Resumo: O presente artigo se propõe a estabelecer e aclarar as diferenças entre os conceitos dimensionais do imóvel rural extraídos do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), notadamente o Módulo Rural, o Módulo Fiscal e a Fração Mínima de Parcelamento do imóvel rural.
Introdução
No último dia 30 de novembro de 2014 o Estatuto da Terra – Lei nº 4.504/64 – comemorou 50 anos de existência no ordenamento brasileiro. Malgrado sua idade avançada, alguns conceitos dimensionais do imóvel rural expressamente previstos no Estatuto como o Módulo Rural e o Módulo Fiscal e outro extraído do diploma legal como a Fração Mínima de Parcelamento (FMP) ainda geram dúvidas a respeito de sua aplicação.
Com efeito, o Estatuto da Terra previa mecanismos de classificação dos imóveis rurais que acabaram se mostrando por demais complexos, sendo então simplificados ao longo do tempo. Analisaremos neste trabalho os conceitos que qualificam o imóvel rural como grande, média e pequena propriedades e, ainda, impõem limites a seu desmembramento.
Embora não esteja expressamente prevista no Estatuto da Terra, a Fração Mínima de Parcelamento do imóvel rural pode ser extraída do art. 65 do Diploma Legal, tendo sido expressamente prevista na Lei 5.868/73.
Módulo Rural, Módulo Fiscal e Fração Mínima de Parcelamento do imóvel rural
Preliminarmente, convém lembrar que o conceito de imóvel rural para o Direito Agrário difere da noção civilista imobiliária. De fato, enquanto que para o Direito Civil o conceito de imóvel está ligado ao aspecto registral – a matrícula imobiliária –, para o Direito Agrário o imóvel rural é o prédio rústico de área contínua, independente de sua localização, utilizado para exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial. Este é o conceito trazido pelo Estatuto da Terra em seu artigo 4º:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;
Não por acaso, o também artigo 4º da Lei nº 8.629/93, que rege a Reforma Agrária atualmente, repetiu o conceito trazido pelo Estatuto da Terra:
Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:
I- Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;
Assim, temos que o conceito de imóvel rural toma em conta a unidade de exploração rural, independente da quantidade de matrículas ou da pluralidade de proprietários que integram a área de exploração unitária. Portanto, as classificações dimensionais dos imóveis rurais em pequena, média e grande propriedades e os limites de fracionamento do imóvel rural se aplicam à área de unidade de exploração – ou seja, ao imóvel rural – e não às matrículas que o integram. Isto faz com que um imóvel rural classificado como grande propriedade possa ser composto de uma pluralidade de matrículas que, se fossem tomadas individualmente, seriam considerados pequenos imóveis.
Feitos os esclarecimentos acima, passaremos à analise dos conceitos de Módulo Rural, Módulo Fiscal e Fração Mínima de Parcelamento. O Módulo Rural é assim conceituado pelo Estatuto da Terra:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
(...)
II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
III - "Módulo Rural", a área fixada nos termos do inciso anterior;
Assim como vários outros conceitos presentes no Estatuto da Terra, o conceito de Módulo Rural possui forte carga programática, estabelecendo parâmetros para a fixação de unidades dimensionais do imóvel rural e aludindo a noções abertas e indefinidas como “subsistência e progresso social e econômico”. Na mesma linha, o Decreto nº 55.891/65, regulamentador dos dispositivos iniciais do Estatuto da Terra, em seus artigos 11 a 24, estabeleceu parâmetros do Módulo Rural. Em apertada síntese, tais dispositivos legais estabelecem que o Módulo Rural seria a área necessária para a sobrevivência no campo de uma família, levando-se em conta as características regionais, a localização do imóvel e os aspectos econômicos e ecológicos que o envolvem.
Na prática, os dispositivos legais do Módulo Rural estabeleceram parâmetros para a fixação de dois conceitos dimensionais do imóvel rural: o Módulo Fiscal e a Fração Mínima de Parcelamento.
Ao contrário do Módulo Rural, o Módulo Fiscal é medida objetiva, expresso em hectares, inicialmente utilizado para classificação dos imóveis para fins de fixação de alíquota de Imposto Territorial Rural (ITR). O Estatuto da Terra, com redação dada pela Lei nº 6.746/79, assim o define:
Art. 50. (...)
§ 2º O módulo fiscal de cada Município, expresso em hectares, será determinado levando-se em conta os seguintes fatores:
a) o tipo de exploração predominante no Município:
I - hortifrutigranjeira;
Il - cultura permanente;
III - cultura temporária;
IV - pecuária;
V - florestal;
b) a renda obtida no tipo de exploração predominante;
c) outras explorações existentes no Município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada;
d) o conceito de "propriedade familiar", definido no item II do artigo 4º desta Lei.
