Resumo: Atualmente, compete à Justiça Estadual o julgamento das ações previdenciárias decorrentes de acidente do trabalho em virtude de expressa previsão constitucional. Essa competência diferenciada específica para as ações acidentárias decorre simplesmente de uma questão histórica e da origem das ações trabalhistas e acidentárias. Há projeto de Emenda Constitucional propondo que, finalmente, seja corrigida a questão com a transferência da competência para julgamento da matéria previdenciária decorrente de acidente do trabalho à Justiça Federal.
Palavras-chaves: Competência. Benefício previdenciário decorrente de acidente do trabalho. Projeto de Emenda Constitucional número 278/2008 e 42.2005.
Introdução
A competência prevista para o julgamento das ações previdenciárias decorrentes de acidente de trabalho é da Justiça Estadual, atualmente. É importante que seja feita uma reflexão sobre qual o motivo dessa exceção, haja vista que as demais ações referentes a questões previdenciárias em face do INSS são processadas pela Justiça Federal e as questões trabalhistas referentes a acidentes do trabalho são processadas pela Justiça do Trabalho.
O art. 109 da Constituição Federal, em seu inciso I, prevê expressamente;
“Art.109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I- As causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas ä justiça Eleitoral e à Justiça do trabalho”.
Após controvérsias jurisprudenciais sobre a questão, restou consolidada a competência da Justiça Estadual para o julgamento das ações previdenciárias decorrentes de acidente do trabalho. Também, o enunciado número 15 do STJ e a súmula 235 do STF trataram do tema, conforme a seguir transcrito:
Enunciado 15 do STJ: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho”.
Súmula 235 do STF: “É competente para ação de acidente do trabalho a Justiça Cível comum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora”.
Vale notar, portanto, que se trata de uma questão pacífica e prevista constitucionalmente.
Não obstante todas as matérias referentes a benefícios previdenciários ajuizadas contra o INSS sejam da competência da Justiça Federal, a matéria acidentária tem competência específica na Justiça Estadual.
Vale notar que, ainda que as questões trabalhistas referentes a indenização por acidente de trabalho tenham competência na Justiça do Trabalho, as ações com requerimento do benefício previdenciário acidentário ao INSS devem ser processadas e julgadas na Justiça Estadual.
Diante do exposto, explicitado que se trata de matéria pacífica e constitucional, é importante que estudemos a evolução história da legislação brasileira acerca da competência jurisdicional para que seja possível o entendimento do motivo dessa diferenciação para o ajuizamento do benefício acidentário.
Realizando-se um estudo sobre a origem da legislação referente a acidentes do trabalho é possível constatar que o Decreto 3.724/1919 foi o pioneiro no assunto.
Nesse sentido, justamente para vincular a responsabilidade do seguro de acidente do trabalho ao empregador é que ficou estabelecida a competência para julgamento pela justiça comum, então competente para o litígio trabalhista. Cite-se:
“DECRETO Nº 3.724 - DE 15 DE JANEIRO DE 1919 - DOU DE 31/12/1919
TÍTULO IV - DA AÇÃO JUDICIAL
Art. 21. Recebidos pelo juiz competente o inquérito e documentos de que trata o § 2º do art. 18, será imediatamente instaurado o processo judicial, que deverá ser encerado no prazo máximo de 12 dias, contados da data do acidente. Findo esse prazo será proferida sentença e ordenado o pagamento devido pelo acidente.
Art. 22. Todas as ações que se originarem da presente lei serão processadas perante a justiça comum, segundo as prescrições da respectiva organização judiciária, terão curso sumario e prescreverão no prazo de dous anos.”
Nesse sentido, vale esclarecer que a competência para o julgamento das ações acidentárias tem origem história na Justiça Estadual pelo fato de que, inicialmente, essa demanda estava prevista no âmbito privado a cargo do empregador.
Apenas após a Lei 5.316/67 e a Emenda Constitucional número 01/1969 é que se transferiu ao Estado a responsabilidade pelo seguro de acidente do trabalho[1].
No entanto, muito embora tenha ocorrida toda essa alteração no direito material, com a ingerência do Estado nas questões acidentárias, a matéria processual atinente à competência jurisdicional permaneceu inalterada.
