Resumo: Trata-se de na análise acerca da possibilidade de contratação dos serviços não exclusivos dos correios através de dispensa de licitação, sob fundamento do art. 24, VIII, da Lei nº 8.666/93
Palavras - Chave: Licitação. Correios. Serviços não exclusivos. Dispensa.
Introdução
A prestação dos serviços postais é constitucionalmente assegurada com exclusividade à União.
Para uma adequada compreensão da discussão trazida à tona, imprescindível colacionar o art. 21, X, da Constituição Federal de 1988 (CF/88):
Art. 21. Compete a União:
(...)
X- manter o serviço postal e o correio aéreo nacional.
Assim sendo, sempre se afirmou que os serviços postais erammonopolizados pela União, como disposto na Lei 6.538, de 22 de junho de 1978, que afirma categoricamente que os serviços postais são explorados pela União em regime de monopólio.
Entretanto, após o julgamento da ADPF nº, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu novos contornos ao tema, o que acabou por importar em mudanças no tratamento dado à questão.
Desenvolvimento
O art. 9º, da Lei nº 6.585/78 vem a complementar o art. 21, X, da CF/88, esclarecendo in verbis:
Art. 9º. São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:
I – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;
II – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada;
Por sua vez, o art. 47 do mesmo diploma legal, esclarecendo o seu art. 9º, traz as seguintes definições:
CARTA – objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário.
CARTÃO-POSTAL - objeto de correspondência, de material consistente, sem envoltório, contendo mensagem e endereço.
CORRESPONDÊNCIA – toda comunicação de pessoa a pessoa, por meio de carta, através da via postal, por telegrama.
CORRESPONDÊNCIA AGRUPADA – reunião, em volume, de objetos da mesma ou de diversas naturezas, quando, pelo menos um deles, for sujeito ao monopólio postal, remetidos a pessoas jurídicas de direito público ou privado e/ou suas agências, filiais ou representantes.
No entanto, recentemente, alguns dispositivos da Lei nº 6.538/78 foram objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº46 que, embora tenha sido julgado improcedente, trouxe em seu bojo aplicaçãodeinterpretação conforme a Constituição. Eis a ementa do julgado:
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI.1. O serviço postal --- conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado --- não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público.2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar.3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X].4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969.5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado.6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal.7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Argüição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo.Da análise do julgado acima, conclui-se que o STF restringiu o privilégio (monopólio) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) apenas para as atividades postais descritas no artigo 9º da Lei nº 6.538/78 supra transcrito, ou seja, cartas, cartões-postais, telegramas e correspondências agrupadas.
Assim, o serviço de entrega de encomendas, por exemplo, não é privilégio exclusivo da ECT, podendo ser explorado pela iniciativa privada e, se houver empresas atuantes nesse mercado, o serviço deverá ser licitado.
Nesse contexto, deve-se esclarecer que a contratação dos serviços prestados com exclusividade pelos CORREIOS deverá ser feita a contratação direta, sendo inexigível a licitação, nos termos do artigo 25, caput, da Lei 8.666/931, pois para estes serviços não existe competição no mercado.
Por sua vez, a contratação aplicável aos serviços que também são fornecidos pela EBCT, mas não com exclusividade (p. ex.: entrega de encomendas) é objeto de grandes discussões no mundo jurídico, sendo objeto de profundas divergências entre os doutrinadores e aplicadores do Direito.
