Resumo : O dupla tributação internacional – hipótese em que um mesmo fato gerador, ocorrido em determinado período de tempo, sujeita o contribuinte simultaneamente à soberania fiscal de dois Estados – configura um considerável empecilho aos investimentos transfronteiras. Esse estudo pretende abordar os instrumentos capazes de minorar ou evitar esses efeitos nocivos. Para tanto, realiza-se uma breve análise acerca do fenômeno da dupla tributação internacional, apresentando seu conceito, identificando suas causas e expondo suas consequências. Em seguida, passa-se a analisar as medidas – internas e internacionais – que podem ser adotadas pelos Estados para minorar ou extinguir os efeitos nocivos da bitributação.
Palavras-chave: bitributação internacional – medidas internas – medidas internacionais
Sumário: 1 Introdução; 2 Aspectos gerais da bitributação internacional; 3 Medidas para minorar ou eliminar os efeitos da dupla tributação internacional; 3.1 Medidas internas ou unilaterais; 3.2 Medidas internacionais – os tratados para evitar dupla tributação; 4 Conclusão; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O fato de um mesmo contribuinte, em virtude do mesmo fato gerador ocorrido em determinado período de tempo, sujeitar-se simultaneamente à soberania fiscal de dois Estados implica um empecilho considerável à expansão de atividades econômicas transfronteiriças. Com efeito, a dupla tributação gera um aumento da carga tributária a ser suportada pelo contribuinte sem a ocorrência do correspondente incremento de sua capacidade contributiva, criando, pois, um ambiente de desestímulo a investimentos além-fronteiras.
Visando extirpar ou minorar essa barreira, os Estados vêem adotando medidas unilaterais (internas) ou internacionais, celebrando acordos entre si (tratados ou convenções) que delimitam ou restringem suas competências tributárias, evitando a dupla incidência de determinados tributos.
É este o tema que se pretende desenvolver no presente trabalho. Para tanto, inicialmente serão expostos aspectos gerais da bitributação internacional (conceito, causas e consequências), para, em seguida se analisar as medidas que podem ser adotadas pelos Estados para minorá-la ou extingui-la.
2 ASPECTOS GERAIS DA BITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
Os Estados soberanos têm o poder de estabelecer um sistema tributário autônomo, incidente dentro de seus próprios território – esse poder deriva-se da soberania territorial, um dos aspectos da soberania estatal. São titulares, pois, de soberania fiscal, da qual decorre a competência tributária, que lhes permite instituir e cobrar tributos em relação às pessoas submetidas à sua jurisdição. Ocorre que, em algumas circunstâncias, fatos ocorridos no exterior podem acabar abrangidos pela soberania tributária de um outro Estado. Assim, seguindo a lição de Antônio de Moura Borges, é possível afirmar que a competência tributária do Estado pode ser analisada a partir de seu âmbito de abrangência interno e internacional, considerando-se, de forma geral, que a competência tributária dos Estados deve cingir-se às pessoas que, de alguma forma, com eles se relacionem e se beneficiem, ao menos de forma presumida, dos serviços que prestam[1].
O citado autor ensina que os critérios de delimitação da competência tributária internacional variam de acordo com os tributos a que se referem, podendo ser assim divisados:
i. impostos indiretos: (a) critério do país de origem (a tributação é realizada pelo Estado em cujo território as mercadorias são produzidas) e (b) critério do país de destino (a tributação é realizada pelo Estado onde as mercadorias são consumidas); e
ii. impostos diretos: (a) critérios inspirados no princípio da universalidade: critério da residência (o Estado submete a tributação todas as pessoas que residem em seu território, pela totalidade de suas rendas e bens, qualquer que seja a nacionalidade do residente, a origem de suas rendas e a localização de seus bens) ou critério da nacionalidade (o Estado só submete a tributação os nacionais, independentemente de onde residam, da fonte de suas rendas ou da origem de seus bens); e (b) critério inspirado no princípio da territorialidade: critério da fonte (o Estado tributa todas as rendas cuja fonte estejam em seu território, todos os bens ali situados, qualquer que seja a residência ou nacionalidade do titular das rendas e dos bens)[2].