A esse respeito citemos o explicitado pelo doutrinador Wladimir Novaes Martinez em seu livro Princípios de Direito Previdenciário [2] :
“A outorga da competência para dirimir conflitos relativos a acidentes do trabalho à justiça ordinária ou comum tem origem histórica. Quando da organização da Justiça do Trabalho, as causas eram dirimidas pela Justiça Comum e as acidentárias continuaram. Quando o seguro de acidentes do trabalho passou a ser monopólio do Estado, através da administração previdenciária, a competência deveria ser da Justiça Federal, em face do disposto no art. 125, I, da Carta Maior de 1967: “Aos Juízes Federais compete processar e julgar, em primeira instância, I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes -, exceto as de falência e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Militar”.
Em razão de todo o exposto, o que se verifica é que a razão da competência para julgamento das matérias previdenciárias acidentárias tem origem na anterior vinculação do seguro acidentário ao empregador.
É certo que o direito material teve uma grande evolução no curso de décadas, sem que tivesse sido acompanhado pela evolução processual para a matéria.
Por essa razão é que já existem propostas de Emenda à Constituição com o intuito de alterar o citado art. 109, I da Constituição Federal.
No ano de 2008, foi apresentado ao Congresso Nacional do Projeto de Emenda Constitucional 270/2008 pelo autor Marcelo Oriz PV/SP com a proposta de alterar o inciso I do art. 109 da Constituição Federal para transferir a competência para processar e julgar as ações de acidentes de trabalho para a Justiça Federal Comum.
A esse respeito, digno citar um trecho da Justificação apresentada para a mencionada Proposta de Emenda Constitucional:
“JUSTIFICAÇÃO
Buscando contribuir para a ampliação do acesso à Justiça e o aperfeiçoamento dos trabalhos do Poder Judiciário, levamos à consideração dos membros do Congresso Nacional a presente proposta de emenda à Constituição baseada em valiosa sugestão da Associação Nacional dos Procuradores Federais da Previdência Social - ANPPREV, encaminhada com a seguinte exposição de motivos:
“Honra-me levar à douta apreciação de Vossa Excelência o presente anteprojeto de Emenda Constitucional que contempla proposta de alteração da competência jurisdicional de conhecimento, processamento e julgamento da Ações de Acidentes do Trabalho para a Justiça Federal Comum, em prol da segurança e da melhoria nas relações da Administração com os segurados da Previdência Social.
O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é sistema responsável pelas ações de concessão de benefícios de prestação continuada e de serviços em prol dos segurados da Previdência Social e seus respectivos dependentes.
A administração dos benefícios e serviços está a cargo do Instituto Nacional do Seguro (INSS). Por se tratar o INSS de autarquia federal, e na conformidade do artigo 109 da Constituição Federal, todas a demandas de natureza previdenciária, com exceção das decorrentes de acidentes do trabalho, tramitam na Justiça Federal Comum.
Desde a promulgação da atual Carta Magna, a intenção notória do legislador é a unificação do campo acidentário com o previdenciário “stricto sensu”. Este movimento é visível nas Leis nº 8.212/91 e nº 8.213/91, respectivamente, Plano de Custeio e de Benefícios do RGPS.
...”
A respeito do tema, é importante ressaltar que também tramita na Coordenação Legislativa do Senado a PEC 42.2005.
Essa PEC, assim como a outra Proposta de Emenda à Constituição anteriormente mencionada, também tem o objeto de alterar o art.109, I da Constituição Federal, dentre outros temas.
Nesse sentido, vê-se que já houve tanto no Congresso Nacional, como no Senado, a iniciativas de alteração da mencionada competência para julgamento.
A matéria tem grande importância para que se unifique a esfera de competência para atuação do INSS na Justiça Federal.
Por inúmeras razões, só há benefícios nessa alteração de competência proposta.
Atualmente, com duas esferas de competência totalmente distintas, em sendo constado que se trata de enfermidade decorrente de acidente de trabalho em processo em curso na Justiça Federal, o processo tem que ser encaminhado à justiça estadual, ou por vezes, extinto em virtude de se tratar de pedido específico diferente.
