Resumo: O presente estudo objetiva analisar o procedimento de licenciamento ambiental dos projetos de assentamento de reforma agrária a partir da Resolução CONAMA nº 458/2013, que revogou a Resolução CONAMA nº 387/2006, a qual previa a necessidade de licença prévia para a criação de projetos de assentamento. A nova resolução regulamenta o licenciamento de atividades desenvolvidas em projetos de assentamento, prevendo procedimentos simplificados, ou o procedimento mais completo nos casos de atividade de maior impacto ambiental.
Palavras-chave: Licenciamento ambiental – projetos de assentamento de reforma agrária – Resolução CONAMA nº 458/2013 – Revogação da Resolução CONAMA nº 387/2006 – licença prévia – licença para atividades desenvolvidas em projeto de assentamento de reforma agrária.
Introdução
A Resolução CONAMA n. 458/2013 foi aprovada para revogar a Resolução CONAMA nº 387/2006, que estabelecia procedimentos para o licenciamento ambiental de Projetos de assentamento de Reforma Agrária.
Conforme a Resolução CONAMA n.º 387/2006, para ser criado projeto de assentamento era necessária a Licença Prévia – LP. Já a Licença única de Instalação e Operação (LIO) era necessária para o desenvolvimento das atividades dentro do Projeto, observadas a viabilidade técnica das atividades propostas, as medidas de controle ambiental e demais condicionantes.
Além de revogar a Resolução CONAMA nº 387/2006, a Resolução nº 458/2013 também trata do licenciamento de atividades agrossilvipastoris e de empreendimentos de infraestrutura em projetos de assentamento de reforma agrária.
Com a revogação da Resolução CONAMA nº 387/2006, questiona-se a necessidade de licenciamento ambiental para o ato de criação de projetos de assentamento de reforma agrária, diante também do que preceitua a nova Resolução que trata da matéria e diante da manutenção da expressão “projetos de assentamento e de colonização” que consta do Anexo I da Resolução CONAMA nº 237/1997.
O presente artigo pretende analisar se ainda persiste a exigência de licença prévia para a criação de projetos de assentamento, considerando essa mudança normativa.
1) Regularização ambiental dos imóveis rurais afetados à reforma agrária
Um dos motivos para a revisão da Resolução anterior foi a necessidade de adaptação às previsões da Lei n.º12.651/2012, que instituiu o novo Código Florestal e criou o Cadastro Ambiental Rural-CAR como instrumento adequado para a regularização ambiental de todos os imóveis rurais.
O CAR tem a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento, sendo obrigatório para todos os imóveis rurais (art.29 da Lei n.º 12.651/2012).
A inscrição no CAR será obrigatória para todas as propriedades e posses rurais, devendo ser requerida no prazo de 1 (um) ano contado da sua implantação (art. 29,§2º).
O CAR, por sua vez, foi implantado por meio da Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente nº 02 de 05 de maio de 2014, publicada no DOU de 06/05/2014, que “dispõe sobre os procedimentos para a integração, execução e compatibilização do Sistema de Cadastro Ambiental Rural-SICAR e define os procedimentos gerais do Cadastro Ambiental Rural-CAR”.
O instrumento, portanto, para a regularização de passivo ambiental de imóveis rurais, inclusive os destinados a projetos de assentamento, é o CAR (a exemplo, passivo ambiental relativo à reserva legal e às áreas de preservação permanente).
O licenciamento ambiental é instrumento destinado à prevenção de danos antes do início de atividades de determinado empreendimento e não se confunde com instrumento de regularização ambiental, embora com tais instrumentos forme um corpo de proteção ampla e integral do meio ambiente.
Entende-se, nesse contexto, que a nova Resolução CONAMA partiu do pressuposto da separação desses instrumentos, considerando suas especificidades: o CAR serve à regularização fundiária dos imóveis rurais com projetos de assentamento e o instrumento de licenciamento ambiental das atividades desenvolvidas no projeto de assentamento (licenças para as atividades agrossilvipastoris e de infraestrutura) é preventivo de danos.
