RESUMO: Pretende este estudo verificar a possibilidade de ocorrer dano moral nos direitos difusos, frente a divergência doutrinária e jurisprudencial quanto ao tema.
Palavras-chave: Responsabilidade civil, dano moral, dano moral difuso, divergência doutrinária, divergência jurisprudencial.
INTRODUÇÃO
A tese da reparabilidade do dano moral precede o Código Civil de 1916. Porém, nem mesmo com o Código Buzaid se tornou pacífica.[1] Neste texto restou expresso que:
Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral.
Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou à sua família.
Art. 159 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código.
Para grande número de autores o artigo 76 do Código Civil de 1916 amparava o ressarcimento do dano moral. Entretanto, para outros, cuidava-se de norma de direito processual e não de direito material, condicionando, simplesmente, o direito de ação à existência de um interesse.[2]
Há época, surgiram três posições em torno da reparabilidade do dano extrapatrimonial, entendendo que o mesmo: não estava contemplado no Código Civil; somente era aceito em hipóteses excepcionais, mediante dispositivo expresso no Código Civil ou em lei especial; e que estava contemplado no Código Civil.[3]
A segunda posição prevaleceu na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Consoante Cahali os tribunais interpretavam o artigo 76 de forma restritiva, compreendendo-o como norma processual, ele autorizava o direito de ação judicial, mas não tinha cunho material, ou seja, não regulava que o dano moral era indenizável.[4]
Os tribunais também relutavam em cumular o dano extrapatrimonial com o dano material, pois entendiam que aquele já estava incluído dentro da indenização estipulada pelos danos patrimoniais.[5]
Não obstante, antes mesmo da Constituição Federal de 1988 já se podia extrair do sistema a existência do princípio geral da reparabilidade do dano moral.[6] Nesse sentido Cahali, argutamente, também vislumbrava que:
por indução, partindo daquelas normas particulares (casuísticas), insertas no ordenamento jurídico, permite-se alcançar indutivamente o princípio geral da reparabilidade do dano moral, assim se integrando o nosso direito em face da pretensa omissão do legislador quanto a uma disposição genérica a respeito.[7]
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, restou expressamente disposto em seu artigo 5º, incisos V e X[8]:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[...].
A reparação dos danos morais, assim, surgiu oficialmente no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988, que a previu em seu artigo 5º, incisos V e X.
Cuida-se de dispositivos autoaplicáveis e não exaustivos, consoante prevê o artigo 5º, § 2º, da CRFB/88[9]: “§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Alinhando-se às disposições constitucionais, a jurisprudência pátria evoluiu do entendimento restritivo para a concepção de que a reparação dos danos morais e dos danos materiais pode ser feita de forma independente e autônoma.
Inclusive o Superior Tribunal de Justiça, após diversas decisões neste sentido, espancando qualquer dúvida, editou a Súmula nº 37, segundo a qual: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.[10]
DESENVOLVIMENTO
Definição e extensão do dano moral
Pacificada a existência do dano moral, divergem os doutrinadores, na atualidade, acerca do seu conceito e da sua extensão. Como reflexo, a jurisprudência também oscila no reconhecimento das situações em que se configura essa espécie de dano, notadamente – e este é o puncutm saliens do presente estudo – no que tange à configuração do dano moral difuso.
Definição negativa ou excludente
Usualmente a doutrina conceitua o dano moral de forma negativa ou excludente, contrapondo-o ao conceito de dano material ou patrimonial.[11]
De fato, segundo Diniz dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais da pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo.[12]
No mesmo sentido, consoante Cahali o prestigiado mestre Pontes de Miranda leciona: “Dano Patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido; dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio”.[13]
Entretanto, como bem destacado pelo magistrado André Gustavo C. de Andrade, tais conceitos não esclarecem o conteúdo do dano moral.[14] Assim, André Gustavo corrobora a crítica de Gabriel Stiglitz e Carlos Echevesti à conceituação negativa[15]:
Diz-se que dano moral é o prejuízo que não atinge de modo algum o patrimônio e causa tão somente uma dor moral à vítima. Esta é uma idéia negativa (ao referir por exclusão que os danos morais são os que não podem considerar-se patrimoniais) e tautológica, pois ao afirmar que dano moral é o que causa tão somente uma dor moral, repete a idéia com uma troca de palavras.
