Resumo: O presente artigo busca analisar a posição que os tratados e convenções internacionais em matéria tributária ocupam em face da lei interna brasileira, especialmente considerando a previsão do art. 98 do Código Tributário Nacional.
Palavras-chave: tributário – primado dos tratados – art. 98 CTN
Sumário: 1 Introdução; 2 O conceito de tratado segundo a Convenção de Viena; 3 Anotações gerais sobre a incorporação ao direito interno dos tratados internacionais e sua posição hierárquica; 4 Eficácia dos tratados e convenções internacionais em matéria tributária em face da lei interna brasileira; 5 Conclusão; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Os tratados são mecanismos utilizados pelos Estados para a busca de soluções em questões bilaterais ou multilaterais (com mais de dois atores envolvidos) e apresentam caráter indispensável para o alcance de entendimentos harmônicos e pacíficos em diferentes áreas – dentre elas, a tributária.
O Brasil é signatário de diferentes tratados com as nações com as quais mantém relações diplomáticas – especificamente em relação à matéria tributária, esses acordos internacionais possuem especial importância para disciplinar as questões comerciais entre diferentes países (em um momento em que as fronteira dos estados têm cada vez menos relevo[1]), possibilitando, por exemplo, maior controle dos efeitos da dupla tributação, da evasão de tributos e dos mecanismos de comércio exterior.
Ocorre que, em virtude da previsão do art. 98 do Código Tributário Nacional (CTN), não há consenso na doutrina acerca da posição hierárquica que estes tratados internacionais de matéria tributária ocupam no ordenamento jurídico brasileiro: teria o citado artigo do CTN instituído o primado dos tratados ou é possível que uma lei posterior revogue internamente alguma regra do acordo? Pretende-se, neste trabalho, pontuar os principais entendimentos sobre o tema.
Para tanto, o estudo terá início com a exposição do conceito de tratado adotado pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Posteriormente, será realizada uma breve análise acerca do processo de incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro e da celeuma acerca de sua posição hierárquica interna. Por fim, será realizado exame mais direto acerca da posição hierárquica dos tratados em matéria tributária no ordenamento jurídico brasileiro.
2 O CONCEITO DE TRATADO SEGUNDO A CONVENÇÃO DE VIENA
O Brasil, ainda que tardiamente, internalizou em seu ordenamento jurídico a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, por meio do Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009, do Presidente da República[2]. A citada Convenção é considerada um marco divisor no processo de elaboração de tratados, pois positiva normas relativas à matéria, buscando harmonizar os procedimentos de elaboração, ratificação, renúncia e extinção desses acordos internacionais, sustentando-se, em sentido substancial, no tripé assentado nos princípios do livre consentimento, da boa-fé e na regra do pacta sunt servanda.
Como adiantado, para esse estudo, será adotado o conceito de tratado previsto no artigo 2°, n°. 1 da referida Convenção:
Artigo 2 Expressões Empregadas
1. Para os fins da presente Convenção:
a)“tratado” significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica;
Assim, de acordo com a Convenção de Viena, considera-se tratado o acordo internacional realizado por dois ou mais Estados por meio de um ou mais instrumentos conexos escritos, sob a égide das regras de Direito Internacional, independentemente da denominação que receba.
3 ANOTAÇÕES GERAIS SOBRE A INCORPORAÇÃO AO DIREITO INTERNO BRASILEIRO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS E SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA
A Constituição da República Federativa do Brasil expressamente prevê o iter a ser percorrido para a celebração e internalização de tratados internacionais celebrados pelo Estado brasileiro.
Em síntese, prevê o texto constitucional que a competência para celebrar tratados e convenções é privativa do Presidente da República (artigo 84, VIII[3]), que submeterá a minuta assinada ao referendo do Congresso Nacional (art. 49, I[4]). Este, através de Decreto Legislativo, autorizará a ratificação do instrumento, ocorrendo, assim, a vinculação do país às regras internacionais a que assentiu. A internalização do tratado, por sua vez, emerge com a publicação do decreto do Presidente da República (art. 84, IV e VIII[5]), promulgando-o e tornando-o executável internamente[6]. A Constituição ainda prevê que, integrado ao ordenamento interno, se, em momento posterior, o tratado for questionado judicialmente e for declarada a sua inconstitucionalidade, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) decidir a questão pela via do Recurso Extraordinário (art. 102, III, b[7]).
Dessa forma, o processo específico de celebração e internalização dos tratados no direito brasileiro pode ser dividido em três etapas: (i) celebração: assinatura do tratado pelo Presidente da República; (ii) aprovação: ato privativo do Congresso Nacional, realizado por decreto legislativo, pelo qual o tratado passa a fazer parte do ordenamento jurídico interno (embora ainda não adquira vigência) e (iii) promulgação: ato do Presidente da República que, por decreto, confere vigência ao texto do tratado na ordem jurídica interna.