§ 3º O número de módulos fiscais de um imóvel rural será obtido dividindo-se sua área aproveitável total pelo modulo fiscal do Município.
Extrapolando a função tributária, o Módulo Fiscal hoje assume o papel de definir a pequena, a média e a grande propriedades, sendo fixado de acordo com características regionais e sendo variável de município para município. Vale dizer, hoje cada município tem um valor em hectares para o Módulo Fiscal. Exemplo: o Módulo Fiscal do Município “A”, por suas características, é de 17 hectares enquanto o Município vizinho “B” tem por Módulo Fiscal 14 hectares.
Assim, a Lei nº 8.629/93 definiu que a pequena propriedade é o imóvel rural com até 4 módulos fiscais e a média o imóvel rural com área superior a 4 e até 15 módulos fiscais, pelo que se entende que a grande propriedade é o imóvel rural com área superior a 15 módulos fiscais. Confira-se:
Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:
(...)
II - Pequena Propriedade - o imóvel rural:
a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;
(...)
III - Média Propriedade - o imóvel rural:
a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais;
Já a Fração Mínima de Parcelamento (FMP), extraída do art. 65 do Estatuto da Terra e de seu Decreto Regulamentador 59.428/66, veio a ser de fato criada pela Lei 5.868/72 para definir o limite de desmembramento de um imóvel rural, de maneira a evitar que as áreas remanescentes do desmembramento, de tão diminutas, venham a se tornar inviáveis para a exploração de atividades rurais:
Art. 8º - Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do Art. 65 da Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área.
§ 1º - A fração mínima de parcelamento será:
a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados;
b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C;
c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D.
Desta forma, a Fração Mínima de Parcelamento (FMP), variável por município e também atenta a aspectos regionais, econômicos e ecológicos que influenciam o imóvel, define a medida mínima, em hectares, que um imóvel deve ter para permanecer economicamente viável, impedindo o fracionamento que inviabilize a exploração rural do mesmo. Exemplo: o Município “C” tem FMP de 4 hectares.
Importante salientar que o art. 65 do Estatuto da Terra, ao mesmo tempo em que indica a impossibilidade de fracionamento do imóvel rural em dimensão inferior ao módulo rural – hoje Fração Mínima de Parcelamento –, prevê casos em que tal fracionamento é permitido. Tal ocorre no § 5º do mencionado art. 65, assim como nos artigos 64, II e 61 §2º do mesmo Estatuto. Não é por outra razão que o art. 2º do Decreto 62.504/68, os artigos 94 a 98 do Decreto 59.428/66 e a Instrução Normativa INCRA 17-b de 22/12/1980 disciplinam desmembramentos de imóveis rurais menores que o módulo rural; leia-se, menores que a Fração Mínima de Parcelamento.
Portanto, temos que o Módulo Fiscal e a Fração Mínima de Parcelamento, na prática cotidiana, são os principais instrumentos para as classificações dimensionais do imóvel rural, sem prejuízo da existência de outros como o Módulo de Exploração Indefinida e o Módulo de Exploração Definida.
Conclusão
Pelo acima exposto, concluímos que, do ponto de vista das normas cadastrais dos imóveis rurais, o conceito de Módulo Rural informa dois instrumentos dimensionais objetivos: o Módulo Fiscal e a Fração Mínima de Parcelamento (FMP). O Módulo Rural, assim como outros conceitos presentes no Estatuto da Terra, é dotado de cunho programático porém pouco prático. Vale dizer, o Módulo Rural não é medida cadastral. De fato, os instrumentos dimensionais objetivos do imóvel rural são o Módulo Fiscal e a Fração Mínima de Parcelamento (FMP), sendo o conceito de Módulo Rural um elemento que possibilita o cálculo dos valores objetivos, em hectares, de Módulo Fiscal e de Fração Mínima de Parcelamento (FMP).
Ou seja, o Módulo Rural possui carga variável e subjetiva, relacionando-se com a dimensão necessária à sobrevivência de uma família no campo em dada situação econômica estrutural e conjuntural, enquanto a o Módulo Fiscal e a Fração Mínima de Parcelamento (FMP) possuem carga objetiva, sendo padrões dimensionais, medidos em hectares e variáveis para cada município.
Referências
Lima, Raphael Augusto de Mendonça. Direito Agrário, 2ª edição, Rio de Janeiro, Renovar, 1997
Marques, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro, 10ª edição, São Paulo: Atlas, 2012,
Procurador Federal .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GONDIM, Carlos Henrique Naegeli. Estatuto da Terra: diferenças entre Módulo Rural, Módulo Fiscal e Fração Mínima de Parcelamento do imóvel rural Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42530/estatuto-da-terra-diferencas-entre-modulo-rural-modulo-fiscal-e-fracao-minima-de-parcelamento-do-imovel-rural. Acesso em: 23 dez 2024.
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