RESUMO: Breves apontamentos sobre o aumento de remuneração dos servidores públicos da União e de suas Autarquias e Fundações por força de decisão judicial. O presente artigo busca apresentar uma explanação acerca desse polêmico assunto, que tem preocupado a administração pública, e a melhor forma de tratamento para a efetivação do interesse público. O objetivo é contribuir para o aprimoramento da discussão sobre o tema. É um trabalho teórico, no qual se realiza pesquisa qualitativa, desenvolvida por meio de referências bibliográficas, análise de doutrina e jurisprudência.
Palavras-chave: Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito FInanceiro, Servidores Públicos, Reajuste, Decisão judicial, Regulamentação, Limites.
INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre a possibilidade aumento de remuneração dos servidores públicos da União e de suas Autarquias e Fundações por força de decisão judicial.
Com efeito, não são raras as ações que tramitam na justiça, requerendo que o Poder Judiciário, por força do princípio da isonomia, conceda reajustes a diversas categorias de servidores públicos.
O assunto será abordado sob a ótica constitucional e do direito financeiro, onde consta a maior parte dos dispositivos que regulamentam o assunto. Sem querer esgotar o tema, o presente artigo visa contribuir para a maior disseminação do estudo e alertar para a sua importância.
REAJUSTE REMUNERATÓRIO E PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
O primeiro ponto a ser considerado, quando se fala em reajuste remuneratório de servidores públicos pelo Poder Judiciário é saber se há ou não afronta ao princípio da separação dos poderes, uma vez que, originariamente, a competência para dispor sobre reajuste remuneratório de servidores públicos da União e de suas autarquias e fundações públicas é do Poder Executivo, através de iniciativa de lei a ser remetida ao Poder Legislativo.
A separação dos poderes se encontra consagradano art. 2º da Constituição Federal, como princípio fundamental do Estado brasileiro:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o judiciário não pode se convolar em legislador positivo, atribuindo vantagens a certa categoria de servidores públicos, a pretexto de garantir isonomia salarial. Tal interpretação está consagrada no enunciado da Súmula nº 339:
SÚMULA 339 – Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.
A retribuição dos servidores da Administração Federal direta, autárquica e fundacional é fixada por meio de lei em sentido estrito, de acordo com o art. 61, § 1º, inc. II, alínea “a” da Constituição Federal, cuja iniciativa é exclusiva do Presidente da República, senão vejamos:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
(...)
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração
A divisão de poderes no Brasil fundamenta-se na especialização funcional, ou seja, cada órgão é especializado no exercício de uma função, cabendo, assim, no âmbito federal, ao Congresso Nacional a função legislativa,à Presidência da República a função executiva (governo e administração); e ao Poder Judiciário, a função jurisdicional.
Outro fundamento para a nossa tradicional divisão de poderes é o da independência orgânica, segundo o qual é necessário que cada poder seja, de fato, independente dos outros, sem a ocorrência de meios de subordinação. A divisão estatuída no art. 2º da Constituição Federal consiste, assim, numa forma de organização jurídica das manifestações do Poder.
Conforme os ensinamentos de José Afonso da Silva[1]:
“Os órgãos do Estado são supremos (constitucionais) ou dependentes (administrativos). Aqueles são os a quem incumbe o exercício do poder político, cujo conjunto se denomina governo ou órgãos governamentais. Os outros estão em plano hierárquico inferior, cujo conjunto forma a Administração Pública, considerados de natureza administrativa”
Já é completamente sedimentado na doutrina o entendimento segundo o qual, apesar de serem claras as funções predominantes de cada poder, elas não são estanques e incomunicáveis. Existem as funções típicas e as atípicas de cada poder. Essas últimas são as que a Constituição, anômala e expressamente, outorgou.
Trata-se de operacionalização do tradicional mecanismo de freios e contrapesos, indispensável para evitar a concentração excessiva do poder nas mãos de um só órgão, em detrimento de outros. Por essa razão é que as funções atípicas devem decorrer de expressa disposição constitucional, sujeita a interpretação restritiva, como qualquer norma de natureza excepcional.