Verifica-se, assim, um regime constitucional de colaboração entre os Poderes em matéria de tratados internacionais[8], evidenciando-se o papel do Poder Legislativo, que exerce uma espécie de controle político da atuação do Executivo nesta seara, bem como o papel do Supremo Tribunal Federal (STF), que desempenha o controle jurídico das normas internalizadas, sendo responsável pela última palavra acerca dos tratados ratificados pelo Brasil.
É importante mencionar que há duas teorias principais acerca da integração entre direito interno e internacional: a teria monista (que segue a doutrina de Kelsen) e a teoria dualista (filiada a Triepel). Segundo Luciano Amaro:
“… na perspectiva monista, os tratados, uma vez concluído o ritual formal para que adquiram vigência, incorporam-se ao direito interno e são invocáveis como fundamento de direitos e obrigações. Sob o ângulo dualista, os preceitos do tratado integrariam uma ordem jurídica distinta e necessitariam ser “convertidos” em normas internas para, aí sim, passarem a compor o direito interno”[9]
No entanto, quanto a este tema, doutrina e jurisprudência pátrias não se posicionam de forma unânime, ora se aproximando das bases da teoria monista (com primazia do direito internacional), ora defendendo as ideias da teoria dualista, ora admitindo situações de paridade entre lei nacional e tratado, acolhendo uma espécie de posicionamento misto[10].
Assim, também não há consenso acerca da posição hierárquica que os tratados internacionais ocupam no ordenamento jurídico: se, após promulgados, há paridade entre estes e as leis internas; se estão situados em posição supralegal, mas inferior à Constituição; ou se têm status de norma constitucional. Sobre o tema, em termos gerais, costuma-se citar como leading case a decisão do STF prolatada, na década de 1970, no julgamento do Recurso Extraordinário 80.004/SE, na qual se reconhece a paridade entre tratados internacionais e normas internas e, por conseguinte, a possibilidade de que as normas internacionais tenham sua aplicação afastada em virtude de leis internas supervenientes[11]. Nos termos do voto condutor do ministro Cunha Peixoto:
Ademais, não existe, na Constituição, nenhum dispositivo que impeça ao membro do Congresso apresentar projeto que revogue, tácita ou expressamente, uma lei que tenha sua origem em um tratado. Pode o Presidente da República vetar o projeto, se aprovado pelo Congresso, mas também seu veto pode ser recusado. A lei, provinda do Congresso, só pode ter sua vigência interrompida, se ferir dispositivo da Constituição e, nesta, não há nenhum artigo que declare irrevogável uma lei positiva brasileira pelo fato de ter sua origem em um Tratado.
Do contrário, teríamos, então – e isto sim, seria inconstitucional – uma lei que só poderia ser revogada pelo Chefe do Poder Executivo, através da denúncia do Tratado.
Portanto, ou o Tratado não se transforma, pela simples ratificação, em lei ordinária, no Brasil ou, então, poderá ser revogado ou modificado pelo Congresso, como qualquer outra lei.
No entanto, há que se ressaltar que, sob a égide da Constituição de 1988, a Suprema Corte já adotou posicionamento em sentido contrário, considerando o tratado como norma supralegal, especialmente em matéria de direitos humanos[12] (para aqueles tratados não aprovados sob o rito especial previsto no art. 5º, § 3º[13]) – destaque-se, por sua grande relevância, o julgamento do Recurso Extraordinário 466.343/SP, no qual o STF, analisando disposição específica do Pacto de San José da Costa Rica, entendeu, revendo sua posição anterior[14], que as convenções internacionais de direitos humanos ocupam posição específica no ordenamento jurídico brasileiro, tendo status supralegal, posicionando-se hierarquicamente, pois, abaixo da Constituição, mas acima das normas infraconstitucionais.
4 EFICÁCIA DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA EM FACE DA LEI INTERNA BRASILEIRA
Inicialmente, é importante ressaltar que o art. 96 do CTN[15] expressamente prevê que os tratados e as convenções internacionais estão abrangidos pelo conceito de “legislação tributária”, sendo considerados, portanto, fontes do direito tributário.[16]
Assim, a questão que se coloca neste ponto – acerca da eficácia dos tratados e convenções internacionais em face da lei tributária – é semelhante à que se discute em outros ramos do direito: pode uma lei superveniente revogar as disposições de um tratado?
No entanto, em matéria tributária, como já se adiantou, a discussão ganha contornos peculiares, em razão de uma disposição específica do Código Tributário Nacional (CTN), a qual, segundo parte da doutrina teria inserido no ordenamento regra acerca do primado dos tratados.
Com efeito, a análise da posição hierárquica ocupada pelos tratados em matéria tributária deve considerar a previsão do artigo 98 do CTN, segundo o qual “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.
A citada norma não conta com interpretação unânime na doutrina, que critica, inclusive, os termos utilizados pelo legislador na redação do dispositivo.
Passa-se, pois, a apresentar os principais entendimentos sobre o tema.
Paulo de Barros Carvalho afirma que há um erro incontorna?vel no texto legal do art. 98 do CTN, uma vez que, na verdade, não são os tratados ou as convenções internacionais que têm idoneidade jurídica para revogar ou modificar a legislação interna, mas sim os decretos legislativos que incorporam o texto do tratado à ordem jurídica brasileira[17].
