Resumo: Este trabalho irá tratar da acumulação de cargos públicos, demonstrando suas proibições e permissões, bem como as consequências jurídicas que podem advir na acumulação ilegal. Por fim, procurar-se-á demonstrar os principais entendimentos acerca da carga horária semana que permita a dita acumulação.
Palavras-Chave: Direito Constitucional e Administrativo – Servidores Públicos – Cargos Públicos – Acumulação.
I – DA ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS:
É sabido que, em regra, não é possível a acumulação de cargos públicos. A Constituição Federal, no entanto, traz exceções nas áreas da educação e da saúde, limitando a acumulação a dois vínculos, desde que haja compatibilidade de horários. Para ilustrar, transcreve-se o dispositivo constitucional:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.”
Destaca-se que tal limitação estende-se a empregos e funções, abrangendo autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público (Art. 37, inciso XVII, da Constituição Federal). É importante mencionar, ainda, que a restrição de acumular não se restringe na unidade de federação do titular de cargo público, mas em todas as unidades, ou seja, um servidor de uma edilidade municipal não pode acumular outro cargo de autarquia federal, por exemplo.
Por outro lado, analisando atentamente o próprio texto constitucional, pode-se perceber que há outras previsões de acumulação de cargos. Os juízes e membros do Ministério Público, por exemplo, podem exercer o magistério, sem prejuízo de seus cargos. Outro exemplo é a possibilidade de um servidor acumular seu cargo com o de vereador.
No que toca ao limite da remuneração, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que “tratando-se de cumulação legítima de cargos, a remuneração do servidor público não se submete ao teto constitucional, devendo os cargos, para este fim, ser considerados isoladamente”.[1]
A acumulação de cargos públicos também está dentre as ressalvas na percepção de mais de uma aposentadoria, conforme previsão do art. 40, § 6º, da Constituição Federal.
Percebe-se, portanto, que a nossa Constituição Federal proíbe a acumulação de cargos no serviço público, havendo, porém, exceções que tornam a dita acumulação legal, repercutindo tanto na esfera remuneratória, como na esfera previdenciária do servidor.
II – DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA INACUMULITIVIDADE ILÍCITA DE CARGOS PÚBLICOS:
Conforme visto no tópico anterior, a Constituição Federal proíbe a acumulação de cargos públicos, exceto as hipóteses ali previstas.
Assim, caso o servidor ou empregado público acumular indevidamente cargos públicos, poderá sofrer algumas consequências legais, a exemplo das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). Aliás, mesmo sendo devida a acumulação de cargos, o titular dos cargos públicos poderá responder por ato de improbidade, caso haja a comprovação de incompatibilidade de horários, trazendo prejuízos para a Administração Pública. O Superior Tribunal de Justiça já analisou essa situação:
“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACUMULAÇÃO INDEVIDA DE CARGOS. INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. DANO AO ERÁRIO. OCORRÊNCIA. RESSARCIMENTO DEVIDO. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
1. A Corte de origem, com amparo nos elementos de convicção dos autos, assentou que, no caso, não há compatibilidade de horários para o exercício dos cargos públicos que acumulava, e que houve o dano ao erário.
2. Assim, insuscetível de revisão, nesta via recursal, o referido entendimento, por demandar incursão no contexto fático-probatório dos autos, defeso em recurso especial, nos termos da Súmula 7 desta Corte de Justiça.
Agravo regimental improvido.”[2]
Há outros entendimentos, porém, que considera algumas acumulações como erros toleráveis e meras irregularidades, evitando, portanto, a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992.[3]
Calha registrar que, segundo a melhor doutrina, “a Administração, em todo o transcurso do procedimento, está adstrito a agir de maneira lhana, sincera, ficando, evidentemente, interditos quaisquer comportamentos astuciosos, ardilosos, ou que, por vias transversas, concorram para entravar a exibição das razões ou direitos dos administrados”.[4] Desta feita, toda titular de cargo público deve declarar que não exercer outro cargo inacumulável legalmente, sob pena de se configurar conduta omissiva ilegal.