A iniciativa privativa da lei específica relativa a aumento de remuneração de servidores públicos da União e suas Autarquias e Fundações foi outorgada ao chefe do Poder Executivo pelo seu art. 61, §1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, acima transcrito, c/c art. 37, inc. X:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Dessa forma, a ingerência de outro poder na prerrogativa de origem constitucional, ainda que de forma indireta, como no caso de ordem judicial fundamentada no princípio da isonomia, poderia acabar por inverter o sistema constitucional de competências.
Como ensina o professor Hely Lopes Meirelles[2]:
“O poder de organizar e reorganizar os serviços públicos, de lotar e relotar servidores, de criar e extinguir cargos é indespojável da Administração, por inerente à soberania interna do próprio Estado. (...)
Ora, o funcionalismo é apenas meio e não fim da Administração (...) e toda vez que esta lhe confere uma vantagem deve fazê-lo na exata medida do interesse público. Vale dizer, as prerrogativas, garantias e demais vantagens do funcionalismo só se legitimam quando reclamadas pelo serviço público e não anulem seus requisitos de eficiência, moralidade e aperfeiçoamento.
Os vencimentos – padrão e vantagens – só por lei podem ser fixados, segundo as conveniências e possibilidades da Administração (...). O aumento de vencimentos – padrão e vantagens – dos servidores públicos depende de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo (Const. Rep., art. 61, §1º, II, a). É uma restrição fundada na harmonia dos Poderes e no reconhecimento de que só o Executivo está em condições de saber quando, e em que limites, pode majorar a retribuição de seus servidores”.
Desse modo, como não cabe ao Legislativo aprovar a lei referida sem que a iniciativa seja tomada pelo Presidente da República, não cabe ao Judiciário, por exemplo, no bojo de um processo, conceder a revisão geral anual aos servidores ou coagir diretamente o Chefe do Executivo a fazê-lo, com a fixação de multa, prazo ou indenização pecuniária. Uma exegese atenta da Constituição é capaz de revelar que o constituinte originário, e sequer o derivado, chegaram a tanto.
Aqui o obstáculo é insuperável sem que haja a lei específica de que fala a Constituição. Só esta tem o condão de constituir o direito dos servidores à revisão geral anual de remuneração. Só a lei, em sentido estrito, pode prever os critérios, o índice adequado de revisão, posto que tal atribuição está contida, inegavelmente, na alçada de avaliação discricionária e autônoma do Chefe do Poder Executivo Federal.
Apesar disso, também não se pode desconsiderar o fato de que resta ao poder judiciário, sim, a prerrogativa de analisar os atos administrativos quanto aos critérios de legalidade. Sobre o tema, continuando a nos beneficiar dos ensinamentos de Hely Lopes Meireles[3]:
“Atos políticos são os que praticados por agente do Governo, no uso de competência constitucional, se fundam na ampla liberdade de apreciação da conveniência ou oportunidade de sua realização, sem se aterem a critérios jurídicos preestabelecidos. São atos governamentais por excelência, e não apenas de administração. São atos de condução dos negócios públicos, e não simplesmente de execução de serviços públicos. Daí o seu maior discricionarismo, e, consequentemente, as maiores restrições para o controle judicial. Mas nem por isso afastam a apreciação da Justiça, quando arguidos de lesivos a direito individual ou ao patrimônio público”.
Em conclusão, podemos dizer que o poder judiciário não pode conceder aumento aos servidores públicos federais, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes, embora possa, sim, apreciar a legalidade, a constitucionalidade e a lesão, potencial ou efetiva de direito individual, coletivo ou do patrimônio público, em razão das leis que concederam os reajustes.
QUESTÃO ORÇAMENTÁRIA E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Outra questão relevante a ser abordada no estudo do tema do presente artigo refere-se ao princípio da legalidade das despesas públicas, segundo o qual, para a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, é necessária a existência de prévia dotação orçamentária.
O recurso deve ser suficientepara atender as projeções de despesa de pessoal e os acréscimos dela decorrentes, com expressa e específica autorização na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Sobre o assunto, vejamos o que dispõe o art. 167, inc. II e §1º c/c art. 169 da CF/1988:
Art. 167. São vedados:
(...)
