O amplo e livre acesso à justiça é característica da sociedade brasileira atual. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, estabelece como direito fundamental o princípio da inafastabilidade da jurisdição, dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
É inconteste que após a promulgação da CF/88 houve um grande avanço no que se refere ao acesso à justiça, sendo que hodiernamente o cidadão se sente confortável e seguro em bater às portas do Poder Judiciário, clamando por solução para os conflitos em que está envolvido.
Porém, se por um lado quem intenta ações judiciais têm garantias, por outro, deve-se franquear ao demandado um leque de direitos que lhe permita a defesa mais justa possível. Vários são os direitos do réu, contudo, talvez o mais abrangente e do qual decorrem quase todas os demais princípios e regras seja o princípio (garantia) do contraditório e ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV, da CF/88, verbis:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (1994, página 55) trazem o seguinte ensinamento sobre referido princípio:
“O juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas eqüidistante delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do juiz. Somente pela soma da parcialidade das partes (uma representado a tese e a outra, a antítese) o juiz pode corporificar a síntese, em um processo dialético. É por isso que foi dito que as partes, em relação ao juiz, não têm papel de antagonistas, mas sim de “colaboradores necessários”: cada um dos contendores age no processo tendo em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve.”
destaques no original
O Código de Processo Civil disciplina os direitos e deveres das partes na relação jurídica processual, regulando especificamente qual o ônus probatório do autor e do réu. Com efeito, assim dispõe o artigo 333:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Porém, em alguns casos, o autor decide desistir da ação que intentou durante o seu transcurso. Nessa hipótese, é razoável que se escute o réu a respeito, sobretudo pelo fato de que o demandado pode ter legítimo interesse em ver o caso julgado de forma definitiva.
Em relação à desistência do feito, assim dispõe o Código de Processo Civil:
Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito:
(...) VIII - quando o autor desistir da ação;
(...) § 4º Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação."
Primeiramente, veja-se que a desistência da ação gera a extinção do processo sem julgamento do mérito. Ou seja, caso o processo seja extinto por tal razão, poderá o autor ingressar novamente com o mesmo pedido, mantendo o réu inseguro quanto à discussão daqueles fatos levados uma vez ao conhecimento do Judiciário e, ademais, sobre os quais teve ele de se defender.
Tendo isso em conta, o legislador processual adotou medida que preserva a segurança jurídica e que condiciona a desistência da ação ao consentimento do réu, caso já tenha sido formada a relação jurídica processual (com a citação) e se esgotado o prazo para resposta.
Várias são as razões que levaram o legislador a seguir o caminho ora exposto, porém, sem a pretensão de esgotar o tema, destacam-se algumas justas ponderações para a regra adotada pelo Código de Processo Civil.
Em primeiro lugar, quando o réu é citado tem conhecimento do demanda contra si que lhe oferece risco de derrota. Preocupa-se, então, em bem fazer sua defesa para provar que não agiu em desacordo com o direito. Portanto, é razoável que após este esforço em buscar expor e provar suas razões tenha um pronunciamento judicial definitivo sobre a questão.
Com efeito, nos termos do artigo 333, inciso II, do CPC, já transcrito acima, o réu se tem o ônus de provar fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito alegado pelo autor. Após se desincumbir disto, tem todo o interesse em ouvir do Estado-Juiz quem tem razão (ele ou o autor).
Com efeito, como tem de comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, é evidente o interesse do réu em ver a demanda ser julgada no mérito, tornando legítima e justificada a recusa ao pedido de desistência formulado pela parte autora após o oferecimento de defesa. No ponto, importante o ensino de ARAGÃO (1995, página 404:
“seria inaceitável que, após sofrer os ônus de ter de se defender da ação proposta, a desistência ainda independesse de sua concordância. Chamado a juízo, o réu tem direito ao julgamento da lide, posição esta que coincide com o interesse do próprio Estado, ao qual não convém que os processos se encerrem sem solucionar o mérito, com a possibilidade de se reiniciarem a seguir, atravancando os juízos inutilmente, apenas para satisfazer a um capricho do autor."
No caso específico da Fazenda Pública, deve-se ter em mente, ainda, que a concordância com o pedido de desistência da ação somente pode ser feito pelos representantes da União e suas autarquia e fundações quando a parte autora renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, conforme artigo 3º da Lei 9.469/97.
Nesta hipótese, o julgamento seria com resolução de mérito, com fundamento no artigo 269, inciso V, do Código de Processo Civil, o que seria favorável ao réu, não havendo, então, qualquer razão para a discordância com o pedido de desistência.
