RESUMO: o pagamento de auxílio-reclusão ao segurado desempregado que possui último salário de contribuição em valor superior ao determinado na legislação previdenciária é uma das maiores controvérsias jurisprudenciais da atualidade no que diz respeito ao polêmico benefício em questão.
Palavras-chave: Previdência Social, auxílio-reclusão, baixa renda, desemprego.
O benefício de auxílio-reclusão é disciplinado por várias normas, dentre as quais vale citar, em especial, o art. 80 da Lei 8213/91, o art. 201, IV, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998), o art. 13 da própria Emenda Constitucional nº 20, de 1998, e o art. 116 do Decreto 3048/99, que determinam:
Lei 8213/91
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Constituição Federal
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
[…]
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
Emenda Constitucional nº 20/48
Art. 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.
Decreto 3048/99
Art. 116. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).
§ 1º É devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário-de-contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado.
Trata-se, sem dúvida, de um dos benefícios mais polêmicos do sistema pátrio, capaz de gerar controvérsias tanto entre a população em geral como entre muitos dos mais respeitados juristas da seara previdenciária.
Cite-se, à guisa de exemplo, que doutrinadores como Sérgio Pinto Martins chegam a defender sua extinção (por entender que não deveria a sociedade arcar com o sustento da família daquele que violou a lei)¹ , enquanto outros, como Marisa Ferreira dos Santos, entendem que o benefício deveria ser ampliado para abarcar os segurados que não são de baixa renda, uma vez que eles também contribuem para o sistema e sua exclusão feriria os princípios da seletividade e distributividade².
Outra significativa polêmica se dá entre aqueles que acreditam que o benefício deve ser concedido nos casos em que o segurado tem baixa renda e aqueles que afirmam que é a renda dos dependentes, e não do segurado, que deveria ser considerada para a concessão do benefício.
Para os fins a que se destina o presente artigo, optamos por deixar de lado eventuais opiniões pessoais sobre esses dois assuntos, bastando citar que tais polêmicas, embora ainda discutidas na doutrina, acabaram praticamente resolvidas pela jurisprudência , que se firmou no sentido de reconhecer a constitucionalidade do critério de baixa renda, além de definir que é a renda do segurado, e não dos dependentes, que deve ser analisada no momento da concessão do benefício³.
Nem todas as controvérsias acerca do benefício, no entanto, foram plenamente resolvidas pela jurisprudência. Um dos maiores pontos de conflito diz respeito à possibilidade de concessão de auxílio-reclusão ao segurado que tem salário superior ao que é definido como de baixa renda mas acaba por ficar desempregado antes de ser recolhido à prisão, dividindo-se os juristas entre aqueles que entendem que o segurado não tem renda (ou tem renda zero) e, portanto, estaria inserido no conceito de “baixa renda”, e aqueles que a renda a ser considerada é a última existente antes o desemprego.
A primeira posição é explicada de forma detalhada no seguinte julgado da Turma Nacional de Uniformização:
Ementa
EMENTA AUXÍLIO-RECLUSÃO. SEGURADO DESEMPREGADO POR OCASIÃO DO RECOLHIMENTO À PRISÃO. ENQUADRAMENTO. CONCEITO DE BAIXA RENDA. CONSIDERAÇÃO DO ÚLTIMO SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ART. 116 DO DECRETO Nº. 3.048/99. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. 1 – No acórdão recorrido, restou fixada a tese de que: “em que pese a sentença esteja em consonância com o entendimento do STF no que diz respeito à necessidade de se observar a renda do segurado recluso para fins do preenchimento do requisito da baixa renda, esta Turma tem entendido que, no caso do segurado desempregado na época do recolhimento, a renda a ser considerada é igual a zero”. 2 – O acórdão invocado como paradigma – processo nº. 2008.51.54.001110-9 – proferido pela Turma Recursal do Rio de Janeiro, por outro lado, firmou o entendimento de que o segurado recluso, desempregado por ocasião de seu encarceramento, e em fruição de período de graça, não auferia qualquer rendimento; logo, o valor a ser averiguado para fins de apuração da baixa renda deve ser o referente ao último salário-de-contribuição. Consigna que: “se o segurado, embora mantendo essa qualidade, não estiver em atividade no mês da reclusão, ou nos meses anteriores, será considerado como remuneração o seu último salário-de-contribuição”. 