RESUMO: a contribuição do segurado facultativo às vésperas do óbito é insuficiente para a concessão de pensão por morte aos seus dependentes caso ele já estivesse incapaz para o trabalho na data em que se filiou sistema.
Palavras-chave: Previdência Social, boa-fé, pensão por morte, contribuição, qualidade de segurado, incapacidade.
1. Introdução
O presente artigo visa discutir a situação dos dependentes do indivíduo que, sem ter qualidade de segurado e encontrando-se gravemente enfermo e incapaz para o trabalho, começa (ou volta) a contribuir como contribuinte facultativo para o Regime Geral de Previdência Social às véspera do óbito.
Como passaremos a demonstrar, embora a Lei 8.213/91 pareça conferir o direito aos dependentes nessa situação, a questão é controversa e não pode ser resolvida por uma interpretação meramente gramatical da legislação previdenciária.
2. A carência e a qualidade de segurado na pensão por morte
A concessão de pensão por morte é disciplinada, entre outros, pelos seguintes artigos da Lei 8213/91:
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I - pensão por morte […]
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não […]
Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no art. 33 desta lei.
Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade.
[...]
§ 2º Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior.
Como se observa, a pensão por morte dispensa o cumprimento de carência – ou seja, uma única contribuição antes do óbito é suficiente para que ela seja concedida – mas não dispensa a qualidade de segurado, o que significa que o benefício só é devido caso o segurado esteja trabalhando ou no período de graça. Caso alguém tenha perdido a qualidade de segurado – por ter ficado muitos anos sem trabalhar nem receber benefício, por exemplo – não terão seus dependentes direito ao benefício.
A lei não deixa dúvida que, para deixar pensão por morte, o indivíduo precisa ser considerado segurado da Previdência Social, contribuindo para o custeio do sistema. Há casos em que a responsabilidade pela contribuição não é do segurado, mas de seu empregador – como acontece nos casos de segurado empregado. Nessa situação, o empregado está segurado pelo RGPS, mesmo que o empregador não contribua. Em outros casos, como acontece com os segurados facultativos e contribuintes individuais, é de sua própria responsabilidade o recolhimento das contribuições.
Cabe lembrar que, para os segurados obrigatórios (aqueles mencionados no art. 11 da Lei 8.213/91), a obtenção da qualidade de segurado não depende de sua vontade, bastando exercer atividade remunerada para estar filiado ao sistema. Por outro lado, caso não esteja exercendo tal atividade, não poderá ser considerado segurado obrigatório, mesmo que contribua ao sistema, o que só poderá fazer como segurado facultativo. O segurado facultativo, portanto, se torna segurado por um ato de vontade, após se filiar ao sistema e começar a recolher contribuições.
Caso o indivíduo não esteja ligado ao Regime Geral de Previdência Social, no entanto, por não ser segurado obrigatório ou facultativo, não pode ser concedida a pensão por morte. A regra mencionada se funda em diversos princípios da Previdência Social, a começar pelo princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, uma vez que nenhum sistema previdenciário resistiria a obrigação de pagar benefícios sem que haja contrapartida, em especial no caso de benefícios como a pensão por morte que são vitalícios, acumuláveis com muitos outros benefícios (tais como aposentadoria) e cuja renda inicial independe da idade ou saúde do pensionista.
Para obter a qualidade de segurado, basta o indivíduo contribuir por uma única vez ou trabalhar por um único dia. Essa qualidade, no entanto, é perdida após o decurso do prazo previsto no art. 15 da Lei 8213/91, que pode variar entre seis e trinta e seis meses, tendo como principais marcos inicias a data em que o autor deixar de contribuir, de exercer atividade remunerada, ou de receber benefício previdenciário.
Da simples desses artigos, poderia o intérprete entender que o doente terminal, incapaz para o trabalho, que não seja segurado do INSS poderia contribuir para o sistema como segurado facultativo por um único mês antes de falecer e deixar pensão por morte a seus descendentes. Sendo segurado facultativo, poderia contribuir com o valor que quisesse, inclusive no teto, aumentando muito o valor do benefício. A questão, no entanto, merece ser analisada também sob a luz dos princípios da Previdência Social e mesmo dos princípios gerais do direito.
3. Do risco social e da perda da capacidade para o trabalho
Determina a Constituição Federal, em seu art. 201:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial [...]