Ocorre que, como ressaltado, pode ocorrer de uma mesma situação (fato gerador) ocorrida em determinado período de tempo sujeitar o contribuinte simultaneamente à soberania fiscal de dois Estados, configurando, pois o fenômeno da bitributação. Nos termos da definição fixada pelo Comitê Fiscal da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE):
O fenômeno da dupla tributação jurídica internacional pode definir-se de forma geral como o resultado da percepção de impostos similares em dois – ou mais – Estados, sobre um mesmo contribuinte, pela mesma matéria imponível e por idêntico período de tempo[3].
Em outras palavras, pode-se afirmar que ocorre dupla tributação quando dois Estados, titulares de soberania tributária, submetem o mesmo contribuinte, em razão do mesmo fato gerador, a um imposto de mesma espécie, de forma que ocorre um aumento da carga tributária do contribuinte (submetido a duas soberanias fiscais), sem que sobrevenha, ao mesmo tempo, aumento de sua capacidade contributiva. Ressalta-se, pois, a regra das quatro identidades, segundo a qual a bitributação tem como pressupostos: identidade de imposto, identidade de objeto, identidade de sujeito e identidade do período tributário[4].
Assim, a dupla tributação decorre do exercício de legítimas competências estatais tributárias – decorrentes da soberania fiscal. Diante da inexistência de norma de direito internacional que proíba qualquer Estado de exercer sua soberania fiscal nestas situações que envolvem mais de um país e desde que haja um elemento de conexão legítimo previsto no ordenamento jurídico, a sobreposição de competências tributárias implicará a tributação por duas vezes, realizadas por dois Estados diferentes, de uma mesma situação jurídica ocorrida em um mesmo espaço de tempo, referente a um mesmo contribuinte[5]. Ainda de acordo com a doutrina de Gabriel Francisco Leonardos: “a soberania somente pode ser exercida a partir de um elemento de conexão, e a bitributação é uma conseqüência da soberania de dois ou mais países sobre as coisas e pessoas que se encontrem em seu território ou tenham com ele qualquer elemento de conexão”[6].
Ressalte-se, ainda, que diferenciam-se a dupla tributação jurídica da dupla tributação econômica: a primeira refere-se à dupla imposição de tributo a um mesmo contribuinte, enquanto a última consiste na tributação de um mesmo rendimento, mas de contribuintes diversos. Nas palavras de Glória Teixeira:
A dupla, ou múltipla, tributação jurídica internacional ocorre quando o rendimento de um contribuinte é sujeito a imposto em duas ou mais jurisdições fiscais. Diferentemente, a dupla, ou múltipla, tributação económica ocorre apenas quando o mesmo rendimento é tributado em mais que um Estado (e.g. tributação de lucros distribuídos).[7]
Antônio de Moura Borges ensina que a bitributação internacional pressupõe relações que ultrapassam as fronteiras de um Estado, no entanto, ela apenas ocorrerá caso os Estados cujas competências se sobrepõem adotem critérios diferentes de delimitação de competência tributária internacional ou adotem o mesmo critério, porém entendido diversamente.
Acerca da segunda hipótese (países que adotam o mesmo critérios de delimitação da competência tributária nacional), o autor faz interessante sistematização para demonstrar que pode haver dupla tributação caso dois países adotem o mesmo: (i) critério da nacionalidade, mas conceituem nacionalidade, para pessoa física, um pelo sistema do ius solium e outro pelo sistema do ius sanguinis; e, no caso de pessoa jurídica, um Estado considere a teoria da sede social e outro a teoria da origem para determinar a nacionalidade daquela pessoa coletiva; (ii) critério da residência, mas a definição de residência, para a pessoa física, seja o lugar onde ela mantém residência habitual para um Estado e, para o outro, o lugar do centro das atividades econômicas; e, para a pessoa jurídica, um dos países a considere residente pelo fato de ali haver sido constituída e outro, por ser em seu território que se encontra o centro de direção e controle da pessoa coletiva; e (iii) critério da fonte, se um dos Estados conceituar como fonte o local onde a atividade econômica se desenvolve, enquanto outro considerar como fonte o local onde é obtida a disponibilidade econômica ou jurídica da renda[8].
