Resumo: Estas linhas objetivam analisar a hipótese de remoção de servidor público em razão do estado de saúde de dependente econômico seu, com ênfase nos requisitos impostos pela Lei n° 8.112/19990 e com notas de alguns precedentes jurisprudenciais acerca desse assunto.
1. Introdução
Este artigo cuida da hipótese de remoção a pedido por motivo de saúde de dependente que viva às expensas do servidor público. É certo que o Poder Público tem o dever político-constitucional de assegurar a todos proteção à saúde, bem jurídico constitucionalmente tutelado e decorrência lógica do direito à vida. Todavia, em decorrência da legalidade que vigora na Administração, quando o requerente não atender às condições estabelecidas na lei, o pedido não poderá ser deferido. Quando, por exemplo, o dependente não constar dos assentamentos funcionais como sua dependente, não há como o servidor público ser removido.
2. Desenvolvimento
Quanto às hipóteses de remoção a pedido, independentemente do interesse da Administração, especificamente em relação à alínea “b”, do inciso III, parágrafo único, do artigo 36, da nº Lei 8.112/1990, tem-se que a lei elenca condições essenciais, sem as quais não será possível o seu deferimento. Eis o preceito legal:
Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção:
(...)
III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
(...)
b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
Observa-se que os requisitos encartados na alínea “b”, acima transcrita, são de natureza objetiva e são autoexplicativos, dada a descrição concisa e desprovida de qualquer margem de subjetividade. O objeto deste artigo refere-se ao dependente que viva às expensas do servidor público.
Destaca-se que tais requisitos se referem: ao motivo de saúde do dependente econômico do servidor; à previsão do dependente no assentamento funcional do servidor; e à comprovação, por junta médica oficial, do estado de saúde do aludido dependente econômico. Desse modo, o deferimento da remoção encontra-se adstrito ao atendimento desses requisitos, numa estrita relação de tipicidade.
Quanto ao requisito da dependência, cumpre informar que a lei sofreu uma restrição no que concerne à natureza da dependência para efeito de remoção a pedido.
A Lei nº 9.527, de 10.12.1997, promoveu alteração na redação do artigo 36 da Lei nº 8.112/1990. No que toca à remoção a pedido por motivo de saúde, foi frisado o cunho econômico da dependência, restringindo, assim, a incidência deste dispositivo legal apenas para o caso de pessoas que vivam às expensas do servidor público. Registre-se que essa alteração acompanhou a limitação existente, também, nas normas que tratam dos benefícios previdenciário e do imposto de renda.
A redação anterior à Lei nº 9.527/1997 era no seguinte sentido: dar-se-á a remoção, a pedido, para outra localidade, independentemente de vaga, para acompanhar cônjuge ou companheiro, ou por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente, condicionada à comprovação por junta médica.
Conclui-se, portanto, que os requisitos que ensejam o deslocamento do servidor ficaram mais robustos depois da mudança legislativa.
As restrições legais, objetivamente discriminadas no aludido comando legal, veem para atender os princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, os quais vinculam toda e qualquer atuação da Administração Pública - artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 - CF/88.
Nesse passo, o servidor para fazer jus à concessão da remoção a pedido, independentemente do interesse da Administração Pública, deve comprovar o atendimento dos requisitos legais incidentes, de forma a legitimar a ação da Administração Pública, sem que incorra em qualquer vício de ilegalidade e de ofensa ao interesse público.
Quando o servidor público requerente não fornecer a comprovação pertinente, com apresentação de solicitação que não se encaixa nas especificações legais descritas, não há como a Administração acatar o pedido.
