1. Introdução
Encontra-se em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei 8.046/2010, originário do Senado Federal (PLS n. 166/201), que visa à promulgação de um novo Código de Processo Civil.
O presente trabalho concentrar-se-áno estudo da proposta de mudança do sistema recursal, que sofrerá importante inovação com o fim da regra de recebimento da apelação com efeito suspensivo, trazendo a eficácia imediata da sentença como regra no processo civil.
2. Dos efeitos dos recursos de sentença no processo civil brasileiro
A doutrina identifica diversos efeitos aos recursos, dentre eles o devolutivo, o suspensivo, o expansivo, o substitutivo, o regressivo e o diferido.
Para o presente estudo, os efeitos que merecerão análise detida serão os efeitos devolutivo e suspensivo, os quais terão destaque com as alterações a serem promovidas pelo projeto do novo Código de Processo Civil.
O efeito devolutivo é aquele que proporciona o conhecimento da matéria impugnada pelo órgão ad quem para que seja reexaminada. É, portanto, o efeito existente em todos os recursos, constituindo a sua própria razão de ser.
Luiz Guilherme Marinoni (2008, p.522) conceitua o efeito devolutivo como o efeito dos mais característicos do sistema recursal, sendo o que atribui ao juízo recursal o exame da matéria analisada pelo órgão jurisdicional recorrido (juízo a quo).
Muitos criticam a sua denominação, já que não há propriamente uma devolução, mas sim uma transferência da jurisdição do juiz a quo para a instância superior.
Já o efeito suspensivo caracteriza-se por obstar a eficácia imediata da decisão judicial, suspendo a produção dos seus efeitos até que o recurso seja julgado.
Segundo Luiz Guilherme Marinoni,
na realidade, quando se afirma que determinado recurso possui efeito suspensivo, não se permite que a decisão que por ele possa ser recorrida produza efeito após sua publicação. Uma decisão impugnável por recurso que possui efeito suspensivo somente pode produzir efeitos após escoado o prazo recursal, ou a partir do momento em que a parte aceitar a decisão ou renunciar ao direito de recorrer. (MARINONI, ARENHART, 2008, p.525)
São dois os critérios de atribuição do efeito suspensivo aos recursos: por previsão legal (ope legis) e por atribuição do órgão jurisdicional mediante requerimento da parte (opejudicis).
No atual sistema recursal, a regra é o duplo efeito da apelação, sendo a produção imediata dos efeitos da sentença uma exceção.
Com a nova redação conferida ao dispositivo que trata da apelação, o projeto do Código de Processo Civil estabelece que a apelação será recebida somente com efeito devolutivo, ressalvando a possibilidade ser concedido efeito suspensivo pelo relator, caso haja probabilidade de provimento do recurso.
3. Do sistema recursal no código de processo civil vigente
O art.520, caput, do atual Código de Processo Civil, dispõe que a apelação, em regra, deverá ser recebida nos efeitos devolutivo e suspensivo, salvo nas hipóteses excepcionais previstas em seus incisos.
Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
I - homologar a divisão ou a demarcação; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
II - condenar à prestação de alimentos; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
III - (Revogado pela lei 11.232, de 2005)
IV - decidir o processo cautelar; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes; (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)
VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem. (Incluído pela Lei nº 9.307, de 23.9.1996)
VII - confirmar a antecipação dos efeitos da tutela; (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
Desse modo, o Código de Processo Civil vigente traz como regra os efeitos devolutivo e suspensivo, permitindo, entretanto, que o juiz receba o recurso somente no efeito devolutivo quando disposição expressa de lei assim o determine ou nas hipóteses taxativamente enumeradas em seu art.520, incisos I a VII, que permitem seja antecipada a produção da eficácia da sentença.
O legislador do Código de Processo Civil vigente adotou, pois, o critério ope legis, estabelecendo, de forma casuística e fechada, as hipóteses em que a sentença poderá produzir seus efeitos imediatamente.