3 MEDIDAS PARA ELIMINAR OU MINORAR OS EFEITOS DA DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
Não há dúvidas de que a necessidade de pagar tributo duas vezes em virtude de um mesmo fato gerador inibe ou desestimula os indivíduos e as empresas de um país a investir ou gerar renda/lucro em outro Estado. Ademais, além de obstáculos às relações econômicas internacionais, a dupla tributação internacional pode produzir conseqüências em outras searas, como, por exemplo, no campo financeiro, fazendo com que os Estados não recolham as receitas fiscais pretendidas, e no âmbito das relações culturais entre os Estados, ao criar empecilhos para difusão de conhecimentos, arte e esporte estrangeiros, bem como o intercâmbio entre cientistas e estudantes.
Desta forma, os Estados vêm adotando medidas para evitar os efeitos maléficos da sobreposição de soberanias ficais. Essas medidas podem ser divisadas considerando-se a adoção de instrumentos internos (ou medidas unilaterais) e a celebração de acordos entre países com o objetivo de minorar ou eliminar a dupla tributação em relação a determinados tributos. São essas medidas que se passa a analisar.
3.1 Medidas internas ou unilaterais
As medidas internas ou unilaterais de prevenção ou eliminação da bitributacão se constituem em normas do direito interno de cada país, que criam, individualmente, regras para que a renda ou os bens de seus nacionais ou de seus residentes seja tributada apenas uma vez[9].
Como será demonstrado adiante, há várias medidas que podem ser adotadas internamente pelos países para a evitar dupla tributação – no entanto, é necessário ressaltar, que, exatamente em função da unilateralidade, essas medidas, em regra, são mais tímidas e menos efetivas do que aquelas acordadas em instrumentos internacionais. Importante se ter em mente que medidas para redução de dupla tributação importam, no mais das vezes, renúncia a receitas fiscais, razão pela qual é possível se entender que, quando implementadas de forma unilateral, são mais reticentes e brandas, especialmente por sua adoção não representar uma contrapartida imediata (aumento de investimentos, aumento de difusão de know-how etc) para aquele Estado que abre mão da possibilidade de maior arrecadação fiscal[10]. Além disso, pode se considerar que um país que adote restrições mais rígidas em seu poder de tributar terá, em conseqüência, menor poder de barganha quando das tratativas de acordos para evitar a dupla tributação.
Um dos principais métodos adotados unilateralmente pelos Estados é o método da isenção, que, como o próprio nome indica, consiste em isentar de tributação total ou parcialmente as rendas provenientes do exterior. De acordo com Antônio de Moura Borges, o método em análise pode ser dividido em isenção integral e isenção com progressividade:
Tal método se divide nas denominadas isenção integral e isenção com progressividade. Na isenção integral, as rendas de origem externa não são consideradas de forma alguma para fins de tributação, enquanto que na isenção com progressividade — cuja aplicação não é possível no Estado da fonte —, embora as rendas provenientes do exterior não sejam tributadas, são levadas em consideração para determinar a alíquota do imposto que, afinal, incidirá apenas sobre as rendas obtidas internamente.[11]
Assim, o método da isenção pode ser conceituado como uma limitação do poder de tributar do Estado, ficando, pois, atribuído ao outro país o poder de tributar os rendimentos provenientes do exterior.
