RESUMO: a doença preexistente à filiação, ao contrário da incapacidade preexistente, não obsta, por si só, a concessão de benefício de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez.
Palavras-chave: Previdência Social, doença preexistente, incapacidade, filiação, carência, qualidade de segurado.
1. Introdução e conceitos iniciais
A lei 8.213/91, em seu art. 42, §2º, traz dispositivo que parece limitar o direito à percepção de aposentadoria por invalidez ao segurado que sofre de doença ou lesão preexistente à filiação ao Regime Geral de Previdência Social, nos seguintes termos:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
[...]
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
O parágrafo único do art. 59 traz dispositivo semelhante, aplicando a limitação também ao benefício de auxílio-doença.
Na verdade, como se observa da leitura dos dispositivos, o dado mais relevante para a aferição do direito ao benefício não é a data em que surgiu a doença ou lesão, mas sim a data em que se iniciou a incapacidade para o trabalho.
A preexistência de doença ou lesão, ao contrário da impressão que se possa tirar da leitura apressada do art. 42, é irrelevante, como regra, para a concessão de benefício (salvo em algumas situações que serão abaixo mencionadas). Caso o segurado venha a ficar incapacitado após longo período de doença que não esteja prevista na legislação previdenciária entre as causas de dispensa de carência, a concessão do benefício dependerá da data de início da incapacidade, não importando se a doença é anterior ou posterior à filiação.
O motivo da distinção é que a previdência social tem como objetivo proteger o trabalhador contra os eventos que lhe retiram a aptidão ao trabalho¹. Estando o indivíduo acometido de doença ou lesão, mas apto ao trabalho, não há razão para obstar seu ingresso no sistema ou lhe dificultar a percepção de benefícios.
Assim, é perfeitamente possível e legítimo, nos termos da legislação pátria, que o trabalhador que seja portador de doença ou lesão mas não esteja incapacitado para o trabalho filie-se ao INSS para se proteger de complicações futuras, mesmo se houver doença incurável que possa eventualmente levar à incapacidade. Ao contrário da incapacidade preexistente, a doença preexistente, por si só, não retira do segurado o direito ao benefício.
As questões controvertidas surgem quando a incapacidade para o trabalho ocorre em data em que o autor não preenche os dermas requisitos do benefício, a saber, qualidade de segurado e carência. Tratam-se de requisitos distintos, com efeitos diversos, que às vezes são confundidos pelos operadores do direito ao tratar desses dois benefícios.
Passamos a tratar de cada um desses institutos, mantendo o foco nos benefícios aqui discutidos.
2. Qualidade de segurado e carência
Tanto a aposentadoria por invalidez quanto o auxílio-doença tem como requisito a qualidade de segurado. A qualidade de segurado é adquirida pela filiação à Previdência Social. Para os trabalhadores celetistas, a filiação é automática, enquanto para os contribuintes individuais e segurados facultativos há necessidade do ato formal de inscrição².
Caso o segurado se afaste do Regime Geral de Previdência Social, deixando de trabalhar ou de contribuir, ele perderá a qualidade de segurado, em regra, em período que varia entre três e trinta e seis meses, podendo a qualidade ser mantida se o segurado estiver incapaz para o trabalho ou recebendo benefício, nos termos do art. 15 da Lei 8.213/91. Já o art. 102 determina que a perda da qualidade de segurado gera a perda de todos os direitos que essa condição confere.
Por isso, caso o trabalhador fique incapacitado sem ter qualidade de segurado, não haverá direito a auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, independentemente do tipo de doença ou lesão, mesmo se advinda a incapacidade de acidente de qualquer natureza.
A carência, por sua vez, na definição do art. 24 da Lei 8.213/91 é “o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício”. Tanto o auxílio-doença quanto a aposentadoria por invalidez exigem carência de doze contribuições.
