RESUMO: O presente estudo busca abordar a questão da possibilidade de concessão de aposentadoria por invalidez ao segurado em razão de sua idade avançada, mesmo não sendo verificada a incapacidade total e permanente para o trabalho,situação muito comum no cotidiano das lides previdenciárias.
PALAVRAS-CHAVE: Aposentadoria por Invalidez. Requisitos. Incapacidade parcial. Idade Avançada. Aposentadoria por Idade.
INTRODUÇÃO
A atividade-fim da Previdência Social é propiciar ao cidadão os meios básicos para sua subsistência, protegendo o indivíduo da ocorrência de eventos de infortunística.
Em nosso ordenamento é a Constituição que fixa quais riscos devem ser cobertos pelo Regime Geral de Previdência Social. Eles estão previstos no artigo 201 da Carta Maior, in verbis:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)”
Verifica-se, portanto, que o sistema de Previdência Social no Brasil não protege o segurado (ou sua família) de todas as contingências possíveis, mas apenas daquelas previstas em lei.
E a lei, no caso, é a Lei n. 8.213/91 que, em obediência ao comando constitucional, discrimina as prestações que devem ser fornecidas pelo ente previdenciário aos segurados ou seus dependentes. Estas prestações podem ser na forma de benefício (aposentadorias, pensão, auxílio-doença, auxílio-acidente, salário-família, salário-maternidade e auxílio-reclusão) ou serviços (reabilitação profissional e serviço social).
DESENVOLVIMENTO
A aposentadoria por invalidez é um dos benefícios previdenciários previstos na lei, a ser paga ao segurado quando este estiver incapaz para o trabalho, sem possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe assegure sua subsistência. Eis o artigo 42 da Lei n. 8.213/91:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Do dispositivo mencionado verifica-se que a concessão da aposentadoria por invalidez pressupõe a ocorrência simultânea dos seguintes requisitos:
(a) cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais, a teor do disposto no inciso I do artigo 25 da Lei n. 8.213/91[1];
(b) a qualidade de segurado quando do surgimento da incapacidade[2];
(c) a incapacidade laborativa de forma total e permanente decorrente de doença ou lesão de que o segurado seja portador;
(d) que essa doença ou lesão (ou seu agravamento) seja posterior à filiação ao Regime Geral de Previdência Social.
Em resumo, são três os requisitos legais para a concessão do benefício: qualidade de segurado, carência e incapacidade total e permanente surgida após a filiação ao RGPS.
Entretanto, não é incomum nos depararmos com decisões judiciais que, diante de laudos médicos que atestam a presença de incapacidade permanente, mas apenas de maneira parcial, deferem a aposentadoria por invalidez ao segurado porque este possui idade avançada que o impede de competir no mercado de trabalho. Entende o Judiciário, nesses casos, que outros aspectos relevantes, além daqueles elencados no artigo 42 da Lei de Benefícios, devem ser considerados para fins de concessão da aposentadoria por invalidez.
Há situações, inclusive, que o perito judicial atesta que a incapacidade do segurado decorre de seu envelhecimento e não da doença em si de que ele é portador, mas o julgador, sob o argumento da interpretação teleológica do sistema previdenciário, defere o benefício.
Não podemos, porém, concordar com esse entendimento.
Isso porque, para cada risco de infortunística, a Constituição e a Lei 8.213/91 garantem um benefício ou serviço a ser prestado pelo INSS.
A incapacidade total (e não apenas parcial) e permanente para o trabalhodecorrente de doença ou lesão permite a concessão da aposentadoria por invalidez ao segurado – benefício de risco imprevisível. A idade avançada (e também a incapacidade física que ela pode vir a gerar), porém, é coberta por outro benefício, a aposentadoria por idade, antes chamada de aposentadoria por velhice[3] - benefício de risco previsível.
Conforme esclarecem Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari:
“Não se pode dizer que, tecnicamente, haja o risco de infortunística pelo fato de um indivíduo vir a envelhecer; partindo deste princípio, não haveria razão para a cobertura do evento envelhecimento pela previdência social. Mas Russonamo demonstra o cabimento da proteção em face da idade avançada: ‘Mas, pouco a pouco, os sistemas previdenciais foram compreendendo em que medida pode a velhice ser definida como risco, pois, como a invalidez, ela cria a incapacidade física para o trabalho e, muitas vezes, coloca o ancião em difíceis condições econômicas (Carlos G. Posada, “Los Seguros Obligatorios em España”, 3. Ed., p. 237, s/d; A. Lopez Nunes. “El Seguro Social de Vejez”, 1919, p.5).”[4]
Ou seja, a idade avançada não é causadeterminanteda aposentadoria por invalidez, mas sim daaposentadoria por idade.
Trata-se de benefício assegurado no artigo 201, § 7º, II, da CF/88, com requisitos próprios, distintos do benefício por incapacidade, quais sejam, cumprimento de carência correspondente a 180 contribuições mensais (art. 25, II, da Lei 8.213/91) ou aquela prevista na tabela progressiva do artigo 142 da Lei de Benefícios, e idade de 65 anos, se homem, ou 60 anos, se mulher (art.48 da Lei n. 8213/91), reduzidos esses limites em cinco anos no caso de empregados rurais ou trabalhadores que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, incluindo o produtor rural, garimpeiro e o pescador artesanal (art. 48, § 1º, da Lei n. 8213/91)[5].
