RESUMO: Esse é mais um caso comum no dia-a-dia da Administração pública: a competência disciplinar em relação aos servidores e empregados públicos cedidos.Com efeito, a complexa relação de serviço e trabalho público ainda conta com essa peculiar situação, em que, por vezes, os fatos sob mira disciplinar foram praticados por servidores e empregados públicos cedidos. A competência para julgar está relacionada com o princípio da hierarquia. A análise do tema teve por base doutrina especializada e orientações da Advocacia-Geral da União e da Controladoria-Geral da União.
Palavras-chaves: Direito Administrativo. Competência Disciplinar. Servidores e empregados públicos cedidos. Princípio da Hierarquia.
I. INTRODUÇÃO – UMA ANÁLISE PRELIMINAR
Nos Processos de Sindicância Investigatória ou Administrativo Disciplinares faz-se mister a informação acerca da condição funcional do “investigado”[i], eis que pode ser prejudicial à análise de mérito.
Isso porque, sendo um servidor público ouempregado público cedido, haverá consequências à continuidade do processo em sede disciplinar.
A apuração de eventual irregularidade administrativa, nesse caso, será legítima se realizada pelo órgão cessionário?
Será que os empregados públicos podem também sofrer processo de natureza disciplinar perante o cessionário, nos termos previstos no Estatuto jurídico do servidor público federal?
Essas perguntas são as que se pretende responder nesse breve estudo.
II. SERVIDOR CEDIDO. COMPETÊNCIA DA INSTITUIÇÃO/ÓRGÃO CEDENTE.
Uma das consequências da cessão de servidor é a incompetência do órgão ou entidade pública cessionária para julgar e eventualmente aplicar sançõesem razão do princípio da hierarquia, pois em se tratando de servidor cedido o julgamento e aplicação de eventual penalidade, por serem considerados “ato único”, são de competência da autoridade hierarquicamente superior, ou seja, da instituição/órgão cedente, conforme orientações da Advocacia Geral da União, que seguem abaixo:
Nota-Decor/CGU/AGU nº 16/2008-NMS: “35. Por fim, cabe esclarecer que o julgamento e aplicação da sanção são um único ato, que se materializa com a edição de despacho, portaria ou decreto, proferidos pela autoridade competente, devidamente publicado para os efeitos legais, conforme se dessume do disposto dos artigos 141, 166 e 167 do RJU.” (Não grifado no original)
Despacho-Decor/CGU/AGU nº 10/2008-JD: “10. De toda sorte, a competência para julgar processo administrativo disciplinar envolvendo servidor cedido a outro órgão ou instituição só pode ser da autoridade a que esse servidor esteja subordinado em razão do cargo efetivo que ocupa, ou seja, da autoridade competente no âmbito do órgão ou instituição cedente.
11. Essa competência decorre do princípio da hierarquia que rege a Administração Pública, em razão do qual não se pode admitir que o servidor efetivo, integrante do quadro funcional de um órgão ou instituição, seja julgado por autoridade de outro órgão ou instituição a que esteja apenas temporariamente cedido.
12. É fato que o processo administrativo disciplinar é instaurado no âmbito do órgão ou instituição em que tenha sido praticado o ato antijurídico. Entretanto, tão logo concluído o relatório da comissão processante, deve-se encaminhá-lo ao titular do órgão ou instituição cedente para julgamento.” (Não grifado no original)
Despacho do Consultor-Geral da União nº 143/2008: “2. Estou de acordo com a NOTA/DECOR/CGU/AGU Nº 016/2008-NMS (...) e com o despacho posterior [Despacho Decor/CGU/AGU Nº 010/2008-JD] que a aprovou, que inclusive, revê posicionamento anterior, no sentido de que cabe ao titular do órgão cedente a competência para julgamento e imposição de penalidade a servidor cedido, cujo cargo efetivo seja vinculado ao órgão cedente.” (Não grifado no original)
No mesmo sentido são as orientações da Controladoria Geral da União:
“Assim, a Advocacia-Geral da União, em Despacho do Advogado-Geral da União, de 09/05/06, aprovou a Nota-Decor/CGU/AGU nº 16/2008-NMS, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 143/2008, firmando entendimento, primeiramente, de que o julgamento e a eventual aplicação da pena são um único ato e, portanto, indissociáveis; e, nessa linha, concluiu que, em razão do princípio da hierarquia e do fato de as repercussões do processo administrativo disciplinar se materializarem sobre o cargo efetivo do servidor, em caso de servidor que comete infração em órgão para o qual está cedido, a competência de julgar e de aplicar a pena é da autoridade competente para tal no órgão cedente, onde mantém seu cargo efetivo (e independentemente de onde o infrator exerça seu cargo ao tempo do processo e do julgamento, ou seja, mesmo que ele ainda esteja em exercício no órgão de destino).
