RESUMO: O presente trabalho busca fazer uma breve estudo, na doutrina e na jurisprudência, acerca da aplicação do instituto da prescrição no âmbito das ações de improbidade. O tema deve ser compreendido a partir da diferenciação da natureza da ação de improbidade. Isso porque, conforme a sanção a ser aplicada, poderá caracteriza-se em ação repressivo-reparatória, quando se tratar de pedido de aplicação de sanção de ressarcimento, ou em ação repressivo-punitiva, no que se refere às demais sanções aplicáveis. A pretensão ressarcitória é imprescritível por força de mandamento constitucional, ao passo que às demais sanções aplica-se o disposto na Lei 8.429/92.
Palavras-chave: Ação de improbidade. Prescrição. Ressarcimento. Imprescritibilidade.
Introdução
Ação de improbidade administrativa é instrumento processual por meio do qual se busca coibir condutas de improbidade perpetradas na Administração por administradores públicos e terceiros, com a aplicação das sanções legais, cujo escopo precípuo é a preservação do princípio da moralidade administrativa. Trata-se, nas palavras do professor José dos Santos Carvalho Filho (2014, p. 1088), de poderosoinstrumento de controle judicial da Administração Pública.
A ação de improbidade, consoante ensina Teori Zavascki (2014, p. 95), configura-se pelo seu caráter repressivo, uma vez que se destina a impor sanções àqueles que pratiquem atos que gerem enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou atente contra os princípios da Administração Pública.
A referida ação encontra-se disciplinada na Lei nº 8.429/92.
Por seu turno, a prescrição pode ser conceituada como a perda do direito de ação em virtude de ausência de seu exercício pelo seu titular no prazo previsto. O instituto da prescrição privilegia a consolidação das relações jurídicas em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Diante da inércia do interessado, o legislador entende que deve prevalecer a segurança jurídica em detrimento da satisfação do direito.
Tendo em vista a relevância da ação de improbidade como forma de garantir a moralidade na Administração Pública e consequentemente o resguardo do interesse público, pretende-se com o presente trabalho realizar uma breve análise acerca da aplicação do instituto da prescrição no âmbito dessas ações.
1. A prescrição na ação de improbidade
Segundo ensina Teori Zavascki (2014, p. 109) a ação de improbidade possui duas faces: a repressivo-reparatória, quando se tratar de pedido de aplicação de sanção de ressarcimento; e a repressivo-punitiva, no que se refere às demais sanções
Essa distinção é necessária para a verificação da aplicação do instituto da prescrição, tendo em vista o mandamento constitucional que estabelece a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário público.
2. Da prescrição dos pedidos repressivos-punitivos
O artigo 23 da Lei de Improbidade disciplina a matéria no que tange aos pedidos repressivos-punitivos:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
Da análise do dispositivo acima transcrito, pode-se perceber que a legislação estabelece duas modalidades de prazos, cujo caráter distintivo é a natureza do vínculo do agente com a Administração Pública (DIDIER Jr., p. 297).
Tratando-se de detentor de mandato, cargo em comissão e função de confiança, o prazo prescricional será quinquenal.Se o agente ímprobo for servidor efetivo ou empregado público, aplicar-se-á o prazo prescricionalutilizado para a aplicação da pena de demissão estabelecido em lei específica.
Na esfera federal, esse prazo é de cinco anos e conta-sea partir da data que o fato se tornou conhecido por força do disposto no artigo 142, inciso I e parágrafo 1º, da Lei 8.112/90:
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.
Caso o agente público seja detentor de mandato eletivo e depois da prática do ato seja reeleito, o prazo prescricional é contado apenas partir do fim do segundo mandato, consoante a jurisprudência dominante da Corte Superior. (STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 161420/TO, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 03/04/2014).
Se o agente exercer cumulativamente cargo efetivo e cargo comissionado,o Superior Tribunal de Justiça entende que o prazo prescricional será regido na forma do inciso II do art. 23, acima transcrito. Isso porque entendeu que o referido dispositivo, no caso de vínculo definitivo, ou seja no exercício de cargo de provimento efetivo ou emprego, não considera, para fins de aferição do prazo prescricional, o exercíciode funções intermédias desempenhadas pelo agente, sendo determinante apenas o exercício de cargo efetivo. (STJ. 2ª Turma. REsp 1060529/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 08/09/2009).
A lei é silente quanto à hipótese do ato ímprobo ser praticado por terceiros sem qualquer vínculo jurídico com a Administração Pública. Sobre a controvérsia, Carvalho Filho (2014, p. 1124):
Há funda divergência na matéria em razão da omissão na lei. Há entendimento de que se aplica o mesmo prazo prescricional atribuído ao agente público com o qual compactuou. Outros entendem ser aplicável o prazo previsto no inciso I do art. 23, ou seja, de cinco anos.Chegamos a sustentar que, no caso, seria aplicável o art. 205 do Código Civil, ante a lacuna normativa existente na espécie. Reconsideramos, porém, tal pensamento, para o fim de admitir que o prazo prescricional deve ser o mesmo atribuído ao agente ao qual se associou na prática da improbidade, e isso porque a conduta do terceiro está indissoluvelmente atrelada à do agente coautor.
No mesmo sentido da conclusão do autor, a Corte Superior tem assentado que se aplicam aos terceiros que pratiquem atos ímprobos os prazos prescricionais incidentes aos demais demandados ocupantes de cargos públicos.(STJ. 2ª Turma. REsp 1156519/RO, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 18/06/2013.)
