RESUMO: O presente artigo tem como objeto a análise da compatibilidade da contribuição previdenciária cobrada das instituições financeiras, nos termos do §1º do artigo 22 da Lei n. 8.212/91, com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade tributária e da equidade no custeio da Seguridade Social. Para tal verificação, o trabalho passa, necessariamente, pela análise da natureza jurídica tributária das contribuições, bem como a qual regime jurídico constitucional a que elas se submetem. A contribuição social de seguridade social sob análise é cobrada de maneira dilatada das chamadas instituições financeiras, que são compelidas ao pagamento de 2,5% a mais que as demais empresas contribuintes. Com isso, a importância do presente trabalho está na verificação da consonância do dispositivo legal que institui a contribuição diferida com os ditames constitucionais, especialmente no que tange aos já citados princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da equidade no custeio da Seguridade Social.
Palavras-chave: Contribuições, instituições financeiras, seguridade social, igualdade, capacidade contributiva, equidade no custeio, constitucionalidade.
ABSTRACT: This article is about the analysis of the compatibility of social security contributions levied by financial institutions pursuant to § 1 of article 22 of Law n. 8212/91, with the constitutional principles of equality, tax capacity and equity in the funding of Social Security. To check this, the work necessarily involves the analysis of the legal nature of the tax contributions, as well as the constitutional legal system which they are subjected. Social contribution for social security under consideration is charged for calls so dilated financial institutions, who are compelled to pay 2.5% more than the other undertakings. Thus, the importance of this work is the verification of compliance of the legal provision establishing the deferred contribution to the constitutional dictates, especially in regard to the aforementioned principles of equality, fairness and ability to pay the cost of Social Security.
Keywords: Contributions, financial institutions, social security, equality, ability to pay, equity in funding, constitutionality.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES. 2.1. PARAFISCALIDADE. 2.2. DA PREVISÃO CONSTITUCIONAL DAS CONTRIBUIÇÕES. 2.3. DO CONCEITO DE TRIBUTO. 2.4. DO CONCEITO DE CONTRIBUIÇÃO. 3. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS ÀS CONTRIBUIÇÕES. 3.1. DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. 3.3. DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE NO CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL. 4. AS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DAS INSTITUIÇÕES FINACEIRAS. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a distinção legal efetuada pelo legislador infraconstitucional, ao estabelecer regime tributário diferenciado às instituições financeiras, obrigadas a recolhimento maior de contribuição previdenciária incidente sobre sua folha de salários. Por meio de análise do instituto legal em face dos princípios constitucionais, pretende-se esclarecer alguns questionamentos, como, por exemplo, se há existência de violação do princípio da igualdade entre as instituições financeiras e os demais empregadores, que suportam a contribuição previdenciária em menor percentual.
Em busca desse intento, passa-se pela aferição da natureza jurídica das contribuições e sua submissão ao conceito de tributo, extraído tanto da Constituição da República, como da legislação complementar, no caso, o Código Tributário Nacional.
Fixadas as premissas necessárias, buscar-se-á cotejar as disposições do §1º do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 com o regime constitucional aplicável à contribuição de seguridade social, em especial seu respeito aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da equidade no custeio da Seguridade Social.
2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES
A natureza jurídica das contribuições já gerou e ainda gera calorosas discussões entre os estudiosos do Direito Tributário. Atualmente, diante do arcabouço pelo qual foram envolvidas na Constituição Federal de 1988, a grande maioria dos autores posicionam-se por sua natureza tributária. Entretanto, ainda há algumas vozes destacadas dessa opinião, conforme se verá mais adiante.
Para melhor compreensão, mister se faz uma análise acerca do contexto que originou as infindáveis controvérsias acerca do tema.
Estevão Hovarth aponta maior relevância na questão, quando se analisa a contribuição pelo prisma histórico, rememorando o surgimento das chamadas “contribuições parafiscais”, afirmando que estas “surgiram como algo parecido com os tributos, mas que com eles não se confundiam”. Prossegue o autor, bem sintetizando o escorço histórico em que surgiram:
“Quando as sociedades em geral se encaminharam, principalmente no período entre as duas guerras mundiais, para o chamado welfarestate (o estado do ‘bem-estar social’), as atribuições que passaram a fazer parte das suas funções exigiam maior volume de recursos para o seu financiamento. Em conseqüência disto, passou-se a cobrar ‘contribuições parafiscais’, que geravam recursos recebidos paralelamente aos tributos e também deixavam de incluir-se no orçamento. Daí por que essas exações eram não somente para fiscais, mas também para-orçamentárias”[1]
Portanto, vê-se que a parafiscalidadeconstitui aspecto indissociável para os que defendem que as contribuições não constituem espécie de tributo e, por tal razão, esse fenômeno merece ser tratado separadamente.
A palavra parafiscalidade, de per si, externa a idéia de algo diferente de tributo, mas a ele similar. Nesta senda as contribuições parafiscais, a princípio, foram criadas para o custeio de encargos estatais que não lhe são próprios, tais como a seguridade social e o interesse das categorias profissionais.