Assim como a qualidade de segurado, a carência pode ser “perdida” e “recuperada”, conforme dispõe o parágrafo único do art. 24, que determina:
Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Como se observa, a perda da qualidade de segurado gera a perda da carência. A recuperação da qualidade de segurado, no entanto, não gera a imediata recuperação da carência, devendo o segurado realizar ao menos um terço do número de contribuições exigidas para o benefício que visa obter.
No caso dos benefícios em estudo, portanto, caso o segurado complete a carência e posteriormente venha a perder a qualidade de segurado, deverá completar aos menos quatro meses de contribuição para poder obter algum desses benefícios.
Isso significa que, pra os fins de concessão de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, é possível que o segurado tenha essa qualidade mas não tenha completado a carência, mas não é possível que ele complete a carência sem ter a qualidade de segurado, uma vez que a carência é perdida junto com ela, devendo ser recuperada posteriormente.
Há certas doenças e lesões, no entanto, que dispensam o cumprimento da carência (ao contrário do que ocorre com qualidade de segurado, que é sempre necessária). Nesse sentido, determina o art. 26, e seu inciso II:
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
[...]
II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;
A portaria interministerial MPAS/MS nº 2.998/2001 regulamenta o dispositivo:
Art. 1º As doenças ou afecções abaixo indicadas excluem a exigência de carência para a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez aos segurados do Regime Geral de Previdência Social - RGPS:
I - tuberculose ativa;
II - hanseníase;
III- alienação mental;
IV- neoplasia maligna;
V - cegueira
VI - paralisia irreversível e incapacitante;
VII- cardiopatia grave;
VIII - doença de Parkinson;
IX - espondiloartrose anquilosante;
X - nefropatia grave;
XI - estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante);
XII - síndrome da deficiência imunológica adquirida - Aids;
XIII - contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada; e
XIV - hepatopatia grave.
A análise conjunta dos dispositivos demonstra que, caso o segurado fique incapaz para o trabalho após cumprir a carência necessária, ele terá direito ao benefício, sendo irrelevante a natureza ou data de início da doença ou lesão. Por outro lado, caso sofra acidente de qualquer natureza ou doença profissional, terá direito ao benefício, quer tenha cumprido a carência ou não, contanto que esteja presente a qualidade de segurado.
Caso fique incapaz antes de completar a carência,não terá direito ao benefício, a não ser que a doença ou lesão seja uma daquelas previstas no art. 26, II.
No entanto, não se aplica a exceção do art. 26, II, no caso da doença ter surgido antes da filiação do segurado à Previdência Social, uma vez que a lei expressamente diz que a carência será dispensada “nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções”. O mesmo raciocínio se aplica no caso de nova filiação, bastando, no entanto, quatro contribuições para que se recupere as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado.
Como exemplo desse último caso, podemos citar a situação daquele que, embora nunca tenha contribuído para a Previdência Social, é acometido por doença grave, de cura improvável, que dispensa a carência. Caso ainda esteja capaz para o trabalho, não há impedimento para que ele se filie ao Regime Geral de Previdência Social, mesmo que seu prognóstico seja sombrio. Por outro lado, caso a doença o torne incapaz para o trabalho antes do cumprimento da carência de doze meses, não haverá direito ao benefício, por faltar um dos seus requisitos.
3. Conclusão
Os conceitos de doença, lesão e incapacidade, assim como os conceitos de carência e qualidade de segurado, são distintos e tem efeitos diferentes. A doença ou lesão preexistentes não obstam, por si sós, o ingresso ao Regime Geral da Previdência Social, nem impedem a percepção de benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o que dependerá, em regra, da data de início da incapacidade para o trabalho.
NOTAS:
¹ KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. – 7. edição – Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 30.
² SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 125.
REFERÊNCIAS:
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011.
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. – 7. edição – Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 51.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 3. ed. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária de Direito, 2007.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Geral Federal de Santos-SP, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVIAN, Eduardo. A doença preexistente no direito previdenciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42512/a-doenca-preexistente-no-direito-previdenciario. Acesso em: 23 dez 2024.
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