Hugo de Brito Machado também ressalta a impropriedade terminológica do art. 98 do CTN, mas por outros motivos. Segundo o autor, na verdade, o tratado internacional não revoga e nem modifica a legislação interna: uma lei revogada não volta a ter vigência em razão da revogação da lei que a revogou; no entanto, havendo a denúncia de um tratado, a lei interna que era incompatível com ele será restabelecida. Desta forma, Hugo de Brito Machado defende que o real significado da regra expressa no art. 98 do CTN é que os tratados e convenções internacionais prevalecem sobre a legislação interna, seja ela anterior ou posterior – isso porque, embora, de forma geral, não exista norma que garanta o primado dos tratados sobre as leis ordinárias, especificamente em matéria tributária, há que se considerar, para o deslinde da discussão, a disposição do art. 98 do CTN. Assim, na concepção do autor, para uma lei posterior ao tratado prevalecer sobre ele, é necessário que essa lei seja uma lei complementar[18]. Justifica seu entendimento sob o argumento de o princípio da moralidade impõe a proeminência dos tratados em matéria tributária sobre a legislação interna, sob pena de desprestígio do Estado que os creditou, pois os tratados possuem instrumento adequado para serem revogados, qual seja, a denúncia:
Os tratados internacionais, portanto, devem ser respeitados pelo Congresso Nacional, que os referenda, e somente devem ser alterados pela via própria. Não por leis internas. Por outro lado, a alteração por lei interna, de um tratado internacional, não tem apoio nos princípios da moralidade, que devem presidir também as relações internacionais. Alterando, por lei interna, regras de tratado internacional, o país perde credibilidade. Assim, temos fortalecido o nosso entendimento, no sentido de que os tratados internacionais não podem ser revogados por lei interna. Tanto no plano da ciência do Direito, como no plano ético.[19]
Luciano Amaro, por outro lado, examina a questão sob perspectiva diversa, dividindo a análise em dois pontos principais: (i) a hipótese de existência de um tratado internacional e uma norma interna que dispõem sobre matéria tributária, mas cuja aplicabilidade é compatível; e (ii) a hipótese de uma norma legal interna conflitar com o preceito anteriormente estabelecido no tratado, de tal forma que seja impossível o convívio de ambos.
No primeiro caso, o autor afirma haver, na verdade, um conflito aparente de normas, que não se resolve com o primado da norma de maior hierarquia. Dá o seguinte exemplo: uma norma interna tributa certa situação e o tratado não permite (ou modifica as regras, alterando a alíquota aplicável, por exemplo) a tributação dessa mesma situação quando ela envolva um residente de outro Estado contratante. Nesse caso, segundo o autor, a solução do impasse perpassa pelas regras ordinárias de aplicação de leis gerais e leis especiais: o tratado está para a lei interna assim como a norma especial está para a norma geral; ou seja, eles convivem – independentemente da anterioridade de uma ou de outra –, aplicando-se a lei especial (no caso, o tratado) quando presente a característica que especializa a hipótese e a afasta do comando da norma geral. Assim, nesse caso haveria um simples conflito aparente de normas, uma vez que o tratado pode ser aplicado em harmonia com a legislação interna, não havendo que se questionar tecnicamente se o tratado revoga ou não a lei interna. Nas palavras do autor: “na situação especial (qualificada no tratado), ou a lei interna não se aplica (porque o tratado afasta – na hipótese – sua incidência), ou a lei interna é aplicável com a limitação prevista no tratado”[20]. E, sendo assim, eventual denúncia do tratado (que terá como consequência o afastamento do preceito especial ou de exceção nele estabelecido) faz com que aqueles casos voltem todos a se submeter à aplicação da lei interna anterior ao tratado (com as eventuais modificações que tenha sofrido em função de outras leis internas). O caso, pois, não é de repristinação da lei interna; o que ocorre é que a norma especial que afastava, em certa hipótese, a disciplina da norma geral perde a eficácia, fazendo com que aquela hipótese antes especializada volte a se submeter à norma geral. Portanto, no entendimento de Luciano Amaro, o tratado não revoga a lei interna, mas cria (nas situações por ele previstas e em relação aos países com os quais foi firmado) exceções à aplicação da lei interna; desta forma, havendo revogação do tratado, fica restabelecida a lei interna para todas as hipóteses[21].
E, analisando a questão sob esse prisma, o tributarista também critica a terminologia utilizada no art. 98 CTN. No entendimento do autor, nem o tratado revoga a lei interna (como visto, trata-se de aplicação compatível, analisada sob a ótica de normas gerais e especiais) e nem a lei interna superveniente deve observar o tratado – na verdade, é o intérprete que, ao examinar a lei interna superveniente, deve observar o tratado, de forma a identificar as normas daquele instrumento de acordo internacional que possam afastar, limitar ou condicionar a aplicação da lei interna, uma vez que essa aplicação deverá ser harmonizada. Assim, quando se fala em modificação da lei interna pelo tratado, segundo o autor, não se deve interpretar como hipótese de revogação parcial, mas sim de aplicação de norma especial, que convive com a norma geral, tanto que também afeta a norma de lei interna posteriormente editada[22].
