Sumário: Introdução; 1. As astreintes e a Fazenda Pública: a necessidade de resistência do ente público e o descabimento de sua imposição “a priori”;2.A possibilidade de redução do seu valor mesmo depois do trânsito em julgado; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo discorrer, em breve síntese, sobre as astreintes e sua aplicação à Fazenda Pública, discorrendo sobre a necessidade de prévia resistência do ente público para sua imposição, evitando efetivo prejuízo ao erário, em face de ganhos indevidos de particulares.
No decorrer do texto será tratada, ainda, a questão acerca da possibilidade de redução dos valores das astreintes, ainda que a decisão que as aplicou tenha transitado em julgado.
Com isto, espera-se fornecer elementos que ajudem a melhorentender o tema aqui tratado, dentro do contexto do processo civil brasileiro e de grande importância para prática forense dos mais variados operadores do direito.
1. As astreintes e a Fazenda Pública: a necessidade de resistência do ente público e o descabimento de sua imposição “a priori”
Segundo Leonardo Carneiro da Cunha:
“Existem as chamadas medidas de apoio de que se vale o juiz para coagir ou convencer a parte demandada ao cumprimento da tutela específica. A primeira delas é a multa prevista no parágrafo 4º do art. 461 do CPC, que consiste, com já se viu, em meio coercitivo, direcionado a forçar o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer pela parte demandada.”
A justificativa para fixação de multa pelo descumprimento reside na manifesta resistência da parte em cumprir a determinação judicial, ameaçando a efetividade que lhe é essencial para garantia da plenitude da jurisdição.
Nesse sentido, a jurisprudência pátria é contrária à fixação de multa de modo prévio/antecipado, a priori/abstrato, contra a Fazenda Pública. Sobre o tema, transcreve-se os seguintes Acórdãos do TRF da 1ª Região, que bem elucidam este ponto:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS.
(...)
8. Em qualquer caso fica expressamente afastada a fixação prévia de multa, sem prejuízo de seu arbitramento na hipótese de efetivo descumprimento do julgado. 9. Apelação do INSS e Remessa Oficial providas em parte. Apelação da parte autora não provida. (AC 0000080-28.2007.4.01.3306 / BA, Rel. JUIZ FEDERAL MURILO FERNANDES DE ALMEIDA (CONV.), SEGUNDA TURMA, e-DJF1 p.24 de 10/07/2013)
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. IDADE MÍNIMA. TERMO A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA ADVOCATÍCIA.
(...)
8. É tranqüila nesta Corte a compreensão sobre não ser possível a fixação antecipada de multa coercitiva conta a fazenda Pública, à presunção de que será descumprido o comando relativo à implantação do benefício. 9. Não tendo ocorrido deferimento de tutela antecipada, justifica-se a determinação de implantação imediata do benefício perseguido (art. 461, do CPC), já que eventuais recursos interpostos contra o presente julgado são desprovidos de efeito suspensivo. Precedentes do STJ. 10.Apelação e remessa oficial parcialmente providas. (AC 0076937-17.2012.4.01.9199 / MT, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL NEUZA MARIA ALVES DA SILVA, SEGUNDA TURMA, e-DJF1 p.209 de 02/05/2013)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. DIARISTA. AVULSO. PROVA TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS. MULTA. INCABÍVEL.
(...)
10. A jurisprudência majoritária desta Corte é contrária à aplicação de multa diária contra a Fazenda Pública, a não ser que comprovada a recalcitrância do ente público no cumprimento de decisão judicial. Hipótese não configurada (AC 0025720-37.2009.4.01.9199 / GO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO DE ASSIS BETTI, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CLEBERSON JOSÉ ROCHA (CONV.), SEGUNDA TURMA, e-DJF1 p.49 de 19/06/2013)
Portanto, a aplicação de penalidade de multa diária só deverá ser feita a posteriori, isto é, desde que haja efetiva recalcitrância no cumprimento da determinação judicial pelo ente público, sob pena de permitir o enriquecimento sem causa do particular em desfavor do erário.