Por fim, Carvalho Filho (2014, p. 1125) traz a problemática quanto ao termo inicial da prescrição quando houver pluralidade de réus com mandato ou no exercício de cargo ou função de confiança, uma vez que pode interpretar-se no sentido de que o termo a quo varia de acordo com a data do desligamento do agente. Entretanto, para o autor, com fundamento no princípio da efetividade, a contagem deve iniciar-se na data do desligamento do último dos réus, como forma de evitar a impunidade daqueles que se apressaram a fugir de suas responsabilidades.
3. Da imprescritibilidade dos pedidos repressivos-reparatórios
A Constituição Federal em seu artigo 37, parágrafo 5º, assim dispõe:“A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
Em um primeiro momento, o dispositivo parece não gerar qualquer dúvidas quanto à conclusão de que as ações de ressarcimento ao erário são imprescritíveis. Ocorre que alguns autores, dentre eles a professora Ada Pellegrini Grinover, passaram a advogar a tese da prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário público. Segundo essa corrente, o dispositivo constitucional apenas estabeleceu que o prazo de prescrição não é o mesmo aplicável às outras sanções atribuíveis aos atos de improbidade. Afirma-se, ainda, que a imprescritibilidade da ação deve estar estatuída de forma expressa no texto constitucional, a exemplo do que ocorre nos crime de racismo. Nesse sentido, Ada Pellegrini (2005, p. 55-92) conclui:
É licito concluir que a regra inserta no § 5º do art. 37 da Constituição Federal
não estabelece uma taxativa imprescritibilidade em relação a pretensãode ressarcimento do erário, estando também tal pretensão sujeitaaos prazos prescricionais estatuídos no plano infraconstitucional.
Não obstante os argumentos utilizados pelo Ministro Ricardo Lewandowskipara também defender a tese da prescritibilidade, esse entendimento foi refutadopela Suprema Corte em importante precedente sobre o tema:
O Plenário do STF, no julgamento do MS 26.210, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, decidiu pela imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao erário” (RE 578.428-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 13-9-2011, Segunda Turma, DJE de 14-11-2011.) No mesmo sentido: RE 693.991, rel. min. Carmen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 21-11-2012, DJE de 28-11-2012; AI 712.435-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 13-3-2012, Primeira Turma,DJE 12-4-2012.
No mesmo sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
(...) É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário, manifestada na via da ação civil pública por improbidade administrativa, é imprescritível. Daí porque o art. 23 da Lei n. 8.429/92 tem âmbito de aplicação restrito às demais sanções prevista no corpo do art. 12 do mesmo diploma normativo. (...)
(STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1442925/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/09/2014)
Ademais, dispõe a súmula 282 do Tribunal de Contas da União que “as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis”.
Portanto, pode-se afirmar que o dispositivo que prevê a imprescritibilidade das ações de ressarcimento possui aplicabilidade imediata. De fato a imprescritibilidade das ações de ressarcimento é a tese que melhor se coaduna ao princípio da supremacia do interesse público. Isso porque possui o condão de coibir a prática de atos que causem danos ao erário e garante, ainda, maior efetividade na busca do ressarcimento aos cofres públicos.
A necessidade de resguardo do patrimônio público autoriza que prevaleça a satisfação do direito mesmo nos casos de demora no exercício da pretensão. Descabe, assim, falar em estabilização das situações jurídicas quando houver a prática de ato de improbidade que importem em danos ao erário.
CONCLUSÃO
A ação de improbidade possui duas feições, conforme a sua pretensão punitiva: a repressivo-reparatória, quando se tratar de pedido de aplicação de sanção de ressarcimento; e a repressivo-punitiva, no que se refere as demais sanções.
O artigo 23 da Lei de Improbidade disciplina a matéria no que tange aos pedidos repressivos-punitivos, tendo seus contornos definidos paulatinamente pela jurisprudência.
Já os pedidos repressivos-reparatórios são imprescritíveis, tendo em vista que a Constituição Federal em seu artigo 37, parágrafo 5º, dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” O melhor entendimento que se coaduna com interesse público é que esse dispositivo possui aplicabilidade imediata.
REFERÊNCIAS
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. AgRg no AREsp 161420/TO, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 03/04/2014. Disponível em: www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia>. Acesso em 12/12/2014.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp 1060529/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 08/09/2009. Disponível em: www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia>. Acesso em 12/12/2014.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça.2ª Turma. REsp 1156519/RO, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 18/06/2013.) Disponível em: www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia>. Acesso em 12/12/2014.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1442925/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/09/2014) Disponível em: www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia>. Acesso em 12/12/2014.
Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 578.428-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 13-9-2011, Segunda Turma, DJE de 14-11-2011. Disponível em <www.http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp#ctx1> Acesso em: 12/12/2014.
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014.
DIDIER Jr, Fredie. ZANETI Jr, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo coletivo. 7 ed. Bahia: Edito Jus Podivm, 2012.
GRINOVER, Ada Pelegrini. Ação de Improbidade Administrativa. Decadência e Prescrição. Interesse Público. Porto Alegre: Notadez, nº 33, Ano VII, 2005, p. 55-92.
ZAVASCKI. Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
Advogada da União, lotada na Procuradoria Regional da União da 1ª Região, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processual Trabalhista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REBECA PEIXOTO LEãO ALMEIDA GONZáLEZ, . Breve análise acerca da aplicação da prescrição nas ações de improbidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42536/breve-analise-acerca-da-aplicacao-da-prescricao-nas-acoes-de-improbidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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