Muitas vezes, há conflitos de competência entre a Justiça Federal e Estadual, nesses casos, que podem vir a levar anos para serem sanados.
Destarte, cumpre informar, que o CNJ já se manifestou sobre o tema na nota técnica 11/2010, com alguns trechos a seguir transcritos:
“Nota Técnica nº 11/2010 Ref.: Anteprojeto de Emenda Constitucional e de Lei Ordinária (Publicada no DJ-E nº 170/2010, em 16/09/2010, pág. 27-29)
NOTA TÉCNICA Nº 11/CNJ
...
II – ANÁLISE DAS PROPOSTAS
Em seu parecer sobre os anteprojetos em questão, o Conselheiro Jefferson Kravchychyn assim se manifestou:
01. Trata-se de estudo acerca de Projeto de Emenda Constitucional e Projeto de Lei, com o intuito de alterar normas de competência do Poder Judiciário, relativamente à matéria de cunho previdenciário, encaminhado pelo Ministro de Estado da Previdência Social.
02. Notória é a vultosa carga de trabalho assumida pelo Judiciário Estadual em ações relacionadas a Acidente de Trabalho, oportunidade em que se julga no âmbito estadual, processos em que a Autarquia Previdenciária (INSS) atua como parte.
03. Desse modo, se sujeita a análise das questões acidentárias à decisões que comumente não primam pela tecnicidade esperada, face a ausência de especialidade do julgador em questões de cunho previdenciário. Conseqüência lógica da situação relatada é o grande grau de recorribilidade, gerando acúmulo de questões previdenciárias nos Tribunais Federais e seu maior congestionamento.
04. A alteração da competência jurisdicional das Ações de Acidente de Trabalho proporciona maior segurança e eficiência, conferindo perceptível evolução nas relações entre o judiciário e seus jurisdicionados.
05. Ademais, tem-se num escorço histórico recente, o movimento pela unificação do campo acidentário com aquele estritamente previdenciário. Tal corrente torna-se visível nas Leis nº 8.212/91 e nº 8.213/91, mas ganha real destaque com a Lei nº 9.032/95 momento em que se desfazem as diferenças restantes, em particular no que tange à igualdade nos percentuais e nos critérios de cálculo.
06. O modelo de competência hoje adotado em razão da Constituição Federal de 1988 reflete sua gênese, em que se julgavam questões de seguro de acidente do trabalho, cuja responsabilidade recaía sobre o empregador, conferindo natureza privada a esta relação. Ocorre, contudo, que o norte dessas questões é a concessão de benefícios e serviços, o que se dá notadamente pela Autarquia Previdenciária (INSS).
07. Imperioso ressaltar a alteração trazida pela Emenda Constitucional nº 45, na qual houve o deslocamento da Justiça Estadual para a Justiça do Trabalho das ações de responsabilidade civil do empregador, ações decorrentes de acidente de trabalho fundadas no direito comum.
08. Note-se, que já há a unificação material do direito nessa seara, restando, pois, salutar o mesmo rumo no direito processual vigente. Vale frisar que a atual competência da Justiça Estadual para o julgamento de demandas oriundas de acidentes de trabalho, resulta em enorme prejuízo aos segurados do Regime Geral de Previdência Social. Isso porque os processos são mais morosos, especialmente em decorrência do rito adotado.
09. Sob o crivo da Justiça Federal, as causas cujo valor perseguido fica limitado a 60 (sessenta) salários-mínimos, tramitarão no Juizado Especial Federal, o que está obstado no âmbito estadual em face de Lei nº 9.099/95 que exclui as causas decorrentes de acidente de trabalho dos Juizados Especiais. Assim, o anseio pela celeridade, sabidamente o maior desgaste dos segurados do Instituto Nacional do Seguro Social, que em sua maioria possuem idade avançada e/ou enfermidade; somente se faz atendido com a modificação constitucional proposta.
10. Observando-se as necessidades dos segurados, tem-se que o Judiciário Federal é quem melhor as atende, pois confere vantagens de cunho administrativo e gerencial, com a uniformização de procedimentos, otimização do quadro de funcionários e proporciona, ainda, melhorias no padrão tecnológico, alocação de pessoas, criação de condições padronizadas de rotinas e economicidade.