Outro importante método que pode ser adotado unilateralmente pelo Estado é o chamado método da imputação (também conhecido como crédito do imposto), o qual permite ao contribuinte “abater” o valor do imposto pago em outro país (o da fonte do rendimento) do imposto da mesma natureza em seu país de residência, criando uma espécie de compensação de tributo – noutras palavras, os impostos que são pagos no Estado de onde a renda provém revertem-se em crédito a ser aplicado no país onde reside o contribuinte (tributação do Estado da fonte x Estado da residência). Este método também pode ser dividido em duas espécies: (i) imputação integral, caso em que o valor total do imposto que foi pago ao Estado da fonte será deduzido no Estado da residência (ainda que seja superior ao valor ali devido); e (ii) imputação ordinária, hipótese em que o abatimento do valor pago no Estado da fonte será parcial, obedecidas certas limitações, como o valor devido do imposto no Estado de residência. Glória Teixeira ressalta que, em regra, ocorre a imputação ordinária, ou seja, o crédito concedido no Estado da residência não é ilimitado – geralmente, como dito, ele não excede o montante de imposto que seria devido internamente caso a renda tivesse sido gerada dentro do país. Mas ressalta que há ainda outras limitações específicas ao crédito, como a limitação por país, a limitação por categoria separada (em que as limitações de crédito são determinadas separadamente por categorias individuais de rendimentos), a limitação da fonte de rendimento e a limitação do item de rendimento (as limitações de crédito apenas são aplicáveis a itens específicos de rendimento estrangeiro). Segundo a autora, essas limitações são necessárias quando se aplica o método de crédito de imposto unilateral como forma de prevenir evasões fiscais e de garantir um mínimo de arrecadação tributária[12].
É possível citar ainda, embora menos comuns, os métodos do banimento completo da tributação extraterritorial ou a incidência limitada a um imposto proporcional de alíquota uniforme sobre o rendimento dos não residentes.
Por fim, há que se repisar que a adoção dessas medidas unilaterais pode vir (e geralmente vem) acompanhada de condições – a mais freqüente delas é a reciprocidade, como forma de evitar que outros Estados se beneficiem daquelas medidas restritivas sem que o país que as adota receba qualquer compensação.
Dentre as medidas unilaterais adotadas pelo Brasil, destacam-se aquelas relativas aos rendimentos de pessoa física provenientes do exterior, as relativas a receitas estrangeiras pagas a pessoa jurídica domiciliada no Brasil e as medidas unilaterais sobre preços de transferência. No primeiro caso, há previsão da possibilidade de as pessoas físicas deduzirem, do imposto devido ao Brasil, a tributação dos rendimentos provenientes do exterior, desde que haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil, até o limite do imposto aqui devido[13]. O mesmo ocorre com o imposto de renda, pago pela pessoa jurídica no exterior, incidente sobre os lucros, rendimentos, ganhos de capital e receitas decorrentes da prestação de serviços efetuada diretamente no exterior, limitando-se, a dedução até o valor do imposto que seria devido no Brasil[14]. Por fim, registre-se as normas relativas aos preços de transferência, esculpidas nos artigos 18 a 24 da Lei 9430/96 (ressaltando-se, também nesse caso, a existência de limitações ao valor a ser deduzido).
Vale ressaltar, por fim, a ressalva apresentada por Antônio de Moura Borges acerca da eficácia limitada destas medidas unilaterais:
Ainda que as medidas unilaterais destinadas a evitar ou a eliminar a dupla tributação internacional sejam mais facilmente adotadas, na prática elas se mostram inadequadas e insuficientes para tal mister. O sacrifício unilateral que envolvem, o seu caráter limitado, no sentido de que geralmente visam apenas a alguns impostos, a grande diversidade dos atuais sistemas tributários, assim como a sua crescente complexidade, demonstram a impropriedade e a insuficiência das referidas medidas como meio de prevenção ou eliminação da dupla tributação internacional, cumprindo, assim, fazer uso de convenções internacionais[15].
3.2 Medidas internacionais – os tratados para evitar dupla tributação
Os primeiros tratados para evitar dupla tributação internacional datam ainda do século XIX[16]; mas foi com o fim da I Guerra Mundial e a expansão das relações comerciais entre os Estados que esses acordos ganharam maior força, estando atualmente situados no centro temático dos tratados internacionais celebrados em matéria tributária, em função do amplo desenvolvimento das atividades econômicas internacionais[17].
