Resumo: este artigo examina a regra matriz de incidência da tributação diferenciada do ISS, por alíquotas fixas ou variáveis, relativo a prestadores de serviço que atuam sob responsabilidade pessoal, ainda que reunidos em sociedade.
Palavras-Chave: Imposto sobre Serviços. Sociedade de Profissionais Liberais. Tributação por Alíquotas Fixas ou Variáveis. Requisitos. Princípio da Isonomia. Pessoalidade. Jurisprudência.
Sumário: 1. Introdução. 2. Previsão Legal. 3. A Constitucionalidade da Norma. 4. Requisitos da Tributação Minorada do ISS à Luz da Jurisprudência do STF e do STJ. 5- A Questão da Pessoalidade e a Subcontratação de Pessoas Jurídicas. 6. A Relação da Pessoalidade e o Princípio da Isonomia. 7. A Possibilidade de as Legislações Municipais Aclararem os Requisitos Impostos pela Lei Nacional. 8. A Caracterização da Atividade Empresarial Independe do Registro na Entidade de Classe. 9. Conclusões. 10. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
São comuns os questionamentos acerca dos limites das legislações municipais no que se refere à disciplina da tributação privilegiada do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza de que trata o art. 9º, §§1º e 3º, do Decreto-Lei 406, de 31/12/1968.
Muitos desses questionamentos acabam se transformando em lides judiciais entre o Fisco e os contribuintes, onde a causa de pedir geralmente gira em torno da alegação de que as normas da edilidade extrapolam a força normativa da lei federal.
Esse breve estudo pretende esmiuçar os fundamentos constitucionais e os requisitos estabelecidos pela legislação infraconstitucional para a tributação minorada do Imposto sobre Serviços incidente sobre a atividade das sociedades de profissionais, sem perder de vista a jurisprudência existente sobre o tema.
2. Previsão Legal
Importa realçar, inicialmente, o que prevê a lei complementar federal (parágrafos primeiro e terceiro do artigo 9º do Decreto-Lei 406, de 31/12/1968) sobre o cálculo diferenciado e minorado de ISS aplicável a determinados profissionais, ainda que se juntem em sociedade para desempenharem suas profissões.
Preceituam os parágrafos primeiro e terceiro do artigo 9º do Decreto-Lei 406, de 31/12/1968:
“Decreto-Lei 406, de 31/12/1968
“Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.” (Redação dada pela Lei complementar nº 56, de 15.12.1987) (grifo acrescido)
Trata-se de exceção da regra geral, que é a tributação ad valorem calculada pelo preço do serviço no art. 7º da Lei Complementar 116/2003, aplicável a todos os demais prestadores de serviços.
3. A Constitucionalidade da Norma
Alguns municípios, tais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, com respeitáveis argumentos, consideram não recepcionada pela Carta de 1988 a tributação privilegiada do Imposto sobre Serviços (ISS) insculpida art. 9º, §1º e 3º do DL 406/68.
Sustentaram, resumidamente, (1) que a tributação amena violaria o princípio da isonomia tributária prevista pelo art. 150, II, da CF em relação aos demais prestadores de serviço que recolhiam o tributo tendo por base de cálculo o preço do serviço; (2) a tributação fixa seria incompatível com o sistema jurídico tributário, pois impediria a aferição da riqueza tributada e da natureza do tributo, violando assim o princípio da capacidade contributiva previsto no artigo 145, §1º da CF; (3) o legislador federal não poderia conceder isenções heterônomas; (4) com a EC nº 3/93, que deu nova redação ao § 6º do art. 151 da CF, reduções de base de cálculo somente poderiam ser concedidos por lei específica.
No ano de 1999, o STF resolveu a controvérsia. Segundo o site do STF, os precedentes utilizados na sessão de aprovação da súmula 663 foram justamente julgados que derrubaram as leis de Curitiba (RE 236604-7/PR e RE 249411-9/PR), e de Belo Horizonte, (RE 220323-3/MG e. 228052-9/MG).
O STF considerou recepcionada a tributação privilegiada e chegou a tal conclusão à luz do §5º do art. 34 da ADCT e do entendimento de que os profissionais liberais, mesmo reunidos em sociedade, apresentavam uma situação de desigualdade que justificava a tributação diferenciada, a qual não representava redução de base de cálculo, mas uma base de cálculo diferenciada. Portanto, levou em conta o STF o traço da pessoalidade na prestação do serviço, que continuava sendo prestado pelos profissionais, ainda que em sociedade.
Porto Alegre, por exemplo, havia se antecipado e albergado em seu corpo normativo a referida tributação diferenciada, postura que posteriormente viria a se coadunar com a Súmula 663 do STF: “Os §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68 foram recebidos pela Constituição”. Daí a origem do art. 20, §§ 2º e 3º da Lei Complementar Municipal 07/73.
4. Requisitos da Tributação Minorada do ISS à Luz da Jurisprudência do STF e do STJ
É importante perquirir quais são os requisitos impostos para que as sociedades de profissionais façam jus à tributação diferenciada.
O STF e o Superior Tribunal de Justiça firmaram seus entendimentos no sentido não se aplica a tributação minorada do ISS quando ausente algum dos seguintes requisitos:
(a) pessoalidade do trabalho dos profissionais habilitados[1];
(b) ausência de empresariedade[2] na constituição[3] e no funcionamento da sociedade;
(c) uniprofissionalidade[4] e especialização da sociedade da sociedade e
(d) responsabilidade pessoal[5] e ilimitada[6] do profissional na prestação do serviço.
