INTRODUÇÃO
A dispensa ou inexigibilidade de licitação configura-se exceção no ordenamento jurídico, cuja regra é a da exigência de prévio procedimento licitatório que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes para aferição da proposta mais vantajosa.
Nesses termos, são previstas na Lei nº 8.666/93, em seus artigos 24 e 25, as hipóteses em que o agente público poderá deixar de realizar a licitação, promovendo a contratação direta do contratado. No primeiro dispositivo estão os casos de dispensa e no segundo, os de inexigibilidade de licitação.
O presente artigo discorrerá acerca da possibilidade de contratação de cursos de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pela Administração Pública por inexigibilidade de licitação, na forma do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666, de 1993.
Da inexigibilidade de licitação com fundamento no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93
Um dos fundamentos básicos da licitação é a competição. Realiza-se a licitação para se obter a proposta mais vantajosa para Administração, não podendo ocorrer quando não se encontrarem presentes os pressupostos para a escolha objetiva da melhor proposta[i].
As hipóteses de inexigibilidade de licitação estão dispostas no artigo 25 da Lei nº 8.666/93, os quais apresentam natureza meramente exemplificativa. Confira-se:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Conforme ressalta Marçal Justen Filho[ii], “as causas de inviabilidade de competição podem ser reunidas em dois grandes grupos, tendo por critério a sua natureza. Há uma primeira espécie que envolve inviabilidade de competição derivada de circunstâncias atinentes ao sujeito a ser contratado. A segunda espécie abrange os casos de inviabilidade de competição relacionada com a natureza do objeto a ser contratado.”
O inciso II do art. 25 da Lei de licitações, se relaciona à contratação de serviços técnico-profissionais especializados apontados pelo art. 13 da Lei nº 8.666/93, ou seja, a inviabilidade de competição decorre da natureza da atividade a ser desenvolvida.
O conceito de serviço técnico profissional especializado consta do art. 13, da Lei nº 8.666/93, que assim prescreve:
“Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I – estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II – pareceres, perícias e avaliações em geral;
III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV – fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI – treinamentos e aperfeiçoamento de pessoal;
VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico.”
Além da exigência de ser um serviço técnico profissional especializado, o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 acrescenta duas exigências, a saber, o objeto singular da contratação e a notória especialização. Desse modo, “a inexigibilidade apenas se configura diante da presença cumulativa dos três requisitos. Ou seja, não basta configurar-se um serviço técnico profissional especializado, mas a contratação direta dependerá de constatar-se a existência de objeto singular. Ademais disso, apenas poderá ser contratado um sujeito de notória especialização.”[iii]
O TCU possui entendimento consolidado nesse sentido, com o seguinte verbete:
Súmula nº 252: A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.
A contratação direta de cursos para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pela Administração Pública
A contratação por inexigibilidade de licitação de curso para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, previsto no art. 13, inciso VI, da Lei nº 8.666/93, exige os mesmos requisitos elencados na Súmula nº 252 do TCU.
Assim, da dicção legal, bem como do entendimento emanado pelo TCU, extrai-se os seguintes requisitos para contratação direta de cursos pela Administração Pública: tratar-se de serviço técnico enumerado no art. 13, da Lei nº 8.666/93; b) o serviço ser de natureza singular e c) a notória especialização do profissional/empresa.
A notória especialização, segundo Marçal Justen Filho[iv], “não é uma causa de configuração da inexigibilidade de licitação, mas de seleção do profissional a ser contratado”.
“A especialização consiste na titularidade objetiva de requisitos que distinguem o sujeito, atribuindo-lhe maior habilitação do que a normalmente existente no âmbito dos profissionais que exercem a atividade. Isso se traduz na existência de elementos objetivos ou formais, tais como a conclusão de cursos e a titulação no âmbito de pós-graduação, a participação em organismos voltados a atividade especializada, o desenvolvimento frutífero e exitoso de serviços semelhantes em outras oportunidades, a autoria de obras técnicas, o exercício de magistério superior, a premiação em concursou ou a obtenção de láureas, a organização de equipe técnica e assim por diante.”[v]
Lucas Rocha Furtado destaca, ainda, que “não necessariamente deverá existir apenas uma empresa ou profissional em condições de prestar o serviço. O que justifica, nessa hipótese, a não realização da licitação é a natureza do serviço, a capacidade técnica do prestador do serviço a ser solucionado, e as peculiaridades do serviço que está a exigir a contratação da referida empresa ou profissional. Não é a singularidade – leia-se existência de um único interessado – do prestador do serviço que justifica a não realização da licitação. A singularidade a que se refere o dispositivo legal está relacionada às peculiaridades do serviço a ser executado, e não ao número de empresas em condições de prestar o serviço.”[vi]
De outro lado, para Hely Lopes Meireles os serviços de natureza singular “são os prestados por quem, além da habilitação profissional técnica e profissional – exigida para os serviços técnicos profissionais em geral -, aprofundou-se nos estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica, ou através de cursos de pós-graduação ou de estágios de aperfeiçoamento. Bem por isso, Celso Antônio considera-os singulares, posto que marcados por características individualizadoras, que os distinguem dos oferecidos por outros profissionais do mesmo ramo”[vii]
A Orientação Normativa da AGU nº 18, de 1º de abril de 2009, consolidou a possibilidade de contratação de cursos para capacitação e aperfeiçoamento de pessoal por meio de inexigibilidade, in verbis:
“Contrata-se por inexigibilidade de licitação com fundamento no art. 25, II, da Lei nº 8.666, de 1993, conferencistas para ministrar cursos para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, ou a inscrição em cursos abertos, desde que caracterizada a singularidade do objeto e verificado tratar-se de notório especialista.