Acontece que a própria Lei nº 8.112/1990 não considera má-fé a omissão do servidor acerca de uma acumulação de cargo público proibida, desde que, instado a tal fim, realize tempestivamente a opção de um dos cargos exercidos. Segue, para ilustrar, a transcrição do dispositivo legal:
“Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases:
[...]
§ 5o A opção pelo servidor até o último dia de prazo para defesa configurará sua boa-fé, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo.”
Percebe-se, portanto, que, constatada a ilegalidade na acumulação de cargos, o servidor detém o direito de escolha no prazo legal, surtindo os mesmos efeitos do pedido de exoneração em relação ao cargo rejeitado pelo servidor, não sofrendo ele, ainda, qualquer penalidade em razão dessa conduta.
Questão interessante é que, em alguns Estados, a incompatibilidade não se refere somente aos horários, mas também em razão da distância dos cargos exercidos. No Estado de São Paulo, por exemplo, “somente será permitida a acumulação de cargos no mesmo município ou em municípios vizinhos, entendidos como tais apenas as que forem limítrofes”.[5]
Por outro lado, caso o servidor insista em permanecer com os cargos inacumuláveis, estará configurado o dolo, que é o elemento subjetivo do tipo previsto na Lei de Improbidade Administrativa. Além disso, provada a má-fé, aplicar-se-á a pena de demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal, hipótese em que os órgãos ou entidades de vinculação serão comunicados (Art. 133, § 6º, da Lei nº 8.112/1990). Não há o que se falar, no entanto, de devolução das quantias recebidas pelo servidor na consecução das atividades ilícitas, pois se estaria possibilitando um verdadeiro enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública, ou seja, o servidor teria realizado os serviços, mas o Poder Público não efetuaria o devido pagamento da contraprestação[6].
III – DA COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS E O LIMITE SEMANAL DE 60 HORAS:
A Constituição Federal traz hipóteses de acumulação de cargos, desde que haja compatibilidade de horários. Porém, o texto constitucional não traz à tona o limite de horas semanais para configurar, de fato, a referida compatibilidade.
Assim, para verificar se determinados cargos possuem compatibilidade de horários, não basta dar a possibilidade ao servidor de cumprir sua carga horária semanal em ambos os cargos, mas também que essa acumulação não traga prejuízos para a Administração Pública, mais precisamente no que toca à eficiência dos serviços públicos.
Não é demais lembrar que e eficiência é um dos princípios previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal e é conceituada pelos doutrinadores da seguinte forma:
"Assim, princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social."[7]
A possibilidade de se acumular cargos ou funções no serviço público acabou trazendo situações delicadas no âmbito da Administração Pública, pois, alguns detentores de cargos públicos acumuláveis, acabaram exercendo as suas funções de forma altamente prejudicial às saúdes e, do mesmo modo, ao próprio interesse público, exercendo os serviços de forma notadamente ineficaz.
Em razão disso, com o objetivo de disciplinar a questão, a Advocacia Geral da União acabou emitindo um parecer vinculante de nº GQ-145, no sentido de que o servidor só poderá acumular cargos caso haja compatibilidade de horário e desde que a jornada máxima não ultrapasse 60 (sessenta) horas semanais, ou seja, caso o servidor ultrapasse a mencionada jornada semanal, o princípio da eficiência estará violado.
No mesmo sentido, o Tribunal de Contas da União, através do Acórdão nº 2.133/05, se manifestou pela admissibilidade do limite máximo de 60 (sessenta) horas.
No Poder Judiciário, a questão foi levada ao Superior Tribunal de Justiça, e o Tribunal do Cidadão, mencionando o parecer vinculante da Advocacia Geral da União e o entendimento do Tribunal de Contas da União, afirmou acertadamente que “a acumulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio constitucional da eficiência, na medida em que o profissional da área de saúde precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho”.[8]
Vale mencionar que o mencionado Tribunal Superior modificou seu entendimento, pois, em julgado anterior, entendia que o parecer da Advocacia Geral da União não possui força normativa para regular a matéria e que, inexistindo limitação de carga horária na legislação que rege a matéria, deve ser afastada a orientação constante no dito parecer.[9]
Vale mencionar que a própria Constituição Federal ficou a carga horária semanal de 44 (quarenta e quatro) horas para os empregados, levando-se em consideração a saúde do trabalhador.