No entanto, os objetivos perseguidos com a celebração de tais convenções também foram se ampliando: se inicialmente restringiam-se apenas a fomentar o empreendedorismo transfronteiras (eliminando, delimitando ou reduzindo as atividades fiscais que poderiam atuar como empecilho aos investimentos internacionais), passaram também a focar em outros pontos estratégicos, como a possibilidade de troca de informações entre os Estados (importante instrumento para evitar as evasões fiscais) e a transferência de know how, por exemplo.
Pode-se conceituar, pois, os tratados para evitar bitributação como acordos formais, celebrados por escrito entre pessoas jurídicas de direito internacional público, atinentes à matéria tributária, com objetivo de evitar que, sobre um mesmo contribuinte, com base em um mesmo fato gerador ocorrido em determinado período de tempo, recaia dupla tributação em razão do exercício de soberania tributária por cada um dos Estados contratantes.
Nesses acordos – frequentemente bilaterais, especialmente em virtude da dificuldade de se conciliar os interesses de vários países –, os Estados fazem concessões mútuas restringindo seu poder de tributar. Busca-se, assim, em primeiro lugar, fomentar o comércio internacional, eliminado barreiras que poderiam desestimular o investimento e a aferição de rendas além fronteiras[18]. Mas, como ressaltando, podem existir ainda outras pretensões em jogo, como: o estabelecimento de cooperação entre as administrações tributárias, visando especialmente o combate à evasão e a elisão fiscal (cite-se o problema dos paraísos fiscais e dos países com sistemas fiscais favorecidos), inclusive com a estipulação de trocas de informações entre os signatários; a proteção dos contribuintes, proporcionando-lhes segurança jurídica em operações que extravasam as fronteiras; o aniquilamento de discriminação contra estrangeiros não residentes; e, uniformizado o regime de tributação entre os dois países, a estipulação de procedimento amigável para a solução de eventuais controvérsias[19] – não é incomum que os acordos busquem abarcar todos esses aspectos.
Tudo isso – bem como as consequências da bitributação, já expostas anteriormente –, deve ser considerado quando da celebração de um tratado para evitar dupla tributação. Deve-se atentar para o fato de que a celebração desse tipo de tratado impõe, quase necessariamente, a renúncia fiscal por um dos Estados contratantes – desta forma, a assinatura de um acordo desse jaez deve ter em conta também esses outros objetivos a serem alcançados, bem definidos e que compensem essa perda, especialmente quando um dos Estados contratantes é um país em desenvolvimento que, a priori, não pode prescindir dessa receita fiscal.
Antônio de Moura Borges destaca que os objetivo de prevenção, mitigação ou eliminação da bitributação pelos tratados internacionais pode ser atingido pela adoção de duas regras diferentes: (i) a tributação de determinadas categorias de rendimentos fica exclusivamente atribuída a cada um dos Estados; (ii) delimitam-se categorias de rendimentos que podem ser tributadas tanto pelo Estado da residência quanto pelo Estado da fonte a atribui-se a um desses Estados o dever de eliminar ou atenuar a dupla tributação utilizando, em regra, o método da isenção, o método da imputação (mais comum) ou uma combinação entre os dois métodos.[20]
Acerca da forma dos acordos em questão, há dois modelos principais de convenções para evitar a dupla tributação: o modelo elaborado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o elaborado pelas Nações Unidas.
A Convenção Modelo da OCDE (versão inicial de 1963 e posteriores revisões) constitui exemplo de soft law (sua adoção não é obrigatória), mas não se nega o reconhecimento mundial de seu conteúdo e sua incorporação na maioria das convenções bilaterais para evitar dupla tributação. Os comentários elaborados às suas normas servem de guia comumente aceito para negociação, aplicação e interpretação dos acordos ou convenções sobre dupla tributação. Mas, ressalte-se que, embora o Brasil venha adotando frequentemente o modelo da OCDE, o país não é membro daquela organização, razão pela qual a força interpretativa dos comentários é bastante tênue, não tendo, nos tribunais brasileiros, valor muito superior ao da doutrina em geral[21].
