Sumário: Introdução; 1. A ação de depósito e a natureza potestativa do pedido de restituição de bens apreendidos; 2. Decadência x prescrição. O efetivo início do prazo prescricional; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo discorrer, em breve síntese, sobre a ação de depósito, discorrendo sobre a natureza do pedido de restituição dos depositados e dos consequentes prazos de decadência e prescrição que incidem na hipótese.
Trata-se de tema que tem sido objeto de decisões frequentes, que têm confundido decadência com prescrição e têm desconsiderado a natureza potestativa do direito de requerer a restituição de bens apreendidos, considerando tal pretensão “prescrita”.
Nesse contexto, espera-se fornecer elementos que ajudem a melhorentender o tema aqui tratado, envolvendo temas de direito civil e processual civil, a fim de se evitar que entendimentos equivocados sobre a matéria ganhem maiores contornos.
1. A ação de depósito e a natureza potestativa do pedido de restituição de bens apreendidos
Nos termos da Lei n.º 9.605/98, caracterizada a infração ambiental,procede-se à apreensão dos bens (ex. madeira) e, ato subsequente, consoante previsão expressa do artigo 106 do Decreto 6.514/08 (que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais), faculta-se sejam os bens confiados ao réu, na qualidade de fiel depositário destes:
Art. 106. A critério da administração, o depósito de que trata o art. 105 poderá ser confiado:
I - a órgãos e entidades de caráter ambiental, beneficente, científico, cultural, educacional, hospitalar, penal e militar; ou
II - ao próprio autuado, desde que a posse dos bens ou animais não traga risco de utilização em novas infrações.
Uma vez confiados os bens à guarda do próprio autuado, a relação passou a ser regida pelos artigos 627 e seguintes do Código Civil, que versam sobre o contrato do depósito.
Consoante o disposto naquele diploma, o depositário recebe bem móvel, para que exerça sua guarda e conservação, até que lhe seja exigida a restituição pelo depositante[1], o qual passa a estar “obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante” (art. 629 do Código Civil).
Ademais, incumbe ao depositário manter o bem depositado em lugar seguro e próprio, de sua livre escolha, obrigando-se a restituí-lo quando assim demandado, eis que segundo os dispositivos legais atinentes ao depósito, este deve subsistir até o momento em que o depositante reclame a restituição da coisa pelo depositário.
Quando há o pedido de restituição, pelos órgãos ambientais, e os bens não são restituídos, seja por pura negativa do particular, seja porque foram ilegalmente extraviados/destinados a outro fim, ajuíza-se ação de depósito, para que o particular, na qualidade de fiel depositário, realize o depósito dos bens ou do valor equivalente.
No entanto, equivocadamente, alguns Magistrados têm considerado que se decorreu mais de 5 anos, da lavratura do auto de infração do qual resultoua apreensão de bens, que, por consequência, ficaram sob a responsabilidade do autuado na condição de fiel depositário, haveria prescrição da pretensão do ente público reaver os bens apreendidos ou o equivalente em pecúnia.
Trata-se, à evidência, de posicionamento, repita-se, equivocado!
Ora, de se ter presente que referido pedido (de restituição da coisa sob a guarda do fiel depositário) possui natureza de direito potestativo do depositante, o qual, como cediço, não possui prazo para o seu exercício.
Neste ponto, esclarece-se não se tratar de prescrição, mas sim de prazo decadencial, já que ainda não violado o direito de devolução do bem, não nascendo, assim, a pretensão da ação de restituição (de depósito, in casu).
A doutrina deixa clara tal distinção:
“A decadência e a prescrição são assuntos de direito material, a ele concernem. A decadência extingue o direito, ao passo que a prescrição atinge a pretensão (art. 189, CC).” (MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. – 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. Pág. 263).
De igual modo, não havendo prazo em lei para o exercício de determinado direito potestativo, ele não estará sujeito à extinção pelo não uso/exercício, não se submetendo à decadência legal.
Nesse sentido, transcreve-se decisão do STJ, que, embora trate de hipótese relacionada à desconsideração da personalidade jurídica, deixa bem claro o entendimento daquela Colenda Corte sobre o fato de que o direito potestativo não se extingue pelo não uso, ficando consignado que se trata de prazo decadencial, prevalecendo a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade:
DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO. EXTENSÃO DA DISREGARD A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE.
(...)
4. Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.
(...) (STJ, REsp 1180714/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 06/05/2011) (g.n.)
Desta forma, permite-se concluir que, enquanto não solicitada a restituição, ou não se desincumbido o depositário de seu múnus legal, não há de se falar em prazo prescricional, mas sim de prazo decadencial o qual, em face da inexistência de prazo para o seu exercício, não extingue o próprio direito da administração em solicitar a devolução dos bens dados em depósito.