Neste ponto, Leandro Paulsen segue entendimento semelhante (ressalvando os casos em que os tratados disponham sobre garantias fundamentais dos contribuintes, os quais, segundo o autor, seriam equivalentes às normas constitucionais, nos termos do art. 5º, §§ 2º e 3º da Constituição), também acolhendo a solução da questão pelo critério da especialidade dos tratados:
Desse dispositivo, tiramos que os tratados, mesmo quando disponham de modo distinto do que estabelecem as leis internas, devera?o ser observados. Mas a refere?ncia feita pelo art. 98 a? revogac?a?o legislac?a?o tributa?ria interna e? impro?pria. Quando o tratado estabelec?a tratamento especi?fico para determinados produtos, pai?ses ou blocos, a lei interna geral continua aplica?vel aos demais casos.[23]
Ocorre que, como muito bem destacado por Luciano Amaro, para esta primeira hipótese analisada – conflito aparente entre norma geral (lei interna) e norma especial (tratado) – seria desnecessária a previsão expressa contida no art. 98 do CTN: com efeito, esta mesma solução decorreria da simples aplicação regras gerais de aplicação das leis prevista no art. 2º, § 2º do Código Civil. No entanto, o autor identifica ainda uma segunda hipótese principal que se refere a esta regra do Código Tributário Nacional, advertindo que, ao que lhe parece, foi dela que se buscou cuidar a previsão do art. 98.
Trata-se, pois, a segunda hipótese em análise dos casos em que a norma legal interna conflitar com o preceito anteriormente estabelecido no tratado, de tal forma que o convívio de ambos seja impossível. Segundo Luciano Amaro, na verdade, do que se sabe, a Comissão preparadora do anteprojeto do Código Tributário teria, efetivamente, com a inserção da previsão do art. 98 no CTN, buscado consagrar o primado dos tratados sobre a lei interna, seguindo a jurisprudência do STF sobre o tema, que, à época, havia se firmado no sentido de que os tratados ocupavam posição hierarquicamente superior em relação às leis internas. Assim, segundo o autor, o que se precisa definir, para resolver essa segunda hipótese, é exatamente isso: se o tratado é ou não superior à lei interna.
Luciano Amaro defende que a matéria não deveria ter assento em preceito infraconstitucional, pois a questão da eficácia dos tratados e sua inserção no ordenamento jurídico nacional é de natureza constitucional, não cabendo, pois, ao Código Tributário Nacional resolver se o tratado pode modificar a lei interna ou se a lei interna posterior pode alterar o tratado, nem negar nem afirmar (como parece ter pretendido o art. 98) o primado dos tratados[24]. Cite-se, ademais, a crítica do autor à doutrina de Alberto Xavier que parece reconhecer e legitimar, com fundamento no multicitado art. 98 do CTN e no art. 5º, § 2º da Constituição, o primado dos tratados em matéria tributária:
Alberto Xavier procura resguardar o preceito codificado, qualificando-o como disposição de cunho “declaratório”, o que lhe reconheceria apenas a função de explicitar algo já implícito no ordenamento constitucional. Em seguida, porém, o mesmo autor assevera que o Código Tributário Nacional teria natureza de lei complementar e, por isso, teria hierarquicamente, a força de vedar ao legislador ordinário qualquer desobediência ao tratado.
Se procedente essa anotação estaria resolvido, de lege lata, o tormentoso problema, pelo menos no plano tributário. Todavia, deve-se lembrar que, na época em que veio a lume, o Código Tributário Nacional tinha a forma e a eficácia de lei ordinária federal, de modo que o art. 98 não pode ter sido editado no pressuposto de que ele teria uma estrutura formal superior à de outras leis federais supervenientes; bastaria, pois, que outra lei de igual natureza dispusesse em contrário para que o preceito do Código fosse revogado ou derrogado. Ademais, na época em que editado esse diploma, inexistia a norma do § 2º do art. 5º da Constituição de 1988, em que Alberto Xavier busca apoio.
Parece-nos que o Código Tributário Nacional deixou-se levar, nesse passo, pelo seu didatismo, o mesmo que o fez, em inúmeras situações, sempre com o melhor dos intentos, pôs a força do texto legal a serviço da estruturação teórica do direito tributário.[25]
Por fim, Luciano Amaro relembra que o STF, posteriormente, reviu seu posicionamento acerca do primado dos tratados e reconheceu a possibilidade de lei interna superveniente poder dispor em sentido contrário à norma de tratado (vale ressaltar, no entanto, que o julgado que autor cita como exemplo não trata especificamente de matéria tributária[26]). E finaliza, não reconhecendo, também neste ponto, qualquer valia à previsão do art. 98:
À vista de tudo isso, o art. 98 do Código Tributário Nacional seria inútil, porque, de um lado, lhe faleceria aptidão para impor o primado dos tratados, e, de outro, também lhe seria negada valia para explicitar a necessidade de harmonizar-se a lei interna (como norma geral) com a disciplina do tratado (enquanto norma especial), pois (…) essa harmonização não depende do preceito inscrito naquele dispositivo legal[27].