3 – O art. 80, caput, da Lei nº. 8.213/91, regulamentado pelo art. 116 do Decreto nº. 3.048/99, dispõe que o auxílio-reclusão será devido nas mesmas condições da pensão por morte aos dependentes do segurado recolhido à prisão. O regulamento determina que deve ser considerado, para fins de enquadramento do segurado no conceito de baixa renda, o último salário-de-contribuição. 4 – Entende-se por salário-de-contribuição, nos termos do art. 28, incisos I a IV da Lei nº. 8.212/91: “I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)”. 5 – Verifica-se, assim, que o conceito de salário-de-contribuição está associado à remuneração efetivamente percebida pelo segurado, destinada à retribuição do seu trabalho. Logo, se segurado não aufere renda em um determinado período, não há falar em salário-de-contribuição correspondente a esse interregno, tampouco em “salário-de-contribuição zero”, consoante a tese adotada pelo acórdão recorrido. 6 – O último salário-de-contribuição do segurado – a ser considerado para efeito de enquadramento no conceito de baixa renda – corresponde, portanto, à última remuneração efetivamente auferida antes do encarceramento, por interpretação literal do art. 116 do Decreto nº. 3.048/99. 7 – Ademais, dada a natureza contributiva do Regime Geral da Previdência Social, deve-se afastar interpretações que resultem em tempo ficto de contribuição, conforme decidiu, recentemente, o STF (RE 583.834/SC, Relator Min. Ayres Britto, julgado em 21.9.2011, Informativo 641). Pela mesma razão, não se pode considerar, na ausência de renda – decorrente de desemprego – salário-de-contribuição equivalente a zero, por tratar-se de salário-de-contribuição ficto. 8 – Incidente conhecido e provido, para firmar a tese de que o valor a ser considerado, para enquadramento do segurado no conceito de baixa renda para fins de percepção de auxílio-reclusão, deve corresponder ao último salário-de-contribuição efetivamente apurado antes do encarceramento. 9 – O Presidente desta TNU poderá determinar a devolução de todos os processos que tenham por objeto esta mesma questão de direito material às respectivas Turmas Recursais de origem, para que confirmem ou promovam a adequação do acórdão recorrido. Aplicação do art. 7º, VII, “a” do regimento interno desta Turma Nacional, com a alteração aprovada pelo Conselho da Justiça Federal em 24.10.2011.
(PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL 200770590037647, Relator: JUIZ FEDERAL ALCIDES SALDANHA LIMA, DOU 19/12/2011)
Com o fim de demonstrar a atualidade da controvérsia, vale mencionar que há julgados mais recentes adotando a mesma conclusão (AC 00248667220134039999, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, DOU 27/11/2014).
Da mesma forma, a segunda tese também encontra amparo no recentíssimo julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO LEGAL. AUXÍLIO-RECLUSÃO. PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I - Trata-se de agravo legal interposto pela Autarquia Federal, com fundamento no artigo 557, § 1º, do CPC, em face da decisão monocrática de fls. 167/169 que, com fulcro no art. 557, do CPC, deu parcial provimento ao apelo da Autarquia Federal, apenas para fixar os juros nos termos da fundamentação desta decisão, que fica fazendo parte integrante do dispositivo. Alega o INSS que a decisão merece reforma, sustentando que o último salário de contribuição do pai da autora era superior ao limite legal, não fazendo jus à concessão do benefício. Requer seja reconsiderada a decisão, ou, caso mantida, sejam os autos apresentados em mesa para julgamento. II A inicial é instruída com documentos, dentre os quais destaco: certidão de nascimento do autor, em 31.12.2009; certidão de recolhimento prisional em nome do pai do autor, indicando prisão em 15.12.2011, vigente por ocasião da emissão do documento, em 27.04.2012 (posteriormente foi juntada nova certidão indicando prisão ao menos até 25.09.2012); CTPS do pai do autor, com anotação de um vínculo empregatício, mantido de 03.05.2010 a 10.11.2011, e de vínculos anteriores mantidos em períodos descontínuos, compreendidos entre 16.03.1999 e 31.03.2010; comunicado de decisão que indeferiu o pedido administrativo, formulado em 12.01.2012; extrato do sistema CNIS da Previdência Social, indicando que o recluso possuiu vínculos empregatícios em períodos descontínuos, compreendidos entre 16.03.1999 e 10.11.2011. III - O autor comprova ser filho do recluso através da apresentação da certidão de