As restrições geradas pelo cansaço decorrente da idade e pelo envelhecimento biológico - acontecimentos naturais e fisiologicamente esperados, somadas às dificuldades do idoso de se inserir no mercado de trabalho não são(e nem podem ser) consideradas como causas autorizadoras da concessão do benefício previsto no artigo 42 da Lei de Benefícios. Para esses riscos a lei prevê a aposentadoria por idade.
Se a doença ou lesão de que o segurado é portador não lhe torna total e permanentemente incapaz, não é o fato de ser idoso que lhe permitirá gozar da aposentadoria por invalidez.
A redução da capacidade laborativa decorrente do envelhecimento é fato futuro, porém certo, contra o qual o segurado pode (e deve) se prevenir, através do recolhimento das contribuições sociais nos termos em que exige a lei quando regulamenta a aposentadoria por idade.
O E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região já reconheceu que a limitação da capacidade laborativa decorrente do avanço da idade não gera direito à aposentadoria por invalidez:
"PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - AUXÍLIO-DOENÇA - AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORATIVA - REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS - AGRAVO RETIDO - PREMILINAR - SENTENÇA MANTIDA.
(...)
4. Afirmou o Médico Perito, in verbis: 'Esclareço que o potencial laborativo da pericianda está limitado basicamente decorrente da sua faixa etária (55) anos, pela perda natural do vigor físico, pelo natural processo de envelhecimento, agravado pelas circunstâncias sociais (...). As doenças diagnosticadas são limitantes, porém não impondo maiores restrições da imposta pela idade.'
(...)
7. Apelação da autora improvida."(TRF 3ª Região, 7ª Turma, AC n.º 0001347-20.2003.4.03.9999, Des. Fed. Rel. Leide Polo, v.u., DJU de 17.02.2005).
Verifica-se, assim, que mesmo nos casos em que o segurado de mais idade for portador de alguma doença ou lesão, se estas não forem a causa determinante da incapacidade, não é possível a concessão da aposentadoria por invalidez.
Não se pode esperar outra posição do Poder Judiciário. Caso contrário, a aposentadoria por idade – benefício que exige o implemento de idade mínima e recolhimento, em regra, de 180 contribuições - perderá sua razão de ser. Afinal, ela busca proteger o segurado justamente do envelhecimento e das consequências que este acarreta, entre elas, e especialmente, a redução da capacidade laborativa.
Ora, porque alguém irá recolhercontribuições sociais por longos15 anos, para se proteger das restrições que a velhice comprovadamente traz à saúde, à capacidade laborativa e às possibilidades de disputano mercado de trabalho, se sabe que, ao envelhecer,poderá se beneficiar de uma aposentadoria com renda mais vantajosa[6], recolhendo apenas 12 contribuições mensais?
CONCLUSÃO
Velhice ou idade avançada não autorizam a concessão de aposentadoria por invalidez, a qual somente tem cabimento se verificada a incapacidade total e permanente em decorrência de doença ou lesão devidamente comprovadas.
O que o perito médico do INSS, o perito judicial e também o magistrado, devem estar atentos ao analisar um pedido de aposentadoria por invalidez é se existe incapacidade, se esta é total e, ainda, se ela é causada por alguma doença ou lesão. Neste caso será possível a concessão da aposentadoria prevista no artigo 42 da Lei 8.213. Se, porém, a incapacidade for apenas parcial ou tenha como causa determinante a perda do vigor físico própria do envelhecimento natural do ser humano, a aposentadoria por invalidez não tem cabimento e o único benefício passível de deferimento é a aposentadoria por idade.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
MARTINS, Sergio Pinto. Direto da Seguridade Social. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2014.
[1]Independe de carência a concessão do benefício nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social, for acometido das doenças relacionadas no art. 151 da Lei de Benefícios.
[2]Mantém a qualidade de segurado aquele que, mesmo sem recolher as contribuições, conserve todos os direitos perante a Previdência Social, durante um período variável denominado "período de graça", nos termos do art. 15 da Lei n. 8213/91.
[3] A expressão “aposentadoria por idade” surge com a Lei n. 8213/91 e passa a ser utilizada pela Constituição após a Emenda Constitucional n. 20/98.
[4]LAZZARI, João Batista. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de Castro. Manual de Direito Previdenciário, 2014,p. 688.
[5] A concessão da aposentadoria por idade rural exige, ainda, outros requisitos que, porém, não são objeto deste estudo.
[6] De acordo com o artigo 29, da Lei n. 8.213/91, o cálculo do salário-de-benefício da aposentadoria por invalidez, diferentemente daquele da aposentadoria por idade, não sofre a aplicação do fator previdenciário.
Procuradora Federal, graduada em 2001 pela Faculdade de Direito da PUC Campinas e pós-graduada em Direito Tributário também pela PUC Campinas no ano de 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Flavia Malavazzi. A idade avançada e a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42281/a-idade-avancada-e-a-concessao-do-beneficio-de-aposentadoria-por-invalidez. Acesso em: 23 dez 2024.
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