Superando a definição negativa ou excludente, a doutrina se divide entre os que identificam o dano moral com a “dor” ou com alguma alteração negativa do estado anímico do indivíduo, e os que veem no dano moral a violação de bem, interesse ou direito integrante de determinada categoria jurídica.[16]
Eis a primeira reflexão, rumo à aceitação do dano moral difuso.
Dano moral como dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa
Segundo determinada corrente doutrinária não há dano moral sem dor, padecimento ou sofrimento físico ou moral.
Expressivo desta orientação, Silvio Rodrigues ensina que o dano moral: “É a dor, a mágoa, a tristeza infligida injustamente a outrem”.[17]
Também Carlos Alberto Bittar refere que os danos morais: “se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado”.[18]
De acordo com André Gustavo C. de Andrade todas essas definições trazem em comum a identificação do dano moral com alterações negativas no estado anímico, psicológico ou espiritual do lesado, não havendo dano moral sem dor, padecimento ou sofrimento, físico ou moral.[19]
No entanto, segundo o mesmo autor[20], uma análise mais detida do tema revela que estes estados anímicos não constituem o dano em si, mas sim a sua consequência ou repercussão. O dano (fato logicamente antecedente) não deve ser confundido com a impressão que ele causa na mente ou na alma da vítima (fato logicamente subsequente). Em última instância, dano moral e dor (física ou moral) não podem ser vistos como um só fenômeno.[21]
Parafraseando Eduardo Zannoni, também Carlos Roberto Gonçalves[22] nos ensina que:
O dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois estes estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano. A dor que experimentam os pais pela morte violenta do filho, o padecimento ou complexo de quem suporta um dano estético, a humilhação de quem foi publicamente injuriado são estados de espírito contingentes e variáveis em cada caso, pois cada pessoa sente a seu modo. O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente.
Em suma, portanto, para esta segunda corrente, o dano moral é o abalo desfechado contra a esfera psíquica ou moral da pessoa física. Não se confunde, porém, com o resultando deste ato.
André Gustavo C. de Andrade argutamente pondera que o equívoco da conceituação do dano moral como dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa é percebido com a constatação de que as perdas patrimoniais também podem provocar padecimento ou sofrimento.[23]
E exemplifica[24]:
O devedor que deixa de pagar a sua dívida pode, com isso, trazer angústia e preocupação ao credor, que contava com a quantia que lhe era devida. O empreiteiro que não entrega a obra no prazo pode provocar grande irritação ao contratante do serviço. O condômino que litiga com o condomínio ou com o vizinho em razão de infiltrações existentes em seu imóvel passa por grandes constrangimentos e aborrecimentos. Em nenhum desses casos, no entanto, é possível vislumbrar, a priori, a existência de um dano moral. Pelo menos não de acordo com o senso médio.
Desta feita, conclui o magistrado[25]: “As dores, angústias, aflições, humilhações e padecimentos que atingem a vítima de um evento danoso não constituem mais do que a conseqüência ou repercussão do dano (seja ele moral ou material)”.
Desvinculada a noção de dano moral da dor psíquica e de outras repercussões de ordem individual, abre-se a possibilidade de a coletividade ser indenizada por abalo moral.
Antes de analisar as posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema, far-se-á breve contextualização legislativa dano moral no direito pátrio, sob viés transindiviual.
Do dano moral difuso – fundamento legal e colocação do problema
Partindo-se da definição do direito difuso, já vista, tem-se que o dano moral difuso se assenta na agressão a bens e valores jurídicos que são inerentes a toda a coletividade, de forma indivisível.
A possibilidade de indenização por dano moral encontra-se prevista no artigo 5º, inciso V, in fine, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano moral, material ou à imagem;”.[26]
Inexiste restrição do dano moral à esfera individual, portanto.
Por sua vez, a Lei nº 7.347/85 prevê, em seu artigo 1º[27], a possibilidade de ação civil pública de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Também a dicção do artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor[28] é clara ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente. In verbis: “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: [...] a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Não obstante, a doutrina e a jurisprudência divergem sobre a viabilidade do dano moral difuso. Tal reflexão, por certo, passa pelo estudo do dano moral como dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa ou como lesão a determinada categoria de direitos.
De fato, a coletividade somente não será suscetível de dano moral se este pressupor, sempre, a perturbação psíquica ou do espírito, fenômenos que somente se manifestam na pessoa humana.
Entretanto, se o entendimento for de que essas reações psicológicas não se confundem com o dano moral e nem constituem consequência necessária deste, a coletividade poderá vir a sofrer dano dessa natureza.
Posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais favoráveis à existência do dano moral difuso
Transformações sociais e legislativas têm conduzido o Direito ao primado do coletivo sobre o individual.
Como reflexo, a teoria do dano moral evoluiu para admitir a novel figura do dano moral difuso.
Nas palavras de Morato Leite[29]:
O dano extrapatrimonial está muito vinculado ao direito da personalidade, mas não restringido, pois este é conhecido tradicionalmente como atinente à pessoa física e no que concerne ao dano ambiental, abraçando uma caracterização mais abrangente e solidária, tratando-se, ao mesmo tempo, de um direito individual e um direito da coletividade.
Adverte que a coletividade pode ser afetada quanto a seus valores extrapatrimonais e devem ser reparados. Argumenta que se o indivíduo pode ser ressarcido por lesão a um dano moral, não há óbice para que a coletividade venha a ser reparada, pois, do contrário, estaria se evidenciando um dano sem obrigação de compensação.[30]
Referindo-se ao dano ambiental coletivo, o mesmo autor pontifica[31]:
Desta forma, não seria justo supor-se que uma lesão à honra de determinado grupo fique sem reparação, ao passo que, se a honra de cada um dos indivíduos deste grupo for afetada isoladamente, os danos serão passíveis de indenização. Redundaria em contra-senso inadmissível. Constata-se que a necessidade da imposição do dano extrapatrimonial é imperiosa, pois, em muitos casos, será impossível o ressarcimento patrimonial, e a imposição do dano extrapatrimonial ambiental funcionária como alternativa válida da certeza da sanção civil do agente, em face da lesão ao patrimônio ambiental coletivo.
Cahali também enfatiza que o dano moral, em sua versão mais atualizada, vai paulatinamente se afastando[32]:
[...] de seus contingentes exclusivamente subjetivos de ‘dor’, ‘sofrimento’, ‘angústia’, para projetar objetivamente os seus efeitos de modo a compreender também as lesões à honorabilidade, ao respeito, à consideração e ao apreço social, ao prestígio e à credibilidade nas relações jurídicas do cotidiano, de modo a afirmar-se a indenizabilidade dos danos morais infligidos às pessoas jurídicas ou coletivas, já se caminha com fácil trânsito, para o reconhecimento da existência de danos morais reparáveis.
Para Morato Leite:
Pelo que se depreende da afirmação do eminente jurista (Cahali, citação 35), pode ser considerada uma subdivisão do dano extrapatrimonial em aspecto subjetivo e/ou objetivo levando em conta o sujeito lesado. De um lado, observa-se o seu caráter subjetivo, quando importe em sofrimento psíquico, de afeição, ou físico, como, por exemplo, a perda de um ascendente ou descendente. Na hipótese da lesão ambiental, esta se configura subjetiva quando, em consequência desta, a pessoa física venha a falecer ou sofrer deformidades permanentes ou temporais, trazendo sofrimento de ordem direta e interna. Por outro lado, tem-se como dano extrapatrimonial objetivo aquele que lesa interesses que não repercutem na esfera interna da vítima e dizem respeito a uma dimensão moral da pessoa no seio social em que vive, envolvendo sua imagem.[33]
Diddier destaca que o primeiro passo para se admitir a ocorrência de dano moral difuso é não se poder restringir o dano moral às pessoas físicas, já que atualmente a reparação do dano moral é admitida para a pessoas jurídicas.[34]
Citando Carvalho, Diddier também refere (p. 287):
[...] é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais... Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada pelo abalo moral, o qual, por sua vez não necessita ser a dor subjetiva ou estado anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na pessoa física, podendo ser o desprestígio do serviço público, do nome social, a boa-imagem de nossas leis ou mesmo o desconforto da moral pública, que existe no meio social.[35]
Desta feita, a superação da visão restritiva da responsabilidade civil, em seu aspecto subjetivo, para o objetivo, é fundamental para o desenvolvimento do estudo do dever de indenizar o dano moral transindividual.
Expressivo desta orientação, acórdão do Superior Tribunal de Justiça citado por Cahali, expressa:
Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no munto civil ou comercial onde atual. (4ª Turma, rel. Ruy Rosado de Aguiar, 09.08.1995, RT 727/123).[36]
Tal entendimento redundou na edição da Súmula nº 227 do STJ (DJ: 8/10/1999) segundo a qual: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
Em recentíssimo julgado, assim se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.
