1. Introdução
O fim da regra do efeito suspensivo da apelação será uma das inovações a serem introduzidas com a aprovação do projeto do novo Código de Processo Civil, que hoje se encontra em trâmite no Congresso Nacional (Projeto de Lei 8.046/2010).
O presente trabalho tem por objetivo a abordagem dos argumentos dos defensores e dos opositores à referida alteração do Sistema Recursal Brasileiro, que traz como regra a eficácia imediata da sentença, em substituição ao atual regramento em que a regra é o duplo efeito da apelação.
2. Argumentos favoráveis à adoção do efeito suspensivo da apelação como exceção
Dentre os argumentos daqueles que aprovam a abolição da regra do efeito suspensivo da apelação, está o de que tal mudança reduziria a demora na entrega da prestação jurisdicional.
De fato, haverá redução no tempo do processo, já que será um desestímulo ao recurso proletário e o abuso do direito de recorrer, que só servem para procrastinar a entrega definitiva da prestação jurisdicional.
Com efeito, como a sentença terá a qualidade de exequibilidade imediata, os recursos meramente protelatórios perderão o seu sentido, já que a parte interessada poderá executar provisoriamente a decisão.
Além disso, com a retirada do efeito suspensivo como regra, além de proporcionar às partes maior rapidez na prestação jurisdicional, apenas serão levadas à segunda instância as questões amplamente fundamentadas, não deixando espaço para recursos que têm por objetivo tão-somente postergar, durante anos, a eficácia de decisões proferidas em primeira instância, apenas por serem desfavoráveis ao recorrente.
E assim, haveria também uma distribuição do ônus da demora do processo, pois já houve uma análise exauriente em primeira instância antes de se proferir o julgamento, não sendo justo que a parte vencedora é que tenha que suportar sozinha os efeitos do tempo.
Como bem leciona Ricardo de Carvalho Aprigliano,
O recurso vem sendo usado pela parte sucumbente com intuito meramente protelatório, não porque não esteja de acordo com o que foi decidido, mas, sabedor e estimulado pela demora inerente ao seu processamento, pela manutenção da decisão em estado de ineficácia. A eliminação do efeito suspensivo como regra importaria depuração da própria apelação, que passaria a ser utilizada efetivamente para tutelar situações consideradas mais graves. (APRIGLIANO, 2003, p.286)
Não se pode perder de vista, ainda, que a sentença de primeiro grau precisa servalorizada, já que o juiz de primeira instância é que está mais próximo das partes e da prova produzida, merecendo, pois, credibilidade o seu convencimento externado na sentença.
Como se pode perceber, a nova regra será um grande passo para que os jurisdicionados obtenham a produção imediata da sentença, com a entrega efetiva do bem da vida reconhecido pela decisão judicial. Afinal, só há processo efetivo quando a tutela jurisdicional é tempestiva.
Ademais, como já visto alhures, haverá determinadas situações, nas quais o recorrente comprove a probabilidade de êxito do recurso interposto ou o risco de sofrer danos graves e de difícil reparação, em que será possível a suspensão dos efeitos da decisão até que a instância superior a confirme.
Embora não afete direitos e garantias constitucionais da parte vencida, ainda assim, existem vozes em sentido contrárioà implementação da nova técnica processual de recebimento dos recursos apenas no efeito devolutivo, conforme se verá a seguir.
3. Argumentos contrários à abolição do efeito suspensivo do recurso como regra
Um dos argumentos contrários à abolição do efeito suspensivo como regra é a de que tal regramento violaria o duplo grau de jurisdição.
Entretanto, não merece prosperar o argumento de ofensa ao duplo grau de jurisdição, já que este não constitui uma garantia constitucional, mas apenas uma nuance do devido processo legal. Assim, é plenamente possível ao legislador infraconstitucional restringir o cabimento e os efeitos dos recursos, sem que isso se configure uma ofensa à Constituição.