A Convenção modelo da ONU, publicada em 1980, foi resultado de mais de 10 anos de trabalhos do Grupo de Peritos criado em 1967[22]. Pretendeu-se elaborar um modelo que servisse de contraponto ao modelo de Convenção da OCDE, que havia sido desenvolvido para um contexto de aplicação que envolvia, regra geral, apenas países desenvolvidos. Assim, norteou (ou deveria ter norteado) a elaboração do modelo de convenção das Nações Unidas o objetivo de salvaguardar os interesses de arrecadação tanto dos países desenvolvidos quanto dos países subdesenvolvidos. A ideia seria privilegiar o princípio da territorialidade, garantindo uma maior alocação de tributos nos países em desenvolvimento. No entanto, Márcio Ladeira Ávila destaca que o modelo em análise não tem produzido o impacto a que se propôs, especialmente porque várias de suas disposições foram baseadas na convenção modelo da OCDE (idéia prevalecente de neutralidade tributária, relegando-se a segundo plano, por exemplo, a possibilidade de atrair investimentos para os países importadores de capital). O autor destaca ainda, em crítica, que a ONU tem se limitado basicamente a atualizar sua Convenção Modelo, deixando de lado discussões de temas outros, igualmente relevantes, e que, ao que parece, os recursos financeiros destacados para esse trabalho têm sido bastante limitados, o que também reduz seu potencial de abrangência e possibilidade de modificação[23].
4 CONCLUSÃO
Foi demonstrado neste breve estudo que a dupla tributação internacional gera, em regra, efeitos nocivos referentes ao empreendedorismo transfronteiras, uma vez que desestimula investimentos internacionais em razão da dupla carga tributária a que se submete o contribuinte, sem o correspondente aumento de sua capacidade tributária.
Diante desta constatação, demonstrou-se que os Estados vem envidando esforços para minorar os citados efeitos nocivos, sendo que estas iniciativas estatais podem ser divisadas em medidas internas ou unilaterais e medidas internacionais.
As medidas unilaterais são colocadas em prática por meio de normas internas, aplicáveis àquele Estado que as edita, que geralmente delimitam a soberania / competência fiscal do próprio Estado. No entanto, ressaltou-se que sua efetividade é limitada, uma vez que geralmente visam apenas a alguns impostos e que não muito podem avançar considerando a diversidade dos atuais sistemas tributários e sua crescente complexidade.
No entanto, ressaltou-se que as medidas internacionais adotadas pelos Estados para evitar, diminuir ou eliminar a dupla tributação podem ser mais efetivas: essas medidas se consubstanciam em acordos internacionais – geralmente bilaterais – em que os Estados participantes concordam que realizar restrições mútuas em seu poder de tributar.
Em um ambiente de amplo incremento de atividades econômicas transfronteiriças, parece inegável a importância das medidas adotadas com fins de diminuir ou eliminar atividades fiscais que poderiam vir a inibir o empreendedorismo, a aferição de lucro ou de renda fora dos limites do país a cuja soberania fiscal o investidor primariamente se submete – ressalta-se, especialmente, a importância dos acordos internacionais na matéria que, embora possam não resolver completamente o problema, representam instrumento que consegue se aproximar da finalidade proposta de forma mais efetiva. Ademais, entende-se que a utilidade dos referidos acordos internacionais se reforça na medida em que também abarcam outros objetivos, igualmente importantes, como o estabelecimento de cooperação entre as administrações tributárias, visando especialmente o combate à evasão e a elisão fiscal (cite-se o problema dos paraísos fiscais e países com sistemas fiscais favorecidos), inclusive com a estipulação de trocas de informações entre os signatários; a transferência de know how a proteção dos contribuintes, proporcionando-lhes segurança jurídica em operações que extravasam as fronteiras; o aniquilamento de discriminação contra estrangeiros não residentes; e, uniformizado o regime de tributação entre os dois países, a estipulação de procedimento amigável para a solução de eventuais controvérsias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] BORGES, Antônio de Moura. Noções de Direito Tributário Internacional. In Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT. Belo Horizonte, n. 26, ano 5 Março / Abril 2007 Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=40235>. Acesso em 4 out. 2014.