[...]. 5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1057274, Segunda Turma, rel. Ministra ELIANA CALMON, Dje 26.2.2010).[37]
Da fundamentação do voto da eminente Relatora Ministra Eliana Calmon, extrai-se a valiosíssima ponderação de que “as relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do Direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais.”[38]
Eis o punctum saliens. O clamor das relações sociais, cada vez mais massificadas, é o imperativo que move o entendimento desta corrente para o deslinde da questão.
Sem ater-se à vinculação estreita do dano moral com a ofensa a direitos da personalidade das pessoas físicas e sem confundi-lo com eventuais estados anímicos que dele derivem, esta corrente entende que, em face do clamor social, a reparação civil, advinda de processo evolutivo iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro, passando pelo já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (Súmula 227/STJ), redundará na reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais desfavoráveis à existência do dano moral difuso
A par destes posicionamentos, há que se destacar o entendimento exarado por doutrinadores de escol, a exemplo de Zavascki, segundo o qual:
Ora, no atual estágio brasileiro, não há previsão normativa tipificando conduta ou fixando pena por dano moral. O que existe, inclusive na Constituição (art. 5.º, V e X, e art. 114, VI) é o reconhecimento do direito à indenização do dano moral, matéria que, como se percebe, pertence, e assim deve ser tratada, ao exclusivo domínio da responsabilidade civil.
Sob esse enfoque, a controvérsia relativa ao dano moral por ofensa a bens e valores coletivos diz respeito não propriamente à possibilidade de configuração do dano em tais casos, o que é inegável, mas, sim, à qualificação jurídica e à identificação do titular do direito à respectiva indenização, temas importantes para definir a legitimação ativa e os mecanismos da tutela jurisdicional do direito, bem como a destinação do produto da condenação. Realmente, não há dúvida que a lesão a um direito de natureza difusa, como, por exemplo, um dano ao ambiente natural ou ecológico, pode, em tese, acarretar também dano moral. Assim, a destruição de um conjunto florestal plantado por antepassado de determinado indivíduo, para quem as plantas teriam, por essa razão, grande valor afetivo, certamente pode ensejar a configuração de um duplo dano: ambiental e moral. Da mesma forma, a destruição de um patrimônio artístico ou cultural ou a ofensa a outros direitos transindividuais são eventos que, teoricamente, podem desencadear danos de diversa natureza, inclusive moral. Todavia, isso não significa que o dano moral, nesses casos, assuma, ele próprio, a natureza transindividual.[39]
Para ele, a vítima de dano moral é sempre uma pessoa, pois o dano moral envolve dor, sentimento, lesão psíquica, afetando a parte sensitiva do ser humano. Assim, segundo entende, “não se mostra compatível com o dano moral a idéia da transindividualidade (= da indeterminabilidade individual do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão e do direito lesado”.[40]
Semelhantemente, Rui Stoco assevera que:
No que pertine ao tema central do estudo, o primeiro reparo que se impõe é no sentido de que não existe ‘dano moral ao meio ambiente’. Muito menos ofensa moral aos mares, rios, à Mata Atlântica ou mesmo agressão moral a uma coletividade ou a um grupo de pessoas não identificadas. A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único. Os danos morais são ofensas aos direitos da personalidade, assim como o direito à imagem constitui um direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre ela mesma. [...] A Constituição Federal, ao consagrar o direito de reparação por dano moral, não deixou margem à dúvida, mostrando-se escorreita sob o aspecto técnico-jurídico, ao deixar evidente que esse dever de reparar surge quando descumprido o preceito que assegura o direito de resposta nos casos de calúnia, injúria ou difamação ou quando o sujeito viola a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5°, incisos V e X), todos estes atributos da personalidade. Ressuma claro que o dano moral é personalíssimo e somente visualiza a pessoa, enquanto detentora de características e atributos próprios e invioláveis. Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado, pois os bens morais são inerentes à pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos. Seu patrimônio ideal é marcadamente individual, e seu campo de incidência, o mundo interior de cada um de nós, de modo que desaparece com o próprio indivíduo.[41]
Percebe-se que a negativa em admitir o dano moral difuso, para este autores, surge da compreensão de que os danos morais são ofensas aos direitos da personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre ela mesma, envolvendo dor, sentimento, lesão psíquica, afetando a parte sensitiva do ser humano.
