O presente artigo tem por objetivo realizar uma breve reflexão sobre os efeitos decorrentes das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça com observância da sistemática dos recursos repetitivos constante no art. 543-C do Código de Processo Civil.
Os ordenamentos jurídicos que adotam o sistema da common law possuem como característica marcante os casos julgados (precedentes judiciais) como fonte primária utilizada nos julgamentos, com a adoção de mecanismos como a representatividade adequada e o classcertification (certificado de classe) que tornam a obrigatoriedade na observância da jurisprudência legítima do ponto de vista jurídico-político.
No Brasil, apesar de ser adotado o sistema do civil law, de origem romano-germânica, que adota como fonte primária a norma positivada, tem sido cada vez mais frequente a adoção de mecanismos processuais similares aos da common law, com o intuito de atribuir uma maior relevância às decisões emanadas das cortes superiores, de forma a contribuir para uma maior celeridade na solução dos litígios, em atenção ao inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, que fixou como direito fundamental a duração razoável do processo.
Tais mecanismos prestigiam, ainda, conforme bem observa Teresa Arruda Alvim Wambier, a isonomia, a uniformidade, a previsibilidade e a segurança jurídica[1].
Uma destas técnicas processuais de valorização de precedentes foi introduzida pela Lei nº 11.672/2008, a qual incluiu o artigo 543-C ao Código de Processo Civil, estabelecendo a sistemática de julgamento de recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça, de forma similar a já prevista para os recursos extraordinários (repercussão geral – artigo 543-A).
Dispõe o artigo 543-C do Código de Processo Civil:
Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.
§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.
§ 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida
§ 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.
§ 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.
§ 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.
§ 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
§ 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:
I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou
II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.
§ 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.
§ 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.
Do teor do artigo em questão, percebe-se que a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça poderá produzir os seguintes efeitos sobre os recursos sobrestados: negativa de seguimento, na hipótese de o acórdão coincidir com a orientação do STJ ou, em não coincidindo, reexame do julgado pelo Tribunal de origem.
O §8º do dispositivo, por sua vez, expressamente admite a possibilidade de manutenção do acórdão proferido em confronto com a orientação do STJ pelo Tribunal de origem, dispondo que, neste caso, deverá ser feita a admissibilidade do recurso especial.
Percebe-se, pois, que a partir de uma interpretação literal da norma, resta clara a eficácia tão somente persuasiva dos julgados proferidos em sede de recurso repetitivo pelo STJ.
Referida interpretação, porém, não nos parece ser a melhor, uma vez que a possibilidade conferida ao Tribunal de origem de manutenção do acórdão proferido em confronto com matéria pacificada pela Corte Superior carece de eficácia, apenas retardando a solução definitiva da lide e contribuindo para o abarrotamento de processos, o que justamente se visava minorar com a adoção da sistemática dos recursos repetitivos.
Isto porque, na hipótese, visto que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo contraria a tese jurídica adotada pelo STJ, muito dificilmente este não dará provimento ao recurso especial sobrestado. Em verdade, entende-se que a negativa de provimento ao recurso apenas seria possível acaso demonstrada a ausência de identidade com os recursos representativos da controvérsia.
Destarte, embora se trate de posição minoritária na doutrina, a interpretação sistemática do ordenamento, além de teleológica, considerando os fins da norma, com a adoção da força vinculante das decisões do STJ em recursos repetitivos, parece ser a mais adequada.
Destaca-se, ainda, que o entendimento da doutrina majoritária, a qual opta pela interpretação literal dos §§7º e 8º do artigo 543-C, parece conflitar com o entendimento pacíficono sentido da admissão de reclamação no âmbito do STJ em face das decisões contrárias às prolatadas em sede de recurso repetitivo, o que denota no caso, e contraditoriamente, a obrigatoriedade destas.
Sabe-se que a resistência à força vinculante dos precedentes judiciais corresponde a uma tendência natural dos ordenamentos jurídicos adeptos do sistema do civil law.
Nada obstante, ao se optar por instituir no ordenamento técnicas de valorização da jurisprudência das Cortes Superiores, a não atribuição de força vinculante às decisões por estas proferidas termina por retirar grande parte da eficácia daquelas.
Isto porque, a mera atribuição de força persuasiva às decisões proferidas pelo STJ e pelo STF em nada inova o sistema processual, uma vez que se trata de eficácia já inerente à jurisprudência destes Tribunais independentemente da adoção de técnicas específicas como as previstas para os recursos repetitivos e no caso da repercussão geral.
Conclui-se, assim, que, apesar de ainda não ser expressamente reconhecida pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, a força vinculante das decisões proferidas em sede de recurso repetitivo é uma decorrência natural da adoção pelo nosso sistema de mecanismos similares aos comumente existentes nos sistemas de origem anglo-saxã, de forma que a tendência aponta que, no futuro próximo, a observância obrigatória das decisões proferidas em conformidade com técnicas de valorização de precedentes, como a prevista no artigo 543-C, será, se não decorrência expressa da lei, ao menos, entendimento jurisprudencial pacífico.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 06dez.2014.
BRASIL. Código de Processo Civil – Lei n.º 5.869/1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm> Acesso em: 06 dez.2014.
LEMOS, Bruno Espineira. Recursos especiais repetitivos. Curitiba: IBAP e Letra da Lei, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2 ed., revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de, Recursos Repetitivos: realização integral da finalidade do novo sistema impõe mais do que a paralisação dos recursos especiais que estão no 2º grau. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais v. 36 n.º 191, 2011.
[1] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de, Recursos Repetitivos: realização integral da finalidade do novo sistema impõe mais do que a paralisação dos recursos especiais que estão no 2º grau. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais v. 36 n.º 191jan 2011, pág. 988
Procurador Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Clélio de Oliveira Corrêa Lima. Recurso Especial Repetitivo - força persuasiva ou efeito vinculante? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42382/recurso-especial-repetitivo-forca-persuasiva-ou-efeito-vinculante. Acesso em: 23 dez 2024.
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