Luiz Felipe Silveira Difini parece seguir posição um pouco diversa. Segundo o autor, existindo uma norma interna anterior incompatível com o tratado superveniente, há revogação daquela norma, não pelo tratado, mas sim pelo decreto legislativo que o aprova, sob o argumento de que é só com esse ato que o texto do tratado ingressa no direito positivo brasileiro, nos termos do art. 49, I da Constituição. No entanto, o autor destaca que o maior problema acerca dessa discussão, na verdade, é interpretar a parte final do art. 98 do CTN, que determina que os tratados e as convenções internacionais em matéria tributária serão observados pela legislação interna que lhes sobrevenha. Afastando-se da exclusiva interpretação literal, Luiz Felipe Silveira Difini divide a análise acerca da lei interna superveniente incompatível com tratado ou convenção internacional em dois pontos: (i) caso em que a legislação interna discipline a hipótese geral e o tratado cuide da hipótese especial: nessa situação, o autor defende que ambas as normas conviverão, uma disciplinando as hipóteses gerais e a outra a hipótese especial, da mesma forma que convivem lei geral e lei especial sem que uma revogue a outra (aproximando-se, nesse ponto, da análise efetuada por Luciano Amaro); (ii) caso em que a lei interna superveniente disponha de forma contrária ao tratado, não podendo ser compatibilizado com este: nessa hipótese, o autor ressalta que, embora a interpretação literal do art. 98 seja no sentido da concretização do postulado do primado dos tratados, uma vez que era essa a jurisprudência majoritária no STF à época da elaboração do CTN, a própria jurisprudência da Suprema Corte se alterou posteriormente, em especial, a partir do julgamento do RE 80004-SE[28]; admitindo a distinção entre tratados normativos e contratuais e com fundamento nos votos dos ministros Cunha Peixoto e Cordeiro Guerra no julgamento do RE 80004-SE – que, adentrando a análise do art. 98 do CTN ressaltaram que da citada norma não se conclui pela irrevogabilidade do dos tratados por legislação tributária interna que lhe sobrevenha, sob pena de inconstitucionalidade, devendo ser compreendido como limitado aos acordos contratuais de tarifas, durante a vigência destes – conclui:
Com efeito, a jurisprude?ncia vem distinguindo os tratados e convenc?o?es internacionais em normativos e contratuais. Normativos sa?o os que trac?am normas gerais, a ser incorporadas pelas legislac?o?es dos respectivos pai?ses; contratuais sa?o os que criam direitos subjetivos em favor de pessoas determinadas. So? estes u?ltimos (tratados contratuais) na?o podem ser alterados pela legislac?a?o superveniente, por gerar direitos subjetivos. Os tratados normativos, que te?m por objeto a obrigac?a?o dos Estados de incorporar determinadas normas ao seu direito interno, podem ser modificados pela legislac?a?o interna superveniente.[29]
Importa ressaltar que a matéria submetida a julgamento no RE 80004-SE referia-se à aplicação da Convenção de Genebra (Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias) – a discussão acerca da aplicabilidade do art. 98 do CTN foi tratada, de forma incidental, na fundamentação do voto vencedor do ministro Cunha Peixoto, que defendeu o entendimento de que a norma do citado art. 98 só se aplicaria aos denominados tratados-contratos. No entanto, a questão acerca da constitucionalidade do citado artigo do Código Tributário Nacional não foi examinada pelo STF de forma definitiva naquele momento.
Diante de todo o exposto, não há como negar, pois, que a norma insculpida no art. 98 do CTN ainda gera controvérsias perante a doutrina e a jurisprudência, acerca de seu alcance e aplicabilidade – no entanto, até o momento, não houve declaração de sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
Ocorre que a referida norma, que supostamente estipula o primado dos tratados internacionais, foi colocada novamente sob análise do STF, no Recurso Extraordinário 460.320 Paraná[30]. O julgamento ainda não foi concluído; no entanto, em 2011, o ministro relator, Gilmar Mendes, proferiu seu voto, no sentido da supralegalidade dos tratados internacionais em matéria tributária. Passa-se, pela sua importância, a analisar brevemente alguns pontos do citado voto, referentes à matéria aqui analisada.
O ministro Gilmar Mendes, inicialmente, destacou a importância da cooperação internacional no âmbito tributário, especialmente no que se refere à expansão de operações internacionais que impulsionam o desenvolvimento econômico, ao combate da evasão fiscal internacional e ao estreitamento de relações culturais, sociais e políticas entre as nações. Ressaltou que os tratados internacionais em matéria tributária tocam em pontos sensíveis da soberania do Estado, tendo em vista a consolidação da tributação como forma mais importante de financiamento estatal – desta forma, ao celebrarem tratados internacionais em matéria tributária, o Estados concordam em limitar o exercício de sua competência originária de tributar, abrindo mão, ao menos inicialmente, de receita tributária, com vistas a atingir determinados fins, como o desenvolvimento das atividades transnacionais. Em virtude disso, esses acordos demandam um extenso e cuidadoso processo de negociação para se conciliar interesses e concluir um instrumento que atinja os objetivos de cada Estado, com o menor custo possível para sua respectiva receita tributária. De acordo com o ministro Gilmar Mendes, essa complexa cooperação internacional é garantida essencialmente pelo pacta sunt servanda.
