemento integrante do ato administrativo, estando sempre previsto em lei.
Quando o ato administrativo afasta-se do fim para o qual foi estabelecido, para buscar outro não previsto, mesmo que lícito, há o desvio de finalidade (ainda que todos os outros aspectos estejam regulares), razão pela qual o ato estará sujeito à anulação. Assim, o desvio de poder é uma forma de ilegalidade, pois a finalidade é uma faceta da legalidade.
José Cretella Junior, apresenta-nos seu conceito para o assunto:
“Desvio de poder é o uso indevido, que a autoridade administrativa faz do poder que lhe é conferido, para atingir finalidade, pública ou privada, diversa daquela que a lei preceituara[10].”
E, em outra obra, complementa:
“O ato administrativo é o porta voz da Administração, em seu relacionamento com o administrado. Para isso, é necessário que o ato administrativo entre no mundo jurídico, com mais absoluta perfeição. Viciado ou defeituoso, causa transtornos à própria ordem jurídica. Ora, o desvio de poder é dos piores vícios ou defeitos que maculam a vontade da Administração. O ato viciado de desvio de poder, é suscetível de anulação, porque se trata de verdadeiro ‘aberratio finis legis’, acobertado pelo mato da legalidade, o ato viciado adentra-se no mundo jurídico de maneira ‘mascarada’. É preciso desfazer o embuste, já que a medida foi informada por móveis pessoais – rancor, ódio, animosidade, política, religião, econômica. Deixando de ser administrador, o agente público se tornou ‘dominus’, proprietário de coisa pública. Não se inspirou no interesse público, agiu no interesse privado.”[11]
Com efeito, o desvio de poder aparece, principalmente, em casos de poder de polícia e demissão de servidores. Nestes, o détournement de pouvoir caracteriza-se quando a dispensa ocorre não para atender interesses públicos, mas por motivos de vingança, favorecimento pessoal ou quando estão em jogo interesses políticos. Exemplo típico, já apreciado por nossos Tribunais, é a demissão de funcionário público, nomeado em caráter efetivo, visando à economia dos cofres públicos, sendo que, posteriormente a essa dispensa, outras pessoas são nomeadas para cargos idênticos. Há, aqui, clara contradição entre os atos praticados, ficando evidente o desvio de poder. Ora, acobertado por uma finalidade – bom andamento do serviço público, o administrador pratica ato com fim diverso para o qual foi destinado, qual seja, atendimento de interesses particulares ou de simpatias ideológicas ou partidárias.
Enfim, haverá desvio de poder quando o administrador, estando obrigado a obedecer à lei, dela se distancia obtendo resultados diversos do que determinou o legislador.
2. Apreciação Jurisdicional da Demissão de Servidores Públicos
A demissão de servidores públicos concursados deve ser precedido, em regra, de processo administrativo que apure alguma falta que justifique tal medida.Nesse sentido, a Súmula 20 do Supremo Tribunal Federal: “É necessário processo administrativo com ampla defesa para demissão de funcionário público admitido por concurso.”
Trata-se de pressuposto formal cuja ausência implica invalidade do ato, de maneira que o servidor deverá ser reintegrado aos quadros da Administração.
Ocorre que apenas a realização do processo administrativo não permite, por si só, concluir pela validade do ato demissório. A lei exige fundamento para tanto, ou seja, nesse processo deverá haver, além do direito à ampla defesa, provas convincentes que apontem a prática de ato previsto em lei passível de punição com a pena de demissão.
Essa é a opinião do ex-ministro Laudo de Camargo e citado por Seabra Fagundes em sua obra que, embora antiga continuará sempre atual:
“Alega-se que o ato foi legítimo e legal, porque foi precedido do processo administrativo. Mas, que importa essa precedência, se o processo não justificava a medida? A lei, quando exige a feitura prévia de um processo administrativo para autorizar a demissão, por certo exigiu igualmente que as provas resultantes fôssem contra o funcionário. Do contrário, seria o regime do arbítrio, coisa que nunca teria passado pelo espírito de quem legislou.”[12]
Cabe, então, ao Poder Judiciário, através do controle jurisdicional apurar a legalidade do ato demissório, fazendo-o sob dois aspectos: ao juiz cabe verificar se o administrador público realizou o processo administrativo como determina a lei, garantindo ao acusado direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como se a prova trazida autoriza a pena aplicada – a demissão. Embora esta pareça uma questão de mérito, não o é, pois o Judiciário limita-se a verificar se o processo administrativo apurou um dos motivos dados pela lei autorizando a pena de demissão.
Vale lembrar que o ato de demissão é típico ato vinculado, inexistindo qualquer liberdade de escolha pelo administrador: ou o servidor praticou o ato previsto em lei punível com demissão e ele terá que ser dispensado, ou ele não o praticou e, então, eventual demissão será ilegal. Ainda que o administrador entenda que o ato praticado foi gravíssimo e, portanto, o funcionário deveria ser punido com a pena de demissão, ela não poderá ser aplicada se não estiver prevista na lei como sanção para esse ato.