A seu turno, corroborando o entendimento doutrinário de Teori, Ministro integrante do mesmo colegiado, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça assevera:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE TELEFONIA. POSTOS DE ATENDIMENTO. REABERTURA. DANOS MORAIS COLETIVOS. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTE. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A Egrégia Primeira Turma firmou já entendimento de que, em hipóteses como tais, ou seja, ação civil pública objetivando a reabertura de postos de atendimento de serviço de telefonia, não há falar em dano moral coletivo, uma vez que ‘Não parece ser compatível com o dano moral a ideia da ‘transindividualidade’ (= da indeterminabilidade do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão’ (REsp nº 971.844/RS, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, in DJe 12/2/2010).
2. No mesmo sentido: REsp nº 598.281/MG, Relator p/ acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, in DJ 1º/6/2006 e REsp nº 821.891/RS, Relator Ministro Luiz Fux, in DJe 12/5/2008.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1109905/PR, Primeira Turma, rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, DJe 03/08/2010).[42]
Eis o cenário atual, sobre o qual se passará a tecer breves impressões, na forma que segue.
CONCLUSÃO
O dano moral difuso, como visto, se assenta na agressão a bens e valores jurídicos que são inerentes a toda a coletividade, de forma indivisível.
Amparado no artigo 5º, V, in fine, da CRFB/88, no 1º da 7.347/85 e na dicção do artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, é claramente cabível o dano moral difuso no Direito brasileiro.
Não obstante, incipientes no assunto, a doutrina e a jurisprudência vacilam sobre a sua viabilidade.
A divergência existe porque parte da doutrina e da jurisprudência identificam o dano moral com os seus efeitos possíveis, como a dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa, restringindo-o, assim, à esfera individual das pessoas naturais, o que não é correto.
A solução da celeuma, portanto, advirá da compreensão de que o dano moral não é a dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa atingida - efeitos que podem estar presentes ou não -, mas representa a lesão a determinada categoria de direitos da personalidade, os quais podem ser afetos às pessoas naturais (honra, liberdade, saúde, integridade psicológica), às pessoas jurídicas (credibilidade, reputação, confiança do consumidor) ou à coletividade em geral (meio ambiente sadio, proteção contra a publicidade abusiva, proteção do patrimônio histórico e cultural).
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[1] LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 271.
[2] LEITE, 2003, p. 271.
[3] LEITE, 2003, p. 271.
[4] CAHALI, Yussef Said. Dano moral. São Paulo: RT, 2000. p. 53-54.
[5] Ibid., p. 53-54.
[6] LEITE, op. cit., p. 272-274.
[7] CAHALI, op. cit., p. 54.
[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <hhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 jun. 2012.
[9] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Loc. cit.
[10] LEITE, 2003, p. 278.
[11] CAHALI, 2000, p. 19.
[12] DINIZ, 2004, p. 90.
[13] MIRANDA apud CAHALI, 2000, p. 19.
[14] ANDRADE, André Gustavo C. de. A evolução do conceito de dano moral. Disponível em: <http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=74bfc8dc-8125-476a-88ab-93ab3cebd298&groupId=10136>. Acesso em: 31 maio 2012.
[15] STIGLITZ; ECHEVESTI apud ANDRADE, ibid.
[16] ANDRADE, ibid.
[17] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 190. v. 4.
[18] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 36.
[19] ANDRADE, loc. cit.
[20] Ibid.
[21] Ibid.
[22] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 645.
[23] ANDRADE, op. cit.
[24] ANDRADE, loc. cit.
[25] Ibid.
[26] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Loc. cit.
[27] BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985: disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 11 jul. 2012.
[28] BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990: dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 11 jul. 2012.
[29] LEITE, 2003, p. 267.
[30] Ibid., p. 267.
[31] Ibid., p. 267.
[32] CAHALI, 2000, p. 351-352.
[33] LEITE, op. cit., p. 268.
[34] DIDDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. Bahia: JusPODIVM, 2007. p. 286-287. v. 4.
[35] Ibid., p. 287, v. 4.
[36] CAHALI, 2000, p. 351-352.
[37] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1057274&b=ACOR>.Acesso em: 12 jul. 2012.
[38] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1057274&b=ACOR>.Acesso em: 12 jul. 2012.
[39] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo, tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 47-48.
[40] Ibid., p. 48.
[41] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 870-871.
[42] BRASIL. Jurisprudência. Loc. cit.
Advogada da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Patricia Corrêa Garcia. Dano Moral Difuso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42541/dano-moral-difuso. Acesso em: 23 dez 2024.
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