nascimento, tornando-se dispensável a prova da dependência econômica, que é presumida. IV - O último vínculo empregatício do recluso cessou em 10.11.2011 e ele foi recolhido à prisão em 15.12.2011. Portanto, ele mantinha a qualidade de segurado, nos termos do artigo 15, § 1º, da Lei 8.213/91, que estabelece o "período de graça" de 12 (doze) meses, após a cessação das contribuições, em que o segurado mantém tal qualidade. V - No que tange ao limite da renda, o segurado não possuía rendimentos à época da prisão, vez que se encontrava desempregado. VI - Inexiste óbice à concessão do benefício aos dependentes, por não restar ultrapassado o limite previsto no art. 13 da Emenda Constitucional nº. 20 de 1998. VII - A decisão monocrática com fundamento no art. 557, caput e § 1º-A, do C.P.C., que confere poderes ao relator para decidir recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto, intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, sem submetê-lo ao órgão colegiado, não importa em infringência ao CPC ou aos princípios do direito. VIII - É pacífico o entendimento nesta E. Corte, segundo o qual não cabe alterar decisões proferidas pelo relator, desde que bem fundamentadas e quando não se verificar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa gerar dano irreparável ou de difícil reparação à parte. IX - Não merece reparos a decisão recorrida, que deve ser mantida, porque calcada em precedentes desta E. Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. X - Agravo desprovido.
(AC 00420876820134039999, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, DOU 14/11/2014)
Em seu favor, esta segunda posição tem, entre outros, o argumento de que não seria razoável entender que o segurado que não tem renda nenhuma não seja “de baixa renda” e por isso não teria direito a receber o benefício. Ademais, o art. 116, §1º, poderia ser interpretado de forma a admitir a concessão do benefício para o segurado desempregado, pois menciona ser devido o auxílio “quando não houver salário de contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão”.
Já a primeira posição, além dos argumentos trazidos no julgado acima transcrito, tem o condão de evitar que se conceda o benefício no caso de segurados que jamais poderiam ser considerados de baixa renda, como aquele que sempre recebeu remuneração superior ao teto previdenciário por muitos anos e acaba perdendo o emprego pouco antes de ser recolhido à prisão (o que poderia ter ocorrido até de forma voluntária ou por fatos relacionados ao crime imputado ao segurado, por exemplo).
Ademais, podemos dizer que, como regra geral, o trabalhador que recebe salário inferior ao previsto na legislação dificilmente terá outras fontes de renda significativas além do salário, enquanto aquele que está simplesmente desempregado de forma momentânea poderia em tese ter diversas fontes de renda não previstas no Decreto 3048/99 (como alugueres, dividendos de ações, etc), circunstância em que o pagamento de auxílio-reclusão parece afrontar a intenção que o constituinte derivado teve ao editar a Emenda Constitucional nº 20/48.
Em que pese a respeitabilidade das duas posições, ambas bem fundamentadas e defendidas por juristas de escol, entendemos que a primeira, que nega o benefício ao segurado desempregado caso seu último salário seja superior ao determinado na legislação previdenciária, é mais condizente com a Constituição Federal e com a legislação previdenciária, além de evitar situações que parecem ir de encontro à intenção do constituinte reformador e aos princípios do Direito Previdenciário.
NOTAS:
¹ MARTINS, Sérgio Pinto, Direito da seguridade social. – 13. edição – São Paulo: Atlas, 2000. p. 394 apud ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 3. ed. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária de Direito, 2007. p. 513.
² SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011. p. 300.
³ SANTOS, op. cit., pp. 299-300.
REFERÊNCIAS:
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 3. ed. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária de Direito, 2007.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Geral Federal de Santos-SP, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVIAN, Eduardo. Da concessão do benefício de auxílio-reclusão no caso de segurado desempregado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42290/da-concessao-do-beneficio-de-auxilio-reclusao-no-caso-de-segurado-desempregado. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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