A fim de confirmar o que antes foi dito, cumpre demonstrar a existência dessa jurisprudência, que, de forma firme, assim interpreta o art. 9º, §§1º e 3º do DL. 406/68, in verbis:
STF
“Imposto sobre Serviços. Alíquotas. Sociedade de prestação de serviços contábeis. Forma empresarial. Decreto-lei 406/68, art. 9º, §§ 1º e 2º - Desde que a prestação do serviço assuma forma empresarial, pela atividade conjunta e indiscriminada dos seus elementos na realização do serviço típico, descaracterizada está a forma pessoal do trabalho do profissional, sem que caiba, portanto, o tratamento favorecido do §3º c/c §1º do art. 9º do Decreto-lei nº 406. Recurso Extraordinário não-conhecido.” (STF, RE 99266-9/RS, Recorrida: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Rel. Min. Rafael Mayer, unânime, 1ª turma, 19/04/83) (grifo acrescido)
“TRIBUTÁRIO. Imposto sobre serviços. Empresa de grande porte, em que os trabalhos resultantes são de produção promíscua ou indistinta, sem característica de trabalho pessoal, não tem direito à tributação pela modalidade privilegiada do art. 9º., §1º., do Decreto-Lei n. 406, de 1968. Entendimento razoável (súmula 400) e inexistência de demonstração de dissídio jurisprudencial.”
(STF, AI 80985 AgR, Relator(a): Min. DECIO MIRANDA, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/02/1981, DJ 20-03-1981 PP EMENT VOL-01204-01 PP-00185 RTJ VOL-00097-01 PP-00246)
STJ
“TRIBUTÁRIO – ISS – SOCIEDADES CIVIS – MÉDICOS – FINALIDADE EMPRESARIAL – NÃO-INCIDÊNCIA DO § 3º DO ARTIGO 9º DO DECRETO-LEI N. 406/68 – SÚMULAS 5 E 7/STJ.
1. A jurisprudência desta Corte posicionou-se no sentido de que a sociedade, para ter direito ao regime de tributação fixa, além de ser uniprofissional e ter por objeto a prestação de serviço especializado, precisa ter caráter não-empresarial.
2. Acórdão que, a partir da análise de cláusula contratual, concluiu que a empresa não faz jus à regime do art. 9º, § 3º, do Decreto-lei 406/68. Constatação em sentido diverso esbarra no óbice das Súmulas 5 e 7/STJ.
3. Recurso especial não provido. (REsp 830.487/AL, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2008, DJe 26/11/2008)
“TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. FINALIDADE EMPRESARIAL. BENEFÍCIO. ART. 9º, § 3º, DO DECRETO-LEI Nº 406/68. ITEM 2 DA LISTA DE SERVIÇOS.
1. Não se aplica o tratamento privilegiado previsto no art. 9º § 3ºdo Decreto-Lei 406/68 quando a sociedade civil presta serviço com caráter empresarial, notadamente as sociedades constantes do item 2 da Lista de Serviços anexa a esse Decreto-Lei. 2. Recurso especial improvido.” (STJ, REsp 872.311/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, segunda turma, julgado em 17.04.2007, DJ 26.04.2007 p. 237). (grifo acrescido)
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. ISS. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL SEM CARÁTER EMPRESARIAL. TRATAMENTO PRIVILEGIADO.
1. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta.
2. A matéria de fato é insuscetível de reexame em recurso especial (Súmula nº 07/STJ).
3. Nos termos do art. 9º, § 3º, do DL 406/68, têm direito ao
tratamento privilegiado do ISS as sociedades civis uniprofissionais, que tem por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade social e sem caráter empresarial.
4. Agravo regimental desprovido." (STJ, AG 458.005-PR, DJ de 04.08.2003, Rel. Min. Teori Zavascki) (grifo acrescido)
“RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" E "C" - TRIBUTÁRIO - ISS – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC - MUNICÍPIO COMPETENTE PARA RECOLHIMENTO DO IMPOSTO - LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – SOCIEDADE COMPOSTA POR ADVOGADOS E CONTADORES - PRETENSÃO DE RECOLHIMENTO DO IMPOSTO POR MEIO DE ALÍQUOTAS FIXAS SOBRE CADA PROFISSIONAL HABILITADO - IMPOSSIBILIDADE - SOCIEDADE PLURIPROFISSIONAL.
(...)
"O art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-lei n.º 406/68 estabelece alguns requisitos, sem os quais a sociedade estará obrigada a recolher o ISS com base na sistemática geral, vale dizer, sobre o valor do seu faturamento. São eles: a) que a sociedade seja uniprofissional; b) que os profissionais nela associados ou habilitados prestem serviços em nome da sociedade, embora sob responsabilidade pessoal" (REsp 649.094/RJ, Relator Ministro Castro Meira, DJU 7.3.2005). No mesmo sentido: REsp 540.496/CE, Relator Ministro Castro Meira, DJ 16.8.2004 e REsp 254.040/MG. Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, DJU 18.11.2002.
É imprescindível, portanto, que a sociedade seja uniprofissional, ou seja, que todos os seus integrantes pertençam à mesma categoria profissional. No caso dos autos, consoante restou consignado no v. acórdão recorrido, "a apelante compõe-se de três sócios, sendo um advogado, um advogado e contador e o outro contador" (fl. 130).
Dessa forma, embora as profissões de contador e advogado estejam incluídas nos itens 25 e 88 da Lista anexa ao DL n. 406/68, trata-se de sociedade pluriprofissional, o que afasta a possibilidade de aplicação da regra inserta no artigo 9º, §§ 1º e 3º, do referido Decreto.