De forma brilhante, conclui Milton Paulo de Carvalho Filho:
Assim, como o duplo grau de jurisdição não é regramento constitucional, nem vital para o bom funcionamento da justiça, não pode ser um componente inibidor do valor efetividade tutelado pela ordem jurídica, impedindo a imediata eficácia das decisões jurisdicionais de primeiro grau.(CARVALHO FILHO, 2010, p.65)
Além disso, é importante se notar que o duplo grau de jurisdição não será fulminado do ordenamento, não havendo impedimento para a interposição dos recursos, continuando a existir a possibilidade de um reexame por um órgão hierarquicamente superior, contudo, haverá um desestímulo aos recursos protelatórios, de maneira que as razões recursais somente deverão ser utilizadas para defesa da parte recorrente, e não mais para retardar o cumprimento da sentença, que agora terá eficácia imediata.
Desse modo, a regra do recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo, além de propiciar uma tutela tempestiva, também evita o abuso de direito de recorrer.
Outro ponto discutido é a respeito da violação à segurança jurídica, direito fundamental previsto no art. 5º, LIV e LV da Constituição Federal.
Não é verdade que a imediata eficácia da sentença importaria em menosprezo à segurança jurídica, que é um valor essencial para preservação da ordem jurídica justa. Isso porque a garantia da segurança jurídica deve ser conciliada com a garantia de um processo efetivo, de maneira que, se coexistirem de forma equilibrada, são plenamente compatíveis.
Como bem leciona Frederico Augusto LeopoldinoKoehler (2009, p.23), “em verdade, o antagonismo entre celeridade processual e segurança jurídica é apenas aparente, e o que garantirá a aplicação da justiça ao caso concreto, ao fim e ao cabo, é o equilíbrio entre ambas."
É que tanto o princípio da segurança jurídica quanto o da razoável duração do processo são verdadeiros corolários do devido processo legal. Eles se harmonizam e se complementam, pela noção de que a demora da decisão ou da sua execução pode vir a gerar insegurança jurídica.
A segurança jurídica há de andar de mãos dadas com a preocupação com os resultados da tutela jurisdicional. Em outras palavras, a proteção da parte recorrente deve ser balanceada com a fruição imediata do direito pela parte vencedora.
Na verdade, ao valor e princípio segurança jurídica foi agregado outro, o valor efetividade da prestação jurisdicional, que é o cerne da moderna processualística. Assegurar o deslinde do processo de uma maneira célere e efetiva é consectário lógico da garantia constitucional de acesso à justiça e a um processo sem dilações indevidas.
Um dos mecanismos que propiciam a preservação da segurança jurídica é a possibilidade de se restabelecer a situação fática anterior em caso de reforma da sentença, além da possibilidade de exigência de caução e da obrigação de indenizar o adversário pelos prejuízos causados.
Assim, a produção imediata dos efeitos da sentença não necessariamente significaria um descuido com o direito do executado à segurança jurídica, pois o exequente é responsável objetivamente pelos danos processuais que possam prejudicar a outra parte e deve caucionar o juízo nos casos previstos em lei.
Não se pode perder de vista, ainda, que o problema da duração excessiva do processo se mostra mais prejudicial do que a eventual reforma da decisão que já fora executada. Ora, não é aceitável que apenas pela possibilidade de uma eventual reforma da decisão venha causar prejuízo ao réu, o Autor seja sempre prejudicado com a demora na entrega do direito já reconhecido por decisão judicial.
Defendendo a necessidade de se abolir a regra do efeito suspensivo da apelação, Paulo Henrique dos Santos Lucon (2000, p.359) sustenta que o fim do efeito suspensivo da apelação constitui uma forma de combater o grave problema da duração excessiva do processo, muito mais prejudicial do que os eventuais resultados negativos advindos da execução provisória da sentença.