2. A possibilidade de redução do seu valor mesmo depois do trânsito em julgado
No entanto, conquanto desarrazoado o entendimento de se aplicar aprioristicamente astreintes em desfavor da Fazenda Pública, a demonstração de que não houve resistência ao cumprimento da decisão judicial, deve conduzir à efetiva redução do quantum fixado/alcançado a título de multa diária, independentemente do trânsito em julgado da decisão que determinou sua aplicação.
Por todos, seguem alguns julgados abaixo, que ratificam a possibilidade acima destacada:
OBRIGAÇÃO DE FAZER FIXADA NA SENTENÇA CITAÇÃO OU INTIMAÇÃO PARA CUMPRIMENTO DESNECESSIDADE OBRIGAÇÃO DE FAZER - FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA PELO INADIMPLEMENTO - REDUÇÃO DO VALOR APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO - POSSIBILIDADE - VALOR EXCESSIVO - EXEGESE DO ARTIGO 461, § 6"DO RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AG: 1176702002 SP. Relator: Andrade Neto, Data de Julgamento: 10/09/2008, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/09/2008) (g.n.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. MULTA COMINATÓRIA. REVISÃO DO VALOR. PRAZO EXÍGUO PARA CUMPRIMENTO. RECONHECIMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DESTA CORTE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Não se recomenda a redução da multa cominatória pelo eventual descumprimento de decisão antecipatória de tutela (art. 461 do CPC), quando a resistência, evidenciada pelos fatos narrados no acórdão recorrido, faz inferir que não é elevada o suficiente para compelir a instituição financeira a adotar as providências necessárias para cumprir a decisão judicial.
2. Saliente-se, ademais, que o valor da referida multa não é, nesta fase processual, definitivo, pois poderá ser revisto a qualquer momento, até mesmo após o trânsito em julgado, na execução, caso se revele excessivo ou insuficiente, com base no art. 461, § 6º, do CPC.
3. O acolhimento das razões de recurso na forma como pretendida, no sentido de que o prazo concedido para cumprimento da decisão é exíguo, demandaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático probatório carreado aos autos. Incidência da Súmula 7 desta Corte.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 407.080/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 03/12/2013) (g.n.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ASTREINTES. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO.
1 - O v. acórdão recorrido resolveu a lide de acordo com a orientação jurisprudencial desta Corte, segundo a qual a multa cominatória deve ser fixada em valor razoável de modo a evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes, podendo ser revista em qualquer fase do processo, até mesmo após o trânsito em julgado.
2 - Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 241.097/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 07/12/2012) (g.n.)
Nesse contexto, ainda que não se suprima o dever de se pagar astreintes, nas hipóteses em que evidenciada a ausência de resistência ao cumprimento da decisão judicial, pelo Poder Público, tal valor há de ser reduzido a um valor meramente simbólico.
Tal entendimento justifica-se, ainda mais, quando se trata da Fazenda Pública, pois se discute o pagamento de valores de toda a sociedade em favor de particular, que não pode almejar auferir enriquecimento sem causa, em prejuízo do erário.
Considerações finais
Como se perceber das linhas acima, em primeiro lugar, não deve haver a imposição de astreintes, de modo apriorístico, em desfavor da Fazenda Pública, consoante jurisprudência apresentada, eis que tal imposição deve acontecer a partir da comprovação de resistência do ente público, de modo à posteriori.
Em segundo lugar, mesmo nas hipóteses em que imposta a multa diária, esta, quando não comprovada qualquer resistência ao cumprimento da ordem judicial, pelo Poder Público, pode e deve ser reduzida a valores meramente simbólicos, ainda que o feito já tenha transitado em julgado, consoante entendimento jurisprudencial trazido à tona.
Referido entendimento, ademais, salvaguarda o erário e evita enriquecimento sem causa de particulares.
Portanto, com este breve artigo, espera-se ter fornecido elementos hábeis a permitir uma melhor compreensão das astreintes e de sua aplicação, em especial no que toca à Fazenda Pública.
Procurador Federal e Professor de Processo Civil da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Pós-graduado em Direito Público (UnB/AGU), em Direito da Economia e da Empresa (Fundação Getúlio Vargas - FGV) e em Relações Internacionais (Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAGA, Bruno César Maciel. Astreintes e Fazenda Pública: alguns necessários esclarecimentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42310/astreintes-e-fazenda-publica-alguns-necessarios-esclarecimentos. Acesso em: 23 dez 2024.
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