Recurso especial provido em parte tão-somente para reconhecer que o Município competente para realizar a cobrança do ISS é o do local da prestação dos serviços, onde se deu a ocorrência do fato gerador do imposto.” (STJ, REsp 695500 / MT, Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, Órgão Julgador SEGUNDA TURMA, Data da Publicação/Fonte DJ 31/05/2006 p. 249)
“TRIBUTÁRIO. ISS. ALÍQUOTA FIXA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA.
1. A tributação fixa do ISS (art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/1968) aplica-se apenas às sociedades uniprofissionais integradas por profissionais que atuam com responsabilidade pessoal. As entidades empresariais sem responsabilidade pessoal, como é a hipótese presente, submetem-se à tributação normal (ISS sobre o preço dos serviços).2. Agravo Regimental não provido.”
(AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 807.205 – RS, Julgado, em 16/09/2008, DJ 11/03/09 – Relator Min. Herman Benjamin) (grifo acrescido)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544, CPC. ART. 9º, § 3º, DECRETO-LEI 406/68. SOCIEDADES UNIPROFISSIONAIS. ENGENHEIROS. ISS. ALÍQUOTA FIXA. ACÓRDÃO FUNDADO EM INTERPRETAÇÃO DE CONTRATO SOCIAL. PROVAS. APLICAÇÃO DA SÚMULAS 07/STJ. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO LEGAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.
1. A sociedade civil faz jus ao benefício previsto no art. 9º, § 3º, do DL 406/68 desde que preste serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem caráter empresarial, conforme entendimento assente no STJ (AG 458.005-PR, DJ de 04.08.2003, Rel. Min. Teori Zavascki; RESP 456.658-ES, DJ de 19.12.2003, Rel. Min. Franciulli Netto; RESP 334.554-ES, DJ de 11.03.2002, Rel. Min. Garcia Vieira).” (AgRg no Ag 772098/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 05.12.2006, DJ 18.12.2006, p. 324)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. OFENSA AOS ARTIGOS 458 E 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. RECOLHIMENTO DO ISS. DECRETO-LEI 406/68. SOCIEDADES UNIPROFISSIONAIS (ADVOGADOS). ACÓRDÃO FUNDADO EM INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E PROBATÓRIO. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 05 E 07/STJ. ART. 166, DO CTN. INAPLICABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 20 DO CPC. SÚMULA 07/STJ.
1. Inexiste ofensa aos artigos 458 e 535, ambos do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, mercê de o magistrado não estar obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
2. É assente nesta Corte que a sociedade civil somente faz jus ao benefício previsto no art. 9º, § 3º, do DL 406/68 desde que preste serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem caráter empresarial (AG 458.005-PR, DJ de 04.08.2003, Rel. Min. Teori Zavascki; RESP 456.658-ES, DJ de 19.12.2003, Rel. Min. Franciulli Netto; RESP 334.554-ES, DJ de 11.03.2002, Rel. Min. Garcia Vieira).” (AgRg no Ag 682329/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21.03.2006, DJ 03.04.2006, p. 241)”
Como se vê, a regra matriz de incidência da norma de tributação diferenciada construída a partir da redação do texto do DL 406/68 contém em seu antecedente diversos requisitos quanto à pessoa da sociedade de profissionais e quanto à forma de execução de seus serviços.
Sem o preenchimento dos requisitos acima elencados, o conseqüente dessa norma de incidência deve conter em seu aspecto quantitativo a base de cálculo geral, isto é, pelo preço do serviço prestado.
Sem dúvida, exige a lei, no §3º do art. 9º do DL. 406/68, pessoalidade na prestação do serviço, tanto que fala o preceito normativo em profissional habilitado que preste serviço em nome da sociedade. Nessa hipótese, fica sujeita a sociedade ao imposto na forma do §1º, que também fala em trabalho pessoal.
E não basta que o serviço seja prestado por qualquer profissional, tem de sê-lo por alguém “habilitado”.
Em acréscimo, exige a lei a pessoalidade na responsabilização do profissional, nos termos da lei aplicável.
Reveja-se os termos da lei:
§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.” (Redação dada pela Lei complementar nº 56, de 15.12.1987) (grifo acrescido)
Extrai-se do §3º do art. 9º do DL 406/68 que, quando os serviços forem prestados por sociedades de profissionais, estas fazem jus a pagar o ISS calculado por alíquotas fixas ou variáveis (cada legislação definirá essa opção), em relação a cada “profissional habilitado” “sócio, empregado ou não” que “preste serviços” específicos “itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa)” “em nome da sociedade”, com “responsabilidade pessoal”, “nos termos da lei aplicável”.
Ausente uma dessas condições, cai por terra a tributação amena do ISS em favor da sociedade.
5- A Questão da Pessoalidade e a Subcontratação de Pessoas Jurídicas
A pessoalidade na prestação de serviços inexiste nas sociedades que subcontratam pessoas jurídicas para prestarem sua atividade-fim e nas sociedades que realizam suas atividades fim por profissionais inabilitados.
Nas sociedades que realizam suas atividades-fim por pessoas inabilitadas também não se pode falar em assunção de responsabilidade pessoal nos termos da lei aplicável.
Alguns juristas de peso, como Leandro Paulsen, entendem que a pessoalidade na prestação só é requisito para o direito à tributação privilegiada prevista no §1º (pessoas físicas), e não das sociedades de profissionais do §3º (pessoas jurídicas). Para o renomado jurista, essas sociedades manteriam o direito à tributação privilegiada mesmo se, na execução de sua atividade-fim, contarem com a participação de pessoas jurídicas ou de pessoas inabilitadas.
