Resumo: O dano extrapatrimonial coletivo em decorrência de lesões ao meio ambiente não se vincula à noção de dor e de sofrimento psíquico. A lesão ao patrimônio moral não está vinculada à reversibilidade do dano ao meio ambiente. Qualquer agressão ao meio ambiente, ainda que de forma reflexa, carece de uma reparação integral. Necessidade de reparação do dano em si e de condenação do agressor numa indenização pelo dano extrapatrimonial violado. Perfeitamente possível a cumulação da obrigação de recompor o meio ambiente e de condenação ao pagamento pelo dano moral coletivo.
Palavras-Chave: Dano extrapatrimonial coletivo. Reparação integral. Não vinculação à reversibilidade do dano. Imprescindibilidade de indenização.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo tecer uma análise a cerca da noção de dano extrapatrimonial coletivo em virtude da prática de condutas lesivas ao meio ambiente e a necessidade de reconhecimento de que toda agressão ao meio ambiente, ainda que de forma reflexa, enseja uma reparação integral a assegurar não só a reparação do dano em si, mas a condenação do agressor numa indenização pelo dano extrapatrimonial coletivo violado.
O estudo mostrará que o Superior Tribunal de Justiça-STJ vem consagrando o princípio da reparação integral, em que o dano extrapatrimonial coletivo prescinde da prova de dor, sentimento ou abalo psicológico sofridos pelo indivíduos e independe da reversibilidade do dano ao meio ambiente.
DESENVOLVIMENTO
A tutela constitucional ao meio ambiente assegura que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Nesse diapasão, a legislação infraconstitucional impõe ao poluidor e ao degradador o dever de reparação do bem ambiental como uma das diretrizes da política nacional do meio ambiente. Nestes termos, cita-se o art. 4º, inciso VII, da Lei 6.938/81, in verbis:
“Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
(...)
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”
Já o §1°, do art. 14 da referida Lei 6.938/81 prevê que sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Nesse contexto, observa-se que nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da reparação integral, no âmbito do Direito Ambiental, o que vem sendo tranquilamente aceito pelo nosso Superior Tribunal de Justiça-STJ.
A reparação integral do dano perpetrado ao meio ambiente, deve compreender toda a extensão dos danos produzidos em consequência do fato danoso, como se extrai da lição de Álvaro Luiz Valery Mirra, senão vejamos:
“Nesse sentido, a reparação integral do dano ao meio ambiente deve compreender não apenas o prejuízo causado ao bem ou recurso ambiental atingido, como também, na lição de Helita Barreira Custódio, toda a extensão dos danos produzidos em conseqüência do fato danoso, o que inclui os efeitos ecológicos e ambientais da agressão inicial a um bem ambiental corpóreo que estiverem no mesmo encadeamento causal, como, por exemplo, a destruição de espécimes, habitats e ecossistemas inter-relacionados com o meio afetado; os denominados danos interinos, vale dizer, as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do prejuízo e a efetiva recomposição do meio degradado; os danos futuros que se apresentarem como certos, os danos irreversíveis à qualidade ambiental e os danos morais coletivos resultantes da agressão a determinado bem ambiental.” [destaquei]
O dano moral deve ser entendido como aquele que decorre da violação aos direitos da personalidade enquanto expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, em que o próprio fato, por si só, já configura o dano.
Tal situação se confirma quando se observa o teor do art. 5°, V, de nossa Carta Magna que prevê a possibilidade de indenização por dano moral sem trazer qualquer restrição da violação à esfera individual.
Desse modo, o dano extrapatrimonial coletivo verifica-se de plano com a prática de conduta que cause dano ao meio ambiente, pois não há como dissociar o meio ambiente equilibrado da qualidade de vida, posto que meio ambiente deteriorado, ou não preservado, redunda em diminuição de um valor referente a uma expectativa de vida sadia, causando sensação negativa e perda em seu sentido coletivo da personalidade.