A atuação da Administração Pública é motivada pela estrita observância dos parâmetros legais que garantem a concretização dos princípios da isonomia, da impessoalidade, da legalidade. O precedente abaixo indica o entendimento nesse sentido:
Processo: APELREEX 00011280720114058500 / Relator(a): Desembargador Federal Bruno Teixeira / Sigla do órgão: TRF5 / Órgão julgador: Quarta Turma
Fonte: DJE - Data::04/07/2013 - Página::624 (Data da Decisão: 02/07/2013)
Decisão: UNÂNIME
Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMOÇÃO. SERVIDORA DO TRE. TRATAMENTO DE SAÚDE DE DEPENDENTE. LEI Nº 8.112/90, ART. 36, III,'b'. I. A Lei 8112/90 em seu artigo 36, III, b, assegura ao servidor público o direito de remoção, independentemente do interesse da Administração, quando por motivo de saúde de dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica. II. No caso dos autos, conforme se verifica dos depoimentos acostados, a genitora da servidora apelada, portadora de neoplasia maligna, não é sua dependente financeira, assim como possui outros filhos, que vivem na mesma cidade, prestando-lhe toda a assistência no tratamento médico. III. Em que pese a gravidade do estado de saúde da mãe da apelada, é certo existirem elementos de prova indicando não se tratar a remoção de medida indispensável ao seu tratamento de saúde. IV. Apelação e remessa oficial providas.
Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO – Classe: REOMS - REMESSA EX OFFICIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 200001000280394
Processo: 200001000280394 UF: DF Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA SUPLEMENTAR – Data da decisão: 14/06/2005
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO POR MOTIVO DE SAÚDE DE DEPENDENTE (ART. 36, PAR. ÚNICO, DA L-8.112/90). LAUDO DE JUNTA MÉDICA OFICIAL CONFIRMANDO A DOENÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1 - O art. 36, parágrafo único, da Lei 8.112/90, condiciona a remoção a pedido, por motivo de saúde de dependente do servidor, à comprovação, por junta médica, do motivo de saúde motivador da remoção e a relação de dependência econômica, independentemente do interesse da Administração.
2 - Atendidos comprovadamente tais requisitos, líquido e certo o direito da impetrante.
3 - Remessa não provida.
É certo, porém, que atualmente a Jurisprudência tem se sensibilizado e amparado situações em que a dependência refere-se ao aspecto emocional/psicológico mais profundo. Vejamos:
Processo APELREEX 00059761220124058400 – Relator(a): Desembargador Federal Manoel Erhardt / Sigla do órgão: TRF5 (Órgão julgador: Primeira Turma) / Fonte: DJE - Data::06/11/2014 - Página::24 (Data da Decisão: 30/10/2014)
Decisão: UNÂNIME
Ementa
ADMINISTRATIVO. REMOÇÃO PARA TRATAMENTO DE SAÚDE EM PESSOA DA FAMÍLIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM". APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS. 1. A sentença apelada JULGOU PROCEDENTE o pedido, anulando a solução dada ao Processo Administrativo nº 53500.005704/2009 (Despacho nº 4.846/2009-PR, de 10 de julho de 2009), por vício na motivação, determinando que o autor retorne a exercer as suas funções perante a Unidade Operacional da ANATEL no Estado do Rio Grande do Norte. 2. "...Há nos autos evidencias (comprovantes de fls. 33/64) que indicam que a relação de dependência econômica entre eles existe, ao menos em certo grau, pois desde o ano de 2008, quando assumiu o cargo público em questão, o demandante vem efetuando sucessivas transferências para a conta corrente de sua genitora, bem como vem pagando o plano de saúde que ela usufrui." 3. Além disso, "a prova testemunhal colhida nos autos (Depoimento do Médico Psiquiatra Arnaldo Rodrigues Bezerra Filho e da Testemunha Alberto Magno Pereira de Oliveira - contador que faz a DIRPF da demandante), aponta a existência de certo grau de dependência econômica da mãe do autor para com ele." 4. "...O conceito de dependência econômica, presente na Lei nº 8.112/1990, para fins de remoção do servidor público, tem sido relativizado quando trata-se de situações que envolvem doença de pessoa da família. Modernamente, tem sido aceita uma ampliação de tal conceito, de modo a abarcar situações em que a dependência econômica não é tão evidente, mas em que está demonstrada uma dependência emocional/psicológica mais profunda, dada a gravidade da doença da qual padecem os familiares do servidor." 5. "Verificado o atendimento dos requisitos plasmados no art. 36, Parágrafo Único, Inciso III, alínea "b", da Lei nº 8.112/1990, deve ser acolhido o pleito autoral e declarada a anulação do ato administrativo que cassou a remoção do autor." 6. Remessa oficial e apelação improvidas.