(...)
“Ressalte-se que a competência para julgar processo disciplinar que apurou infrações de servidores que exerçam função comissionada em outro Ministério é da autoridade a que se acham subordinados. Nesses casos, o poder disciplinar da autoridade administrativa se desloca para a alçada das atribuições do chefe da repartição onde são lotados os titulares desses cargos em comissão.
Erroneamente tem-se pretendido aplicar a esses casos a Formulação nº 180 do Dasp (...).” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 265, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005.
Embora, a rigor, o posicionamento da Advocacia-Geral da União tenha decorrido de caso concreto de cessão, considerando as duas principais bases de argumentação (o princípio da hierarquia e o fato de que as repercussões disciplinares se fazem sentir no cargo efetivo), tem-se que esse entendimento também se aplica para casos similares ao que fora objeto da Formulação-Dasp nº 180, ou seja, em que o infrator comete o ilícito em outro órgão no qual não está sequer temporariamente a serviço ou em exercício e não mantém nenhuma relação jurídico-administrativa, entendendo-se que aquela Formulação, ao expressar o deslocamento da aplicação da pena, faz deslocar também o indissociável julgamento”[ii]. (Não grifado no original)
Desse modo, é certo que no caso de tratar-se de servidor cedido, a competência para julgar e aplicar eventual penalidade é da instituição cedente.
Entretanto, ainda há mais uma implicação quanto ao fato de o cedido ser empregado público.
IV. DA ABRANGÊNCIA SUBJETIVA NO PROCESSO DISCIPLINAR. EMPREGADO PÚBLICO. REGIME CELETISTA. INAPLICABILIDADE.
Sendo Empresa Pública, o regime jurídico que rege as relações de seus empregados públicos é o da CLT, distinguindo-se daquele próprio dos servidores públicos, ocupantes de cargos públicos, caso em que na esfera federal é o regime estatutário regido pela Lei nº 8.112/1990.
“...a expressão emprego público passou a ser utilizada, paralelamente a cargo público, também para designar uma unidade de atribuições, distinguindo-se uma da outra pelo tipo de vínculo que liga o servidor ao Estado; o ocupante de emprego público tem um vínculo contratual, sob a regência da CLT, enquanto o ocupante do cargo público tem um vínculo estatutário, regido pelo Estatuto dos Funcionários Públicos que, na União, está contido na lei que instituiu o regime jurídico único ( Lei nº 8.112/90)”[iii].
Aos empregados públicos federais não se aplica o regime jurídico da Lei nº 8.112/1990 e, consequentemente, inaplicável o Processo Administrativo Disciplinar ou Processo de Sindicância Acusatória.
Isso não quer dizer, que havendo indícios de eventual falta funcional a Administração deva quedar-se inerte.
Mas, há regras legais que devem ser observadas, sob pena de nulidade.
Com efeito, a investigação preliminar pode e deve ser feita no local onde ocorreu o sinistro, de modo a privilegiar a busca da verdade material.
Entretanto, tratando-se de empregado público, processo administrativo disciplinar ou processo de sindicância acusatória (art. 143 e ss, da Lei nº 8.112/1990), não deve ser instaurado. O que será realizado dependerá das regras disciplinares que norteiam aquela relação contratual.
A autoridade competente para admitir a deflagração de algum procedimento disciplinar, com base em regras próprias que norteiam as relações de emprego da instituição é a empresa pública que irá decidir definitivamente a respeito.
Veja-se o que se extrai da Cartilha sobre Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-Geral da União a respeito do tema:
“Assim, nas empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações privadas os empregados públicos são contratados sob regime da CLT. A rescisão desses contratos, embora se revista de mero ato unilateral da administração, deve ser motivada e precedida de procedimento administrativo (que não se confunde com o processo administrativo disciplinar, previsto na Lei nº 8.112, de 11/12/90, apenas para servidores estatutários), com garantias ao empregado de participação na produção de provas, ampla defesa e julgamento impessoal.