Assim, se o próprio Poder Constituinte previu essa limitação temporal, qualquer outra interpretação que admita a acumulação de cargos ou funções públicas que ultrapassem a carga horária semanal de 60 (sessenta) horas vai de encontro com o princípio da interpretação conforme a Constituição. Além disso, servidores públicos, atraídos pela acumulação das remunerações dos cargos acumuláveis, acabam ignorando suas saúdes, tornando a Administração Pública uma verdadeira violadora do princípio da dignidade da pessoa humana em caso de admitir esse tipo de sobrecarga laboral.
Portanto, qualquer situação que caracterize violação a esses princípios – eficiência e dignidade da pessoa humana – a Administração ensejará a intervenção imediata do Poder Público para regularizar a prejudicial acumulação de cargos.
IV – CONCLUSÃO:
Face o exposto, percebe-se, através dos argumentos expostos no presente trabalho, que é possível, nas hipóteses previstas em lei, a acumulação de cargos públicos, desde que haja compatibilidade de horários. Entende-se como compatibilidade de horários, além de outros, o limite de carga horária semanal de 60 (sessenta) horas, podendo o servidor responder judicial e administrativamente por eventual excesso da dita carga horária.
BIBLIOGRAFIA:
- BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, disponível em: www.stj.jus.br, acesso em: 10/12/2014.
- BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
- BRASIL, Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
- BRASIL, Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
- BRASIL, Advocacia Geral da União. Disponível em: www.agu.gov.br, acesso em: 10/12/2014.
- BRASIL, Tribunal de Contas da União. Disponível em: www.tcu.gov.br, acesso em: 10/12/2014.
- SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. Acesso em www.tjsp.jus.br, acesso em: 10/12/2014.
- SÃO PAULO, Decreto nº 25.031, de 15 de outubro de 1955.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
- MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. ed., São Paulo : Atlas, 1999.
[1] RMS 40.895/TO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/09/2014, DJe 26/09/2014.
[2] AgRg no AREsp 327.992/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/09/2013.
[3] REsp 996.791/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 27/04/2011.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
p. 306.
[5] Decreto nº 25.031, de 15 de outubro de 1955.
[6] Nesse sentido segue o seguinte precedente: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Servidor que acumulava cargos públicos – Não cabimento – Nulidade da nomeação e dos atos que determinaram os pagamentos – Prefeito municipal que devolverá ao erário os vencimentos percebidos pelo servidor, arcando, ainda, com multa prevista no art 12, da Lei Federal n º 8429/92, indevida a devolução dos valores por parte do servidor, eis que este prestou serviços pelos quais recebeu, sob pena de enriquecimento ilícito fazendário – Apelo do servidor parcialmente provido, improvidos os demais recursos” [Tribunal de Justiça de São Paulo – Apelação Civil nº 101.104-5 – Presidente Epitácio – 4ª Câmara de Direito Público – Relator: Nelson Schiesari – 19 agos. 1999 – V.U].
[7] MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. ed., São Paulo : Atlas, 1999, p. 30.
[8] MS 19.336/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 14/10/2014.
[9] STJ. AgRg no REsp nº 1131768/RJ. Rel. Min. Haroldo Rodrigues - Desembargador Convocado do TJ/CE. Sexta Turma. DJe 26/10/2011.
Procurador Federal, ora de 1ª Categoria, cuja data de posse ocorrera em 03/03/2008, Matrícula Siape n. 1611995, Chefe da Seção da Matéria de Benefícios e Chefe-Substituto da Procuradoria Federal Especializada do INSS em Campina Grande/PB (PFE/INSS/CGE) no período entre 08/2012 a 12/2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Carlos Eduardo de Carvalho. Acumulação de cargos no serviço público: apontamentos necessários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42535/acumulacao-de-cargos-no-servico-publico-apontamentos-necessarios. Acesso em: 23 dez 2024.
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