11. Assim, tenho que a proposta de alteração do inciso I do art. 109 da Constituição Federal e § 3º do art. 15, da Lei nº 5.010/96, que versa acerca da modificação de competência das Ações Acidentárias, da Justiça Estadual para a Justiça Federal, proporciona notável proveito tanto ao jurisdicionado quanto à própria Administração Pública.
12. Recomendo, pois, a aprovação da Emenda Constitucional proposta pela solidez de seus fundamentos bem como pelos motivos exposto alhures.
Acrescente-se aos motivos expostos acima, que a opção pelo critério da distância de no máximo cem quilômetros entre o local de domicílio do beneficiário e o município sede de vara federal afigura-se razoável para manter incólume a intenção do constituinte originário, quando delegou à Justiça Estadual competência para julgamento de demandas afetas à Justiça Federal, qual seja, garantir o livre acesso do segurado ou beneficiário ao Poder Judiciário.
Note-se que a inovação proposta acompanha o intenso processo de interiorização da Justiça Federal levada a efeito nos últimos anos.
III - CONCLUSÃO
Em conclusão, opino pela viabilidade dos anteprojetos, sugerindo seu imediato encaminhamento à Câmara dos Deputados.
Aprovada a Nota Técnica pelo Plenário deste Conselho, encaminhem-se cópias desta ao Ministro da Previdência Social, à Casa Civil da Presidência da República e à Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.
Brasília, 31 de agosto de 2010
Ministro Cezar Peluso
Presidente”
A partir das justificativas acima mencionadas, vê-se que a medida de alteração da competência é favorável tanto aos jurisdicionados como para a autarquia INSS.
Conclusão
A competência diferenciada para os benefícios acidentários decorre de uma origem histórica que restou modificada pela evolução constitucional e legal da matéria acidentária.
Assim, haverá um grande avanço da legislação processual com a atuação do INSS na mesma esfera de competência para todos os tipos de benefícios previdenciários ou acidentários. É importante que todas as demandas decorrentes do direito previdenciário material tenham a competência unificada para que não haja distinção processual para as mesmas partes e segurados.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 de novembro de 2014.
BRASIL. DECRETO Nº 3.724 - DE 15 DE JANEIRO DE 1919 Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=3724&tipo_norma=DEC&data=19190115&link=s> Acesso em: 21 de novembro de 2014.
BRASIL. LEI Nº 5.316, DE 14 DE SETEMBRO DE 1967.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L5316.htm> Acesso em: 21 de novembro de 2014.
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BRASIL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969. Disponívelem:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm> Acesso em: 21 de novembro de 2014.
PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO n.278/2008 Disponível em: www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=584199&filename=Tramitacao-PEC+278/2008> Acesso em: 21 de novembro de 2014.
Nota Técnica nº 11/2010 Ref.: Anteprojeto de Emenda Constitucional e de Lei Ordinária (Publicada no DJ-E nº 170/2010, em 16/09/2010, pág. 27-29). Disponível em: http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/317notastecnicas/11224-nota-tecnica-no-112010> Acesso em: 21 de novembro de 2014
MARTINEZ, Wladimir Novaes, Princípios de direito Previdenciário/Wladimir Noves Martinez – 4. Ed. – São Paulo: LTr. 2001.
COUTO, Clarice; PRATES, Silva de Oliveira. Evolução histórica da legislação acidentária no Brasil. Disponível em: http://www.revistapersona.com.ar/Persona10/10Prates.htm> Acesso em: 21 de novembro de 2014.
[1] COUTO, Clarice; PRATES, Silva de Oliveira. Evolução histórica da legislação acidentária no Brasil. Disponível em: http://www.revistapersona.com.ar/Persona10/10Prates.htm> Acesso em: 21 de novembro de 2014.
[2] MARTINEZ, Wladimir Novaes, Princípios de direito Previdenciário/Wladimir Noves Martinez – 4. Ed. – São Paulo: LTr. 2001
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROMERA, Karine Teixeira Dumet. A competência para julgamento das ações decorrentes de acidente de trabalho e as Propostas de Emenda a Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42479/a-competencia-para-julgamento-das-acoes-decorrentes-de-acidente-de-trabalho-e-as-propostas-de-emenda-a-constituicao-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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