O termo parafiscalidadeteria sido utilizado pela primeira vez no Inventário Schuman, de 1946, consoante apontam vários autores, dentre eles Leandro Paulsen e Andrei Pitten Velloso, conforme se extrai do seguinte excerto:
“Foi nesse sentido que o termo parafiscalitè restou consagrado originalmente, por meio do famoso Inventário Schuman, realizado na França em 1946. O inventário, vale ressaltar, não criou a parafiscalidade, simplesmente nominou fenômeno já existente. Como observa MisabelDerzi, esse documento ‘levantou e classificou os encargos assumidos por entidades autônomas e depositárias de poder tributário por delegação do Estado, como parafiscais’, de forma que ‘a palavra parafiscalidade nasceu para designar a arrecadação por órgão ou pessoa paraestatal, entidades autônomas, cujo produto, por isso mesmo, não figura na peça orçamentária única do estado, mas é dado integrante do orçamento do órgão arrecadador, sendo contabilizado, portanto, em documento paralelo ou ‘paraorçamentário’. Desenvolveu-se acentuadamente com o intervencionismo estatal e foi impulsionado pelo Estado corporativista fascista’.”[2]
Como se vê, o objetivo principal dessas contribuições não é dotar os cofres do Estado de recursos destinados à consecução de suas funções típicas, mas sim financiar atividades específicas que, a princípio, não seriam de sua responsabilidade direta.
A parafiscalidade de tais contribuições residia na destinação específica de seus recursos, na arrecadação e administração não realizada diretamente pelos órgãos estatais e pelo fato de sua receita não integrar o orçamento do Estado.
Tais características induziam à negativa de sua natureza tributária, com o nítido propósito de afastar de seus contribuintes as garantias inerentes à instituição e arrecadação dos tributos. Sob esse prisma, seria possível, por exemplo, a instituição de uma contribuição parafiscal independentemente da existência de lei e permitindo sua imediata exigência, driblando os princípios da legalidade e da anterioridade.
Entretanto, não se presta para os fins colimados por um estado democrático de direito, razão pela qual não mais pode ser admitida. A tentativa de afastar a natureza tributária das contribuições com a finalidade da não submetê-las ao sistema constitucional tributário resta, no ordenamento jurídico brasileiro, superada pela redação da Carta de 88.
Transposta a questão da parafiscalidade, cumpre analisar quais os principais aspectos para a definição da natureza jurídica das contribuições.
Sob pena de inversão da lógica na hierarquia do ordenamento jurídico, bem como de desrespeitar o princípio da supremacia da constituição, a análise acerca da natureza jurídica das Contribuições deve, inicialmente buscar seu fundamento e colocação no Texto Constitucional.
As Contribuições encontram previsão nos artigos 149 e 195 da Constituição da República, cuja redação permite inferir a ampla disciplina despendida pelo legislador maior às contribuições.
A primeira circunstância a afirmar a sua natureza tributária é a inclusão das contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais no capítulo Do Sistema Tributário Nacional, tal clareza do constituintejá seria suficiente para encerrar a discussão.
Mas a sua disposição topográfica não foi o único tratamento tributário dado pela Carta Política. Observe-se o caput do artigo 149, que submete as contribuições às disposições do artigo 146, III, 150, I e II, sem prejuízo do §6º do art. 195. A Constituição, com tal disposição, teve por objetivo escancarar o caráter tributário das contribuições, jogando uma pá de cal sobre as discussões que datavam de há muitos anos.
Contudo, estranhamente, o mesmo mandamento constitucional que fundamenta, para uns, a natureza tributária das contribuições, para outros, a rechaça.
Marco Aurelio Greco, por exemplo, afirma que, caso as contribuições fossem tributos, não haveria necessidade de a Constituição prever a elas a aplicação de certas limitações tributária, pois a aplicação seria automática.[3]
A aferição da natureza jurídica das contribuições passa, necessariamente, pelo conceito de tributo.
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º, conceitua tributo como sendo “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Entretanto, não se pode, simplesmente, abraçar o conceito legal de tributo sem a aferição de seu respectivo suporte constitucional.
A norma jurídica superior que deve embasar a inferior, e não o contrário; trata-se da consagração do princípio da supremacia da constituição, cuja teoria foi brilhantemente alinhavada por Hans Kelsen:
“A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da relação de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por seu turno, é determinada por outra, e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental–pressuposta. A norma fundamental hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora.”[4]
Nesta esteira a conclusão inarredável é a verificação da compatibilidade do dispositivo do CTN, com o conceito, ainda que implícito, de tributo no texto constitucional.
Humberto Ávila afirma que duas são as formas possíveis de construção do conceito de tributo: diretamente na Constituição, ou por meio da Constituição.[5] Afirma que, no primeiro caso, o conceito de tributo deve ser buscado direta ou indiretamente no texto constitucional, por meio da análise das normas constitucionais que digam respeito a tributo, ao Sistema Tributário Nacional e outras semelhantes. Já na segunda situação, o conceito seria buscado em instrumentos normativos aos quais a própria Constituição teria incumbido de conceituar tributo. No caso da Carta de 88, nos termos do artigo 146, essa tarefa cabe à Lei Complementar.