Apesar de haver julgados com soluções mais flexíveis, no âmbito da Administração tal resposta mostra-se inviabilizada diante da necessidade de observância do princípio da legalidade.
Há casos em que a Administração argui que não há vaga disponível no lugar pleiteado pelo servidor, a lei não exige tal condição para o implemento da remoção. Com efeito, a jurisprudência sinaliza o seguinte entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. RAZÕES DA APELAÇÃO DISSOCIADAS DA SENTENÇA. NÃO CONHECIMENTO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REMOÇÃO. LEI Nº 8.112/90, ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III, ALÍNEA "B". DOENÇA DE GENITORES IDOSOS.
1. Não deve ser conhecida a apelação cujas razões são inteiramente dissociadas da sentença que se objetiva desconstituir. Precedentes deste Tribunal.
2. O art. 36, parágrafo único, inciso III, alínea "b", da Lei nº 8.112/90, autoriza a remoção de servidor público federal a pedido, independente da existência de vaga ou do interesse da administração, se comprovada a dependência econômica (constante de apontamentos funcionais) e a existência de doença grave do dependente atestada por junta médica. Precedentes deste Tribunal
3. Comprovado que os pais do servidor são seus dependentes econômicos e são portadores de "neoplasia maligna de próstata e doença pulmonar crônica", o pai, e artrite reumatóide e hipertensão arterial", a mãe, e que necessitam de acompanhamento médico e apoio familiar para realização dos tratamentos necessários, atestada por junta médica, faz jus o servidor à remoção pedida.
4. Apelação não conhecida. Remessa oficial não provida.
Acrescenta-se, na oportunidade, que, muitas vezes a remoção do servidor público requerente também pode ser alcançada por razões de interesse da Administração, desde que devidamente justificada e segundo regras objetivas e impessoais, conforme transcrição abaixo colacionada:
Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção:
I - de ofício, no interesse da Administração;
II - a pedido, a critério da Administração;
III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
(...)
c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.
A solução ora exposta restará viabilizada desde que não haja prejuízo ao interesse público e nem preterição do direito de outro servidor que tenha preferência na remoção.
Cumpre repisar que a remoção do requerente deve se amoldar ao comando normativo incidente, em atendimento aos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade, não podendo, por consequência, a sua concessão ser deferida ao arrepio desses preceitos constitucionais.
3. Conclusão
Quando o servidor público requerente não lograr demonstrar o atendimento dos requisitos da lei 8.112/1990, que permitem a remoção a pedido, independentemente do interesse público por motivo de saúde de dependente econômico, (art. 36, III, “c”, Lei nº 8.112/1990), não deverá ser deferido o pedido. As condições são objetivas e devem ser respeitadas pela Administração Pública. É certo que em âmbito judicial há a linha flexível que modera os rigores da lei, mas na seara administrativa vigora o princípio da legalidade, o que vincula as entidades públicas à observância fiel aos ditames legais.
4. Referências Bibliográficas
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 – Interpretada e Comentada. Editora Impetus. 6ª edição, 2012.
Procuradora Federal em Brasília - DF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Teresa Resende. Da remoção de servidor público em razão do estado de saúde de dependente econômico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42408/da-remocao-de-servidor-publico-em-razao-do-estado-de-saude-de-dependente-economico. Acesso em: 23 dez 2024.
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