O INSS, Autarquia que administra e paga os benefícios previdenciários do Regime Geral, não reconhece o direito à pensão por morte ao menor que se encontra sob guarda de ex-segurado da Previdência Social, sob o fundamento da inexistência da condição de dependente.
Entende o INSS que tal pretensão encontra óbice na modificação introduzida no § 2º do art. 16 da Lei n.º 8.213/91 pela Medida Provisória n.º 1.523 e, após, pela Lei 9.528/97. O referido artigo originalmente dispunha o seguinte sobre a matéria:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado:
I - O cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei n.º 9032, de 29/04/95.
(...)
§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado, o menor que esteja sob a sua guarda e o menor sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação”.(...)
Após o advento das alterações supracitadas no § 2º do art. 16 da Lei 8.213/91, passou este comando legal a dispor nos termos a seguir transcritos:
Art. 16 – (...)
“§ 2º o enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.”
A exclusão do menor sob guarda do rol de dependente dos segurados da Previdência Social ocorreu em face do altíssimo número de fraudes constatadas pela Autarquia Previdenciária, visto que o pedido de concessão de guarda era feito exclusivamente para obtenção de direitos puramente previdenciários. Destarte, usurpavam-se os recursos do seguro social para fraudadores que se tornavam guardiões apenas para vincularem os menores a uma pensão previdenciária a qual, em verdade, não fazem jus porque não observaram as exigências legais para a sua concessão.
Antes da alteração legislativa promovida pela Lei 9.528/97 no § 2º do art. 16 da LBPS, verificava-se constantemente uma distorção do instituto da guarda, requerida com o objetivo de garantir uma pensão aos netos em caso de falecimento dos avós (segurados), quando a pensão desses menores deveria decorrer do falecimento de seus pais, que estão vivos, saudáveis e em condições de trabalho. Se os pais não estivessem vivos, como já foi dito acima, poderia ser deferida a tutela e neste caso o menor tutelado continuaria sendo considerado pela lei como sendo dependente do segurado tutor, nos exatos termos do artigo supra referido.
Paralelo a isso, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, previu que:
Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (Vide Lei nº 12.010, de 2009)
§ 1º (...);
§ 2º (...);
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. (Grifo nosso).
(...).
Assim, muitos consagravam e defendiam o instituto da pensão por morte ao menor sob guarda alegando, para tanto, que o ECA deveria prevalecer sobre a Lei 8.213/91, ainda que mais antigo, tendo em vista a sua natureza de lei especial a respeito das crianças e adolescentes.
Porém, o INSS alega que esse entendimento não deve prosperar por três razões:
a) Lex posterior revogat priori: a Lei n° 9.528/97 é mais atual que a Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).
b) Lex specialis derogat legi generali: a guarda a que se refere o ECA é para fins civis, não abrangendo direitos previdenciários em face do novel diploma.
c) O ECA tem força de mera lei ordinária, podendo ser modificado pelo legislador infraconstitucional.
Dessa feita, a supressão do menor sob guarda do rol dos dependentes previdenciários decorreu de uma coerência lógica da incompatibilidade da guarda com o benefício de pensão por morte, pois a guarda é um instituto de proteção provisória que antecede um processo principal de tutela ou adoção. Ou seja, a proteção do ECA para fins previdenciários se limita ao tempo em que o menor não tem quem o assista até a definição de um processo principal.
Ademais, dita supressão colimou por proteger a criança e o adolescente, na medida em que acelerou o processo de adoção ou tutela, uma vez que a proteção previdenciária para guarda estatutária não teria caráter perpétuo.
Comunga dessa opinião o Professor Sérgio Pinto Martins, verbis:
Entendo que o art. 3° do art. 33 da Lei n° 8.069 foi derrogado pela previsão do § 2° do art. 16 da Lei n° 8.213, na nova redação determinada pela Lei n° 9.528, pois a lei posterior revoga a anterior quando seja incompatível com esta última (§ 1° do art. 2° da LICC. (...) Dessa forma, o menor sob guarda não é mais dependente para fins previdenciários.
E ressalta ainda o notável jurista:
Cabe à norma legal incluir ou excluir pessoas na condição de dependente, como já ocorreu com a pessoa designada pelo segurado que era dependente e deixou de sê-lo. A matéria é de ordem legal, sendo que o legislador pode dispor da forma como desejar, tendo por base critério eminentemente político (in Revista de Previdência Social, Ano XXIV, n° 236/668, Menor Sob Guarda e Sua Condição de Dependente para a Previdência Social).
Por fim, o INSS defende que os efeitos da guarda decorrem da lei e não da vontade das partes. E o dever do guardião em prover a assistência material ao menor sob guarda produz tão somente efeitos civis, o que não vincula a Previdência Social que, como já foi dito, possui regramento próprio em matéria de concessão de benefícios.
Diante dos argumentos apresentados, a jurisprudência permaneceu dividida durante vários anos. Porém, atualmente, tem se firmado o entendimento de que o benefício de pensão por morte é devido ao menor sob guarda, ainda que ele não esteja expressamente definido no rol do artigo 16 da Lei 8.213/91.
O fundamento principal é que não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça alterou recentemente o seu entendimento ao enfrentar a questão, vejamos:
No caso em que segurado de regime previdenciário seja detentor da guarda judicial de criança ou adolescente que dependa economicamente dele, ocorrendo o óbito do guardião, será assegurado o benefício da pensão por morte ao menor sob guarda, ainda que este não tenha sido incluído no rol de dependentes previsto na lei previdenciária aplicável. O fim social da lei previdenciária é abarcar as pessoas que foram acometidas por alguma contingência da vida. Nesse aspecto, o Estado deve cumprir seu papel de assegurar a dignidade da pessoa humana a todos, em especial às crianças e aos adolescentes, cuja proteção tem absoluta prioridade. O ECA não é uma simples lei, uma vez que representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento do mandamento previsto no art. 227 da CF. Ademais, não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. Desse modo, embora a lei previdenciária aplicável ao segurado seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, do ECA). RMS 36.034-MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/2/2014.
Com isso, a jurisprudência caminha no sentido de fomentar o Estado no seu papel constitucional de proteção absoluta à criança, dando a ela o direito à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar, além coloca-las a salvo de toda forma de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, 1991.
BRASIL. Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997. Altera dispositivos das Leis n°s 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Brasília, 1997.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1991.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZARRI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. Editora Conceito Editorial. 9º edição. 2008.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. Tomo I – Noções de Direito Previdenciário. Editora LTr São Paulo. 2ª Edição. 2001.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 27. ed. São Paulo:Atlas,2009.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MARTINS, Sérgio Pinto. “Menor sob Guarda e sua condição de dependente para a Previdência Social”, Revista da Previdência Social nº 236, p. 667 a 668.
PROCURADOR FEDERAL lotado na Procuradoria Federal em Minas Gerais, Especialista em Direito Público pela PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, Bruno Di Fini. Pensão por Morte ao Menor sob Guarda - Novo entendimento do STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42279/pensao-por-morte-ao-menor-sob-guarda-novo-entendimento-do-stj. Acesso em: 23 dez 2024.
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