Sobre a questão, destaca-se o entendimento do mestre Geraldo Ataliba, que afirma a existência de um conceito constitucional implícito de tributo e estabelece que qualquer pagamento compulsório ao Estado, que não indenização, penalidade ou obrigação contratual, só pode ser tributo.[6]
No mesmo sentido, cumpre transcrever valorosa lição de Leandro Paulsen, ao se referir às normas constitucionais atinentes ao Sistema Tributário:
“Em todas as normas ali existentes, verifica-se que estamos cuidando de obrigações em dinheiro, tanto que há diversas referências à base de cálculo e à alíquota, bem como à distribuição de receitas e reserva de percentuais do seu produto para aplicação em tais ou quais áreas. [...] Também o caráter compulsório resta evidente na medida em que a Constituição coloca a lei, que a todos obriga, como fonte da obrigação tributária. [...] Em nenhum ponto, se tem a outorga de competência tributária em face de um ilícito; não guardam, as diversas espécies tributárias, nenhuma relação com o cometimento de ilícitos pelos contribuintes. Daí se extrai, pois, a noção de que tributo não constitui sanção de ato ilícito.”[7]
Pela análise sistemática da Constituição Federal, em todas as normas atinentes e relevantes ao Direito Tributário, é possível concluir, na toada dos ensinamentos citados que tributo é toda prestação pecuniária compulsória ao Estado ou seus delegatários que não constitua sanção por ato ilícito.
Desnecessária a inclusão no conceito de que as contribuições têm de ser instituídas por lei, pois esse requisito está implícito em sua compulsoriedade, pois, nos termos do artigo 5º, II, da CF, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Diante disso, é possível concluir que o conceito entabulado no CTN guarda relação com o conceito constitucional de tributo, compendiando toda a informação trazida no Texto Maior em um único dispositivo. Observa-se, também, que ele detalha com precisão o conteúdo constitucional, ao estabelecer que o tributo seja cobrado “mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Vale frisar aqui que o comando do legislador infraconstitucional não extrapolou os limites da Carta. Pelo contrário, ao assim determinar, a lei veda que o tributo seja cobrado ao bel prazer do administrador, criando a obrigação de que, ocorrido o fato gerador, não resta outra opção ao Fisco, senão a cobrança. Essa disposição veio a contemplar diversos princípios polvilhados em toda a extensão da Constituição, em especial os atinentes à Administração Pública, expressos no artigo 37.
Superada a extração do conceito de tributo das entranhas da Constituição, bem como a verificação da compatibilidade do conceito legal trazido pelo Código Tributário Nacional, cabe agora apurar a sua subsunção às características das contribuições.
De plano, capta-se o caráter compulsório das contribuições, pois, evidentemente, ninguém paga contribuição porque quer, paga porque é obrigado. Todos os fatos e as condutas que ensejam a incidência das contribuições são lícitos, razão pela qual elas não constituem espécie de sanção. Por fim, devem ser instituídas por lei.
Conclui-se, portanto, que as contribuições se amoldam perfeitamente ao conceito de tributo e por isso é inegável sua natureza tributária.
Apesar da grande discussão que se travou acerca da natureza jurídica das contribuições, o Supremo Tribunal Federal, há muito, reconheceu seu caráter tributário.
Ainda sob a égide da Constituição Federal de 1946, alterada pela EC 18/65, o STF, quando o Tribunal apreciou a natureza jurídica da contribuição para o FUNRURAL, em acórdão assim ementado:
FUNRURAL. CONTRIBUIÇÃO PREVISTA NO ART. 158, I, DA LEI N 4.214, DE 2.3.63, NA REDAÇÃO DO DECRETO-LEI N 276, DE 28.2.67. NATUREZA TRIBUTARIA E SUJEIÇÃO A DECADENCIA OU A PRESCRIÇÃO DE QUE TRATAM OS ARTS. 173 E 174 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. IMPRESTABILIDADE DE NORMA REGULAMENTAR QUE DISPONHA DIVERSAMENTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
(RE 86595, Relator(a): Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, TRIBUNAL PLENO, julgado em 17/05/1978, DJ 30-06-1978 PP-04849 EMENT VOL-01101-04 PP-01524 RTJ VOL-00087-01 PP-00271)
No mesmo julgamento, restou consignado no voto do Min. Moreira Alves, que “de 1966 a 1977 (do Decreto-lei 27 à Emenda Constitucional n.º 8), contribuições como a devida ao FUNRURAL tinham natureza tributária. Deixaram de tê-la a partir da Emenda n.º 8.”