Assim, prosseguiu, tanto quanto possível, o Estado Constitucional Cooperativo demanda a manutenção da boa-fé e da segurança dos compromissos internacionais, mesmo em face da legislação infraconstitucional, já que seu descumprimento coloca em risco os benefícios da cooperação cuidadosamente articulada no plano internacional.
Além disso, o ministro Gilmar Mendes argumentou que a tese da legalidade ordinária – que permitiria ao Estado brasileiro o descumprimento unilateral do acordo internacional – contraria a previsão do art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, segundo o qual “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.
E concluiu:
Portanto, parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação de normas internacionais tributárias por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive no âmbito estadual e municipal, está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário internacional e, sem sombra de dúvidas, precisa ser refutada por esta Corte.
(…)
Dessa forma, à luz dos atuais elementos de integração e abertura do Estado à cooperação internacional, tutelados no texto constitucional, o entendimento que privilegie a boa-fé e a segurança dos pactos internacionais revela-se mais fiel à Carta Magna.
No mínimo, a Constituição Federal permite que norma geral, também recebida como lei complementar por regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, II e III, da CF/1988), garanta estabilidade dos tratados internacionais em matéria tributária, em detrimento de legislação infraconstitucional interna superveniente, a teor do art. 98 do CTN.
(…)
Igualmente, não se justifica a restrição da cooperação internacional pela República Federativa do Brasil, resguardada no art. 4º, IX, da Carta Magna, em razão de regramentos típicos do âmbito interno, aplicados analogicamente, como reservas de iniciativa, distribuição de competências internas, ritos e procedimentos legislativos.
Os acordos internacionais, de forma geral e na medida em que atendidos seus específicos requisitos constitucionais, respeitam, a princípio, a separação de Poderes, a autonomia dos entes federativos e o princípio da legalidade. Na espécie, inexiste qualquer elemento concreto que enseje violação aos arts. 2º, 5º, II e § 2º, da Constituição Federal, seja por parte do acordo contra a bitributação entre Brasil e Suécia, seja por parte do entendimento esposado pelo acórdão do STJ.
(…)
Dessa forma, conclui-se que, na espécie: (…) (ii) o art. 98 do CTN foi recepcionado pela Constituição Federal e sua subsunção, na espécie, não ofende aos arts. 2º, 5º, II e § 2º, 49, I, 84, VIII, da Constituição Federal;[31]
5 CONCLUSÃO
Verifica-se, de todo o exposto, que não é pacífica a posição hierárquica que os tratados internacionais ocupam no ordenamento jurídico brasileiro. Conforme se demonstrou, ao menos para um grupo de acordos específicos já há entendimento dominante: nos termos do julgamento do Recurso Extraordinário 466.343/SP, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as convenções internacionais de direitos humanos (não aprovadas segundo o trâmite específico do art. 5º, § 3º da Constituição) têm status supralegal, posicionando-se hierarquicamente abaixo da Constituição, mas acima das normas infraconstitucionais.
No entanto, em relação aos tratados internacionais que versem sobre matéria tributária (e não tratem de direitos fundamentais do contribuintes), a matéria ainda levanta dúvidas – verificou-se que há na doutrina os que defendem a paridade entre tratados e normas internas (de forma que a norma posterior sempre revoga a anterior naquilo em que são incompatíveis), os que defendem que as disposições de um tratado só podem ser revogadas por lei complementar posterior, e os que defendem o postulado do primado dos tratados.
Ao que parece, a questão só será pacificada com a finalização, pelo STF, do julgamento do Recurso Extraordinário 460.320-Paraná, que, muito provavelmente, abordará de forma específica a aplicabilidade e o alcance da norma prevista no art. 98 do Código Tributário Nacional.
Como adiantado, após pedido de vista do ministro Dias Toffoli, o processo foi devolvido para julgamento da Suprema Corte em março de 2014, mas teve seu julgamento adiado em setembro do mesmo ano. Assim, por enquanto, sobre o tema, há apenas o voto do ministro Gilmar Mendes, relator do julgamento.
Como demonstrado, o ministro afirmou que os tratados internacionais que versam sobre matéria tributária ocupam posição própria – supralegal – no ordenamento jurídico brasileiro. Na decisão, o ministro enfatizou a dificuldade de se obter acordo internacional na matéria (o que demanda amplo processo de negociação que busca conciliar interesses e elaborar um instrumento apto a atingir os objetivos de cada um dos Estados contratantes) e que esta cooperação é garantida de forma principal pelo pacta sunt servanda, de forma que reconhecer a hierarquia supralegal dos tratados internacionais em matéria tributária seria o único entendimento capaz de satisfazer as exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário internacional. Defendeu ainda que o tratado internacional não tem e não necessita ter status paritátrio com lei ordinária ou lei complementar, pois tem assento próprio na Constituição, com requisitos materiais e formais próprios. E concluiu que – à luz dos atuais elementos de integração e abertura do Estado à cooperação internacional tutelados no texto constitucional – reconhecer o status supralegal dos tratados em matéria tributária é entendimento que privilegia a boa-fé e a segurança dos pactos internacionais e se revela mais fiel à Carta Magna.
