Os créditos de titularidade do Estado podem ser cobrados administrativa ou judicialmente. No segundo caso, várias são as possibilidades: ação ordinária de cobrança, ação de conhecimento que objetive constituir título executivo judicial ou, ainda, a hipótese mais utilizada, o manejo de execução fiscal, cabível para os casos em que o crédito foi inscrito em Dívida Ativa, que se consubstancia no conjunto de débitos de determinadas pessoas física e jurídicas com a Fazenda Pública, pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, suas autarquias e fundações).
Sobre a Fazenda Pública, valiosos os ensinamentos de Leonardo Carneiro da Cunha (2012, páginas 15-18):
“A expressão Fazenda Pública identifica-se tradicionalmente como a área da Administração Pública que trata da gestão de finanças, bem como da fixação e implementação de políticas econômicas. Em outras palavras, Fazenda Pública é expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o termo Erário, representando o aspecto financeiro do ente público. (...)
Na verdade, a expressão Fazenda Pública representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de direito público. No processo em que haja a presença de uma pessoa jurídica de direito público, esta pode ser designada, genericamente de Fazenda Pública.
(...)
Ora, se a expressão Fazenda Pública identifica-se com as pessoas jurídicas de direito público, é curial que somente estão nela abrangidos a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e suas respectivas autarquias e fundações públicas.”
O instrumento jurídico-processual mais comum utilizado para cobrança dos créditos do Estado, como já referimos, é a execução fiscal, regulada pela Lei 6.830/80, que é proposta com base em valor inscrito em Dívida Ativa (Termo de Dívida Ativa e Certidão de Dívida Ativa), conforme artigos 201 a 204 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66).
A Certidão de Dívida Ativa constitui-se em título executivo extrajudicial (artigo 585, inciso VII, do CPC) e, nesta condição, permite a cobrança do valor sem que se tenha de provar, primeiramente no âmbito judicial, a validade da dívida. Com efeito, como bem ensinam MARINONI e ARENHART (2008, página 436), “o título executivo é condição bastante para que o exeqüente inicie a execução. Exibindo-o, pode o suposto credor acessar a via executiva, independentemente de qualquer indagação sobre a existência ou não do crédito demandado. Justifica-se aí o fato de que, no processo de execução, não há espaço próprio para o devedor defender-se, alegando a inexistência do crédito.”
Embora haja presunção de certeza e liquidez da dívida objeto de inscrição em Dívida Ativa, deve-se ter em mente que a Administração Pública está sujeita ao controle judicial de legalidade, o que permite ao devedor insurgir-se contra a cobrança, de acordo com os mecanismos processuais admitidos pelo ordenamento jurídico. Tal possibilidade é exigência do Estado de Direito. Nesse sentido, veja-se o que diz Eduardo Arruda Alvim (2008, página 53):
“no Estado de Direito, em que todos (governantes e governados) se submetem ao império da lei, a tripartição das funções estatais do Poder é verdadeiro pressuposto fundamental. Com efeito, não fosse assim, teríamos a Administração julgando em definitivo os seus próprios atos, hipótese em que lhe faltaria, inegavelmente, o requisito da imparcialidade.
Desse modo, sob o regime do Estado de Direito, os atos da Administração submetem-se, quanto ao crivo da legalidade, à apreciação do Poder Judiciário. (...), sob o prisma da legalidade, todo e qualquer ato da Administração pode ser revisto pelo Poder Judiciário, o que, repita-se, é conseqüência do princípio da ubiqüidade da jurisdição.”
O objetivo deste artigo é apontar, de acordo com a sistemática processual brasileira, qual é o Juízo competente para conhecer e julgar as ações que impugnam créditos objetos de execução fiscal.
A competência para conhecer e julgar uma demanda levada ao Poder Judiciário é um desdobramento das garantias do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV, da CF/88). Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (1994, página 82) apontam que o devido processo legal traz garantias específicas, dentre elas a “dúplice garantia do juiz natural, não mais restrito à proibição de bills of attainder e juízos ou tribunais de exceção, mas abrangendo a dimensão do juiz competente (art. 5º, incs. XXXVII e LIII)”.
Em se tratando de execução fiscal, é cediço que tais dívidas podem ser contestadas pelo devedor, tanto por meio de Embargos à Execução Fiscal, quanto pela chamada Exceção de Pré-Executividade (instrumento restrito a casos em que a dívida possa ser de plano afastada, em matérias conhecíveis de ofício pelo julgador) ou, ainda, pelo uso da Ação Anulatória, que pode ser ajuizada contra o auto de infração/multa/lançamento tributário (ainda na via administrativa) ou contra a Certidão de Dívida Ativa (quando o crédito do Estado já foi incluído na Dívida Ativa e pode, então, ser objeto de execução fiscal).
No ponto, deve-se ter em mente que a ação anulatória e a execução fiscal devem ser julgadas pelo mesmo Juízo, por se tratar de hipótese de prevenção por conexão (ou ainda continência, a depender do objeto da ação anulatória), conforme dispõe o inciso I do artigo 253 do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:
I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;
II - quando, tendo sido extinto o processo, sem julgamento de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda;
III - quando houver ajuizamento de ações idênticas, ao juízo prevento.