Enfim, ao demitir o funcionário, o agente público deve apontar a justificativa para a aplicação dessa sanção máxima. Diz-se, então, que o ato de demissão deve ser motivado.
Somente assim se evita o desvio de poder no ato demissório, e se permite amplo controle pelo Poder Judiciário a quem compete verificar se o processo administrativo apurou um dos motivos dados pela lei como capazes de justificar a demissão do servidor.
O Superior Tribunal de Justiça reiteradamente se manifesta nesse sentido:
“I – Tendo em vista o regime jurídico disciplinar, especialmente os princípios da dignidade da pessoa humana, culpabilidade e proporcionalidade, inexiste aspecto discricionário (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar.
II – Inexistindo discricionariedade no ato disciplinar, o controle jurisdicional é amplo e não se limita a aspectos formais.” (MS 12.927/DF, 3ª S., rel. Min. Felix Fisher, j. em 1/12/2007, DJ de 12/02/2008, p.1)
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 458 E 535, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ARGUIÇÃO GENÉRICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONTROLE JURISDICIONAL. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 83 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. WRIT OF MANDAMUS ANTERIORMENTE IMPETRADO. SEGURANÇA DENEGADA POR IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. COISA JULGADA MATERIAL. INOCORRÊNCIA. AJUIZAMENTO DE AÇÃO ORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. 1. Quanto à pretensa violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, não tendo sido esclarecido de maneira específica, ponto a ponto, quais questões, objeto da irresignação recursal, não foram debatidas pela Corte de origem, incide, na hipótese, a Súmula n.º 284 da Suprema Corte. 2. Para a hipótese de pena de demissão imposta a servidor público submetido a processo administrativo disciplinar, não há falar em juízo de conveniência e oportunidade da Administração, visando restringir a atuação do Poder Judiciário à análise dos aspectos formais do processo disciplinar, porquanto, em tais circunstâncias, o controle jurisdicional é amplo, no sentido de verificar se há motivação para o ato demissório. 3. No tocante à inobservância aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, o aresto relativo ao MS 8.202/DF concluiu pela impropriedade da via eleita, uma vez que a matéria carecia de dilação probatória, o que faculta a propositura de ação ordinária para debate e decisão acerca do direito vindicado, porquanto, nessa hipótese, não ocorre a formação da coisa julgada material. 4. Agravo regimental desprovido.” (AGRESP 200800404933/ AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 1034008, STJ, 5ªT, Min. Rel. Laurita Vaz, j. 31/05/2011, DJE 14/06/2011) |
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. ATO VINCULADO. APLICAÇÃO. ADVOCACIA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DAS CONDUTAS UTILIZADAS COMO FUNDAMENTO DO ATO DEMISSÓRIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PENA ANULADA. 1. A aplicação de penalidades, ainda que na esfera administrativa, deve observar os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, isto é, a fixação da punição deve ater-se às circunstâncias objetivas do fato (natureza da infração e o dano que dela provir à Administração), e subjetivas do infrator (atenuantes e antecedentes funcionais). A sanção não pode, em hipótese alguma, ultrapassar em espécie ou quantidade o limite da culpabilidade do autor do fato. 2. A motivação da punição é indispensável para a sua validade, pois é ela que permite a averiguação da conformidade da sanção com a falta imputada ao servidor. Sendo assim, a afronta ao princípio da proporcionalidade da pena no procedimento administrativo, isto é, quando a sanção imposta não guarda observância com as conclusões da Comissão Processante, torna ilegal a reprimenda aplicada, sujeitando-se, portanto, à revisão pelo Poder Judiciário, o qual possui competência para realizar o controle de legalidade e legitimidade dos atos administrativos. 3. A configuração da advocacia administrativa pressupõe que o servidor, usando das prerrogativas e facilidades resultantes de sua condição de funcionário público, patrocine, como procurador ou intermediário, interesses alheios perante a Administração. 4. O art. 9º da Lei n.º 8.429/92 define que "constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade" nas entidades nela mencionadas. 5. Hipótese em que o Recorrente teria protocolado, para terceiros, uma única vez, um pedido de transferência de um único veículo na CIRETRAN, sem notícia de que estivesse auferindo alguma vantagem por isso ou se utilizando do cargo que ocupava para obter algum benefício. 6. Recurso provido para conceder a segurança.” (ROMS 200501534621/ ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 20665, STJ,5ªT, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 05/11/2009, DJE 30/11/2009) |