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PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
[1] DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 150.
[2] Ressalte-se que o Brasil adotou reserva aos artigos 25 e 66 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Acerca das citadas reservas, anote-se a análise realizada por AMIN, Aleph Hassan Costa e COSTA, Marcela Ferreira (A promulgação da convenção de Viena sobre direito dos tratados pelo Brasil e suas implicações no direito interno. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza – CE, nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Disponível em <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/4068.pdf>. Acesso 12 set 2014): (i) o art. 25 prevê as regras de aplicação provisória de um tratado, quando este o dispuser ou se os Estados negociadores assim acordarem de outra forma (por exemplo, por protocolo ou qualquer outro texto não incorporado ao tratado), sendo que a ressalva a este mecanismo pelo Estado brasileiro se fundamenta em incompatibilidade com os art. 49, I e 84, VIII da Constituição Federal, que impõem que todos os tratados celebrados pelo Presidente da República devam ser submetidos à apreciação do Congresso Nacional; os autores destacam ainda que há críticas por parte da doutrina quanto a esta ressalva, uma vez que o fato de caber ao Congresso Nacional referendar os os tratados assinados pelo Presidente da República não afastaria, per se, a possibilidade de aplicação provisória destes acordos; e (ii) o art. 66 atribui competência obrigatória da Corte Internacional de Justiça para se manifestar, quando provocado, para aplicação ou interpretação dos art. 53 e 64, ou seja, quando houver conflitos ou superveniência de norma imperativa de direito internacional geral, casos em que decidirá se o tratado submetido a questionamento é contrário a essa norma – a ressalva brasileira ao procedimento previsto no art. 66 ocorre em razão da não concordância com esta submissão à Corte e do fato de o Brasil não estar vinculado à “cláusula facultativa de jurisdição obrigatória” (prevista no art. 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça) - que permite que o país só se submeta a um julgamento internacional caso concorde - o que vai de encontro com a previsão do art. 66 da Convenção de Viena.
[3] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
[4] Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
[5] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; (…) VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
[6] Cite-se posicionamento do Supremo Tribunal Federal na ADI 1.480-MC, segundo o qual o instrumento internacional só adquire eficácia interna quando completa todo o trajeto descrito, não cabendo no ordenamento jurídico o princípio do efeito direto (ADI 1.480-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-9-1997, Plenário, DJ de 18-5-2001).
[7] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (…) III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: (…) b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
[8] GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Tributação Internacional e nova ordem mundial. Disponível em: <http://www.arnaldogodoy.adv.br/publica/tributacao_internacional_e_a_nova_ordem_mundial.html>, p. 15. Acesso em 18 set. 2014.
[9] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 206.
[10] DELLOVA, Adriana Souza. A dúvida do Supremo Tribunal Federal na adoção das teorias monista ou dualista frente à globalização. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 78, 01/07/2010. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8082>. Acesso em 19 set. 2014. No entanto, importante anotar que, no caso de tratados em matéria tributária, a análise é feita de forma peculiar, em razão do disposto no art. 98 do Código Tributário Nacional Brasileiro, conforme será analisado logo adiante.
[11] Durante muito tempo, a jurisprudência pátria seguiu no sentido da primazia do direito internacional sobre o direito interno, posicionamento que foi modificado em 1977, no julgamento do Recurso Extraordinário 80.004/SE (Rel. p/ o acórdão Min. Cunha Peixoto, Pleno, DJ 29.12.1977), em que se admitiu a possibilidade de afastamento das normas insculpidas nos tratados por normas internas posteriores. O citado julgamento possui a seguinte ementa: “Convenção de Genebra, Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias - Aval aposto a nota promissória não registrada no prazo legal - Impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do Decreto-Lei nº 427, de 22.01.1969. Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do país, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Dec-Lei nº 427/69, que institui o registro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 80004, Relator(a): Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/1977, DJ 29-12-1977 PP-09433 EMENT VOL-01083-04 PP-00915 RTJ VOL-00083-03 PP-00809)
[12] Veja-se, a título de exemplo: “No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26-6-991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.” (HC 97.256, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 1º-9-2010, Plenário, DJE de 16-12-2010.); “(...) após o advento da EC 45/2004, consoante redação dada ao § 3º do art. 5º da CF, passou-se a atribuir às convenções internacionais sobre direitos humanos hierarquia constitucional (...). Desse modo, a Corte deve evoluir do entendimento então prevalecente (...) para reconhecer a hierarquia constitucional da Convenção. (...) Se bem é verdade que existe uma garantia ao duplo grau de jurisdição, por força do pacto de São José, também é fato que tal garantia não é absoluta e encontra exceções na própria Carta.” (AI 601.832-AgR, voto do Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-3-2009, Segunda Turma, DJE de 3-4-2009.)