Para a eliminação do efeito suspensivo, nos casos exaustivamente elencados no art.520, o legislador, por razões de ordem política, levou em consideração, principalmente, o objeto do processo.
No entanto, a grande maioria da doutrina considera tal critério insuficiente e inadequado para solucionar outras situações que requerem a eficácia imediata da sentença, mas não foram vislumbradas pelo do rol do art.520, do CPC, até mesmo pela impossibilidade de se prever todos os casos.
Cândido Dinamarco, há muito tempo, já criticava o rol exaustivo do art.520 do CPC vigente:
O legislador não deve presumir a sua própria onisciência, estabelecendo em enumerações taxativas uma casuística completa e fechada, sem permitir que o juiz, que vive de perto a realidade concreta e sente, vizinho a si, o drama dos protagonistas do processo, fixe a norma processual concreta que lhe pareça mais apta a conduzir ao fim desejado (DINAMARCO, 2000,p.31).
Diante do exposto, parece ser clarividente que a técnica processual de estabelecer o efeito suspensivo como regra, e o seu afastamento apenas em hipóteses expressamente previstas em lei, vai de encontro à busca da efetividade do processo, razão pela qual sempre foi criticada pela doutrina, que clamava pela sua reforma.
4. Do projeto de lei do novo código de processo civil
Apesar das diversas reformas pontuais na legislação brasileira, que já simplificaram e agilizaram o trâmite processual, o quadro que hoje ainda se apresenta é o de lentidão na solução dos litígios.
Com o espírito de combater a excessiva duração do processo e buscando a efetividade, a presidência do Senado Federal instituiu uma comissão de juristas para elaboração do anteprojeto de um novo CPC, mais rente às necessidades sociais e menos complexo.
Da exposição de motivos, destacamos os seguintes trechos:
Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.
Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo.
(...)
Há mudanças necessárias, porque reclamadas pela comunidade jurídica, e correspondentes a queixas recorrentes dos jurisdicionados e dos operadores do Direito, ouvidas em todo país. Na elaboração deste Anteprojeto de Código de Processo Civil, essa foi uma das linhas principais de trabalho: resolver problemas. Deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais.
Assim, e por isso, um dos métodos de trabalho da Comissão foi o de resolver problemas, sobre cuja existência há praticamente unanimidade na comunidade jurídica. Isso ocorreu, por exemplo, no que diz respeito à complexidade do sistema recursal existente na lei revogada. Se o sistema recursal, que havia no Código revogado em sua versão originária, era consideravelmente mais simples que o anterior, depois das sucessivas reformas pontuais que ocorreram, se tornou, inegavelmente, muito mais complexo (MARINONI, 2010).
O projeto do novo Código de Processo Civil procurou outorgar o devido valor ao tempo do processo e distribuí-lo de forma igualitária entre as partes, de maneira que o ônus da demora do processo seja suportado por quem não se encontra em uma posição que justifique a espera, já que, em regra, a demora no processo gera agravamento do dano.
Como ensina Luiz Guilherme Marinoni (1999, p.225), o tempo do processo sempre prejudica o autor que tem razão, não havendo alternativa, quando se deseja iluminar o processo com a luz o princípio da isonomia, senão pensar em técnicas que permitam uma distribuição igualitária do tempo do processo entre as partes.
Com a nova regra no Sistema Recursal, em que haverá supressão da regra do efeito suspensivo da apelação como regra, o projeto representará um avanço no combate a excessiva duração do processo, promovendo a prestação da tutela jurisdicional efetiva e imediata, ao possibilitar a imediata entrega do direito material à parte vencedora.
Assim, a parte autora da ação, que já teve seu direito reconhecido na sentença de primeira instância, não pode ser prejudicado pelo tempo de julgamento do recurso interposto pelo réu, muitas vezes, com intuito apenas protelatório.