Tal entendimento, com todo o respeito, não consegue se sobrepor à exegese do Excelso STF e do Egrégio STJ, como visto nos julgados transcritos acima, que exigem que haja a pessoalidade no desempenho da atividade das sociedades de profissionais e que tais atividades sejam executadas por profissionais “habilitados”, de forma uniprofissional e não-empresarial, sob pena de afastamento da tributação minorada.
Não se pode entender, numa suposta interpretação objetiva do DL 406/68, e a jurisprudência é torrencial nesse sentido, que a única condição exigida pelo citado decreto para que as sociedades prestadoras de serviços façam jus à tributação privilegiada é a de que prestem algum dos serviços arrolados no §3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68. Julgados nessa linha são imediatamente modificados pelo Egrégio STJ, a quem compete uniformizar a interpretação da legislação federal[7].
É preciso averiguar a condição subjetiva do contribuinte e se a prestação de seus serviços se dá de forma pessoal (por profissional habilitado).
Ademais, a inteligência do parágrafo 3º do artigo supracitado deve ser feita em conjunto com o parágrafo primeiro, ao qual aquele se reporta. Segundo o parágrafo primeiro, somente se pode falar em diferenciada base de cálculo do ISS: “Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte...” Os §§1º e 3º do art. 9º estão diretamente interligados entre si, não havendo como separá-los.
Nesse sentido, a doutrina salienta:
“a regra do artigo 9º, §3º, apenas explicitou em relação às sociedades profissionais, o que, por razões isonômicas, já estava implícito no parágrafo único do artigo 72 do CTN e que depois ficou expresso no §1º do referido artigo 9º.”[8]
Havendo a contratação de pessoas jurídicas ou de pessoas físicas inabilitadas para a execução da atividade fim, desmancha-se o caráter de trabalho prestado por profissional habilitado em nome da sociedade exigido pela lei federal.
Exsurge da lei nacional, portanto, como imperativa, para a autoridade fiscal, a análise subjetiva do contribuinte, mormente para apartar as sociedades civis de profissionais das sociedades empresárias, as quais podem facilmente encobrir situações jurídicas, para se saber se o serviço é prestado em caráter pessoal e especializado pelo profissional habilitado, sem intermediação, por exemplo, de outras pessoas jurídicas ou de pessoas físicas inabilitadas, para fins de concessão do privilégio na tributação.
6. A Relação da Pessoalidade e o Princípio da Isonomia
A exigência de pessoalidade na prestação da atividade tem um razão de ser. Não fosse assim haveria tratamento discriminatório entre as sociedades de profissionais e as demais sociedades prestadoras de serviço que se vêem obrigadas a recolher o imposto calculado pelo preço de seus serviços (ad valorem).
Vale dizer: embora possa favorecer toda uma gama de profissionais que os preencham, ainda que atuem em sociedade, a tributação amena de ISS é excepcional (porque a regra geral para os prestadores de serviços é a tributação ad valorem), conforme o art. 7º da Lei Complementar 116/2003, e, nessa condição de excepcionalidade, merece interpretação restritiva e não ampliativa, na forma do art.111, II, do CTN.
A exigência da pessoalidade, assim, decorre do princípio da isonomia tributária insculpido no art. 150, II, da CF:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Esse foi o entendimento sufragado pelo Egrégio STF, como se passa a demonstrar.
O caráter empresarial da sociedade a desiguala em relação à sociedade de profissionais assemelhada ao profissional autônomo, afastando-a do cálculo minorado do tributo. Na sociedade empresária quem presta o serviço é a sociedade, e aquela, de acordo com o Código Civil, tem natureza comercial e não civil.
Equiparar sociedades de profissionais com sociedades que atuem em escala empresarial para conceder a estas o regime de tributação diferenciado seria tratar igualmente situações distintas; atentar contra a isonomia tributária (art. 150, II da CF), e desconhecer as razões pelas quais o STF (RE 236604-7) reconheceu a constitucionalidade do tratamento diferenciado da tributação de ISS dado tanto aos profissionais liberais quanto às sociedades desses profissionais, haja vista a parecência de seu atuar.
Nas sociedades civis de profissionais, pelo menos no enfoque dado pelo STF, no citado RE 236604-7, continuam exercendo suas profissões e se reúnem como forma de melhor atingir os fins que, isoladamente, não poderiam alcançar, racionalizando esforços, poupando custos, e proporcionando maior disponibilidade de tempo para o trabalho e o descanso. Os clientes continuam procurando as pessoas dos profissionais e o aspecto pessoal é muito forte.
E foi a força desse aspecto pessoal que motivou o Egrégio STF a considerar recepcionada pela Constituição de 1988 o regime de tributação diferenciado do DL. 406/68, o qual houvera sido criado com o objetivo de evitar que profissionais liberais tivessem seus rendimentos tributados ao mesmo tempo pelo ISS e pelo Imposto de Renda.
7 - A Possibilidade de as Legislações Municipais Aclararem os Requisitos Impostos pela Lei Nacional
A legislação municipal não exorbita a competência que lhe é dada quando aclara a lei complementar nacional (art. 9º, §§1º e 3º do DL. 406/68) que regula o regime da tributação diferenciada de ISS, através da explicitação dos requisitos reconhecidos pelo STJ e pelo STF para fruição dessa tributação benévola.
Essa matéria já foi examinada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. No julgado, restou reconhecido que a lei municipal de Belo Horizonte apenas aclarou o disposto na lei complementar federal ao dispor que não se aplica a tributação privilegiada de ISS às sociedades que apresentassem, por exemplo: I- Natureza Comercial; II- Sócio pessoa jurídica; III- Atividade diversa da habilitação profissional dos sócios; IV- Sócio que não preste serviço em nome da sociedade, nela figurando apenas como aporte de capital; V- Caráter empresarial; VI- Existência de filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato, ou qualquer outro estabelecimento descentralizado.