2) Licenciamento ambiental de atividades como instrumento de prevenção de danos
Conforme exposto acima, o licenciamento ambiental das atividades desenvolvidas nos projetos de assentamento é preventivo dos possíveis danos que essas atividades venham a causar, já que o licenciamento ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, inciso IV da Lei n.º 6.938/81) que permite uma atuação preventiva do Poder Público em relação aos danos ambientais passíveis de serem causados por determinadas atividades.
A redação da Resolução do CONAMA nº 458/2013 veio a adequar as normas ambientais incidentes em projetos de assentamento de reforma agrária às previsões da Lei n.º 12.651/2012, promovendo uma nítida separação entre os instrumentos de regularização fundiária dos imóveis rurais com projetos de assentamento (CAR) e o instrumento de licenciamento ambiental das atividades desenvolvidas nos projetos de assentamento (licenças para as atividades agrossilvipastoris e para empreendimentos de infraestrutura).
3) Novo regime de licenciamento ambiental de projetos de assentamento de reforma agrária
A novel resolução veio regulamentar as atividades desenvolvidas em projetos de assentamento de reforma agrária e não mais os projetos de assentamento de reforma agrária, conforme se extrai da leitura de sua ementa: “procedimentos para o licenciamento ambiental em assentamento de reforma agrária”[1].
Ao final, a nova resolução revoga a resolução anterior, a 387/2006, que regulamentava o licenciamento ambiental de projetos de assentamento e exigia a licença prévia pra a criação de projetos de assentamento.
É possível afirmar, diante deste novo quadro, a desnecessidade de requerimento ou de concessão de licença ambiental para a criação de projeto de assentamento.
Entretanto, a dúvida quanto ao tema persiste, de certa forma, porque não foi aprovada a proposta de alteração da Resolução CONAMA n.º 237/97, que excluía a expressão “projetos de assentamento e de colonização” da lista de “Atividades agropecuárias” do seu Anexo I.
A justificativa dada pela Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos – CTAJ[2] do CONAMA, quanto à proposta de alteração do Anexo da Resolução CONAMA nº 237/97, foi a seguinte:
Entende esta CTAJ por maioria, vencido o Dr. Henrique Varejão do IBAMA, em conseqüência da não recepção do Anexo I da Resolução nº 237 pela LC nº 140/2011, tendo em vista que, regulamentado o art. 23 da Constituição Federal, estabeleceu os limites e competências relacionados ao licenciamento ambiental pelos órgãos do SISNAMA. Desta forma, tendo em vista que as diversas posições da Resolução Conama n. 237/97 encontram-se contrários às novas regras, faz-se, também, necessária a revisão da referida Resolução, adequando-se às normas infraconstitucionais, no caso a Lei Complementar n. 140. Quanto à recepção, também foi vencido o presidente da CTAJ, Dr. Clemilton da Silva Barro – CONJUR/MMA. APROVADA.
Percebe-se que houve no âmbito do CONAMA um entendimento de que as atividades constantes do Anexo I da Resolução CONAMA n.º 237/97 devem ser revistas para que restem adequadas às novas disposições legais (LC nº 140/2011 e Lei nº 12.651/2012), motivo pelo qual se entendeu desnecessária uma revogação expressa da atividade de “projetos de assentamento de reforma agrária” da lista de atividades licenciáveis.
4) Conceito de reforma agrária, público-alvo da política e sua repercussão no regime de licenciamento de projetos de assentamento de reforma agrária
Conforme já explicitado, o licenciamento ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, inciso IV da Lei n.º 6.938/81) que permite uma atuação preventiva do Poder Público em relação aos danos ambientais passíveis de serem causados por determinadas atividades:
“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental. (Redação dada pela Lei Complementar nº 140, de 2011)
§ 1o Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial, bem como em periódico regional ou local de grande circulação, ou em meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente. (Redação dada pela Lei Complementar nº 140, de 2011)” (Lei n. 6.938/81- grifou-se)
Do próprio conceito de reforma agrária, pode-se entender que a criação de projeto de assentamento não é por si mesma uma atividade que se enquadre na hipótese do artigo 10 da Lei n. 6.938/81.