Com o advento da Constituição de 1988, o STF retomou sua posição pela natureza tributária das contribuições. No RE 146.733-9/SP, ao julgar a constitucionalidade da CSLL, o Min. Moreira Alves emitiu valorosa explanação acerca da natureza jurídica das contribuições:
“(...) Sendo, pois, a contribuição instituída pela Lei 7.689/88 verdadeiramente contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social, com base no inciso I do artigo 195 da Carta Magna, segue-se a questão de saber se essa contribuição tem, ou não, natureza tributária em face dos textos constitucionais em vigor. Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida em manifestar-me afirmativamente. De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas. No tocante às contribuições sociais – que dessas duas modalidades tributárias é a que interessa para este julgamento - ,não só as referidas no artigo 149 – que se subordina ao capítulo concernente ao sistema tributário nacional – têm natureza tributária, como resulta igualmente, da observância que devem ao disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, mas também as relativas à seguridade social previstas no artigo 195, que pertence ao título “Da Ordem Social”. Por terem esta natureza tributária é que o artigo 146, que determina que as contribuições sociais observem o inciso III do artigo 150 (cuja letra b consagra o princípio da anterioridade), exclui dessa observância as contribuições para a seguridade social previstas no artigo 195, em conformidade com o disposto no par. 6º deste dispositivo, que, aliás, em seu par. 4º, ao admitir a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, determina se obedeça ao disposto no art. 154, I, norma tributária, o que reforça o entendimento favorável à natureza tributária dessas contribuições sociais.”
Por todo o exposto, e de acordo com a posição externada pelo Supremo Tribunal Federal, a natureza tributária das contribuições, especialmente na Constituição Federal de 1988, é patente.
Impende mencionar que a discussão acerca da natureza jurídica das contribuições não é travada apenas para fins acadêmicos ou por amor à argumentação. Ao contrário, constitui definição de suma importância para que se estabeleça o regime jurídico a que se submetem. Concluindo por sua natureza tributária,deverão as contribuições obediência a todos os princípios informadores do sistema constitucional tributário e sua interpretação deverá estar por eles amparada.
O principal traço distintivo das contribuições, capaz de classificá-las como espécie tributária autônoma, é a sua vinculação a determinada finalidade constitucional.
O tratamento tributário despendido pela Carta Política às contribuições foi manifesto. Entretanto, não se ateve a submetê-las ao regime jurídico afeto aos impostos, nem a qualquer outra espécie tributária. O legislador constituinte optou por estabelecer um arcabouço normativo próprio para regulamentá-las, mais uma razão a corroborar sua autonomia como espécie tributária.
À luz desses elementos, bem como diante dos dispositivos constitucionais já citados, se faz possível a definição de contribuição.
Diante das conclusões até aqui alcançadas, pode-se traçar um conceito de contribuição, passando, necessariamente, pelos seguintes elementos
a) Trata-se de um tributo;
b) Tem hipótese de incidência desvinculada da atuação estatal; e
c) Destina-se à realização de finalidade específica.
Nessa toada, pode-se adotar a definição de contribuição realizada por Paulsen e Velloso:
“Contribuição especial é o tributo que, apesar de ter hipótese de incidência desvinculada de atuações estatais, é juridicamente afetado à realização de finalidade específica”[8] (sem grifos no original)
Após conceituar as contribuições, nos termos transcritos, os autores prosseguem estabelecendo seus requisitos de validade e de eficácia. Afirma que para a validade de toda e qualquer contribuição devem estar presentes (a) a busca pela finalidade especificada pela norma atributiva de competência, (b) a necessidade – no momento de sua instituição -, e (c) a referibilidade, dizendo “respeito ao liame entre a finalidade da contribuição e as atividades ou interesses dos sujeitos passivos (referibilidade como pertinência)." Como requisito de eficácia, elencam a subsistência da necessidade, que deve ser aferida no momento da incidência da exação.
O atual desenho constitucional das contribuições, no entanto, tomando por base principalmente as de seguridade social, não exige, para todas elas, o requisito da referibilidade.
3. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS ÀS CONTRIBUIÇÕES
Os princípios compreendem a base que alicerça todo sistema jurídico. São, nas expressões cunhadas por Canotilho, “mandamentos nucleares”, “traves-mestras jurídico-constitucionais” a informar o critério para a correta compreensão e interpretação do sistema jurídico[9]. O entendimento corrente acerca da definição e normatividade dos princípios é bem espelhado pela lição de Robert Alexy que, aprimorando as considerações de Ronald Dworkin, cravou que os princípios são “deveres de otimização” a serem aplicados em diversos graus segundo as possibilidades normativas e fáticas.[10]
Censo Antônio Bandeira de Mello pontifica que “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”[11]
Cumpre ressaltar que as espécies tributárias são balizadas por diversos princípios constitucionais, que não necessariamente os tributários. Trata-se dos princípios que norteiam a aplicação de todas as normas constitucionais, como os princípios da boa-fé, da segurança jurídica, da proporcionalidade, entre outros.
Feitas essas breves considerações de ordem teórica, não restam dúvidas da importância exercida pelos princípios, não só na seara tributária, como em qualquer segmento do sistema jurídico.
Especificamente em relação às contribuições, a forma como restaram redigidas suas disposições no texto constitucional pode induzir a sérias dúvidas e embates acerca dos princípios que lhes são aplicáveis. Em sua maioria, os princípios constitucionais tributários foram contemplados na Seção “Das limitações do poder de tributar”, consoante relação do artigo 150 da Constituição Federal.
Ocorre que o artigo 149 da Cartadeterminou expressamente a aplicação às contribuições apenas das limitações constitucionais previstas no artigo 150, incisos I e III, induzindo ao questionamento inafastável: seriam os outros princípios tributários, contidos no artigo 150 da CF, aplicáveis às contribuições?
