Resumo: Competência comum na proteção e tutela do meio ambiente. Lei Complementar 140/2011 trouxe uma vinculação relativa entre a competência licenciatória e a competência fiscalizatória. As atividades não licenciadas ou que não se sujeitam a um processo licenciatório podem ser plenamente fiscalizadas por qualquer órgão ambiental. Poder de polícia subsiste em caso de afronta à legislação ambiental, independentemente da competência licenciatória.
Palavras-Chave: Lei Complementar 140/2011. Plena competência fiscalizatória. Vinculação relativa. Competência licenciatória e competência fiscalizatória.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo tecer uma análise a cerca da vinculação relativa entre a competência licenciatória e a competência fiscalizatória instituída pela Lei Complementar 140/2011.
O estudo mostrará que as atividades não licenciadas ou que não se sujeitam a um processo licenciatório podem ser plenamente fiscalizadas por qualquer Órgão ambiental não existindo exclusividade para fiscalizar do órgão com competência para licenciar, o que vem sendo corroborado por nossa jurisprudência.
DESENVOLVIMENTO
A Constituição Federal de 1988-CF/88, em seu art. 23, estabeleceu a competência comum para fiscalizar, assim como a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios na proteção e tutela do meio ambiente, conforme abaixo transcrito:
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
(...)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
(...)
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.”
Em atendimento ao disposto no parágrafo único, do art. 23 da Constituição Federal, foi editada a Lei Complementar 140, de 08 de dezembro de 2011, que fixou normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora e alterou a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981.
A citada Lei Complementar estabeleceu a competência dos Estados de promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, com a ressalva do quanto disposto nos arts. 7º e 9º, nos termos do inciso XIV, do seu art. 8º.
Assim, tem-se que os órgãos ambientais dos Estados detém, como regra, a competência para licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, com a exceção das atividades que causem impactos meramente locais, em que a competência será dos órgãos municipais e daquelas que possuam determinadas características especiais (em razão da localização ou especificidade da atividade licenciada), em que a competência será da União.
De outro lado, a aludida Lei Complementar também dispôs quanto o exercício da competência fiscalizatória. Contudo restou criado uma vinculação relativa de fiscalização pelo órgão licenciador e no que tange atividade licenciada ou autorizada, como se depreende do caput do seu art. 17.
Tal relatividade, além de decorrer do próprio substrato constitucional quanto ao bem jurídico 'meio ambiente', decorre do próprio § 3º, do aludido art. 17, que expressamente prevê que não há a exclusividade para fiscalizar do órgão com competência para licenciar.
Assim, tem-se que a vinculação relativa prevista no citado caput do art. 17, refere-se apenas às hipóteses em que se tem uma licença efetivamente emitida pelo órgão ambiental competente, sendo certo que as atividades não licenciadas e não licenciáveis podem ser fiscalizadas por qualquer órgão ambiental.
Quanto ao tema, cumpre destacar que a nossa jurisprudência tem admitido com tranquilidade a competência fiscalizatória, senão vejamos:
ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - APP. SUDEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL QUESTIONÁVEL. IBAMA. ART. 23, CF/88. COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. POSSIBILIDADE. ADOÇÃO DA TÉCNICA DA MOTIVAÇÃO REFERENCIADA ("PER RELATIONEM"). AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ENTENDIMENTO DO STF. 1. Cuida-se de apelação de sentença que, ratificando a liminar anteriormente deferida, denegou a segurança pleiteada, para embargar a construção residencial realizada no imóvel, por considerar Área de Preservação Permanente - APP e não por decorrer, o embargo, de ausência de licença do órgão ambiental competente, vez que já se encontrava suprida no momento da segunda vistoria, como também por entender que a competência fiscalizatória do IBAMA não é afastada pela do órgão estadual, qual seja, SUDEMA. (….) 8. (...) "Quanto à alegação de que IBAMA não é o órgão competente para embargar a construção da impetrante, já que o licenciamento ambiental em questão é de competência da SUDEMA, a não ser que tal licença fosse anulada, cassada ou revogada, melhor sorte não a socorre, tendo em vista que a competência do órgão estadual para licenciamento ambiental não afasta a competência do IBAMA para fiscalizar". 9. (...) "Ou seja, o fato da competência licenciatória ser da SUDEMA - e indubitavelmente o é, dado o caráter meramente local do impacto causado pela construção - não infirma a competência fiscalizatória do IBAMA. E, ainda que haja licença ambiental expedida pela primeira, o segundo não perde seu poder de polícia, cabendo-lhe embargar o empreendimento em caso de afronta à legislação ambiental". 10. (...) "Note-se que a discordância do IBAMA a respeito da licença emitida pela SUDEMA, evidencia a existência de posições antagônicas dos órgãos ambientais, praticamente inafastáveis administrativamente diante de certos empreendimentos. Essa dicotomia entre os órgãos ambientais federal e estadual é muito conhecida deste Juízo, pois as licenças expedidas pela SUDEMA são cotidianamente questionadas - na maioria das vezes, com razão - pelo IBAMA, sendo que o caso concreto, a princípio, demonstra grave falha institucional da SUDEMA". 11 (...) "Não cabe, ainda, falar em validade da licença de instalação - LI, por nunca ter sido anulada, cassada ou revogada, haja vista que para embargar obras que porventura infrinjam normas de natureza ambiental o IBAMA não necessita de, primeiramente, judicialmente invalidar licenças que considera ilegais". (...) [ TRF5- AC 00022144020114058200 -Primeira Turma - DJE - Data::22/08/2013 - Página::156 ] (grifei)