Convém distinguir, portanto, os denominados cursos abertos dos cursos fechados. Os cursos abertos são aqueles oferecidos a qualquer pessoa interessada na sua proposta, sendo programados e marcados pela pessoa ou empresa que os realiza. Os cursos fechados, por sua vez, são marcados de acordo com a disponibilidade, horário e metodologia indicados pelo contratante, sendo acessível apenas à equipe da contratante.
De acordo com a Orientação AGU nº 18/2009, poderia se concluir, em princípio, que os cursos abertos podem ser contratados por inexigibilidade, enquanto que a contratação de cursos fechados oferecidos por instituições de treinamento sempre demandaria a realização de licitação.
Sobre o tema, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes destaca:
“É também inexigível a licitação para a matrícula de servidor em curso oferecido por instituição privada de treinamento, porque esses eventos são realizados em períodos determinados, mostrando-se inviável a competição. Contudo, para a realização de seminários fechados, promovido por qualquer dessas mesmas instituições, é, em princípio, exigível a licitação, porque o interesse e conveniência de treinamento podem ser determinados pela Administração, ao contrário do caso anterior, em que a oportunidade é ditada pelas instituições.”
Em nota de rodapé, no entanto, o autor observa que a licitação poderá ser inexigível no caso de realização de curso fechado “se preenchidos os requisitos do art. 25, II e § 1º, referente a contratações de notórios especialistas, para cursos com objetos singulares”.
Para dirimir a controvérsia acerca do alcance da Orientação Normativa, a Câmara Permanente de Licitações e Contratos da Procuradoria-Geral Federal – AGU, elaborou o Parecer nº 03/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU[viii], com a seguinte conclusão:
“A Orientação Normativa AGU nº 18/2009 não obsta a contratação direta por inexigibilidade de pessoa jurídica para ministrar curso fechado para a Administração Pública, desde que presentes os pressupostos do art. 25, II, § 1º, da Lei nº 8.666/93.”
Destacou-se, na oportunidade, que não se pode vedar “a contratação de pessoas jurídicas para ministrar cursos fechados por inexigibilidade se estiverem presentes os pressupostos da inexigibilidade delineados no art. 25, II, § 1º, da Lei nº 8.666/93 e nas Súmulas nº 252/2010 e nº 264/2011.”[ix]
“Assim, se o curso fechado para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal (art. 13, VI, da Lei nº 8.666/93) notabilizar-se pela ‘marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes’[x], ou seja, se resulta de ‘um componente criativo de seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual, artística, ou a argúcia de quem o executa, atributos, estes, que são precisamente os que a Administração reputa convenientes e necessita para satisfação do interesse público em causa’[xi], há de se reconhecer a singularidade que, aliada à notória especialização da pessoa física ou jurídica (art. 25, II, § 1º, da Lei nº 8.666/93), daria azo à contratação direta fundada no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93.”[xii]
Portanto, seja para cursos abertos ou fechados, a contratação por inexigibilidade nesse tipo de objeto contratual exige a comprovação dos requisitos do art. 25, II, da Lei nº 8.666/93, quais sejam: singularidade e notória especialização.
Finalmente, cumpre destacar julgado do col. Superior Tribunal de Justiça, no qual restou assentado que “sem a demonstração da natureza singular do serviço prestado, o procedimento licitatório é obrigatório e deve ser instaurado, com o objetivo maior de a) permitir a concorrência entre as empresas e pessoas especializadas no mesmo ramo profissional e, b) garantir ampla transparência à contratação pública e, com isso, assegurar a possibilidade de controle pela sociedade e os sujeitos intermediários (Ministério Público, ONGs, etc.)”. (REsp 942.412/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 09/03/2009).
CONCLUSÃO
Diante do que foi aqui exposto, conclui-se que a regra é a obrigatoriedade de licitação para contratação de qualquer serviço, incluída a contratação de cursos para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pela Administração Pública.
Contudo, se o curso notabilizar-se pela especialização do profissional ou empresa, há de se reconhecer a notória especialização que, aliada à singularidade do serviço a ser prestado, autoriza a contratação direta fundada no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Parecer nº 03/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU. Disponível em <http://www.agu.gov.br>.
FURTADO, Lucas. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 3ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. São Paulo: São Paulo, 2009.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 942.412/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 09/03/2009. Disponível em <http://www.stj.jus.br>
Notas:
[i] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. São Paulo: Dialética, 2009, p. 357.
[ii] Op cit, idem.
[iii] Op cit, p. 367.
[iv] Op cit, p. 370.
[v] Op cit, idem.
[vi] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 3ª edição. Belo Horizonte: Forum, 2010, p. 97.
[vii] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 277.
[viii] BRASIL. AGU: Parecer nº 03/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU. Disponível em http://agu.gov.br Acesso em 18 de novembro de 2014.
[ix] Op cit, idem.
[x] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 485.
[xi] Op cit, p. 493.
[xii] BRASIL. AGU: Parecer nº 03/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU. Disponível em http://agu.gov.br Acesso em 18 de novembro de 2014.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Flavia de Andrade Soares. A inexigibilidade de licitação na contratação de cursos de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pela Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42363/a-inexigibilidade-de-licitacao-na-contratacao-de-cursos-de-treinamento-e-aperfeicoamento-de-pessoal-pela-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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