A resposta é oferecida pelo seguinte excerto extraído da obra de Leandro Paulsen, in verbis:
“A sujeição das contribuições, inclusive as de seguridade social, às limitações constitucionais ao poder de tributar é decorrência necessária da sua natureza tributária. Sendo tributo, submetem-se às respectivas limitações. A par disso, o art. 149 expressamente determina a necessidade de observância da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade ao remeter ao art. 150, I e III, da CF. Tal remissão era desnecessária, pois, tratando-se de tributo, necessariamente incidiriam tais limitações. Justifica-se a remissão, contudo, em face das divergências jurisprudenciais acerca da natureza tributária das contribuições anteriormente à Constituição de 1988. (...)
De pronto, faz-se necessário tornar fora de dúvida que a remissão feita ao art. 150, I e III, da CF não dispensa a observância dos incisos II, IV e V, que tratam da isonomia tributária, da vedação do confisco e da proibição de tributo interestadual ou intermunicipal que implique limitação ao tráfego de pessoas ou bens.[12]
Marco Aurélio Greco, afirma que do dispositivo se extrai a clara obrigatoriedade de observância dos princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade. Entretanto, “não haver obrigação de aplicação não significa não ser aplicável”. Segundo ele, a aplicação “dependerá de um juízo de compatibilidade entre a limitação e o princípio da solidariedade ou a finalidade de auxílio a um grupo social ou econômico, etc”. E arremata destacando que a aplicação, após o dito juízo de compatibilidade poderá se dar “integralmente, parcialmente (assumindo contornos diferentes da regra clássica) ou não se dar”[13]
Nesta toada, a aplicação dos princípios constitucionais tributários, exteriorizados nas limitações constitucionais ao poder de tributar, às contribuições decorre de sua natureza tributária e, além de aplicáveis, devem servir de parâmetro para a compreensão e inteligência das normas infraconstitucionais.
Não se pode negar, entretanto, que o constituinte cria uma regra específica no que tange às contribuições ao estabelecer a obrigatoriedade de observância das disposições do art. 150, I e III; no mesmo raciocínio de Greco, essa previsão não dispensa o respeito aos demais mandamentos, apenas estabelece o dever de otimização ao se cotejar a limitação à finalidade precípua da contribuição.
A análise cingir-se-á aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da equidade do custeio da seguridade social, pois são os que embasam a cobrança da contribuição previdenciária adicional a cargo das instituições financeiras, objeto do presente trabalho.
Do caput do artigo 149 da CF, subtrai-se a deliberada manifestação do constituinte ao ressalvar a aplicação do inciso II do artigo 150, que institui a “vedação tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. O mandamento consubstancia o princípio da isonomia tributária.
Diante dessa constatação, o princípio da isonomia seria aplicável às contribuições?
A resposta a esse questionamento deve ser positiva, conforme já mencionado. Entretanto, a ressalva feita pelo constituinte não foi de forma desarrazoada.
Observa-se que o legislador constitucional buscou evitar eventual incompatibilidade entre a proibição de distinção em razão de ocupação profissional ou função e a previsão das contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Pois, caso ocorresse o contrário, “poderia um engenheiro defender que está sendo discriminado, uma vez que só ele paga a contribuição do CREA, e os advogados não”[14]
Apesar do esmero do legislador, o dispositivo que prevê o “princípio da isonomia tributária”, se mostra desnecessário, pois constitui mera repetição do princípio geral da igualdade, esculpido no artigo 5º, caput, da Constituição da República.
O fato de a isonomia tributária implicar em limitação constitucional ao poder de tributar, devendo, portanto, observância pelo legislador tributário, não a diferencia do princípio geral da igualdade, que da mesma forma “é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.”[15]
O artigo 150, inciso II, trouxe alguns exemplos de situações cuja discriminação é vedada; trata-se de rol exemplificativo, ao qual se deve observância sem, contudo, excluir outras formas ofensivas ao princípio da igualdade.
O alcance do princípio da igualdade, tanto no direito tributário, como em relação à instituição ou aplicação de qualquer outra norma jurídica, deve observância à máxima multissecular: tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual. Nesse sentido, percuciente a lição de Kelsen, para quem o princípio
“postula não apenas um tratamento igual mas também um tratamento desigual. Por isso, tem de haver uma norma correspondente a este princípio que expressamente defina certas qualidades em relação às quais as desigualdades há de ser tidas em conta, a fim de que as desigualdades em relação às outras qualidades possam permanecer irrelevantes, a fim de que possam haver de todo em todo, portanto, indivíduos ‘iguais’. ‘Iguais’ são aqueles indivíduos que, em relação às qualidades assim determinadas, não são desiguais. E o poderem, de todo em todo, existir indivíduos ‘iguais’, é a conseqüência do facto de que, se não todas, pelo menos certas desigualdades não são consideradas.”[16]
Celso Antonio Bandeira de Mello elenca três fatores a serem observados para se aquilatar o respeito ao princípio da igualdade, quais sejam: a) o fator de desigualação; b) correlação lógica entre o fator de descrímen e a diferenciação empreendida pela norma; e c) consonância da descriminação com os interesses protegidos pela Constituição. E prossegue:
“...tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desiguladade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.[17]
Tais apontamentos acerca do princípio da igualdade são aplicáveis indistintamente em relação a todas as normas integrantes do ordenamento jurídico, inclusive as tributárias e, dentre elas, as contribuições. Cumpre salientar, contudo, a necessária observância das ressalvas encartadas no próprio Texto Constitucional ao princípio da isonomia, como por exemplo a disposição do artigo 151, inciso I, que admite a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País.