[2] BORGES, Antônio de Moura. Noções de Direito Tributário Internacional. In Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT. Belo Horizonte, n. 26, ano 5 Março / Abril 2007 Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=40235>. Acesso em: 4 out. 2014.
[3] COMITÉ FISCAL DE LA ORGANIZACIÓN PARA LA COOPERACIÓN Y DESARROLLO ECONÓMICO. Modelo de convenio de doble imposición sobre la renta e el patrimonio — informe. 1977, p. 15.
[4] SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. A relevância dos elementos de conexão no planejamento tributário. In ANAN JR., Pedro. Planejamento Fiscal – Aspectos Teóricos e Práticos. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 313.
[5] MORAES E CASTRO, Leonardo Freitas de. Conceito de beneficiário efetivo nos acordos internacionais contra a bitributação. Dissertação de mestrado apresentada perante da Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2012, p. 12. Disponível em <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2133/tde-18022013-115923/en.php>. Acesso 12 out 2014.
[6] LEONARDOS, Gabriel Francisco. Tributação da transferência de tecnologia. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 17.
[7] TEIXEIRA, Glória. Manual de direito fiscal. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 280.
[8] BORGES, Antônio de Moura. Possíveis soluções para o problema da dupla tributação internacional. In Revista Fórum de Direito Tributário. Belo Horizonte, n. 27, ano 5, Maio / Junho 2007. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=40966>. Acesso em 5 out. 2014.
[9] BRIGIDO, Eveline Vieira. Bitributação internacional da renda: as cláusulas de tax sparing e matching credit. In Revista Amicus Curiae, Volume 9, nº 09 (2012), 2012. Disponível em <http://periodicos.unesc.net/index.php/amicus/article/viewFile/869/824> Acesso 05 out 2014.
[10] BORGES, Antônio de Moura. Possíveis soluções para o problema da dupla tributação internacional. In Revista Fórum de Direito Tributário. Belo Horizonte, n. 27, ano 5, Maio / Junho 2007. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=40966>. Acesso em 5 out. 2014.
[11] BORGES, Antônio de Moura. Considerações Sobre a Dupla Tributação Internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2088>. Acesso em: 14 out 2014.
[12] TEIXEIRA, Glória. Manual de direito fiscal. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 296 e 298 a 301.
[13] Nos termos do art. 5° da Lei 4862/65: “As pessoas físicas, residentes ou domiciliadas no território nacional, que declarem rendimentos provenientes de fontes situadas no estrangeiro, poderão reduzir do imposto progressivo, calculado de acordo com o art. 1º, importância em cruzeiros equivalente ao imposto de renda cobrado pela nação de origem daqueles rendimentos, desde que haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil”. A previsão normativa encontra-se disciplinada no art. 103 do Decreto nº 3.000/99 (Regulamento do Imposto de Renda).
[14] Nos termos do art. 26 da Lei nº 9.249/95: “A pessoa jurídica poderá compensar o imposto de renda incidente, no exterior, sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital computados no lucro real, até o limite do imposto de renda incidente, no Brasil, sobre os referidos lucros, rendimentos ou ganhos de capital”) e do art. 15 da Lei nº 9.430/96 (“A pessoa jurídica domiciliada no Brasil que auferir, de fonte no exterior, receita decorrente da prestação de serviços efetuada diretamente poderá compensar o imposto pago no país de domicílio da pessoa física ou jurídica contratante, observado o disposto no art. 26 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995”. Veja-se, ainda, art. 395 Decreto nº 3.000/99 (Regulamento do Imposto de Renda).
[15] BORGES, Antônio de Moura. Considerações Sobre a Dupla Tributação Internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2088>. Acesso em: 14 out 2014.