Há quem entenda que a contratação dos demais serviços prestados pela EBCT pode ser realizada diretamente com fundamento no art. 24, inc. VIII a seguir transcrito:
Art. 24 VIII – É dispensável a licitação:
VIII - para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
No entanto, urge esclarecer que essa tese encontra resistência no Tribunal de Contas da União, vez que, de acordo com o entendimento predominante na Ilustre Corte de Contas, a empresa pública a que alude o inc. VIII do art. 24 da Lei 8666/93 não pode exercer atividade econômica, conforme demonstra o acórdão Acórdão 6.931/2009-1ª Câmara, adiante transcrito:
Ementa: REPRESENTAÇÃO. JOGOS PANAMERICANOS E PARAPANAMERICADOS DE 2007. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. IRREGULARIDADE INSUFICIENTE PARA APLICAÇÃO DE MULTA. ARQUIVAMENTO. 1. Os serviços prestados pelos Correios, em caráter complementar aos previstos na Lei 6.538/1978, não integram o serviço postal, explorado em regime de monopólio pela União (CF, art. 21, X). 2. Apenas as entidades que prestam serviços públicos de suporte à Administração Pública, criadas para esse fim específico, podem ser contratadas com dispensa de licitação, nos termos do art. 24, inciso VIII, da Lei 8.666/1993. 3. As empresas públicas e sociedades de economia mista que se dedicam à exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços sujeitam-se ao regime jurídico das empresas privadas (CF, 173), em consonância com os princípios constitucionais da livre concorrência e da isonomia, e não podem ser contratadas com dispensa de licitação fundamentada no art. 24, inciso VIII, da Lei 8.666/1993
Tal entendimento é compartilhado por doutrinadores de peso, tal como Marçal JustenFilho que defende:
Tem de reputar-se que a regra do inc. VIII apenas pode referir-se a contratações entre a Administração direta e entidades a ela vinculadas, prestadoras de serviço público (o que abrange tanto as prestadoras de serviço público propriamente ditas como as que dão suporte à Administração Pública).
A regra não dá guarida a contratações da Administração Pública com entidades administrativas que desempenhem atividade econômica em sentido estrito. Se o inc. VIII pretendesse autorizar contratação direta no âmbito de atividades econômicas, estaria caracterizada inconstitucionalidade. É que as entidades exercentes de atividade econômica estão subordinadas ao disposto no art. 173, § 1.º, da CF/88. Daí decorre a submissão ao mesmo regime reservado para os particulares. Não é permitido qualquer privilégio nas contratações dessas entidades. Logo, não poderiam ter a garantia de contratar direta e preferencialmente com as pessoas de direito público. Isso seria assegurar-lhes regime incompatível com o princípio da isonomia.[1]
Outros defendem que apesar de não poderem ser contratados mediante inexigibilidade de licitação, porquanto não presente o pressuposto fático que assim autoriza, qual seja, a inviabilidade de competição, é possível a contratação direta mediante dispensa do procedimento licitatório, com fundamento no art. 24, inc. VIII, da Lei nº 8.666/938.666/93.
Nesse sentido, em 20/04/2012, o Exmo. Sr. Advogado-Geral da União aprovou o Parecer nº 19/2011/CG/AGU/JCBM, que defende em seu bojo a tese de que é possível a contratação direta (art. 24,,VIII, da Lei nº 8.666/93) dos serviços postais não monopolizados pela ECT.
Registre-se que tal Parecer é vinculante para os integrantes da Advocacia Geral da União, de modo que, no âmbito da Administração Pública Federal, está juridicamente amparada eventual contratação direta dos denominado “serviços postais não exclusivos”.
Conclusão
A empresa brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) detém a exclusividade na prestação dos serviços elencados nos arts. 9º e 47, da Lei nº 6.585/78. Com relação aos demais serviços prestados, há divergências acerca da possibilidade de contratação através da dispensa de licitação, com fundamento no art. 24, VIII, da Lei nº 8666/93, possibilidade esta rechaçada pelo Tribunal de Contas da União, porém encampada pela Advocacia Geral da União.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 5. ed. Dialética: São Paulo. 1998.
FERNADES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm
ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 22ª ed. São Paulo: Editora Método, 2014.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 18ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007
[1]JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 5. ed. Dialética: São Paulo. 1998, pp. 225/226.
Procuradora Federal com atuação na Procuradoria Regional Federal da 1ªRegião - Brasília - DF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CUNHA, Renata Maria Periquito Pontes. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos: serviços não exclusivos e forma de contratação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42339/empresa-brasileira-de-correios-e-telegrafos-servicos-nao-exclusivos-e-forma-de-contratacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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