As ressalvas admitidas são apenas as entabuladas pelo poder constituinte originário, pois o princípio da igualdade constitui cláusula pétrea e, portanto, não pode ser suprimido, ainda que por emenda constitucional, nos termos do artigo 60, §4º, da Carta, conforme já teve a oportunidade de se manifestar o Supremo Tribunal Federal.[18]
3.2. DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O princípio da capacidade contributiva está previsto no artigo 145, §1º, da CF, que determina que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.
O princípio da capacidade contributiva se resume na capacidade de pagar tributo, criando a lógica de quem possui maior capacidade econômica deve pagar mais e que tem menos se submete a carga tributária menor. Trata-se, pois, de princípio intimamente ligado à promoção da justiça. Percucientes as palavras de Sacha Calmon Navarro Coêlho sobre o tema:
“É dizer, a capacidade contributiva apresenta duas almas éticas que estão no cerne do Estado de Direito:
A) em primeiro lugar, afirma a supremacia do ser humano e de suas organizações em face do poder de tributar do Estado.
B) em segundo lugar, obriga os Poderes do Estado, mormente o Legislativo e o Judiciário, sob a égide da Constituição, a realizarem o valor justiça através da realização do valor igualdade, que no campo tributário só pode efetivar-se pela prática do princípio da capacidade contributiva e de suas técnicas.
Por isso mesmo as reflexões mais profunda e modernas a propósito do princípio apresentam-se impas da ganga positivista e do ‘fetiche legalista’. E ver Sainz de Bujanda dizendo que os fatos geradores só se justificam, constitucionalmente falando, se comprometidos com o valor justiça, objeto do Estado de Direito, se forem indicativos de capacidade econômica.”[19]
O dispositivo citado, entretanto, faz menção apenas aos impostos, o que permitiria concluir por sua não aplicação às demais espécies tributárias.
Sendo, entretanto, a capacidade contributiva complementar ao princípio da igualdade e, por isso, evidente promotor da Justiça (Fiscal) – duas pilastras do Estado de Direito – não se pode negar sua aplicabilidade a todas as espécies tributárias, especialmente em relação às contribuições de seguridade social, que devem observância aos princípios da equidade na forma de participação no custeio e da diversidade da base de financiamento.
Essa posição é endossada por diversos autores de renome, dos quais podemos citar, a título de exemplo Regina Helena Costa[20] e Luciano Amaro[21]. O Supremo Tribunal Federal igualmente chancela a aplicação do princípio a todas as espécies tributárias, consoante entendimento esposado pelo Min. Joaquim Barbosa no recente julgamento do RE 406.955, que remete a diversos precedentes nesse sentido.[22]
Trata-se de princípio pertinente, especificamente, às contribuições sociais de seguridade social.
A seguridade social está inserta no Título “Da Ordem Social”; entretanto, guarda, por expressa disciplina constitucional, financiamento próprio, por meio de contribuições sociais específicas. Encontra previsão nos artigos 194 a 204 da Constituição Federal e “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194).
É regida pelos princípios da universalidade da cobertura e do atendimento, uniformidade, equivalência, seletividade e distributividade na prestação de benefícios e serviços, irredutibilidade do valor dos benefícios, equidade na forma de participação no custeio, diversidade da base de financiamento e o caráter democrático e descentralizado de sua administração.
Em relação ao custeio da seguridade social, a Constituição não se ateve a uma única fonte, o que, para Sérgio Pinto Martins, facilitaria sobremaneira a fiscalização[23]. Em contrapartida, a diversidade da base de financiamento e a equidade na forma de participação no custeio certamente criam melhores condições de se levar a efeito o princípio da capacidade contributiva.
Martins segue asseverando que “apenas aqueles que estiverem em iguais condições contributivas é que terão de contribuir da mesma forma. O trabalhador não pode contribuir da mesma maneira que a empresa, pois não tem as mesmas condições financeiras.”
Na mesma toada, Cláudia Salles Vilela Vianna:
“O princípio da equidade na forma de participação no custeio tem por objetivo distribuir com justiça e retidão o percentual de contribuição cabível à sociedade na manutenção do sistema de Seguridade Social.
Toda a sociedade contribui para a manutenção do sistema, mas garante-se por este princípio a progressividade da contribuição conforme a capacidade contributiva de cada um.[24]
Com isso, possível inferir que os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da equidade no custeio da seguridade social estão atrelados e são complementares. Todos se coadunam com a busca pela Justiça Fiscal, fim certamente perseguido pela Constituição Federal.