II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
(...)
§ 1º - Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.
Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.
§1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº. 19, de 1998).
I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº. 19, de 1998).
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº. 19, de 1998).
A Constituição Federal, no dispositivo acima transcrito, consagrou o princípio do equilíbrio das finanças, pelo qual exige-se lei específica e previsão orçamentária para o aumento de despesas com pessoal.
Assim, nem mesmo o Presidente da República pode conceder livremente os índices de aumento para os servidores públicos, pois está adstrito ao que dispõem a Lei Orçamentária,a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº. 101/2000), a qual consideramos extremamente importante, valendo a transcrição integral dos artigos:
Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
§ 1º Para os fins desta Lei Complementar, considera-se:
I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício;
II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições.
§ 2º A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas.
Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:
I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no § 1o do art. 169 da Constituição;
II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.
Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20.
Os dispositivos acima visam um cuidado com o impacto das medidas tendentes ao aumento dos gastos públicos com despesas de pessoal o que ocorre, com maior rigidez, nos anos eleitorais, onde a Lei nº. 9.504/97 permite aumentos bastante restritos:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(...)
VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.
Além disso, a Lei nº 10.331/2001 regulamentou, especificamente, o inc. X do art. 37 da Constituição Federal, transcrito no tópico anterior, que trata especificamente sobre o reajuste anual dos servidores públicos:
Art. 2º A revisão geral anual de que trata o art. 1º observará as seguintes condições:
I - autorização na lei de diretrizes orçamentárias;
II - definição do índice em lei específica;
III - previsão do montante da respectiva despesa e correspondentes fontes de custeio na lei orçamentária anual;
IV - comprovação da disponibilidade financeira que configure capacidade de pagamento pelo governo, preservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social;
V - compatibilidade com a evolução nominal e real das remunerações no mercado de trabalho; e
VI - atendimento aos limites para despesa com pessoal de que tratam o art. 169 da Constituição e a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.
Assim, a majoração remuneratória dos servidores por parte do Poder Judiciário não pode ocorrer, também em virtude da ausência de estudo prévio do impacto orçamentário causado às finanças públicas e sem qualquer autorização das leis orçamentárias para tanto.
CONCLUSÃO
Por tudo o que foi estudado e resumido acima, podemos concluir ser extremamente danoso à harmonia entre os Poderes que o Judiciário conceda diretamente a revisão da remuneração dos servidores públicos.
O Poder Judiciário não pode conceder aumento aos servidores públicos federais, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes, embora possa, sim, apreciar a legalidade, a constitucionalidade e a lesão, potencial ou efetiva de direito individual, coletivo ou do patrimônio público, em razão das leis que concederam os reajustes.
Para a concessão de qualquer aumento de despesa dessa natureza, exige-se lei específica, cuja iniciativa não é dos magistrados, bem como previsão orçamentária, em face do princípio do equilíbrio das finanças que a Constituição buscou preservar.
BIBLIOGRAFIA
Constituição Federal de 1988.
SILVA, José Afonso da.Curso de Direto Constitucional Positivo, 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª Ed. São Paulo: RT, 1991.
[1] Curso de Direto Constitucional Positivo, 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 110 e ss.
[2]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª Ed. São Paulo: RT, 1991, p. 361 e ss.
[3]Op. cit, p. 604.
Procuradora Federal há 7 (sete) anos e atualmente trabalha na defesa judicial de mais de uma centena de entes da administração pública, em questões ligadas a servidores públicos, licitações, contratos, concursos públicos, patrimônio público, tributário, dentre outras. É pós graduada em Direito Previdenciário, Direito Administrativo e Direito Processual Civil e autora de outras publicações na área jurídica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FLORENCIO, Renata Cordeiro Uchoa. Aumento de remuneração de servidores públicos da Administração direta e indireta por força de decisão judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42342/aumento-de-remuneracao-de-servidores-publicos-da-administracao-direta-e-indireta-por-forca-de-decisao-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
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