O caráter contributivo da previdência social implica na necessidade de contribuição para a concessão de benefícios previdenciários. O principio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, por sua vez, exige que haja um mínimo de correspondência entre custeio e benefícios. É esse princípio que fundamenta, por exemplo, o instituto da carência, a aplicação do fator previdenciário, e a proibição de concessão de aposentadoria por invalidez ao segurado que se filia ao sistema já incapacitado para o trabalho.
Com efeito, o mesmo raciocínio que veda a concessão de aposentadoria por invalidez no caso de incapacidade preexistente impede que se conceda pensão por morte nas circunstâncias debatidas.
Segundo Ivan Kertzman, “a previdência social objetiva a cobertura de riscos sociais. A compreensão deste fundamento previdenciário é indispensável para o estudo deste ramo do Direito. Risco social são os infortúnios que causam perda da capacidade para o trabalho e, assim, para manutenção do sustento.“¹.
Assim, quando o segurado se filia ao INSS já incapaz trabalho, o risco social já está consolidado. O infortúnio já ocorreu, estando o sustento, via de regra, comprometido. Em tal situação, mesmo que existam dependentes no sentido legal do termo, o contribuinte não tem mais condições de sustentar outras pessoas com o fruto de seu trabalho, dependendo de outras fontes de renda, como a assistência social, que não geram a pensão por morte.
O próprio conceito de seguro exige que a contribuição preceda o risco. Filiar-se ao RGPS já incapaz para o trabalho apenas no intuito de receber aposentadoria por invalidez é ato de má-fé e abuso de direito, daí a vedação expressa do art. 42, §2º, da Lei 8.213/91. Inexiste vedação expressa para o caso de pensão por morte de segurado facultativo acometido de doença incapacitante em fase terminal. No entanto, a conduta pode ser enquadrada na prescrição geral do art. 187 do Código Civil que determina que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
A adoção da tese contrária também permitiria situações que vão de encontro às finalidades do sistema previdenciário. Um indivíduo que tivesse passado a vida inteira sem contribuir para a previdência social poderia realizar uma única contribuição em valor máximo antes de falecer e deixaria uma pensão de valor significativo aos seus dependentes. Já o segurado que contribuiu modestamente a vida inteira e se encontrasse na mesma situação não poderia fazer o mesmo, uma vez que a pensão seria calculada com base em todas as suas contribuições.
É evidente, no entanto, que o mesmo raciocínio não se aplica ao enfermo que não está incapaz para o trabalho, uma vez que, nessas circunstâncias, há expressa previsão legal que o autoriza a pleitear aposentadoria por invalidez mesmo se ocorrer a filiação após a doença (art. 42, §2º, da Lei 8.213/91). É que a doença não gera, necessariamente, a perda da capacidade para o trabalho, justamente o infortúnio do qual a previdência social visa proteger.
Também não se aplica ao contribuinte facultativo que busca obter aposentadoria por tempo ou por idade, não sendo cabível nesses casos a mencionada analogia com a aposentadoria por invalidez. Nos casos das aposentadorias por tempo e idade não há propriamente um risco de infortúnio, sendo a previsibilidade admitida nesses casos, uma vez que ao segurado é dado saber exatamente em que data atingirá determinada idade ou determinado tempo de contribuição.
4. Conclusão
Após as breves reflexões acima, esperamos ter logrado demonstrar que a contribuição como segurado facultativo feita pelo indivíduo que se encontra enfermo de forma terminal e incapaz para o trabalho não gera, necessariamente, direto à pensão por morte, caso fique demonstrado, pelas circunstâncias do caso concreto, que o segurado facultativo não tinha qualidade de segurado antes do infortúnio que lhe retirou a capacidade laborativa, filiando-se (ou voltando) ao RGPS apenas no intuito de deixar uma pensão por morte aos seus dependentes.
NOTAS:
¹ KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. – 7. edição – Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 30.
REFERÊNCIAS:
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. – 7. edição – Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 51.
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 3. ed. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária de Direito, 2007.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Geral Federal de Santos-SP, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVIAN, Eduardo. Da contribuição "in extremis" do segurado facultativo no benefício de pensão por morte Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42349/da-contribuicao-quot-in-extremis-quot-do-segurado-facultativo-no-beneficio-de-pensao-por-morte. Acesso em: 23 dez 2024.
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