O objetivo da reforma agrária é “promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento da produtividade” (art. 1º, §1º do Estatuto da Terra – E.T., Lei nº 4.504/64), além de integrar os trabalhadores no processo produtivo, garantindo o bem-estar dos que efetivamente labutam na terra (art. 2º, §1º, alínea a, E.T.).
Nesse contexto, o regime jurídico dos assentados exige a exploração direta e pessoal da terra pelos beneficiários da política, pois a terra deve ser destinada prioritariamente aos trabalhadores rurais que nela habitem, sendo garantido a todo trabalhador o “direito de permanecer na terra que cultive” (art. 2º, §3º, E.T.).
Todos os beneficiários da política de reforma agrária assumem “o compromisso de cultivar o imóvel direta e pessoalmente, através de seu núcleo familiar, mesmo que através de cooperativas, e o de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos” (art. 21, Lei n.º 8.629/93).
Tal obrigação consta dos instrumentos de Título de Domínio -TD e de Concessão de Direito de Uso - CCU (ou concessão de direito real de uso - CCDRU), que também trazem cláusula que proíbem a transferência da propriedade ou do uso do imóvel, visando à destinação dos imóveis rurais para manter a unidade familiar, de modo que seja garantida às famílias de trabalhadores rurais o acesso à terra como meio de produção.
A política de reforma agrária, assim, tem por público-alvo os agricultores familiares, conforme conceito de agricultor familiar preconizado pela Lei n.º 11.326/2006, a qual “estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais”. Dispõe a lei em referência:
“Art. 3o. Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011)
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.”
Os beneficiários da reforma agrária se enquadram, portanto, no conceito de agricultores familiares. A Lei n. º 11.326/2006 dispõe, inclusive, que a Política Nacional e Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais terão sua formulação e gestão articuladas, em todas as suas fases de formulação e implantação, com a política agrícola, na forma da lei, e comas políticas voltadas para a reforma agrária (art. 2º).
O novo Código Florestal preceitua no mesmo sentido:
“Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
(...)
V - pequena propriedade ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3o da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006;” (grifamos)
As atividades desenvolvidas pelos agricultores familiares, em geral, são atividades consideradas de baixo impacto pelo novo Código Florestal:
“Art. 3º.
(...)
X - atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental:
a) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;
b) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;
c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;
d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;
e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores;
f) construção e manutenção de cercas na propriedade;
g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;
h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos;
i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área;
j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área;
k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.”
Nesse contexto, o novo Código Florestal, Lei n.º 12.651/2012, reconhece que as atividades praticadas no âmbito da agricultura familiar possuem um impacto ambiental consideravelmente menor, motivo pelo qual prevê que as atividades de baixo impacto ambiental indicadas pelo Código, desenvolvidas em APP e RL em pequenas propriedades ou posses rurais familiares (art. 3º, V), “dependerão de simples declaração ao órgão ambiental competente, desde que esteja o imóvel devidamente inscrito no CAR”:
Art. 52. A intervenção e a supressão de vegetação em Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal para as atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental, previstas no inciso X do art. 3o, excetuadas as alíneas b e g, quando desenvolvidas nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3o, dependerão de simples declaração ao órgão ambiental competente, desde que esteja o imóvel devidamente inscrito no CAR[3].
O ordenamento pátrio, conforme se observa, reconhece que as atividades desenvolvidas dentro dos projetos de reforma agrária são de baixo impacto ambiental.
5) Acerca da necessidade ou não de licença prévia para a criação de projetos de assentamento
Ante o quadro normativo exposto, é possível afirmar que a criação e a implantação de projetos de assentamento não constituem empreendimentos de significativo impacto ambiental a justificar a exigência de licenciamento, visto que o objetivo do Estado com a criação desses projetos é o de “promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso”, a fim de atender aos princípios da justiça social e da função social da propriedade, buscando a diminuição do número de latifúndios improdutivos e possibilitando a proliferação de unidades familiares através do qual o homem do campo possa se fixar no meio rural de forma digna.