5. Sistema recursal do novo código de processo civil. Novo regramento tendo o efeito suspensivo como exceção
Com a proposta de mudança trazida pelo projeto do novo CPC (Projeto de Lei 8.046/2010), a regra deixa de ser a suspensividade automática pelo critério ope legis, de maneira que a apelação passaria a ter efeito suspensivo pela adoção do critério opeiudicis, o que se mostra mais conveniente à efetividade do processo, sempre respeitado o valor segurança em função da possibilidade de suspensão da execução não definitiva.
De acordo com a redação proposta para o art.949 do novo CPC, após modificações do texto original, assim ficará o novo regramento recursal:
Art. 949. Os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão.
§ 1º A eficácia da decisão poderá ser suspensa pelo relator se demonstrada a probabilidade de provimento do recurso, ou, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou difícil reparação, observado o art. 968.
§ 2º O pedido de efeito suspensivo do recurso será dirigido ao tribunal, em petição autônoma, que terá prioridade na distribuição e tornará prevento o relator.
§ 3º Quando se tratar de pedido de efeito suspensivo a recurso de apelação, o protocolo da petição a que se refere o § 2º impede a eficácia da sentença até que seja apreciado pelo relator.
§ 4º É irrecorrível a decisão do relator que conceder o efeito suspensivo.
O projeto do novo CPC apresenta, pois, uma inovação importante, ao dispor como regra a ausência do efeito suspensivo, trazendo a eficácia imediata da sentença como regra geral no processo civil.
Conforme se pode depreender do texto do projeto para o artigo 949 do CPC, para que a decisão judicial de primeira instância tenha seus efeitos obstados, é preciso que o recorrente demonstre, em preliminar recursal, que há probabilidade de provimento do recurso interposto ou, de forma bem fundamentada, que há risco de dano grave ou de difícil reparação.
Como se vê, o relator, em juízo de cognição sumária, examinará as razões do recorrente e, caso veja grande probabilidade de êxito para a reforma da decisão vergastada, atribuirá efeito suspensivo ao recurso.
Oportuno o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni sobre a competência para a outorga do efeito suspensivo:
A competência é do juízo recursal por uma razão singela: o juízo a quo já formou sua convicção de certeza sobre as alegações do processo. O juízo de verossimilhança, inerente à tutela antecipatória, só pode ser formado agora pelo juízo ad quem. A competência é do juízo recursal na medida em que é este que tem o dever de prestar tutela jurisdicional a partir do momento em que o juízo de origem cumpre o seu ofício (art.463, CPC). É ele que, a partir daí, tem de apreciar a existência ou não do direito da parte. (MARINONI, 2010, p. 539)
Não é demasiado ressaltar que o novo regramento recursal mantém a interposição da apelação no primeiro grau, conferindo aos tribunais apenas o juízo de admissibilidade e, por óbvio, o seu julgamento.
Conclusão
A exequibilidade imediata da sentença, que ainda é exceção no ordenamento jurídico brasileiro, revela-se um imperativo necessário em face do reconhecimento da garantia fundamental de um processo sem dilações indevidas.
Há necessidade premente de mudança do nosso sistema recursal, em especial pela abolição da regra geral do efeito suspensivo da apelação, não só para prestigiar a atividade jurisdicional de primeira instância, mas também para assegurar a efetividade do processo.
Como visto no presente estudo, o recebimento da apelação sem efeito suspensivo é mais um instrumento para se garantir a efetividade da prestação jurisdicional, sem que isso importe em menosprezo ao princípio da segurança jurídica.
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Procuradora Federal lotada na Procuradoria Federal Especializada do INSS em Juazeiro/BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PACHECO, Patrícia Wilma Correia. O fim do efeito suspensivo da apelação visando à garantia da efetividade processual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42258/o-fim-do-efeito-suspensivo-da-apelacao-visando-a-garantia-da-efetividade-processual. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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