Cumpre transcrever o voto do Des. DÁRCIO LOPARDI MENDES proferido no julgamento da APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.232985-5/001:
“Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que negou a ordem em sede de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado por BDO Trevisan Auditores Independentes, contra ato do Prefeito Municipal de Belo Horizonte e do Secretário Municipal da Fazenda do Município.
O Impetrante pugnou pelo acolhimento em definitivo da ordem, para que fosse reconhecido seu direito ao recolhimento do ISS conforme prescreve o §3º, do artigo 9º, do Decreto-Lei nº 406/68, ou seja, calculado em relação a cada profissional habilitado e não sob o seu faturamento, independentemente de ser empresa-filial.
O Juízo primevo proferiu sentença revogando a liminar concedida, ao fundamento de que o Impetrante não tem direito de recolher ISS na forma como deseja, pois tem características previstas na Lei Municipal 8.725/03, que a impedem de receber o tratamento fiscal privilegiado.
Inconformado, apela o Impetrante, na forma dos argumentos expendidos nas razões de fls. 235/249, argumentando, em síntese, que uma Lei Municipal não pode restringir um direito concedido por uma lei complementar de status federal, no caso, o Decreto-Lei nº 406/68. Sustenta que; "em se tratando de sociedades unipessoais o recolhimento do imposto é calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviço em nome da sociedade, sob a responsabilidade pessoal, independente de ser matriz ou filial, posto que a figura da sociedade é uma só, podendo ter suas ramificações como no caso de filial."
Por fim, insurge-se contra alegada omissão quanto ao enfrentamento da questão de ilegalidade e inconstitucionalidade do art. 13, parágrafo único, inciso vii da Lei Municipal 8.725/2003.
O Apelado apresentou contra-razões suscitando preliminar de não cabimento do Mandado de Segurança. No mérito, pugna pela manutenção da decisão.
A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer de fls. 279/282, pelo não provimento do recurso, considerando que não há, no caso dos autos, direito líquido e certo a ser amparado.
Conheço do recurso, porquanto presentes seus pressupostos de admissibilidade.
Inicialmente insta salientar que a matéria aventada na preliminar de não cabimento do mandado de segurança, por inexistência de direito líquido e certo, se confunde com o mérito, pelo que será examinada juntamente com o mesmo.
Sobre a impetração preventiva de mandado de segurança em matéria tributária, interessante ressaltar-se a seguinte lição de Hugo de Brito Machado;
"Para ensejar a impetração preventiva, portanto, não é necessário esteja consumada a situação de fato sobre a qual incide a lei questionada. Basta que tal situação esteja acontecendo, vale dizer, tenha tido iniciada a sua efetiva formação. Ou pelo menos que estejam concretizados fatos dos quais logicamente decorre o fato gerador do direito cuja lesão é temida.
Especificamente em matéria tributária, para que se torne cabível a impetração de mandado de segurança preventivo, não é necessário esteja consumado o fato imponível. Basta que estejam concretizados fatos dos quais logicamente decorra o fato imponível.
Em síntese, e em geral, o mandado de segurança é preventivo quando, já existente ou em vias de surgimento a situação de fato que ensejaria a prática do ato considerado ilegal, tal ato ainda não tenha sido praticado, existindo apenas o justo receio de que venha a ser praticado pela autoridade impetrada. É preventivo porque destinado a evitar lesão ao direito, já existente ou em vias de surgimento, mas pressupõe a existência da situação concreta na qual o impetrante afirma residir ou dela recorrer o seu direito cuja proteção, contra a ameaça de lesão, está a reclamar do Judiciário." ("Mandado de Segurança em Matéria Tributária", 5ª edição, Dialética, p. 232/233)
Nesse diapasão, o mandado de segurança preventivo configura instrumento perfeitamente adequado ao caso em tela, uma vez que a situação passível de ensejar a vergastada exação na forma contestada pelo Impetrante é concreta. Ou seja, a prestação dos serviços de auditoria no Município de Belo Horizonte já começaram, sendo que o Impetrante já está emitindo as primeiras notas fiscais.
Para o deslinde da questão, necessário se faz a transcrição da legislação aplicável;
Decreto-lei 406/68, art. 9º;
"A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§3º Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91, e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do §1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável"
Lei Municipal 8.725/03, art. 13:
"Quando a atividade de médico, enfermeiro, obstetra, ortópico, fonoaudiólogo, protético, médico veterinário, contador, contabilista, agente de propriedade industrial, advogado, engenheiro, arquiteto, urbanista, agrônomo, dentista, economista e psicólogo for prestada por sociedades profissionais, o ISSQN devido será exigido mensalmente, calculado à razão de R$35,00 (trinta e cinco reais) em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviço em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal nos termos da lei aplicável.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica á sociedade que apresenta qualquer uma das seguintes características:
I- Natureza Comercial;
II- Sócio pessoa jurídica;
III- Atividade diversa da habilitação profissional dos sócios;
IV- Sócio que não preste serviço em nome da sociedade, nela figurando apenas como aporte de capital;
V- Caráter empresarial;
VI- Existência de filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato, ou qualquer outro estabelecimento descentralizado".
O Apelante afirma que tem direito ao recolhimento do ISS na forma como prescreve o §3º artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68, ou seja, calculado em relação a cada profissional habilitado e não sob o seu faturamento, pois configura sociedade uniprofissional. Sustenta que a referida lei municipal é inconstitucional quando restringe a aplicação da forma privilegiada de recolhimento do ISS, estabelecendo que não se aplica, a referida forma de exação a filiais, como no caso da sociedade Impetrante, que tem sede em outro Estado.
