Entende-se por período de graça aquele no qual a manutenção da qualidade de segurado ocorre independentemente do recolhimento de contribuições. A sua finalidade é não deixar sem cobertura previdenciária os segurados que não estão em condição momentânea de contribuir, mas que pretendam voltar a fazê-lo num prazo, em regra, de 12 meses.
Vejamos o que dispõe o art. 15, da Lei 8.213/91:
“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.”
Vê-se que esse período base de 12 meses pode ser estendido nos casos em que o legislador imaginou maiores dificuldades para o segurado voltar a contribuir.
Neste artigo, me ocuparei especificamente da extensão do período de graça devida ao segurado desempregado.
O art. 15, §2º, supratranscrito, prevê, de forma expressa, que, para que seja devida a extensão nesse caso, o segurado desempregado deve comprovar “essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.”
Embora pareça bastante claro o que significa comprovar o desemprego através do registro nos Ministérios supracitados, interpretações totalmente dissociadas não só dessa literalidade, como também dos princípios constitucionais e da realidade fática que embasam a regra, começaram a surgir no âmbito do Judiciário, sempre norteadas, no meu entender, pela ânsia deste Poder de realizar uma justiça distributiva em um foro inadequado para tal, o das ações individuais, e, muitas vezes, distorcendo até a inconstitucionalidade a interpretação das normas de regência.
Refiro-me, in casu, ao fato de a mera ausência de anotação posterior ao último vínculo encerrado na CTPS ser considerada prova do desemprego, apta a estender por mais 12 meses o período de graça.
Na prática jurídica, muitas vezes me deparo com sentenças que estendem o período de graça pela ausência de anotação na CTPS utilizando como argumento o enunciado 27 da Súmula da TNU, que dispõe:
“A ausência de registro em órgão do Ministério do Trabalho não impede a comprovação do desemprego por outros meios admitidos em Direito.”
Concessa vênia, não parece que se possa extrair do verbete a conclusão de que a mera ausência de anotação na CTPS constitui prova de desemprego.
A adoção desse entendimento em um aresto constitui flagrante error in judicando, a ensejar sua reforma, pelas seguintes razões:
1) O art. 201 da CF/88 prevê que o RGPS tem caráter contributivo. Dessa maneira, qualquer norma que admita exceção ao caráter contributivo, i.e., qualquer hipótese legal de cobertura previdenciária independentemente do recolhimento das contribuições, deve ser interpretada de forma restritiva.
2) Tal interpretação ignora realidade de conhecimento absolutamente disseminado, que é o enorme número de trabalhadores na informalidade.
O Superior Tribunal de Justiça também possui decisões no sentido que ora se defende.
Com efeito, em Incidente de Uniformização interposto pelo INSS (Petição n.º 7.115/PR), o STJ considerou que o registro na CTPS da data da saída do segurado de seu emprego anterior, aliado à ausência de registros posteriores, não eram suficientes à demonstração da condição de desempregado.
Transcreve-se a ementa do referido acórdão:
PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. ART. 15 DA LEI 8.213/91. CONDIÇÃO DE DESEMPREGADO. DISPENSA DO REGISTRO PERANTE O MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA SOCIAL QUANDO FOR COMPROVADA A SITUAÇÃO DE DESEMPREGO POR OUTRAS PROVAS CONSTANTES DOS AUTOS. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. O REGISTRO NA CTPS DA DATA DA SAÍDA DO REQUERIDO NO EMPREGO E A AUSÊNCIA DE REGISTROS POSTERIORES NÃO SÃO SUFICIENTES PARA COMPROVAR A CONDIÇÃO DE DESEMPREGADO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DO INSS PROVIDO.
1. O art. 15 da Lei 8.213/91 elenca as hipóteses em que há a prorrogação da qualidade de segurado, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
2. No que diz respeito à hipótese sob análise, em que o requerido alega ter deixado de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social, incide a disposição do inciso II e dos §§ 1o. E 2o. do citado art. 15 de que é mantida a qualidade de segurado nos 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, podendo ser prorrogado por mais 12 (doze) meses se comprovada a situação por meio de registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
3. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, esse dispositivo deve ser interpretado de forma a proteger não o registro da situação de desemprego, mas o segurado desempregado que, por esse motivo, encontra-se impossibilitado de contribuir para a Previdência Social.
4. Dessa forma, esse registro não deve ser tido como o único meio de prova da condição de desempregado do segurado, especialmente considerando que, em âmbito judicial, prevalece o livre convencimento motivado do Juiz e não o sistema de tarifação legal de provas. Assim, o registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá ser suprido quando for comprovada tal situação por outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal.
5. No presente caso, o Tribunal a quo considerou mantida a condição de segurado do requerido em face da situação de desemprego apenas com base no registro na CTPS da data de sua saída no emprego, bem como na ausência de registros posteriores.
6. A ausência de anotação laboral na CTPS do requerido não é suficiente para comprovar a sua situação de desemprego, já que não afasta a possibilidade do exercício de atividade remunerada na informalidade.
7. Dessa forma, não tendo o requerido produzido nos autos prova da sua condição de desempregado, merece reforma o acórdão recorrido que afastou a perda da qualidade de segurado e julgou procedente o pedido; sem prejuízo, contudo, da promoção de outra ação em que se enseje a produção de prova adequada.
8. Incidente de Uniformização do INSS provido para fazer prevalecer a orientação ora firmada.
(STJ - Terceira Seção. Petição n.º 7.115/PR. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. DJ 06.04.2010).
Não se pretende sustentar a posição (extremada e formalista) de limitar a aplicação do artigo 15, § 2.º da Lei n.º 8.213/91 à frieza de seu teor literal, exigindo o registro no órgão competente como condição sinequa non ao reconhecimento da situação de desemprego involuntário.
No entanto, não se podem fechar os olhos à realidade da economia informal e às circunstâncias que conduzem a empregos "sem carteira assinada", como são corriqueiramente conhecidos.
Nesse particular, incide o disposto no artigo 335 do Código de Processo Civil, reconhecido como princípio geral de Direito Processual: ao julgar, o juiz aplica regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (id quod plerumqueaccidit).
Ainda que não se considere o registro no Ministério do Trabalho único meio de comprovação, deve haver outras provas efetivamente capazes de justificar a prorrogação do período de graça.
Portanto, a conclusão que se defende neste trabalho é a de que a existência de um vínculo rescindido seguido da ausência de outras anotações na CTPS não configura elemento probatório apto, por si só, a autorizar a extensão do período de graça para o segurado desempregado, devendo ser corroborado por outros meios de prova para permitir a aplicação do art. 15, §2º, da Lei 8.213/91.
Procurador Federal, membro da Advocacia Geral da União, lota na Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MUREB, Marcelo Di Battista. Da extensão do período de graça por mera ausência de anotação na CTPS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42405/da-extensao-do-periodo-de-graca-por-mera-ausencia-de-anotacao-na-ctps. Acesso em: 23 dez 2024.
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