“RECURSO ORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MÉRITO ADMINISTRATIVO.DEMISSÃO. FALTA DE RAZOABILIDADE NA PENA APLICADA. INEXISTÊNCIA. OBSERVÂNCIA DE DEVIDA MOTIVAÇÃO DO ATO DEDEMISSÃO. 1. Não há falta de razoabilidade na aplicação da pena de demissão, se ao impetrante foi imputada a conduta que, nos termos da Lei Estadual nº 6.123/68, tem como única penalidade cabível a demissão. 2. Observância, na espécie, da devidamotivação do ato de demissão do servidor público, que apontou provas suficientes da prática de infrações previstas na lei. 3. Recurso ordinário improvido.” (ROMS200400775090 |
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO CONFIGURADO. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. 1. O mandado de segurança não é a via adequada para se reexaminar o conteúdo fático-probatório constante do processo administrativo (MS 13.161/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 23/02/2011, DJe 30/08/2011). A atuação do Poder Judiciário circunscreve-se, nessas hipóteses, ao campo da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo, o que inviabiliza a análise e a valoração das provas constantes do processo administrativo (AgRg no RMS 25.722/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 13/09/2013). 2. No caso de pena disciplinar de demissão, é cabível ao Poder Judiciário perquirir acerca da motivação do ato à luz dos princípios norteadores da Administração Pública, máxime quanto à proporcionalidade da pena. 3. Não é desproporcional a pena de demissão do impetrante que, ao ser abordado pela receita federal com mercadorias estrangeiras sem notas fiscais, tentou por várias vezes ser liberado com seu carro e as mercadorias após se identificar como policial rodoviário federal. 4. A conduta, portanto, se enquadra no inciso IX do art. 117 da Lei nº 8.112/90 (valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública), o que autoriza a aplicação da penalidade de demissão, nos termos do art. 132, XIII, da Lei n. 8.112/90. 5. Segurança denegada.” (MS 200901225879 |
O Poder Judiciário funciona, portanto, comoórgão de controle da fidelidade à lei pela Administração, no sentido de que verifica se esta agiu conforme determinara o legislador.
CONCLUSÃO
A demissão é ato vinculado, não havendo espaço para juízo de conveniência e oportunidade. Em razão disso, o controle jurisdicional pode ser feito de maneira ampla, sem que isso implique violação ao princípio da separação de poderes.
Para a demissão do servidor estatutário é obrigatória a realização de um procedimento administrativo, bem como a motivação, já que sua ausência dá lugar ao chamado desvio de poder.
A motivaçãono ato demissório de funcionário públicoé, pois, sempre imprescindível, seja para dar maior clareza aos atos praticados pela Administração, afastando qualquer dúvida acerca de sua moralidade, seja para permitir a verificação da legalidade do ato quando impugnado perante o Poder Judiciário.
REFERÊNCIAS
BULOS, UadiLammêgo. Constituição Federal anotada. 8ª ed. rev. e atual. Até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Saraiva, 2008;
CRETELLA JUNIOR, José. Anulação do Ato Administrativo por Desvio de Poder. 1 ed. Rio de Janeiro. Forense, 1978;
CRETELLA JUNIOR, José. Do Desvio de Poder. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964;
DELGADO, José Augusto. O Princípio da Moralidade Administrativa e a Constituição Federal de 1988. In Revista Forense, v. 318, p.55-65;
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, 1230 p.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009;
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
[1] A exoneração do funcionário público pode ocorrer em diversas situações: quando o servidor pede para ser exonerado (exoneração a pedido); quando ele toma posse e não entra em exercício no prazo legal; no caso do servidor não estável ser reprovado no estágio probatório e, finalmente, quando o servidor, independentemente de ser estável ou não, é afastado do serviço público com vista à observância dos limites de gasto com pessoal para cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, nos termos do artigo 169, §§3º e4º, da CF/88.
[2] O Ministério Público também exerce um controle externo sobre os atos administrativos, quando instaura um inquérito civil público, ou quando ajuíza uma ação popular ou uma ação civil pública. Entretanto, ele não é titular de competência mandamental, não podendo emitir ordem a ser obrigatoriamente cumprida pela Administração Pública, devendo se socorrer do Judiciário para tanto, razão pela qual não o colocamos como uma quarta espécie de controle.
[3]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 1999, p.634
[4] FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 1967. p. 150.
[9] CRETELLA JUNIOR, José. Ob. Cit. p. 33
[10] CRETELLA JUNIOR, José. Ob. Cit. p. 27
[11] CRETELLA JUNIOR, José. Anulação do Ato Administrativo por Desvio de Poder. 1978. Sobrecapa
[12] FAGUNDES, Miguel Seabra. Ob. Cit. p. 156
Procuradora Federal, graduada em 2001 pela Faculdade de Direito da PUC Campinas e pós-graduada em Direito Tributário também pela PUC Campinas no ano de 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Flavia Malavazzi. O controle do ato de demissão do funcionário público pelo Poder Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42224/o-controle-do-ato-de-demissao-do-funcionario-publico-pelo-poder-judiciario. Acesso em: 23 dez 2024.
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