RESUMO: O poder de polícia é destaque na atuação administrativa com o escopo de preservação do interesse público diante dos diários conflitos contextualizados no âmbito do gozo da liberdade e propriedade privadas. Necessário, portanto, avaliar sua conceituação, sua localização no ordenamento jurídico brasileiro, distinguindo-se seus atributos e características essenciais ao correto exercício das prerrogativas do administrador público, sem prejuízo de eventual responsabilização no caso de desvio ou abuso de poder.
PALAVRAS-CHAVE: Administração – Poder De Polícia –Delegação – Ato Vinculado – Discricionariedade – Coercibilidade – Autoexecutoriedade – Desvio Ou Abuso De Poder – Autotutela Administrativa – Controle Judicial – Dignidade Humana.
No desempenho de suas atividades, o Estado abarca para si responsabilidades ínsitas à coesão comunitária, notadamente relacionadas à segurança dos indivíduos, de modo a disciplinar as relações sociais, cuidando da ordem pública e zelando pela regularidade de práticas que impliquem benefícios à sociedade.
Desta feita, no desempenho de suas atividades, diante da necessidade de disciplinar as relações sociais, o Estado precisa, por diversas vezes e em variadas circunstâncias, conferir peculiares prerrogativas a si mesmo, bem como a seus agentes. Neste espeque, diante do inegável conflito entre interesses público e privado, restrições aos direitos dos indivíduos são imprescindíveis.
Desse modo, ao interferir na seara do interesse privado para tutelar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua o Poder Público no regular exercício de seu poder de polícia.
Referida expressão, poder de polícia, entretanto, não apresenta sentido unívoco. Não basta dizer que se cuida da ingerência do Estado em interesses individuais. Em verdade, poder de polícia pode significar tanto a própria edição de leis, pelo Poder Legislativo, restringindo interesses privados (poder de polícia lato sensu), como somente a atividade administrativa, condicionando o gozo da liberdade e propriedade privadas (poder de polícia stricto sensu).
No que interessa ao presente artigo, cuidar-se-á somente da acepção poder de polícia em stricto sensu, abstraindo-se a ação restritiva do Estado perpetrada mediante a atividade legislativa.
Diversos são os conceitos atribuídos à expressão poder de polícia, sendo desnecessário esmiuçar, neste trabalho, as diferenças de cada qual. Em verdade, interessante se mostra apontar o ponto crucial de convergência de todos estes entendimentos: o dilema verificado a partir do exercício de direitos individuais aptos a interferir no exercício de direitos e liberdades públicas.
No ordenamento jurídico brasileiro, o poder de polícia é mencionado pelo artigo 145, inciso II, da Constituição Federal como motivo fundante autorizador da instituição de taxas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Já na esfera infraconstitucional, o artigo 78 do Código Tributário Nacional, recepcionado pela nova ordem jurídica, descreve com mais propriedade o que se considera por poder de polícia, nos seguintes termos:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
O exercício do poder de polícia, bem como sua distribuição entre os diversos entes que compõe a Federação Brasileira, atrela-se à pessoa jurídica com competência para regular a matéria objeto da atuação administrativa, sendo possível, inclusive, o seu exercício simultâneo, por mais de um ente federativo, verificando-se hipótese de competência concorrente.
Isto não afasta, por oportuno, a necessidade de estes atos respeitarem o princípio da legalidade esculpido no artigo 37, caput, da Constituição Federal – já que, provenientes da atividade administrativa (lembrar que estamos tratando do poder de polícia em seu conceito estrito, excluindo-se a atividade legislativa). Portanto, mesmo na hipótese de competência concorrente para seu exercício, só haverá poder de polícia quando devidamente autorizado em lei.
Por outro lado, não obstante a necessidade de previsão do poder de polícia em lei, o agente competente para seu exercício pode, a particulares inclusive, delegar os atos materiais ou executórios a ele inerentes. Referida conduta vai ao encontro de outro princípio administrativo constitucionalizado: o princípio da eficiência. Nesse contexto, por óbvio, cabe ao agente delegante exercer contínua fiscalização sobre o agente delegado, aferindo o cumprimento contínuo dos objetivos preconizados pelo poder de polícia, pondo a salvo os interesses da coletividade.
Referida delegação a particulares, todavia, restringe-se a situações excepcionais e motivadas por relevante interesse público, não podendo ser adotada como regra. A regra, bom se faz dizer, consiste na delegação de atividades de poder de polícia a pessoas jurídicas de direito público, a compor a administração pública indireta. Discute-se, aliás, sobre a legalidade em muitas situações de delegação do poder de polícia a entidades da administração pública dotadas de personalidade jurídica de direito privado (e.g., empresas públicas e sociedades de economia mista).