“Os empregados públicos são todos os titulares de emprego público (não de cargo público) da Administração direta e indireta, sujeitos ao regime jurídico da CLT; daí serem chamados também de ‘celetistas’. Não ocupando cargo público e sendo celetistas, não têm condição de adquirir a estabilidade constitucional (CF, art. 41), nem podem ser submetidos ao regime de previdência peculiar, como os titulares de cargo efetivo e os agentes políticos, sendo obrigatoriamente enquadrados no regime geral de previdência social, a exemplo dos titulares de cargo em comissão ou temporário.”, Hely Lopes Meirelles, “Direito Administrativo Brasileiro”, pg. 384, Malheiros Editores, 26ª edição, 2001
“Os servidores das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações privadas regem-se pela legislação trabalhista. Para as empresas que exercem atividade econômica, esse regime é imposto pelo artigo 173, § 1º, da Constituição. Para os demais, não é obrigatório, mas é o que se adota por meio das leis ordinárias, por ser o mais compatível com o regime de direito privado a que se submetem.”, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “Direito Administrativo”, pg. 449, Editora Atlas, 19ª edição, 2006
Mas, além da relação celetista de trabalho calcada na Lei nº 9.962, de 22/02/00, há três outras formas de o empregado público manter vínculo laboral com a administração pública direta ou com as autarquias ou fundações públicas de direito público. Uma vez que estas parcelas da administração possuem corpos funcionais que se submetem à Lei nº 8.112, de 11/12/90, necessário de faz analisar detidamente as hipóteses em que a relação laboral daquele empregado público passa a ser regida pelo Estatuto e as hipóteses em que se mantém apenas a relação celetista de trabalho, já que isto significa distintas repercussões em termos de responsabilização administrativa.
Na primeira forma, por meio da requisição prevista no art. 93, I e § 5° da Lei nº 8.112, de 11/12/90, o empregado público é requisitado de seu órgão ou entidade de origem (que pode ser da administração pública tanto direta quanto indireta) para ocupar cargo em comissão. Portanto, na acepção do art. 2° da citada Lei, é considerado servidor público federal, ocupante de cargo em comissão. E, como tal, envolvendo-se este empregado público em irregularidade no exercício de sua função pública, submete-se a todo o rito regular do processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112, de 11/12/90. Se o julgamento decidir pela responsabilização do empregado público, após a aplicação da pena prevista na Lei nº 8.112, de 11/12/90 (advertência, suspensão ou destituição do cargo em comissão), se for o caso, cópia reprográfica dos autos deve ser remetida a seu órgão ou entidade de origem, para as providências de sua competência, de acordo com a legislação trabalhista. Não obstante, ressalte-se que a decisão sobre o encerramento da requisição é ato de gestão assentado sobre conveniência e oportunidade do órgão requisitante e não fica condicionada ao encerramento nem do processo administrativo disciplinar e muito menos do procedimento porventura instaurado no órgão ou entidade de origem do empregado público”. (Não grifado no original)
Não parece ser esse o caso, pois não há registro de que o “investigado” seja detentor de cargo em comissão.
Mas, continuando na análise das situações:
“Na segunda forma, com fundamento em lei ou medida provisória específica, o empregado público é requisitado de entidade da administração pública indireta que presta regularmente serviços à administração pública direta, autarquias ou fundações públicas de direito público, nos termos do art. 93, II e § 6º da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Neste caso, o empregado público não é considerado servidor, mantendo tão-somente sua relação contratual de trabalho com sua entidade de origem, relação esta que pode ser motivadamente rescindida após o procedimento administrativo previsto na legislação trabalhista (que não se confunde com o processo administrativo disciplinar, previsto na Lei nº 8.112, de 11/12/90, apenas para servidores estatutários), com garantias de participação na produção de provas, ampla defesa e julgamento impessoal. Não obstante, da mesma forma como na primeira hipótese, a decisão sobre o encerramento da requisição é ato de gestão assentado sobre conveniência e oportunidade do órgão requisitante, não se condicionando ao encerramento do procedimento porventura instaurado na entidade de origem do empregado público”.
Esse, s.m.j., é o caso sob estudo.