Observa-se que para ser aplicado o disposto no art. 9º, § 3º do Decreto-lei 406/68, deve se tratar de sociedade civil de profissionais liberais, que não possui caráter empresarial.
A previsão de bases de cálculo distintas para as sociedades de capital e de trabalho não apenas se justifica, como também é exigida pelo próprio sistema constitucional tributário, para se evitar ofensa ao princípio da isonomia e da capacidade contributiva.
Ante tais considerações, penso que a Lei Municipal 8.725/03 apenas aclarou, estabeleceu requisitos para aplicação do art. 9º do Decreto-lei 406/68, que visa ao tratamento privilegiado de sociedades sem caráter empresarial, pois é de se concluir que o investimento efetuado nas sociedades eminentemente de capital, proporciona uma capacidade contributiva superior à capacidade contributiva proporcionada pela soma das capacidades individuais dos sócios."
8. A Caracterização da Atividade Empresarial Independe do Registro na Entidade de Classe
As sociedades de profissionais podem vir a exercer suas atividades de forma empresarial independentemente do registro na entidade de classe, bastando para isso que tornem a profissão elemento de empresa, na forma do art. 966, §único, do Código Civil, in fine:
“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou a circulação de bens ou serviços. Parágrafo único – não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da prestação constituir elemento de empresa.” (grifamos)
Oportunas as lições de Fábio Ulhoa Coelho ao comentar o artigo 966, § único, do Código Civil de 2002, e ao explicar que o registro no órgão de comércio não faz parte da essência do conceito de empresário:
“ Há uma exceção, prevista no mesmo dispositivo legal, em que o profissional intelectual se enquadra no conceito de empresário. Trata-se da hipótese em que o exercício da profissão constitui elemento de empresa. Para compreender o conceito legal, convém partir de um exemplol. Imagine o médico pediatra recém-formado, atendendo seus primeiros clientes no consultório. Já contrata pelo menos uma secretária, mas se encontra na condição geral dos profissionais intelectuais: não é empresário, mesmo que conte com o auxílio de colaboradores. Nesta fase, os pais buscam seus serviços em razão, basicamente, de sua competência como médico. Imagine, porém, que, passando o tempo, este profissional amplie seu consultório, contratando, além de mais pessoal de apoio (secretária, atendente, copeira etc.), também enfermeiros e outros médicos. Não chama mais o local de atendimento de consultório, mas de clínica. Nesta fase de transição, os clientes ainda procuram aqueles serviços de medicina pediátrica, em razão da confiança que depositam no trabalho daquele médico, titular da clínica. Mas a clientela se amplia e já há, entre os pacientes, quem nunca foi atendido diretamente pelo titular, nem o conhece. Numa fase seguinte, cresce mais ainda aquela unidade de serviços. Não se chama mais clínica, e sim hospital pediátrico. Entre os muitos funcionários, além dos médicos, enfermeiros e atendentes, há contador, advogado, nutricionista, administrador hospitalar, seguranças, motoristas e outros. Ninguém mais procura os serviços ali oferecidos em razão do trabalho pessoal do médico que os organiza. Sua individualidade se perdeu na organização empresarial. Neste momento, aquele profissional intelectual tornou-se elemento de empresa. Mesmo que continue clinicando, sua maior contribuição para a prestação dos serviços naquele hospital pediátrico é a de organizador dos fatores de produção. Foge, então, da condição geral dos profissionais intelectuais e deve ser considerado, juridicamente, empresário.” (MANUAL DE DIREITO COMERCIAL, Saraiva, 2003, 14ª edição, p. 17) (grifo acrescido)
“O registro no órgão próprio não é da essência do conceito de empresário. Será empresário o exercente profissional de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, esteja ou não inscrito no registro das empresas.” (p. 43)
Dentro dessa linha a conclusão 199 da III Jornada de Direito Civil do E. Superior Tribunal de Justiça (2004), assim enunciada:
199 – A inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador da sua regularidade e não da sua caracterização.”
Assim, se o serviço for desenvolvido por uma sociedade de profissionais se der em escala empresarial, com a clientela procurando a sociedade em face da pessoa jurídica e não em face da pessoa de seus sócios, ou ainda se o serviço for prestado sem a responsabilidade pessoal dos sócios, restará afastada a tributação privilegiada.
E isso pode se dar no caso das sociedades, quando estas, atuando como verdadeira empresa, a despeito de aspectos formais previstos pelas normas da entidade de classe, descaracterizarem-se como sociedades não-empresárias.
Isto é de possível ocorrência se, na prática, exercerem, concomitante, atividades outras (auditorias contábil-fiscal, advocacia, corretagem, consultoria em avaliações, compra e venda de precatórios, agente da propriedade industrial[9], etc.). Ou então, se sociedades de profissionais, para desempenhar suas atividades-fim, contratarem profissionais não-habilitados ou pessoas jurídicas, desnaturando a nota de pessoalidade da prestação do serviço.
Há outras situações não tão em evidência. Há sociedades que podem assumir um tal nível de empreendedorismo que os sócios já não mais se envolvem com a atividade fim da sociedade, dedicando-se tão-somente à organização da sociedade, em escala empresarial, o que também afasta a pessoalidade da prestação dos serviços. Há sociedades registradas no INPI e com atuação empresarial, com forte presença na mídia, organizadas com distanciamento absoluto dos sócios da execução direta das atividades. Nessas, a captação da clientela decorre de seu porte e de seu conceito enquanto pessoa jurídica, interessando ao tomador do serviço a pessoa do profissional apenas de forma secundária. Fala-se aqui dos mega escritórios que se afastam do conceito de mera reunião de profissionais intelectuais para, de fato, tornarem o exercício da profissão elemento de empresa, entendida como a atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Enquadram-se ai, por exemplo, determinadas sociedades de advogados, com filiais em diversas capitais, elaborados mecanismos de distribuição de lucros, que possuem um gigantismo de “colaboradores” tal que os sócios que se voltam tão-somente à atividade administrativa. Embora raras e de difícil caracterização, as hipóteses supradescritas não são desconhecidas.