[16] As primeiras convenções sobre o tema seria a celebrada entre a Prússia e a Saxônia (1869), a celebrada entre a Áustria e a Hungria (1869) e a celebrada entre a Áustria e a Prússia (1899).
[17] Conforme dados da Receita Federal, o primeiro tratado assinado pelo Brasil para evitar ou diminuir dupla tributação data de 1967 – trata-se de acordo com o Japão relativo à matéria de impostos sobre rendimentos; os mais recentes acordos sobre o tema referem-se ao imposto de renda e datam de 2006 (acordo celebrado em Lima, com o Governo da República do Peru), 2008 (acordo celebrado em Brasília, com o Governo da República de Trinidad e Tobago) e 2010 (acordo celebrado em Foz do Iguaçu, com o Governo da República da Turquia). Disponível em <http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/acordosinternacionais/acordosduplatrib.htm>. Acesso em 06 set. 2014.
[18] Não há dúvidas de que a política fiscal não é a única circunstância sopesada pelo investidor internacional em sua decisão sobre onde investir, mas sua influência não é de se descartar.
[19] Nas palavras de Antônio de Moura Borges (Possíveis soluções para o problema da dupla tributação internacional. In Revista Fórum de Direito Tributário. Belo Horizonte, n. 27, ano 5, Maio / Junho 2007. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=40966>. Acesso em 5 out. 2014): “Realmente, as convenções bilaterais nem sempre eliminam completamente a dupla tributação, considerando-se os seus aspectos quantitativos. Freqüentemente, apenas atenuam os seus efeitos, sendo que, em determinadas circunstâncias, implícita ou expressamente, deixam que ela subsista, mormente em se tratando de matérias não consideradas básicas, sobre as quais os Estados não entram em acordo. Ademais, os dispositivos da convenção destinados a eliminar a dupla tributação internacional podem ser aplicados de forma incorreta. Neste caso, o contribuinte prejudicado não dispõe de uma autoridade judiciária internacional a que se possa dirigir para lograr a eliminação da dupla tributação. As autoridades judiciárias internas nem sempre têm competência para solucionar questões oriundas da má interpretação e aplicação das convenções internacionais, especialmente se praticadas por ambos os Estados contratantes. Assim, persistindo a dupla tributação em desacordo com a convenção internacional, o único remédio disponível para o contribuinte poderá ser o procedimento amigável, geralmente previsto pelas convenções sobre dupla tributação internacional, por meio do qual as autoridades competentes dos Estados contratantes tentam resolver as dificuldades ou as dúvidas provenientes da interpretação ou da aplicação da convenção, podendo, todavia, não chegar a qualquer acordo”.
[20] BORGES, Antônio de Moura. Considerações Sobre a Dupla Tributação Internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2088>. Acesso em: 14 out 2014.
[21] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2009, p. 763.
[22] A Resolução n° 1237 do Conselho Econômico e Social determinou a criação do Grupo Ad Hoc de Peritos em Tratados Internacionais entre Países Desenvolvidos e em Desenvolvimento, cujo objetivo era promover e facilitar a elaboração de acordos aceitáveis por ambas as partes, já que o modelo de convenção da OCDE havia sido elaborado considerando o contexto de acordos entre países desenvolvidos.
[23] ÁVILA, Márcio Ladeira. O direito ao desenvolvimento e as convenções brasileiras contra a dupla tributação celebradas com países desenvolvidos. Biblioteca Digital Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 9, n. 49, jan./fev. 2011, p. 5 e 6 Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=71908>. Acesso em 5 out. 2014.
Procuradora Federal; Procuradora-Chefe substituta da Divisão de Assuntos Disciplinares da PGF. Mestra em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal. Doutoranda em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GONTIJO, Danielly Cristina Araújo. Bitributação internacional: as medidas internas e internacionais para evitá-la ou diminuí-la Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42476/bitributacao-internacional-as-medidas-internas-e-internacionais-para-evita-la-ou-diminui-la. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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