Nossos Tribunais também já tiveram a oportunidade de se pronunciar, reconhecendo que o poder de polícia subsiste em caso de afronta à legislação ambiental, independentemente da competência licenciatória e da própria existência de licença ambiental expedida, senão vejamos:
"Quanto à alegação de que IBAMA não é o órgão competente para embargar a construção da impetrante, já que o licenciamento ambiental em questão é de competência da SUDEMA, a não ser que tal licença fosse anulada, cassada ou revogada, melhor sorte não a socorre, tendo em vista que a competência do órgão estadual para licenciamento ambiental não afasta a competência do IBAMA para fiscalizar". 9. (...) "Ou seja, o fato da competência licenciatória ser da SUDEMA - e indubitavelmente o é, dado o caráter meramente local do impacto causado pela construção - não infirma a competência fiscalizatória do IBAMA. E, ainda que haja licença ambiental expedida pela primeira, o segundo não perde seu poder de polícia, cabendo-lhe embargar o empreendimento em caso de afronta à legislação ambiental". 10. (...) "Note-se que a discordância do IBAMA a respeito da licença emitida pela SUDEMA, evidencia a existência de posições antagônicas dos órgãos ambientais, praticamente inafastáveis administrativamente diante de certos empreendimentos. Essa dicotomia entre os órgãos ambientais federal e estadual é muito conhecida deste Juízo, pois as licenças expedidas pela SUDEMA são cotidianamente questionadas - na maioria das vezes, com razão - pelo IBAMA, sendo que o caso concreto, a princípio, demonstra grave falha institucional da SUDEMA". 11 (...) "Não cabe, ainda, falar em validade da licença de instalação - LI, por nunca ter sido anulada, cassada ou revogada, haja vista que para embargar obras que porventura infrinjam normas de natureza ambiental o IBAMA não necessita de, primeiramente, judicialmente invalidar licenças que considera ilegais". 12. (…). Apelação improvida. [TRF5 - AC 00022144020114058200 - Primeira Turma - DJE - Data:22/08/2013 - Página:156 ]” (grifei)
Ademais, quanto a possibilidade do pleno exercício do Poder de Polícia por outro Órgão, na hipótese de descumprimento das condicionantes constantes das licenças ambientais, nossos Tribunais já tiveram oportunidade de se pronunciar, senão vejamos:
“CIVIL. ADMINISTRATIVO. PERDA DE OBJETO. INOCORRÊNCIA. LEVANTAMENTO GEOFÍSICO. RESGATE DE FAUNA. DESCUMPRIMENTO DE CONDICIONANTE EM LICENÇA AMBIENTAL. EMBARGO DA ATIVIDADE. PODER DE POLÍCIA DO IBAMA. LEGALIDADE DO ATO. PROVIMENTO.1 – O cerne da questão configura-se em apurar a legalidade de Auto de Infração e Termo de Embargo procedido pelo IBAMA e lavrado sob o argumento de ter ocorrido descumprimento da condição prevista no item nº 4 da Licença Única expedida pelo IEMA/ES, em à atividade de levantamento geofísico terrestre para viabilizar a exploração das concessões de blocos exploratórios de petróleo (ES-T-401 e EST-410).2 – Não há o que se falar em perda de objeto, eis que permanece o interessa da litigante em obter provimento judicial que declare a legalidade de suas atividades.3 – A Licença Única concedida pelo IEMA, em sua condicionante nº 4, ressalva que, nos casos em que for necessário realizar atividades de recuperação de fauna, deverá o licenciado requerer autorização ao IBAMA para proceder com os trabalhos. 4 – O fato do Relatório de Controle Ambiental não apontar a necessidade de recuperação de fauna não pode importar no afastamento do Poder de Polícia do IBAMA de avaliar possíveis descumprimentos da legislação ambiental, o que efetivamente se verificou em inspeção ao local dos levantamentos geofísicos realizados.5 – Apelação e remessa necessárias providas. Sentença reformada. ” [TRF2 -APELRE 200950010064721 -SEXTA TURMA ESPECIALIZADA -E-DJF2R - Data:08/08/2012 - Página:269 ] (grifei)
CONCLUSÃO
Diante de todas as considerações aqui trazidas, pode-se concluir com tranquilidade que a Lei Complementar 140/2011 não trouxe uma vinculação absoluta entre a competência licenciatória e a competência fiscalizatória, sendo certo que as atividades ainda não licenciadas ou as que não se sujeitam a um processo licenciatório podem ser plenamente fiscalizadas por qualquer órgão ambiental, independentemente de quem seja o Órgão responsável pelo licenciamento.
Tal entendimento é amparado por nossa jurisprudência que vem reconhecendo a plena competência fiscalizatória dos Órgãos ambientais, em consonância com a tutela constitucional dada ao meio ambiente.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público pela Unifacs-Universidade Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Caroline Menezes. Plena competência fiscalizatória para atividades e obras ainda não efetivamente licenciadas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42435/plena-competencia-fiscalizatoria-para-atividades-e-obras-ainda-nao-efetivamente-licenciadas. Acesso em: 23 dez 2024.
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