Há ainda uma terceira forma, mas que evidentemente não encaixa no caso dos autos, mas que aqui se expõe a título de esclarecimento:
“A terceira forma também engloba o empregado público de entidade da administração pública indireta que presta regularmente serviços à administração pública direta, autarquias ou fundações públicas de direito público mas que, diferentemente da segunda forma acima, exerce suas atribuições nas dependências do órgão contratante tão-somente em virtude deste contrato de prestação de serviços celebrado pelas duas pessoas jurídicas, sem ter sido pessoalmente requisitado por força de lei ou de medida provisória específica. Diante das carências de pessoal e de outras limitações de natureza prática e operacional, o prolongamento desta situação no tempo propicia a ocorrência de um desvio - que, embora não incomum, deva ser evitado, pois é ilegal – em que o empregado público, apesar de jamais se confundir com o quadro funcional do órgão contratante, passa a realizar as atividades próprias dos servidores daquele quadro. Se nem para os empregados públicos requisitados por força de lei ou de medida provisória específica se aplica o processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112, de 11/12/90, muito menos se cogita de tal extensão para os empregados públicos que apenas prestam serviço no âmbito da administração pública direta ou de autarquias ou fundações públicas de direito público e que porventura venham a se envolver em cometimento de irregularidades executando as atividades imanentes do órgão, cabendo-lhes apenas a legislação trabalhista diante de seu empregador”. (Não grifado no original)
Ou seja, nos mesmos termos dahipótese“segunda”,acima abordada, o poder disciplinar recai sobre o empregador público e será aplicado conforme previsto na CLT e não de acordo com o regime estatutário, nesse sentido:
“...o ato ilícito é praticado por empregado público, que não mantém relação estatutária com a administração direta (ou com autarquias ou fundações públicas de direito público), o poder disciplinar recai sobre o empregador, à luz da legislação trabalhista que rege o contrato de trabalho. O poder punitivo sobre o empregado público celetista somente pode ser exercido, motivadamente, pela entidade empregadora, nos moldes previstos na CLT, onde deverão ser respeitadas as máximas constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e outras garantias fundamentais da pessoa aplicáveis à matéria. Não há então que se falar em aplicação, por parte do órgão requisitante ou contratante, do regime disciplinar previsto nos arts. 116 a 142 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, contra o empregado público celetista”[iv]. (Não grifado no original)
Desse modo não há falar em apuração em sede de Processo Administrativo Disciplinar ou Processo de Sindicância Acusatória no órgão cessionário, nesse caso do órgão ou entidade pública cessionário, por falta de embasamento legal. Continua a lição da Controladoria Geral da União:
“E, na esteira, uma vez que a parte adjetiva não sobrevive por si só, sendo sim instrumentalização da aplicação do direito material, a apuração deve transcorrer onde se aplica o regime sancionador, não havendo tampouco que se cogitar sequer de instauração de processo administrativo disciplinar imposto nos arts. 143 a 182 da Lei n° 8.112, de 11/12/90, parte do órgão onde ocorreu o ilícito.
(...)
Entretanto, ainda que não exista base legal que recomende e muito menos que obrigue a aplicação do rito do processo administrativo disciplinar para apurar as irregularidades cometidas por empregados celetistas, deve-se ter presente que a apenação destes (sobretudo a dispensa) é um ato administrativo e, como tal, deverá ser motivado (mas, por outro lado, como ato administrativo, goza de presunção de legitimidade, devendo então a ausência de motivação ser comprovada), conforme entendimento da Advocacia-Geral da União.
(...)
Nesse rumo, que não se confunda a específica matéria estatutária do regime e do rito administrativo disciplinar com o fato de que, no âmbito das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado, as leis de criação ou os regulamentos e regimentos internos da entidade estabelecem o rito e o regime disciplinar próprio de seus empregados, elencando as penas cabíveis e as autoridades competentes para motivadamente aplicá-las. Tais atos de sanção de forma alguma se inserem na matéria do processo administrativo disciplinar, pois sequer são revestidos de atividade da administração pública direta, significando tão-somente mera gestão privada de recursos humanos, conforme prevê o art. 173, § 1º, II da CF”.
Entretanto, não há óbice à realização de investigação preliminar para análise de admissibilidade de procedimento disciplinar posterior a ser empreendida pela instituição cedente, bem como para que a autoridade gestora do contrato de requisição decida sobre a conveniência e oportunidade de manter ou não o empregado cedido ou devolvê-lo à empresa, nesse sentido:
“Não obstante, em ato de mera discricionariedade da autoridade com competência correcional, a seu exclusivo critério de oportunidade e conveniência, pode-se conceder ao empregado celetista requisitado ou prestador de serviço um procedimento de mínima investigação inquisitorial, análogo ao que se faria em sede de admissibilidade se se tratasse de servidor estatutário, conforme já exposto em 2.3. Neste caso, restando de plano comprovada a inocência do empregado celetista ou por qualquer outra forma se demonstrando previamente a inviabilidade de responsabilizá-lo, pode a estrutura correcional adotar a decisão de arquivar liminarmente a denúncia ou representação.