Destaque-se, contudo, que o artigo 3º da Lei 9.469/97 é alvo de críticas doutrinárias, que enxerga falta de razoabilidade no condicionamento da aceitação do pedido de desistência à renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação. Nesse sentido, veja-se o que diz Leonardo Carneiro da Cunha (2012, página 106):
“Tal postura de concordar com a desistência, desde que a parte renuncie ao direito sobre o qual se funda a ação (CPC, art. 269, V), afigura-se excessiva e desproporcional, quando o réu já tem o direito de discordar fundamentadamente. Não soa razoável que o réu, além do direito de discordar, tenha a possibilidade de exigir que o autor renuncie ao direito material, com a conseqüente produção de coisa julgada material que impede a efetiva apreciação – e julgamento – de seu pedido.”
Como já destacado pelo ilustre doutrinador acima mencionado, a jurisprudência entende que a recusa pelo réu deve ser fundamentada e justificada. Ou seja, deve o demandado demonstrar as razões pelas quais necessita de um julgamento de mérito. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL DESISTÊNCIA DA AÇÃO. CONCORDÂNCIA DO RÉU. NECESSIDADE. FUNDAMENTAÇÃO RAZOÁVEL. EXTINÇÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Após a contestação, a desistência da ação pelo autor depende do consentimento do réu porque ele também tem direito ao julgamento de mérito da lide.
2. A sentença de improcedência interessa muito mais ao réu do que a sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, haja vista que, na primeira hipótese, em decorrência da formação da coisa julgada material, o autor estará impedido de ajuizar outra ação, com o mesmo fundamento, em face do mesmo réu.
3. Segundo entendimento do STJ, a recusa do réu deve ser fundamentada e justificada, não bastando apenas a simples alegação de discordância, sem a indicação de qualquer motivo relevante.
4. Na hipótese, a discordância veio fundada no direito ao julgamento de mérito da demanda, que possibilitaria a formação da coisa julgada material, impedindo a propositura de nova ação com idênticos fundamentos, o que deve ser entendimento como motivação relevante para impedir a extinção do processo com fulcro no art. 267, VIII, e §4º do CPC.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1318558/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 17/06/2013)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. REFIS. LEI 9.469/97. PEDIDO DE DESISTÊNCIA FORMULADO PELO AUTOR APÓS A RESPOSTA DO RÉU. RELAÇÃO ANGULARIZADA. NECESSIDADE DE CONSENTIMENTO DO RÉU PARA A DESISTÊNCIA. NEGATIVA JUSTIFICADA. ART 267, § 4º, DO CPC. VIOLAÇÃO.
1. A desistência da ação, após o prazo para resposta, depende de consentimento do réu, consoante a redação do § 4º do art. 267 do CPC, in verbis: "depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação".
2. Da ementa do julgamento da apelação, destaco que o réu não consentiu com o pedido de desistência formulado pelo autor, pois exigiu que ele renunciasse ao direito sobre o qual se funda a ação, para consentir.
3. O Tribunal recorrido entendeu que não cabia ao réu impor condição para aceitar o pedido de desistência formulado pelo autor. No entanto, a condição exigida não é descabida, já que decorre de lei e condiciona o benefício a que o autor almeja, qual seja, a adesão ao REFIS.
4. Devidamente justificada a não aceitação pelo Fisco, já que decorrente de lei, impossível a homologação da desistência pleiteada.
Agravo regimental improvido.
(AgRg nos EDcl no REsp 1252421/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 19/12/2011)
Como possíveis fundamentos a serem utilizados pelo réu, podem ser apontados: os gastos que teve para elaborar sua defesa; a relevância dos fatos e fundamentos que comprovou nos autos e que são suficientes para sair vencedor da ação (o que demonstra a utilidade da sentença meritória para si); a manifesta intenção da parte autora em promover nova ação, mantendo o réu em tensão quanto à ameaça de ajuizamento do processo, o que pode configurar, inclusive, abuso de direito; et coetera.
Diante disso, conclui-se que a desistência da ação é um direito do réu, porém condicionado à aceitação do réu, desde este já tenha sido citado, já tenha se esgotado o prazo para a defesa e, ainda, que seja apresentado ao Juízo justo e legítimo motivo para a recusa, situação em que deverá o processo ser julgado no mérito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil – Volume II. 8ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1995.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 10ª edição. São Paulo. Malheiros, 1994.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 10ª Edição. São Paulo. Dialética, 2012.
Procurador Federal atuante na cidade de Umuarama - PR. Aluno do curso de Especialização em Direito do Estado da Universidade Estadual de Londrina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Menahem David Dansiger de. Apontamentos sobre a discordância do réu quanto ao pedido de desistência da ação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42533/apontamentos-sobre-a-discordancia-do-reu-quanto-ao-pedido-de-desistencia-da-acao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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