Resumo: O presente artigo se propõe a demonstrar que o projeto técnico de recuperação de pastagens ou lavouras apto a afastar a desapropriação de imóveis rurais por interesse social para fins de reforma agrária, previsto nos artigos 6º § 7º e 7º da Lei nº 8.629/93, só produzirá efeitos se aprovado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
Introdução
Por determinação constitucional, é a União competente para desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social (art. 184 da CF). Definindo o que é o cumprimento da função social, o art. 186 da CF elenca as quatro condicionantes do exercício do direito de propriedade sobre imóvel rural:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Sendo assim, a Constituição Federal determina que a propriedade rural passível de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária deve observar o cumprimento simultâneo dos requisitos previstos no art. 186 da CF. Apesar de não haver hierarquia de valor entre as quatro condicionantes do cumprimento da função social, é notório que a quase totalidade dos feitos expropriatórios para fins de reforma agrária envolvem imóveis classificados como improdutivos, ou seja, imóveis rurais que não atingiram simultaneamente os índices mínimos de produtividade – grau de utilização da terra e grau de eficiência na exploração – previstos no art. 6º, §§ 1º e 2º da Lei nº 8.629/93:
Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.
§ 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.
§ 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática:
I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;
II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;
Como exceção ao dever de produtividade, o §7º do mesmo artigo prevê as excludentes de improdutividade, quais sejam, a força maior, o caso fortuito e o projeto técnico de renovação ou recuperação de pastagens ou lavouras:
§ 7º Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.
Com relação à excludente de existência de projeto técnico de recuperação de lavouras/pastagens, o artigo 7º do mesmo diploma legal impõe o cumprimento de determinados requisitos para que o referido projeto técnico produza os efeitos de afastar a situação de improdutividade, notadamente a necessidade de aprovação pelo órgão federal competente (inciso IV):
Art. 7º Não será passível de desapropriação, para fins de reforma agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de implantação de projeto técnico que atenda aos seguintes requisitos:
I - seja elaborado por profissional legalmente habilitado e identificado;
II - esteja cumprindo o cronograma físico-financeiro originalmente previsto, não admitidas prorrogações dos prazos;
III - preveja que, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da área total aproveitável do imóvel seja efetivamente utilizada em, no máximo, 3 (três) anos para as culturas anuais e 5 (cinco) anos para as culturas permanentes;
IV - haja sido aprovado pelo órgão federal competente, na forma estabelecida em regulamento, no mínimo seis meses antes da comunicação de que tratam os §§ 2o e 3o do art. 2o. (grifos nossos)
Neste contexto e a fim de que não pairem dúvidas acerca do órgão que deve aprovar o projeto em questão, valemo-nos do presente para demonstrar que a exegese da norma em tela conduz ao raciocínio de que o órgão federal competente no regramento referido é o INCRA. Isto se faz necessário para que se afaste o raciocínio simplório de que o simples recolhimento de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) junto ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) sobre o projeto já significaria aprovação do mesmo.
Da competência legal do INCRA para aprovar projeto técnico de recuperação de pastagens ou lavouras
Inicialmente, cumpre apontar que a necessidade de aprovação de projeto técnico pelo órgão competente com a antecedência mínima de 6 meses da comunicação de vistoria ao proprietário é uma inovação positiva da Medida Provisória nº 2.183-56 de 2001, que alterou a Lei nº 8.629/93. Tal alteração foi capaz de evitar que o proprietário de imóvel rural fiscalizado pelo INCRA – ou na iminência de sê-lo – fizesse surgir projeto técnico de recuperação de lavoura ou pastagem durante ou mesmo após a fiscalização do cumprimento da função social pelo imóvel rural. Assim, tem-se hoje a necessidade de prévia aprovação do projeto técnico pelo órgão federal competente em momento anterior – mínimo de 6 meses – à comunicação de vistoria ao proprietário.
Com relação ao órgão federal competente a que se refere o artigo 7º, IV da Lei nº 8.629/93, não temos dúvidas de que é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA o órgão competente para receber e aprovar tais projetos, como em geral ocorre, malgrado o desejo de alguns de que o simples recolhimento de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) junto ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) sobre o projeto já fosse suficiente para que o mesmo fosse considerado aprovado.
De fato, a Lei nº 8.629/93 menciona em três distintos artigos a expressão órgão federal competente. Confira-se:
Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.
(...)
§2º Para os fins deste artigo, fica a União, através do ÓRGÃO FEDERAL COMPETENTE, autorizada a ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário, preposto ou seu representante.
(...)
Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo ÓRGÃO FEDERAL COMPETENTE.
(...)
IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo ÓRGÃO FEDERAL COMPETENTE.
(...)
Art. 7º Não será passível de desapropriação, para fins de reforma agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de implantação de projeto técnico que atenda aos seguintes requisitos:
(...)
IV - haja sido aprovado pelo ÓRGÃO FEDERAL COMPETENTE, na forma estabelecida em regulamento, no mínimo seis meses antes da comunicação de que tratam os §§ 2o e 3o do art. 2o. (grifos nossos)
Criado em 9 de julho de 1970 pelo Decreto-Lei n.º 1.110, o INCRA possui suas disposições e finalidades regulamentadas pelo Decreto n.º 5.735/2006, cujo art. 2º define as competência do órgão:
Art. 2º. O INCRA tem os direitos, competências, atribuições e responsabilidades estabelecidos na Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra) e legislação complementar, em especial a promoção e a execução da reforma agrária e da colonização.
Citada lei prevê:
Art. 22. É o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária autorizado, para todos os efeitos legais, a promover as desapropriações necessárias ao cumprimento da presente Lei.
Logo, sendo o INCRA o órgão federal competente para ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, assim como o é para fixar índices de graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, não pode haver dúvidas de que também é a autarquia agrária o órgão federal competente para a aprovação ou não de projetos técnicos que visam justamente impedir a classificação do imóvel como improdutivo.
Conclusão
Pelo acima exposto, concluímos que a simples elaboração de projeto técnico de recuperação de pastagens ou lavouras por profissional habilitado com recolhimento de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) junto ao CREA não é suficiente para o atendimento do requisito do inciso IV do art. 7º da Lei nº 8.629/93 que trata de uma das excludentes de improdutividade, sendo necessário que tal projeto seja aprovado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
Referências
Lei 8629/93 comentada por procuradores federais : uma contribuição da PFE/Incra para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo / Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra. – Brasília : INCRA, 2011, p. 100
Marques, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro, 10ª ed, São Paulo: Atlas, 2012, p. 143
Procurador Federal .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GONDIM, Carlos Henrique Naegeli. Da competência legal do INCRA para aprovar projeto técnico de recuperação de pastagens ou lavouras no bojo de desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42482/da-competencia-legal-do-incra-para-aprovar-projeto-tecnico-de-recuperacao-de-pastagens-ou-lavouras-no-bojo-de-desapropriacao-de-imovel-rural-para-fins-de-reforma-agraria. Acesso em: 23 dez 2024.
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