4. AS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DAS INSTITUIÇÕES FINACEIRAS
Da leitura conjugada dos artigos 149 e 195 da Constituição Federal, extraí-se que “contribuições” é gênero, do qual são espécies:
a) Contribuições sociais;
a. Contribuições sociais gerais; e
b. Contribuições sociais de seguridade social
b) Contribuições de intervenção no domínio econômico;
c) Contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas;
Ensina Humberto Ávila que, o que as aproxima é o fato de constituírem instrumento para promoção de finalidades e se distinguem pelas “finalidades específicas que cada uma delas deve promover e os requisitos constitucionalmente exigidos para sua instituição, especialmente os fatos cuja ocorrência faz surgir a obrigação tributária.”[25]
A Constituição Federal estabeleceu, em seu artigo 195, as contribuições para seguridade social, detalhando seu regime jurídico específico, elencando os possíveis sujeitos passivos das exações, bem como as respectivas bases econômicas. Eis a redação do caput e seus incisos:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
A competência para a instituição das contribuições sociais de seguridade social é exclusiva da União, tendo em vista o que dispõe o artigo 149, caput, da CF. Ademais, conforme prescrição do artigo 22, XXIII, CF, legislar sobre “seguridade social” se insere em sua competência privativa.
A Constituição Federal permite a instituição de contribuição, a cargos das empresas e empregadores, incidente sobre a “folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”.
A contribuição prevista no artigo 195, inciso I, a, da Constituição, foi instituída pela Lei n. 8.212/91, artigo 22, inciso I, que possui a seguinte redação:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).
Trata-se da contribuição previdenciária a cargo das empresas em geral, que incide à alíquota de 20% sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título à pessoa física que lhe preste serviços, independente da existência de vínculo trabalhista. A mesma alíquota é devida no caso dos contribuintes individuais, administradores e autônomos, nos termos do artigo 22, inciso II, da Lei n. 8.212/91.
Em relação às instituições financeiras (bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas), nos termos do §1º do artigo 22 da Lei n. 8.212/91, a contribuição previdenciária ao seu cargo sofre a majoração de 2,5%. Sua contribuição será, assim, de 22,5%.
A diferenciação entabulada em relação às instituições financeiras vem a consagrar o já explanado princípio da equidade na forma de participação do custeio da seguridade social, bem como o princípio da capacidade contributiva.
Parece bastante claro que as pessoas numeradas para o pagamento aumentado da contribuição gozam de poderio econômico maior se comparadas aos demais segmentos da economia e, por essa razão, tem maior capacidade de custear a seguridade social.
A questão é polêmica e ainda carece de definição, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Argumenta-se a inconstitucionalidade do preceito frente aos princípios da igualdade, da isonomia tributária e da equidade no custeio da previdência, esculpidos, respectivamente, no artigo 5º, caput, artigo 150, II, e artigo 194, V, todos da Constituição Federal.
Foi intentada, perante o Pretório Excelso, Medida Cautelar com o objetivo de atribuir efeito suspensivo a Recurso Extraordinário, autuada sob n. 1109, na qual se aduziu a inconstitucionalidade da contribuição ampliada das instituições financeiras. Nesse processo, inicialmente, o Ministro Marco Aurélio deferiu a liminar para empregar eficácia suspensiva ao recurso a ser analisado que, entretanto, não restou referendada pelo Plenário da Corte.
Destaca-se o seguinte trecho extraído da decisão monocrática da lavra do citado Ministro:
“2. A matéria de fundo do extraordinário - a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei nº 8.212/91 que fixa o acréscimo de 2,5% na contribuição social das instituições financeiras - não chegou a ser apreciada pelo Plenário da Corte. O tema, dadas as garantias constitucionais, está a merecer crivo em julgamento regular do recurso extraordinário, ou seja, pelo Colegiado, cabendo notar que, sob o ângulo do tratamento igualitário, consideradas as contribuições sociais, somente com a Emenda Constitucional nº 20/98 previu-se a possibilidade de haver alíquotas com base de cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra. Isso ocorreu mediante a inserção do § 9º no artigo 195 do Diploma Maior. Vale dizer que, no período anterior à promulgação da Emenda, inexistia exceção à regra do tratamento isonômico.”
Já o Ministro Carlos Ayres Britto, quando a decisão foi submetida a referendo do Plenário, conduziu a divergência prevalente, salientando a complexidade da matéria envolvida, bem como mencionando decisões monocráticas proferidas no âmbito do próprio STF, nas quais foram adotadas soluções diversas (RE 235.036, AC 1.115, AC 1.059 e AC 1.338). Concluiu asseverando que, essas divergências afastam a plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), ensejando o indeferimento do pedido liminar.
Restaram, assim, vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e a Ministra Cármen Lúcia que o acompanhava. Vale destacar, ainda, a sinalização empreendida pelo Ministro Joaquim Barbosa, quanto ao mérito da questão, conforme se vê do seguinte fragmento de seu voto:
“Basta lembrar que, para as contribuições destinadas ao custeio da seguridade social, vigem os princípios da eqüidade e da universalidade, na forma de participação do custeio.
Sem me comprometer de pronto com a tese de fundo, entendo ao menos plausível que tais princípios possam operar como fundamento da diferenciação do regime de tributação das instituições financeiras.”