É a atividade, e o exercício desta atividade, que qualifica a empresa, não a qualificação dos sujeitos que a exercitam. Eventuais registros na entidade de classe apenas detêm caráter declaratório, mas não constituem por si a sociedade de trabalho pessoal merecedora da mitigação tributária em tela.
A atividade intelectual dos profissionais de nível superior está, de regra, afastada do conceito de empresa. Contudo, pode-se deparar com a exceção a que, hoje, se refere o art. 966, parágrafo único, do Código Civil de 2002. Mister, neste passo, que se tenham em conta conclusões da III Jornada de Direito Civil do E. Superior Tribunal de Justiça (2004), que publicou os seguintes enunciados:
“194 – Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida.
195 – A expressão elemento de empresa demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial.
196 – A sociedade de natureza simples não tem seu objeto restrito às atividades intelectuais.
Uma última palavra se faz importante, acerca da classificação das sociedades no direito pátrio.
O Código Civil de 2002 unificou (parcialmente) o direito civil e o vetusto direito comercial codificado em 1850, passando – o que é relevante – a adotar a teoria italiana da empresa em substituição à dos atos de comércio de origem francesa. Com isto, alterou-se também a classificação das sociedades.
Consoante o art. 966 considera-se empresário:
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços.”
E, consoante o art. 982 do mesmo diploma, as sociedades não empresárias são denominadas sociedades simples. Neste artigo, está em pauta a atividade societária, sendo a expressão sociedade simples utilizada em contraposição à sociedade empresária.
A celeuma surge quando a mesma expressão, i. é, sociedade simples, também é utilizada pelo Código Civil vigente para designar concomitantemente coisa distinta. Nos arts. 997 e seguintes, a expressão sociedade simples é utilizada para designar um dos tipos societários que podem ser assumidos pelas sociedades de pessoas. Nessoutra classificação, portanto, expressão sociedade simples nada tem a ver com a atividade societária, mas apenas com seu tipo.
É bem de ver que o fator relevante na classificação (art. 966 do CCB) é a análise da organização da atividade econômica, e não seu mero conteúdo intrínseco, para determinar se existe, ou não, a figura da empresa. Desimporta, à luz de quanto se disse, a afirmação de que seja sociedade civil, hoje sociedade simples. Não se trata da mesma coisa, nem da mesma sociedade, com outro nome:
“Por oportuno, cumpre-nos esclarecer que a atividade empresária engloba a atividade comercial, mas a ela não se limita. O ato empresarial é muito mais amplo que o ato de comércio, por envolver qualquer atividade produtiva relacionada à circulação de bens ou serviços de forma organizada e profissional, e não somente a intermediação na compra e venda de mercadorias.” SPERCEL, Thiago. A teoria da empresa no novo Código Civil – o fim da distinção entre sociedades civis e comerciais. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, v. 130, p. 133.
E também não se trata de novidade. Trata-se de adoção, por parte do Código Civil, de teoria já existente, mas ainda não abraçada, apenas para o fim de regular unificadamente e de forma mais ampla diferentes sociedades. De sorte que, tanto antes do advento da atual lei civil quanto agora, para saber-se se há empresa, há que se analisar a organização societária, pouco importando o teor do registro societário. Se esta se revela mais importante, pujante, ampla, do que a só prestação pessoal dos serviços pelos sócios, há elemento de empresa, restando afastada a pretensão de tributação do ISSQN em forma mitigada, cabível a exação com base no preço do serviço.
9. Conclusões
Em breves considerações, procurou-se demonstrar que o art. 9º, §§1º e 3º, do Decreto nº 406/68 foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988. O Pretório Excelso, à luz do §5º do art. 34 da ADCT, entendeu que os profissionais liberais, mesmo reunidos em sociedade, apresentavam uma situação de desigualdade que justificava a tributação diferenciada, a qual não representava redução de base de cálculo, mas uma base de cálculo diferenciada. Portanto, levou em conta o STF o traço da pessoalidade na prestação do serviço, que continuava sendo prestado pelos profissionais, ainda que em sociedade.
Segundo se pode levantar, a jurisprudência das Cortes Superiores colacionam os seguintes requisitos para que o contribuinte possa se valer da tributação minorada do ISS:
(a) pessoalidade do trabalho dos profissionais habilitados;
(b) ausência de empresariedade na constituição e no funcionamento da sociedade;
(c) uniprofissionalidade e especialização da sociedade da sociedade e
(d) responsabilidade pessoal e ilimitada do profissional na prestação do serviço.
A legislação municipal não exorbita sua competência quando aclara a lei complementar nacional (art. 9º, §§1º e 3º do DL. 406/68) que regula o regime da tributação diferenciada de ISS, através da explicitação dos requisitos reconhecidos pelo STJ e pelo STF para fruição dessa tributação benévola, desde que se atenha a tais requisitos.
A exigência de pessoalidade na prestação da atividade guarda intrínseca relação com o princípio da isonomia. Não fosse assim haveria tratamento discriminatório entre as sociedades de profissionais e as demais sociedades prestadoras de serviço que se vêem obrigadas a recolher o imposto calculado pelo preço de seus serviços (ad valorem).