Paulo Roberto de Gouvêa Medina (1999, p.491) critica o fim do efeito suspensivo da apelação, ao fundamento de que tal mecanismo atribuiria largo poder aos juízes de primeiro grau, que não têm experiência, nem conhecimento jurídico completo.
Para o renomado processualista:
a reforma pretendida é muito radical, em face da realidade brasileira dos julgamentos de primeiro grau, do critério adotado no recrutamento e formação dos juízes, de modo a recomendar, para o desejável equilíbrio entre os valores celeridade processual e segurança jurídica, a adoção de um sistema que, ampliando as hipóteses de execução provisória da sentença, mantivesse como regra a duplicidade de efeitos da apelação.(MEDINA,1999, p.495)
Ocorre que, embora os juízes de primeiro grau tenham, a rigor, menos tempo no exercício da magistratura do que os juízes dos tribunais, isso não significa que suas decisões tenham menos qualidade ou que sejam menos acertadas.
Ao contrário, a proximidade das partes e da prova produzida pode conduzir a um julgamento mais próximo da verdade real.
Como bem sustenta Oreste Laspro,
o juiz de primeiro grau, se não conta com a experiência daqueles de segunda instância, tem a favorecê-lo o conhecimento dos fatos através da prova testemunhal, a concentração e a oralidade do processo, permitindo ás partes o exercício de seus direitos e prerrogativas. Ademais, nada garante que a última decisão seja mais correta e legítima que a primeira.(LASPRO, 1995, p.198)
Não se pode olvidar, outrossim, que a sentença de primeiro grau é um ato judicial proveniente de uma cognição exauriente, em que foram analisadas as prova produzidas e que seguiu o devido processo legal. Portanto, acima de tudo, merece credibilidade.
Conclusão
O novo sistema recursal trazido pelo Projeto do Código de Processo Civil, em que a regra será o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo, representará um avanço no combate a excessiva duração do processo, promovendo a prestação da tutela jurisdicional efetiva e imediata, ao possibilitar a imediata entrega do direito material à parte vencedora.
Não merece prosperar o argumento de que a mudança da técnica processual de recebimento dos recursos importaria em desprezo ao princípio da segurança jurídica, uma vez que a efetividade da prestação jurisdicional e a garantia da segurança jurídica são consectários do devido processo legal, podendo coexistir de forma equilibrada.
Espera-se, pois, que a redação atual do duplo efeito da apelação seja em breve alterada e que a sistemática a ser adotada pelo legislador contribua para dar maior brevidade e efetividade ao processo.
Referências bibliográficas
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2009.
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Apelação e seus efeitos. São Paulo, Atlas, 2003
ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao).
CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Apelação sem efeito suspensivo. São Paulo: Saraiva, 2010.
DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPODIVM, 2009.
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: execução. 2. ed. Salvador: JUSPODIVM, 2010.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Provisória. São Paulo: Malheiros, 2000.
GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; Watanabe, Kazuo. (coords.). Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Arazoável duração do processo. Salvador: JUSPODIVM, 2009.
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Garantia do duplo grau de jurisdição.In: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil. Sâo Paulo: Atlas, 2006
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: RT, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional e duplo grau de jurisdição.In:Cruz e Tucci, José Rogério (coords).Garantias Constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,1999.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO Daniel. Código de Processo Civil – Comentado artigo por artigo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO Daniel. O projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Duplo Grau de jurisdição e efeito suspensivo.In:WAMBIER, Tereza arruda Alvim; Nery Junior, Nelson (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: Revista dos Tribunais,1999.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 2008.
Procuradora Federal lotada na Procuradoria Federal Especializada do INSS em Juazeiro/BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PACHECO, Patrícia Wilma Correia. Sistema recursal do novo CPC. Argumentos favoráveis e contrários à adoção do efeito suspensivo da apelação como exceção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42347/sistema-recursal-do-novo-cpc-argumentos-favoraveis-e-contrarios-a-adocao-do-efeito-suspensivo-da-apelacao-como-excecao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.