2. Decadência x prescrição. O efetivo início do prazo prescricional
Como ficou claro nas linhas acima, até que se ultime o pedido de restituição, sem êxito, não se fala em prescrição, e sim em decadência.
Portanto, apenas quando solicitada a coisa depositada ao depositante, e não atendido tal pedido, isto é, a devolução dos bens apreendidos, aí – e somente neste momento – surge o prazo prescricional para o ajuizamento da pretensão competente.
Isso porque, é nesta ocasião que resta presente a ocorrência de lesão a direito (actio nata).No ponto, julgado do STJ corrobora a assertiva acima:
"ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. PRESCRIÇÃO. SUCESSÃO LEGISLATIVA. LEI 9.873/99. PRAZO DECADENCIAL. OBSERVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E À RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. 1. A Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo-CETESB aplicou multa à ora recorrente pelo fato de ter promovido a "queima da palha de cana-de-açúcar ao ar livre, no sítio São José, Município de Itapuí, em área localizada a menos de 1Km do perímetro urbano, causando inconvenientes ao bem-estar público, por emissão de fumaça e fuligem" (fl. 28). 2. A jurisprudência desta Corte tem reconhecido que é de cinco anoso prazo para a cobrança da multa aplicada ante infração administrativa ao meio ambiente, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, o qual que deve ser aplicado por isonomia, à falta de regra específica para regular esse prazo prescricional. 3. Não obstante seja aplicável a prescrição quinquenal, com base no Decreto 20.910/32, há um segundo ponto a ser examinado no recurso especial - termo inicial da prescrição - que torna correta a tese acolhida no acórdão recorrido. 4. A Corte de origem considerou como termo inicial do prazo a data do encerramento do processo administrativo que culminou com a aplicação da multa por infração à legislação do meio ambiente. A recorrente defende que o termo a quo é a data do ato infracional, ou seja, data da ocorrência da infração. 5. O termo inicial da prescrição coincide com o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. Nesses termos, em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, quando se torna inadimplente o administrado infrator. Antes disso, e enquanto não se encerrar o processo administrativo de imposição da penalidade, não corre prazo prescricional, porque o crédito ainda não está definitivamente constituído e simplesmente não pode ser cobrado. (...) Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.º 08/2008." (STJ, Primeira Seção, REsp 1.112577/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. em 09.12.09, DJe de 08.02.10 destaque meu). (...) (g.n.)
Dessa forma, não se pode nem sequer falar em prescrição, por ter decorrido lapso temporal superior a 5 anos, da lavratura do auto de infração até o pedido de restituição do bem apreendido e deixado sob a guarda do autuado.
Tratar-se-ia de decadência, a qual, de todo modo, não ocorre no caso vertente, exatamente pela ausência de prazo para exercício do direito potestativo de restituição do material posto sob a guarda da parte demandada.
Nesse contexto, para se constatar a prescrição, deve o prazo de 5 anos, aplicável à espécie, ser superado desde a data do pedido de restituição até o ajuizamento da ação de depósito respectiva, eis que apenas a partir do pedido de restituição dos bens colocados sob a guarda do depositário fiel ou do pagamento de importância equivalente é que começa a fluir o prazo prescricional.
Considerações finais
Como se perceber das linhas acima, este breve estudo teve por objetivo tratar da ação de depósito, discorrendo sobre a natureza do pedido de restituição dos depositados e delimitando distinção da aplicação dos prazos de decadência e prescrição em tais hipóteses.
Tem-se percebido um crescente número de decisões judiciais que têm confundido decadência com prescrição e têm desconsiderado a natureza potestativa do direito de requerer a restituição de bens apreendidos, considerando tal pretensão “prescrita”, em posicionamento deveras errôneo.
Nesse contexto, espera-se fornecer elementos que ajudem a melhor entender o tema aqui tratado, envolvendo temas de direito civil e processual civil, a fim de se evitar que entendimentos equivocados sobre a matéria ganhem maiores contornos.
Portanto, ao fim deste sucinto artigo, espera-se ter fornecido elementos hábeis a permitir uma melhor compreensão dos temas ação de depósito, contrato de depósito, decadência e prescrição, de extrema relevância para a prática forense diária.
Bibliografia
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. – 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
[1] Art. 627 do Código Civil
Procurador Federal e Professor de Processo Civil da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Pós-graduado em Direito Público (UnB/AGU), em Direito da Economia e da Empresa (Fundação Getúlio Vargas - FGV) e em Relações Internacionais (Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAGA, Bruno César Maciel. Ação de depósito: esclarecimentos quanto aos institutos da decadência e da prescrição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42399/acao-de-deposito-esclarecimentos-quanto-aos-institutos-da-decadencia-e-da-prescricao. Acesso em: 23 dez 2024.
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