[13] Ressalte-se, acerca dos Tratados sobre Direitos Humanos, a inserção do § 3° no art. 5° da Constituição (“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”) que, embora não tenha adotado a teoria da equivalência imediata com as normas constitucionais, abriu a possibilidade dessa equiparação, caso o Tratado sobre Direitos Humanos seja aprovado nos termos previstos naquela norma.
[14] Veja-se ementa do julgamento do HC 72131, realizado em 1995, que demonstra a posição anterior da Suprema Corte sobre o tema: “Habeas corpus. Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil do devedor como depositário infiel. - Sendo o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização, sua prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra na ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988. - Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no § 7º do artigo 7º da Convenção de San José da Costa Rica. Habeas corpus indeferido, cassada a liminar concedida.” (HC 72131, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/1995, DJ 01-08-2003 PP-00103 EMENT VOL-02117-40 PP-08650)
[15] Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
[16] Registre-se, a respeito, a crítica de Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 111 e 112): “Insere o legislador, no mesmo quadro, indiscriminadamente, atos normativos inaugurais, como as leis, ao lado dos tratados e convenc?o?es internacionais, que valem na ordem juri?dica interna se e somente se acolhidos no conteu?do de decreto legislativo, como tivemos oportunidade de ver. Coloca, ombro a ombro, instrumentos introduto?rios prima?rios com entidades que na?o podem ser tidas sequer como instrumentos prima?rios de introduc?a?o de regras tributa?rias. E, como se na?o bastasse, faz refere?ncia expressa a?s normas complementares e, dentro delas, a?s pra?ticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e aos conve?nios que entre si celebram a Unia?o, os Estados, o Distrito Federal e os Munici?pios. Em homenagem ao mi?nimo de rigor e coere?ncia que o sistema deve apresentar, na?o nos parece correta a formulac?a?o esquematizada nesse Estatuto. Tirante as leis, os decretos e, entre as normas complementares, os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas e as deciso?es dos o?rga?os singulares ou coletivos de jurisdic?a?o administrativa a que a lei atribua efica?cia normativa (art. 100, I e II), que sa?o instrumentos introduto?rios, prima?rios ou secunda?rios, no ordenamento positivo brasileiro, todos os outros, tratados e convenc?o?es internacionais, bem como as pra?ticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e os conve?nios que entre si celebrem a Unia?o, os Estados, o Distrito Federal e os Munici?pios, esses u?ltimos na qualidade de normas complementares, sa?o vazios de forc?a juri?dica vinculante, na?o integrando o complexo normativo.”
[17] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 112.
[18] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31ª ed. São Paulo, Malheiros, 2011, p. 92.
[19] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31ª ed. São Paulo, Malheiros, 2011, p. 93.
[20] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 203.
[21] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 204
[22] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 205.
[23] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 85.
[24] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 206.
[25] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 206 e 207.
[26] O precedente citado pelo autor trata da Extradição nº 662-2, da relatoria do Min. Celso de Mello. Sobre o tema, extra-se da ementa do acórdão: PARIDADE NORMATIVA ENTRE LEIS ORDINÁRIAS BRASILEIRAS E TRATADOS INTERNACIONAIS - Tratados e convenções internacionais - tendo-se presente o sistema jurídico existente no Brasil (RTJ 83/809) - guardam estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado brasileiro. A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico brasileiro, permite situar esses atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas do Brasil. A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito interno brasileiro somente ocorrerá - presente o contexto de eventual situação de antinomia com o ordenamento doméstico -, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade. (Ext 662, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 28/11/1996, DJ 30-05-1997 PP-23176 EMENT VOL-01871-01 PP-00015)
[27] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208.
[28] DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 150 a 152.
[29] DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 152.
[30] O caso concreto trata de controvérsia acerca da obrigatoriedade ou não de pagamento de imposto de renda incidentes sobre o lucro e dividendos da empresa Volvo, distribuídos a sócios residentes ou domiciliados no exterior quanto ao ano-base de 1993, considerando a convenção contra bitributação firmada entre Brasil e Suécia
[31] Voto do Ministro Gilmar Mendes proferido na decisão do Recurso Extraordinário 460.320-Paraná. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/re460320gm.pdf> Acesso 30 set 2014. Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, o julgamento foi suspenso, em virtude do pedido de vista do Ministro Dias Toffoli. Em março de 2014, o processo foi devolvido para julgamento, o qual, no entanto, foi adiado em setembro de 2014 – esta foi a última movimentação do citado Recurso Extraordinário até a finalização deste artigo.
Procuradora Federal; Procuradora-Chefe substituta da Divisão de Assuntos Disciplinares da PGF. Mestra em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal. Doutoranda em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GONTIJO, Danielly Cristina Araújo. Posição hierárquica dos tratados internacionais em matéria tributária em face da lei interna brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42449/posicao-hierarquica-dos-tratados-internacionais-em-materia-tributaria-em-face-da-lei-interna-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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