Por outro lado, tendo a investigação preliminar apontado a plausibilidade do ato infracional cometido pelo empregado celetista, deve a autoridade correcional encaminhar cópia das conclusões das investigações à entidade de origem, para as providências ao alcance do empregador, cabíveis na legislação trabalhista, e também à autoridade gestora do contrato de requisição ou de prestação de serviço, a fim de que esta autoridade, em mero ato de gestão, avalie a conveniência e a oportunidade de manter o empregado ou de, liminarmente, devolvê-lo à empresa. Essa avaliação discricionária é reciprocamente independente das repercussões porventura previstas nas legislações trabalhista e até mesmo penal, se for o caso.
Isto porque, por óbvio, não obstante as conclusões acima acerca da incompetência do sistema correcional do órgão da administração pública direta para instaurar processo administrativo disciplinar contra empregado celetista e sobretudo para julgá-lo e, se for o caso, para puni-lo, bem como as já mencionadas repercussões previstas na legislação trabalhista ao alcance do empregador, não aproveita o empregado celetista de vácuo legislativo que lhe concedesse a absurda condição de se ver imune a autônomos regramentos que sancionam condutas graves cometidas por agentes públicos. A mero título de exemplo, cite-se a hipótese de a conduta perpetrada pelo empregado celetista se amoldar a algum dos enquadramentos da Lei nº 8.429, de 02/06/92, que define atos de improbidade administrativa e que prevê sérias repercussões, tais como reparação de dano ao erário, aplicação de multa, decretação de perda de bens e de perda da função pública, dentre outras”.
V. CONCLUSÃO
Diante de tudo que fora exposto, concluímos que, em razão de investigado ser empregado público cedido, a realização de investigação preliminar pelo órgão cessionário embora regular, não legitima a instauração de “Procedimento Administrativo Disciplinar” ou de um “Processo de Sindicância Acusatória”, nos termos do art. 153 e ss, da Lei nº 8.112/1990, para apuração de ato ilícito, julgamento e eventual aplicação de penalidade.
Pois, além do princípio da hierarquia que orienta o poder correcional em razão da lotação do cargo efetivo que afasta do órgão cessionário a possibilidade de julgar e aplicar eventual penalidade, há agravante de ser o “investigado” um empregado público, cujas regras da Lei 8.112/1990, não se aplicam, não havendo amparo legal para instauração de PAD, devendo então ser considerado nulo.
Nesses casos, não há outra solução senão a anulação do Processo de Sindicância Apuratóriaou do Processo Administrativo Disciplinar que fora instaurado pelo órgão ou entidade pública cessionária, que teve a finalidade de apurar as supostas irregularidades administrativas, nos termos do art. 53, da Lei nº 9.784/1999. Mantendo-se hígidos todos os atos da investigação preliminar.
Também, torna-se de suma importância a remessa de cópia dos documentos referentes à sindicância investigativa à empregadora pública do servidor cedido, oficiando a respeito dos fatos ocorridos para, se assim entender, apurar responsabilidade, julgar e aplicar eventual penalidade ao empregado público em decorrência da hierarquia sobre seu cargo público, requerendo resposta sobre a existência de normatização legal que estabeleça procedimentos autoexecutórios, como por exemplo o desconto em folha de pagamento referente ao valor do prejuízo, se assim concordar o empregado público (art. 462, §1º, da CLT), de modo a inibir eventual ação judicial de indenização por danos morais;
Por fim, também deverá ser realizada a remessa de cópia dos documentos referentes à sindicância investigativaàautoridade gestora do contrato de requisição, para que avalie a conveniência e a oportunidade de manter o empregado ou de, liminarmente, devolvê-lo à empresa pública cedente[v].
NOTAS
[i] Não será caracterizado como “indiciado” pelas razões que serão expostas adiante.
[ii] CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) – Formação de Membros de Comissões. Apostila de Texto. Maio de 2011. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Apostila%20de%20Texto%20CGU.pdf . Acesso em 02 de setembro de 2014.
[iii] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Ed. 24. São PAULO: Atlas, 2012, p. 534.
[iv] Controladoria Geral da União, op cit.
[v] Controladoria Geral da União, op cit.
BIBLIOGRAFIA
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Ed. 24. São PAULO: Atlas, 2012.
UNIÃO, Advocacia Geral da União. Nota-Decor/CGU/AGU nº 16/2008-NMS.
UNIÃO, Controladoria Geral da União. Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) – Formação de Membros de Comissões. Apostila de Texto. Maio de 2011. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Apostila%20de%20Texto%20CGU.pdf
Advogada da União lotada na Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Pesca e Aquicultura. Pós-graduada em Direito Processual Civil, Direito Tributário e Direito Empresarial. <br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KAWAKAMI, Soraya. Da competência para processar e julgar empregado público cedido Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42453/da-competencia-para-processar-e-julgar-empregado-publico-cedido. Acesso em: 23 dez 2024.
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