Na regulamentação das denominadas parcerias público-privadas, o art. 4º, inciso III, da Lei Federal n. 11.076 aponta, de outra parte, serem indelegáveis as funções do exercício do poder de polícia, descrito como atividade exclusiva do Estado.
Seguindo no trato do tema, o poder de polícia manifesta-se tanto preventivamente, por meio de diversos órgãos da Administração Pública (polícia administrativa) como repressivamente, por órgãos da administração direta com o escopo precípuo de auxiliar a justiça criminal (polícia judiciária).
Seja na seara da polícia administrativa, seja na da polícia judiciária, a atividade em testilha fundamenta-se na prevalência do interesse público sobre o particular, visando à proteção do interesse coletivo cuja titularidade, difusa, incumbe ao Estado.
Como no presente trabalho não se cuida da atividade de poder de polícia exercida pelo Poder Legislativo, pode-se afirmar que a administração possui diversos meios para promover seu respectivo exercício. Assim, inegável considerar como exercício do poder de polícia a atividade da administração ao editar atos normativos de conteúdo genérico, abstrato e impessoal; ao editar atos concretos com vistas a determinadas situações ou indivíduos (licenças, autorizações); bem como ao fiscalizar, seja repressiva ou preventivamente.
Posta assim a questão, se a administração se deparar com dano ou risco iminente ao interesse público, estará plenamente vinculada a agir para resguardá-lo (caráter vinculado). Ao mesmo tempo, porém, a administração possui a faculdade de optar pela forma de exercício deste poder de polícia (caráter discricionário), considerando a oportunidade e conveniência com vistas à efetividade no atendimento do interesse público.
Deverá a administração pública, obrigada a agir, escolher a forma que guarneça com maior propriedade o interesse público e que, concomitantemente, implique a menor interferência possível nos interesses particulares individualmente atingidos. Em qualquer caso, porém, será a lei quem permitirá, ou não, sobredita liberdade administrativa.
Como característica inerente aos próprios fins a que se destina, o poder de polícia é dotado de coercibilidade e autoexecutoriedade. Pela primeira, obriga que os administrados espontaneamente lhe deem atendimento; pela segunda, permite a imposição e execução dos atos pela própria administração, sem a necessidade de manifestação do Poder Judiciário.
Bom se faz dizer, a este respeito que a execução forçada (privilége d’action d’office), decorrente da autoexecutoriedade, exige a verificação de circunstâncias bastantes específicas, sob pena da prática de infrações penais e até mesmo da responsabilização civil do Estado. Somente a análise do caso concreto, assim, poderá legitimar a execução forçada pela administração pública, desde que autorizada pela lei e diante da urgência da medida, sob pena de provocar prejuízo nefasto ao interesse público.
Vale dizer, inclusive, que se houver urgência na adoção da medida autoexecutória, sob pena de deterioração irreversível ou injustificável do interesse público, até mesmo o contraditório se faz dispensado num primeiro momento. Poderá, de outra parte, ser exercido posteriormente, em eventual pedido de responsabilização do Estado por perdas e danos sofridos.
De todo modo, o poder de polícia encontra limites nos fins (predominância do interesse público sobre o particular) e no objeto (princípio da proporcionalidade dos meios aos fins), essencialmente. Também há limitações quanto à competência, forma e motivo, porém estas se aplicam a todos os atos administrativos de modo geral, sem qualquer especificidade. Já os atos administrativos atinentes ao exercício de poder de polícia, sem prejuízo das sobreditas regras gerais, devem se pautar pelas regras da necessidade, proporcionalidade e eficácia, sob pena de sua invalidação, seja pela própria administração pública (autotutela administrativa), seja pelo Poder Judiciário (via jurisdicional).
Conclui-se, de todo o exposto, que o poder de polícia apresenta-se essencial ao Estado no cumprimento de seus deveres constitucionalmente estabelecidos, permitindo-lhe zelar pela prevalência do interesse público sobre o particular, de modo a preservar, ao mesmo tempo, o gozo da liberdade e propriedade privadas sem macular, de outro modo, a dignidade humana vista como vetor supremo dos interesses socialmente protegidos, sob pena de responsabilização, seja pela omissão do Estado no cumprimento de seus papéis, seja pela sua atuação em nítido desvio de finalidade, com abuso ou excesso de poderes.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JANNUCCI, Alessander. Meios de atuação do poder de polícia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42252/meios-de-atuacao-do-poder-de-policia. Acesso em: 23 dez 2024.
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