Quanto ao tema cumpre destacar o voto da então Ministra do STJ, Eliana Calmon, em que se reconhece que o dano extrapatrimonial coletivo prescinde da prova de dor, sentimento ou abalo psicológico sofridos pelo indivíduos, como se extrai de trecho do julgamento proferido no REsp 1.057.274, senão vejamos:
“Não aceito a conclusão da 1ª Turma, por entender não ser essencial à caracterização do dano extrapatrimonial coletivo prova de que houve dor, sentimento, lesão psíquica, afetando "a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (Clayton Reis, Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 236), "tudo aquilo que molesta a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado" (Yussef Said Cahali, Dano Moral, 2ª ed., São Paulo: RT, 1998, p. 20, apud Clayton Reis, op. cit., p. 237), pois como preconiza Leonardo Roscoe Bessa: (...) a indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da absoluta impropriedade da denominação dano moral coleitvo , a qual traz consigo - indevidamente - discussões realtivas à própria concepção do dano moral no seu aspecto individual.(apud Dano Moral Coletivo, p. 124)
Na doutrina, já há vários pronunciamentos pela pertinência e necessidade de reparação do dano moral coletivo. José Antônio Remédio, José Fernando Seifarth e José Júlio Lozano Júnior informam a evolução doutrinária: Diversos são os doutrinadores que sufragam a essência da existência e reparabilidade do dano moral coletivo: Limongi França sustenta que é possível afirmar a existência de dano moral "à coletividade, como sucederia na hipótese de se destruir algum elemento do seu patrimônio histórico ou cultural, sem que se deva excluir, de outra parte, o referente ao seu patrimônio ecológico".
Carlos Augusto de Assis também corrobora a posição de que é possível a existência de dano moral em relação à tutela de interesses difusos, indicando hipótese em que se poderia cogitar de pessoa jurídica pleiteando indenização por dano moral, como no caso de ser atingida toda uma categoria profissional, coletivamente falando, sem que fosse possível individualizar os lesados, caso em que se ria conferida legitimidade ativa para a entidade representativa de classe pleitear indenização por dano moral.
A sustentar e esclarecer seu posicionamento, aponta Carlos Augusto de Assis, a título de exemplo: "Imagine-se o caso de a classe dos advogados sofrer vigorosa campanha difamatória. Independente dos danos patrimoniais que podem se verificar (e que também seriam de difícil individualização) é quase certo que os advogados, de uma maneira geral, experimentariam penosa sensação de desgosto, por ver a profissão a que se dedicam desprestigiada. Seria de admitir que a entidade de classe (no caso, a Ordem dos Advogados do Brasil) pedisse indenização pelo dano moral sofrido pelos advogados considerados como um todo, a fim de evitar que este fique sem qualquer reparação em face da indeterminação das pessoas lesadas.
Carlos Alterto Bittar Filho leciona: "quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico".
Assim, tanto o dano moral coletivo indivisível (gerado por ofensa aos interesses difusos e coletivos de uma comunidade) como o divisível (gerado por ofensa aos interesses individuais homogêneos) ensejam reparação.
Doutrinariamente, citam-se como exemplos de dano moral coletivo aqueles lesivos a interesses difusos ou coletivos: "dano ambiental (que consiste na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e à saúde da coletividade), a violação da honra de determinada comunidade (a negra, a judaica etc.) através de publicidade abusiva e o desrespeito à bandeira do País (o qual corporifica a bandeira nacional). (in Dano moral.Doutrina, jurisprudência e legislação . São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 34-5).
E não poderia ser diferente porque as relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do Direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A reparação civil segue em seu processo de evolução iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Súmula 227/STJ).” (destaquei)
Ademais cumpre trazer à baila, a doutrina de José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, conforme referido no voto do julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 1.367.923 - RJ (2011/0086453-6) da lavra do MINISTRO HUMBERTO MARTINS, senão vejamos:
"Ademais, não há como dissociar o meio ambiente equilibrado da qualidade de vida, posto que meio ambiente deteriorado, ou não preservado, redunda em diminuição de um valor referente a uma expectativa de vida sadia, causando sensação negativa e perda em seu sentido coletivo da personalidade, consistente em um dano extrapatrimonial."
(...)
Deve-se registrar também que o dano extrapatrimonial ambiental não tem mais como elemento indispensável a dor em seu sentido moral de mágoa, pesar, aflição, sofrido pela pessoa física. A dor, na qual se formulou a teoria do dano moral individual, conforme esboçado anteriormente, acabou abrindo espaço a outros valores que afetam negativamente a coletividade, como é o caso da lesão imaterial ambiental.
Assim, deve-se destacar que a dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao sentimento moral individual, mas não propriamente este, uma vez que concerne a um bem ambiental, indivisível, de interesse comum, solidário e relativo a um direito fundamental de toda coletividade ." (Dano Ambiental - Do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 3ª Edição revista, atualizada e ampliada, Editora Revista dos Tribunais, p. 285 e 286)” (grifei)
De outro lado é preciso destacar que a condenação pecuniária deve referir-se não só à compensação dos prejuízos que não puderam ser diretamente reparados, mas também ao dano que a ausência daquela área verde representou para a coletividade e à necessidade de evitar que o fato danoso volte a repetir-se pelo atual poluidor ou por outros, assumindo a condenação aqui, uma natureza educativa, o que impõe que a lesão ao patrimônio moral não esteja vinculada à reversibilidade do dano ao meio ambiente.