O caráter empresarial da sociedade a desiguala em relação à sociedade de profissionais assemelhada ao profissional autônomo, afastando-a do cálculo minorado do tributo. Na sociedade empresária quem presta o serviço é a sociedade, e aquela, de acordo com o Código Civil, tem natureza comercial e não civil.
Equiparar sociedades de profissionais com sociedades que atuem em escala empresarial para conceder a estas o regime de tributação diferenciado seria tratar igualmente situações distintas; atentar contra a isonomia tributária (art. 150, II da CF), e desconhecer as razões pelas quais o STF (RE 236604-7) reconheceu a constitucionalidade do tratamento diferenciado da tributação de ISS dado tanto aos profissionais liberais quanto às sociedades desses profissionais, haja vista a similaridade de suas formas de atuação.
Referências Bibliográficas
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. Saraiva, 2003, 14ª edição.
SPERCEL, Thiago. A teoria da empresa no novo Código Civil – o fim da distinção entre sociedades civis e comerciais. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, v. 130.
CONDORCET REZENDE, Gustavo Brigadão e SOUZA, Alisson Carvalho. A Base de Cálculo do ISS devido pelas sociedades profissionais, in Imposto sobre Serviços – ISS na Lei Complementar n. 116/03 e na constituição, Coordenador Heleno Taveira Torres, Manole, 2004.
[1] Nesse sentido, do STJ, o REsp 34.326/MG, Rel. MIN. JOSÉ DE JESUS FILHO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/1995, DJ 19/12/1997 p. 67468.
[2] Nessa toada, do STJ, o REsp nº 334.554/ES, Relator Ministro GARCIA VIEIRA, DJ de 11/03/2002, p. 202; o REsp Nº 686.764 – RS, Relator Ministro Luis Fux, 16/05/2005;
[3] Nesta senda, o AgRg no REsp 1.003.813⁄SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02⁄09⁄2008, DJe 19⁄09⁄2008.
[4] No mesmo sentido, do STJ: REsp 540496/CE, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Órgão Julgador SEGUNDA TURMA, Data da Publicação/Fonte, DJ 16/08/2004, p. 197; REsp 254040/MG, Relator Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS Órgão Julgador, SEGUNDA TURMA, Data da Publicação/Fonte DJ 18/11/2002, p. 169.
[5] Nessa linha, do STJ: REsp nº 145.051/RJ, Relator Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, DJ de 22/06/1998, p. 34.
[6] (...)
2. É tranqüilo o posicionamento desta Corte na linha de que a sociedade civil somente faz jus ao benefício previsto no art. 9º, § 3º, do DL 406/68, quando desenvolve serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem caráter empresarial. Precedentes. (...) (STJ, REsp 787.469/MT, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2005, DJ 06/02/2006 p. 218)
[7] REsp Nº 941.870 – RS.
[8] (A Base de Cálculo do ISS devido pelas sociedades profissionais, Condorcet Rezende, Gustavo Brigadão e Alisson Carvalho de Souza, in Imposto sobre Serviços – ISS na Lei Complementar n. 116/03 e na constituição, Coordenador Heleno Taveira Torres, Manole, 2004, p. 415)
[9] 463ª SESSÃO DE 19 DE FEVEREIRO DE 2004 do TRIBUNAL DE ÉTICA DE SÃO PAULO
“EXERCÍCIO DA ADVOCACIA - ASSESSORIA E CONSULTORIA JURIDICA EM PROPRIEDADE INDUSTRIAL - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSESSORIA E CONSULTORIA JURIDICA POR SOCIEDADE NÃO INSCRITA NA OAB – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS JURIDICOS ATRAVÉS DE ESCRITÓRIO DE ASSESSORIA EM PROPRIEDADE INDUSTRIAL O advogado pode ser contratado por um escritório de assessoria em propriedade industrial para prestar assessoria e consultoria jurídica e intervir apenas nos processos judiciais da empresa de marcas e patentes, respeitados os princípios éticos da liberdade de atuação profissional, da manutenção do sigilo profissional, da inviolabilidade de seus arquivos, do salário profissional, do direito à sucumbência e demais garantias, se for advogado empregado, e o respeito à tabela mínima de honorários, se for autônomo. O que não pode é o advogado exercer a sua profissão, em conjunto com a profissão de agentes da propriedade industrial e no mesmo local. O escritório de assessoria em propriedade industrial, não pode figurar como contratante de serviços de assessoria e consultoria jurídica, porque as atividades de consultoria e assessoria jurídica são privativas de advogado ou de sociedades de advogado, e a empresa de marcas e patentes não é registrada na OAB. Constitui captação de causas e clientes e concorrência desleal utilizar-se do escritório de assessoria em propriedade industrial para prestar serviços jurídicos para empresas, na forma de centralização e distribuição de causas e clientes. (Precedentes: E-1520/97; E-1595/97; E-1631/97; E-2409/01; E-2466/01; E-2498/01; E-2605/02; E-2807/03). Proc. E-2.874/03 – v.u., em 19/02/04, do parecer e ementa do Rel. Dr. LUIZ ANTÔNIO GAMBELLI – Rev. Dr. GUILHERME FLORINDO FIGUEIREDO – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE” (GRIFO ACRESCIDO)
Procurador Federal. Chefe do Serviço de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Regional do INSS em Porto Alegre. Ex-Procurador do Município de Porto Alegre. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Cristiano Silvestrin de. A Tributação Diferenciada do Imposto sobre Serviços das Sociedades Profissionais, Requisitos e seus Fundamentos Constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42423/a-tributacao-diferenciada-do-imposto-sobre-servicos-das-sociedades-profissionais-requisitos-e-seus-fundamentos-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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