Parágrafo único. Havendo reconvenção ou intervenção de terceiro, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.
(grifou-se)
De fato, é pacífico na jurisprudência o entendimento de que existe conexão (ou continência, conforme o caso concreto) entre a ação anulatória/declaratória e a ação de execução fiscal que se pretende combater. Nesse sentido, veja-se o julgado abaixo:
TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. CONEXÃO. EXECUÇÃO FISCAL. COMPETÊNCIA FUNCIONAL. 1. Hipótese de decisão que declinou da competência e determinou a remessa dos autos da ação anulatória para o juízo estadual da Comarca de Ubajara/CE, onde tramita a execução fiscal nº 6154-32.2012.8.06.0176/0, onde se cobra o débito cuja legitimidade se discute na ação anulatória. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que competência federal delegada para processar a ação de execução fiscal proposta pela Fazenda Nacional (art. 15, I, da Lei n. 5.010/66) estende-se também para a oposição do executado, seja ela promovida por embargos, seja por ação declaratória de inexistência da obrigação ou desconstitutiva do título executivo-(EDACC 200801195286, HUMBERTO MARTINS, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, 16/06/2010). 3. O juízo de Execução Fiscal é o que guarda a mais significativa competência funcional para verificar a verossimilhança do alegado na ação de conhecimento e permitir prossiga o processo satisfativo ou se suspenda o mesmo. 4. "Refoge à razoabilidade permitir que a ação anulatória do débito caminhe isoladamente da execução calcada na obrigação que se quer nulificar, por isso que, exitosa a ação de conhecimento, o seu resultado pode frustrar-se diante de execução já ultimada" .(RESP 200401837228, LUIZ FUX, STJ - PRIMEIRA TURMA, 01/06/2006). 5. O instituto da conexão, assim como a continência, importa a reunião dos processos, que visa evitar o risco de decisões inconciliáveis. Por esse motivo, diz-se, também, que são conexas duas ou mais ações quando, em sendo julgadas separadamente, podem gerar decisões inconciliáveis, sob o ângulo lógico e prático. 6. A Primeira Seção do Eg. STJ pacificou o entendimento de que existe conexão entre a ação anulatória ou desconstitutiva do título executivo e a ação de execução, por representar aquela meio de oposição aos atos executórios de natureza idêntica a dos embargos do devedor. 7. Agravo de instrumento improvido.
(AG 00013283220134050000, Desembargador Federal Francisco Barros Dias, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::04/04/2013 - Página::188.)
Portanto, caso seja uma dívida do Estado cobrada via execução fiscal e, posteriormente, ingresse o devedor com ação anulatória, deverá a ação anulatória ser cobrada pelo Juízo da execução fiscal.
Porém, em certos casos, o devedor ingressa com a Ação Anulatória antes mesmo de a dívida estar inscrita em Dívida Ativa, pois mesmo antes da inscrição o mesmo já tem conhecimento da cobrança que se realizada administrativamente.
Nesta hipótese peculiar, pode-se, a princípio, haver dúvida sobre qual Juízo deve julgar as duas ações: o Juízo da Ação Anulatória ou da Execução Fiscal.
Entendemos que a melhor solução aponta para a competência do Juízo da Execução Fiscal, como será demonstrado.
Embora temporalmente o primeiro Juízo que teve contato com a matéria tenha sido o da ação anulatória/declaratória, é inegável que a causa principal é a execução fiscal. Ou seja, a ação anulatória somente existe em virtude de um ato do Estado que é ou será objeto de inscrição em dívida ativa e, consequentemente, de cobrança via execução fiscal.
O artigo 5º da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80) dispõe o seguinte:
"A competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro Juízo, inclusive o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário".
A fixação da competência do Juízo da Execução Fiscal prevista no artigo 5º da LEF se dá em razão da matéria e também em razão da competência funcional.
Por outro lado, pode (e deve) o Juízo da Execução Fiscal ordenar a reunião das ações propostas em separado, evitando-se, assim, a possibilidade de decisões judiciais conflitantes, com fundamento no artigo 105 do Código de Processo Civil, verbis:
Art. 105. Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.
Diante disso, conclui-se que tanto no caso de ajuizamento anterior quanto posterior de ação anulatória que objetiva desconstituir crédito da Fazenda Pública inscrito em Dívida Ativa e cobrado nos termos da Lei 6.830/80, será sempre competente o Juízo da Execução Fiscal, pelo fato de que esta é a causa principal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. 2ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 10ª edição. São Paulo. Malheiros, 1994.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 10ª Edição. São Paulo. Dialética, 2012.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil – Volume 3. 2ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
Procurador Federal atuante na cidade de Umuarama - PR. Aluno do curso de Especialização em Direito do Estado da Universidade Estadual de Londrina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Menahem David Dansiger de. Conexão entre ação declaratória e execução fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42463/conexao-entre-acao-declaratoria-e-execucao-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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