Nesse sentido, cumpre destacar a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça-STJ, no sentido de que ainda que de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá ensejo ao dano moral coletivo e pela aplicação do princípio hermenêutico in dubio pro natura, senão vejamos:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO A DANO EXTRAPATRIMONIAL OU DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA.
1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso.
2. A Segunda Turma recentemente pronunciou-se no sentido de que, ainda que de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá ensejo ao dano moral coletivo.
3. Haveria contra sensu jurídico na admissão de ressarcimento por lesão a dano moral individual sem que se pudesse dar à coletividade o mesmo tratamento, afinal, se a honra de cada um dos indivíduos deste mesmo grupo é afetada, os danos são passíveis de indenização.
4. As normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura. Recurso especial improvido. (STJ- REsp 1367923 / RJ- SEGUNDA TURMA- DJe 06/09/2013) [grifei]
Por fim, não se pode olvidar que a jurisprudência de nosso Superior Tribunal de Justiça-STJ, já pacificou entendimento de que é perfeitamente possível a cumulação da obrigação de recompor o meio ambiente e de condenação ao pagamento pelo dano moral coletivo, senão vejamos:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. CUMULAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE RECOMPOSIÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO.
Na hipótese de ação civil pública proposta em razão de dano ambiental, é possível que a sentença condenatória imponha ao responsável, cumulativamente, as obrigações de recompor o meio ambiente degradado e de pagar quantia em dinheiro a título de compensação por dano moral coletivo. Isso porque vigora em nosso sistema jurídico o princípio da reparação integral do dano ambiental, que, ao determinar a responsabilização do agente por todos os efeitos decorrentes da conduta lesiva, permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar. Ademais, deve-se destacar que, embora o art. 3º da Lei 7.347/1985 disponha que "a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer", é certo que a conjunção "ou" – contida na citada norma, bem como nos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei 6.938/1981 – opera com valor aditivo, não introduzindo, portanto, alternativa excludente. Em primeiro lugar, porque vedar a cumulação desses remédios limitaria, de forma indesejada, a Ação Civil Pública – importante instrumento de persecução da responsabilidade civil de danos causados ao meio ambiente –, inviabilizando, por exemplo, condenações em danos morais coletivos. Em segundo lugar, porque incumbe ao juiz, diante das normas de Direito Ambiental – recheadas que são de conteúdo ético intergeracional atrelado às presentes e futuras gerações –, levar em conta o comando do art. 5º da LINDB, segundo o qual, ao se aplicar a lei, deve-se atender “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, cujo corolário é a constatação de que, em caso de dúvida ou outra anomalia técnico-redacional, a norma ambiental demanda interpretação e integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura, haja vista que toda a legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos há sempre de ser compreendida da maneira que lhes seja mais proveitosa e melhor possa viabilizar, na perspectiva dos resultados práticos, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma. Por fim, a interpretação sistemática das normas e princípios ambientais leva à conclusão de que, se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado, isto é, restabelecido à condição original, não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, no futuro, de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no âmbito da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano. Cumpre ressaltar que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos processos ecológicos em si mesmos considerados). Em suma, equivoca-se, jurídica e metodologicamente, quem confunde prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e nova lesão (obrigação de não fazer). [ REsp 1.328.753-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/5/2013.] (grifei)
CONCLUSÃO
Diante de todas as considerações aqui trazidas, pode-se concluir com tranquilidade que toda agressão ao meio ambiente, ainda que de forma reflexa, carece de uma reparação integral, pois tal agressão se revela intolerável e de grande repercussão social, a ensejar não só a reparação do dano em si, mas a condenação do agressor numa indenização pelo dano extrapatrimonial coletivo violado.
Ademais, tem-se que o dano extrapatrimonial coletivo em decorrência da prática de condutas lesivas ao meio ambiente não se vincula à noção de dor e de sofrimento psíquico e nem está vinculada à reversibilidade do dano ambiental, sendo perfeitamente possível a cumulação da obrigação de recompor o meio ambiente e de condenação ao pagamento pelo dano moral coletivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público pela Unifacs-Universidade Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Caroline Menezes. Dano Extrapatrimonial coletivo em virtude da prática de condutas lesivas ao meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42511/dano-extrapatrimonial-coletivo-em-virtude-da-pratica-de-condutas-lesivas-ao-meio-ambiente. Acesso em: 23 dez 2024.
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