1. INTRODUÇÃO
A responsabilidade do empresário individual com seus bens pessoais é questão corriqueira das execuções, sejam fiscais ou não, por todo o país.
Esta responsabilização acarreta não o redirecionamento da execução, mas sim, o afastamento da ficção jurídica constituída pela firma individual, para que se atinja o patrimônio do próprio empresário, que pode ter seus bens pessoais imediatamente afetados pelos atos constritivos.
É a discussão sobre esta possibilidade que vamos tratar neste breve ensaio.
2. DESENVOLVIMENTO
O empresário individual, conquanto esteja inscrito no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, não é considerado pessoa jurídica, pois equivale a um comerciante exercendo atos de comércio individualmente.
Como destaca Fábio Ulhoa Coelho “empresário é definido na lei como o profissional exercente de ‘atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços’ (CC, art. 966). Destacam-se da definição as noções de profissionalismo, atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços. (...) o empresário pode ser pessoa física ou jurídica. No primeiro caso, denomina-se empresário individual; no segundo sociedade empresária”[1].
Ensina Rubens Requião, ao definir as espécies de empresário comercial:
O empresário comercial pode exercitar a afinidade empresarial individualmente: será então um empresário comercial individual.
A firma individual, do empresário individual, registrada no Registo de Comércio, chama-se também de empresa individual. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda (Ap. cív. n. 8.447 – Lages, in Bol. Jur. ADCOAS, n. 18.878/73)[2]
O empresário individual difere do recém criado instituto jurídico da empresa individual de responsabilidade limitada - EIRELI, inserido no Código Civil pela Lei n. 12.441, de 11 de julho de 2011, eis que esta é expressamente consideradapessoa jurídica, nos termos do art. 44, VI, da Lei n. 10.406/2002, tendo regras próprias, como, por exemplo, obrigatoriedade de integralização do capital social em valor não inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país.
Como o empresário individual não é considerado pessoa jurídica, seu patrimônio pessoal se confunde com o de seu empreendimento, como ressaltado por Rubens Requião.
Nesta linha de raciocínio é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Processual civil. Recurso especial. Ação rescisória. Agravo retido. Inviabilidade. Embargos de declaração. Não demonstração da omissão, contradição ou obscuridade. Patrimônio do empresário individual e da pessoa física. Doação. Invalidade. Ausência de outorga uxória. Erro de fato. Tema controvertido. Violação a literal disposição de lei.
- Em ação rescisória, da decisão unipessoal que causar gravame a parte, não é cabível o agravo retido.
- Não se conhece do recurso especial na parte em que se encontra deficientemente fundamentado.
- Se o alegado erro foi objeto de controvérsia na formação do acórdão, incabível a ação rescisória.
- Empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer civis quer comerciais.
- Indispensável a outorga uxória para efeitos de doação, considerando que o patrimônio da empresa individual e da pessoa física, nada mais são que a mesma realidade. Inválido, portanto, o negócio jurídico celebrado.
Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(REsp 594.832/RO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2005, DJ 01/08/2005, p. 443)
Desta ilação se conclui que a responsabilidade do empresário individual é ilimitada, podendo seus bens pessoais serem atingidos por qualquer ato da firma individual. Esta responsabilidade ilimitada do empresário individual foi fundamento da criação pelo legislador do empresário individual de responsabilidade limitada - EIRELI, evitando assim, que os bens do empresário individual fossem atingidosno caso de constrição judicial.
Contudo, para aqueles empresários individuais que não se adequaram a nova lei, prevalece a confusão patrimonial. Para estes, tanto nos casos de processos administrativos como de processos judiciais, na hipótese de eventual responsabilização, como, por exemplo, em face de extinção da firma individual, é possível que haja intimação da própria pessoa física, valendo-se de seu CPF. Desse modo, viabiliza-se o prosseguimento da execução do empresário individual a partir do número de seu CPF, atingindo diretamente seu patrimônio pessoal.
Nessas situações, no curso de processos administrativos, verificando se tratar de empresário individual, pode-se notificar o empresário em seu próprio CPF para se manifestar nos autos, caso haja extinção da firma individual.
Outrossim, é possível em execução fiscal ou mesmo na execução pelo rito do Código de Processo Civil, requerer sejam penhorados os bens pessoais do empresário, para garantirem o processo executivo.
Não se cuidará de desconsideração da personalidade jurídica, conforme art. 50 do Código Civil ou art. 592, II, do Código de Processo Civil, porquanto na desconsideração se pressupõe a existência da pessoa jurídica, que “é um instrumento técnico-jurídico desenvolvido para facilitar a organização da atividade econômica”[3], o que, como visto acima, não é o caso, já que o empresário individual permanece sendo pessoa física.
De igual maneira, não será o caso de redirecionamento da execução, porquanto o redirecionamento, também pressupõe a existência de pessoa jurídica.
O empresário individual, portanto, poderá ser chamado, seja no processo administrativo, seja no judicial, a responder pelos atos praticados ao exercer a atividade econômica, de maneira direta.
Óbvio, contudo, que nos casos em que o empresário individual for de responsabilidade limitada-EIRELI, conforme art. 44, VI, da Lei n. 10.406/2002, com alteração trazida pela Lei n. 12.441, de 11 de julho de 2011, por se tratar de pessoa jurídica, a responsabilização do empresário pessoa física exigirá a observância das regras para desconsideração da pessoa jurídica e o redirecionamento da execução. Ou seja, o patrimônio pessoal do empresário individual de responsabilidade limitada-EIRELI tem alcance condicionado a demonstração dos requisitos legais.
É relevante asseverar, contudo, que a desconsideração da pessoa jurídica e o redirecionamento da execução quando se cuidar de EIRELI ocorrerá apenas para o caso concreto, não invalidando de maneira definitiva a pessoa jurídica. Leciona Fredie Didier Jr neste sentido:
A teoria da desconsideração não tem por finalidade extinguir a pessoa jurídica – trata-se de uma técnica de suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, de modo a buscar, no patrimônio dos sócios, bens que respondam pela dívida contraída[4].
3. DA CONCLUSÃO
O empresário individual tem responsabilidade pelos atos de seu estabelecimento comercial, decorrendo desta responsabilidade a possibilidade de seus próprios bens pessoais responderem nos processos administrativos e judiciais. Não será o caso de redirecionamento dos processos, já que seus patrimônios se confundem.
Contudo, quando o empresário individual for de responsabilidade limitada-EIRELI, o atingimento de seus bens estará condicionado a observância das regras de desconsideração da pessoa jurídica.
Desse modo, é mais vantajoso ao empreendedor que for explorar uma atividade econômica de forma individual, que o faça pela forma de EIRELI, desde que consiga cumprir as regras previstas para essa nova modalidade de pessoa jurídica prevista no Código Civil.
BIBLIOGRAFIA
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 16 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2005.
DIDIER JR, Fredie. Regras processuais no novo código civil: aspectos da influência do Código Civil de 2002 na legislação processual. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2004.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 16 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2005, p. 11 e p. 19.
[2] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 68
[3] DIDIER JR, Fredie. Regras processuais no novo código civil: aspectos da influência do Código Civil de 2002 na legislação processual. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1.
[4]In, op. cit.,p. 2.
Procuradora Federal. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIA, Carolina Lemos de. O empresário individual e a responsabilização de seu patrimônio pessoal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42257/o-empresario-individual-e-a-responsabilizacao-de-seu-patrimonio-pessoal. Acesso em: 23 dez 2024.
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