A questão passa, necessariamente, pela análise do disposto no artigo 195, §9º, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional n. 20/1998 e posteriormente alterado pela 47/2005, respectivamente com as seguintes redações:
§ 9° As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
O §1º do artigo 22 da Lei n. 8.212/91, contudo, antecede o preceito constitucional acima transcrito, quando não havia nenhuma previsão expressa para a diferenciação de alíquotas ou bases de cálculo das contribuições das empresas, intensificando a discussão acerca de sua compatibilidade com o Texto Maior.
Entretanto, cumpre ressaltar a dispensabilidade da inclusão do parágrafo no artigo 195, pois a constitucionalidade da ampliação da contribuição previdenciária das instituições financeiras decorre dos mesmos princípios que sustentam a tese contrária, quais sejam, da igualdade, isonomia tributária, capacidade contributiva e da equidade na forma de custeio da seguridade social.
O parágrafo transcrito veio apenas explicitar o que a redação original da Carta já permitia concluir mediante simples exercício de interpretação: a possibilidade de tratamento diferenciado entre sujeitos passivos das contribuições, de forma a promover a igualdade entre eles.
A igualdade, como já demonstrado em capítulo anterior, tem plena aplicação a todo o ordenamento jurídico e não poderia ser diferente em relação às contribuições. No presente caso, compreende tratamento desigual aos desiguais, cujo fator de descrímen é a atividade econômica do contribuinte, relacionada à sua capacidade contributiva.
Com a conclusão do presente estudo, estabeleceu-se a natureza jurídica tributária das contribuições e, com isso, sua sujeição aos princípios norteadores do Sistema Constitucional Tributário.
Dentre esses princípios estão o da igualdade e da capacidade contributiva, aplicáveis a todas as espécies tributárias, nos termos acatados pelo Supremo Tribunal Federal.
Destacou-se, também, a submissão das contribuições sociais de seguridade social ao princípio da equidade no custeio da seguridade social, que se mostra complementar ao da igualdade e da capacidade contributiva. Segundo ele o pagamento das contribuições de seguridade social deve ser efetuado em observância ao ideal de Justiça Fiscal, atribuindo maior carga aos mais abastados.
Nessa toada, analisou-se a compatibilidade da contribuição previdenciária cobrada das instituições financeiras, mediante adicional de 2,5% sobre a alíquota normal, com os citados princípios constitucionais, concluindo por sua constitucionalidade.
Tal conclusão decorreu do fato de as instituições financeiras elencadas no artigo 22, §1º, da Lei n. 8.212/91 terem maior poderio econômico do que as demais empresas, demonstrando signo de riqueza capaz de ensejar a sujeição à tributação um pouco mais elevada.
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[1] HOVARTH, Estevão. Contribuições de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Dialética, 2009. p. 21.
[2] PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. Contribuições: teoria geral, contribuições em espécie. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2010. p. 21-22.
[3] GRECO, Marco Aurelio. Contribuições: (uma figura “sui generes”). São Paulo: Dialética, 2000.
[4]KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes. p. 246.
[5] ÁVILA, Humberto. As contribuições no sistema tributário brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito. As Contribuições no sistema tributário brasileiro. São Paulo: Dialética. Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003.
[6] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
[7]PAULSEN, Leandro. Contribuições no sistema tributário brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito. As Contribuições no sistema tributário brasileiro. São Paulo: Dialética. Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003
[8] Op. cit. p. 45.
[9] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3.ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999.
[10] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.
[11] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 818.
[12] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 7.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.143.
[13] GRECO, Marco Aurélio. Op. cit. p. 154-155.
[14] SCHOUERI, Luís Eduardo. Exigências da CIDE sobre royalties e assistência técnica ao exterior. RET 37/144, jun/2004.
[15] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 9.
[16] Ob. cit. p. 70-71.
[17] Ob. cit.
[18] ADI 3.105.
[19] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 87.
[20] COSTA Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 1993.
[21]AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2007
[22] Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. IPVA. PROGRESSIVIDADE. 1. Todos os tributos submetem-se ao princípio da capacidade contributiva (precedentes), ao menos em relação a um de seus três aspectos (objetivo, subjetivo e proporcional), independentemente de classificação extraída de critérios puramente econômicos. (...) (RE 406955 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 04/10/2011, DJe-203 DIVULG 20-10-2011 PUBLIC 21-10-2011 EMENT VOL-02612-01 PP-00043 RDDT n. 196, 2012, p. 208-210 RTFP v. 19, n. 101, 2011, p. 413-417)
[23] Ob. cit.
[24] VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência Social: custeio e benefícios. São Paulo: LTr, 2005. p.69.
[25] ob. cit.
Procurador da Fazenda Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Fernando Dias de. A constitucionalidade da contribuição previdenciária adicional cobrada das instituições financeiras à luz dos princípios da igualdade, capacidade contributiva e equidade no custeio da seguridade social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42283/a-constitucionalidade-da-contribuicao-previdenciaria-adicional-cobrada-das-instituicoes-financeiras-a-luz-dos-principios-da-igualdade-capacidade-contributiva-e-equidade-no-custeio-da-seguridade-social. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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