A reordenação da estrutura fundiária, por si só, não constitui atividade de impacto ambiental. As atividades que serão desenvolvidas pelos agricultores familiares destinatários da política é que pode ou não ocasionar impacto ambiental significativo.
Considerando também a realidade de que as atividades devolvidas pela agricultura familiar são significativamente menos degradantes ao meio ambiente, a legislação pátria preceitua que o Estado deverá buscar fixar os pequenos produtores rurais na terra.
E a política de reforma agrária é um dos principais veículos para a concretização desse objetivo, motivo pelo qual devem ser viabilizados os meios para que os agricultores familiares desenvolvam atividades econômicas no campo. Essa a realidade reconhecida pelo novo Código Florestal.
5.1) Revogação da Resolução CONAMA nº 387/2006 e de todas as disposições contrárias à Resolução CONAMA nº 458/2013
A revogação do procedimento de licenciamento ambiental previsto na Resolução CONAMA n. 387/2006, operada pela Resolução CONAMA nº 458/2013, operou a revogação tácita de todas as disposições a ela contrárias.
Como a licença prévia para criação de projeto de assentamento era prevista apenas na resolução revogada, entende-se não existir mais previsão normativa a exigir licença para a criação de projeto de assentamento.
O conflito entre normas, processuais ou materiais, se resolve mediante a consideração da revogação tácita, que só ocorre quando há incompatibilidade entre as leis que se sucedem no tempo.
Quanto à aplicação da lei no tempo, dispõe o Decreto-Lei n. 4.657/42, a Lei de introdução ao Direito brasileiro:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961)
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. (grifos inovados)
Ao estabelecer “procedimentos para o licenciamento ambiental em assentamento de reforma agrária”, a nova resolução, por regulamentar totalmente a matéria trazida pela Resolução CONAMA nº. 387/2006, já a revoga tacitamente, mesmo prevendo a sua revogação expressa.
O Anexo I da Resolução CONAMA nº. 237/97 apenas indica atividades que são passíveis de licença ambiental. Os projetos de assentamento de reforma agrária eram licenciáveis na forma da resolução revogada.
Assim, a previsão do anexo I da Resolução CONAMA n. 237/97 em relação aos projetos de assentamento de reforma agrária deve ser interpretada de maneira compatível com a Resolução CONAMA nº 458/2013.
Em outras palavras, o Anexo da Resolução CONAMA nº. 237/97 diz que projetos de assentamentos são licenciáveis e a Resolução CONAMA nº 458/2013 especifica a forma de licenciamento.
Interpretar que o Anexo I da Resolução CONAMA n. 237/97 exige licença prévia para criação de projeto de assentamento é dar interpretação diversa ao artigo 7º da Resolução CONAMA nº 458/2013, que expressamente revoga a Resolução CONAMA n. 387/2006, pois a exigência de Licença Prévia para a criação de projetos de assentamento só era prevista pela resolução revogada.
Interpretando-se de maneira a exigir o que a nova resolução não exige, seria forçoso reconhecer a incompatibilidade das normas, problema que é superado com o reconhecimento de revogação tácita da norma anterior.
Entretanto, nesse caso o que existe é apenas um aparente conflito de normas, visto que a Resolução nº. 237/97 traz previsões gerais sobre o licenciamento ambiental, indicando as atividades passíveis de licenciamento, enquanto a Resolução CONAMA nº 458/2013, assim como o fizeram as Resoluções CONAMA anteriores (289/2001 e 387/2006), especifica o procedimento de licenciamento ambiental em projetos de assentamento de reforma agrária.
Deve ser aplicada, desse modo, a norma específica, em detrimento da norma geral, assim como já ocorria quando vigoravam as Resoluções CONAMA n.ºs 289/2001 e 387/2006, pois não eram aplicadas aos projetos de assentamento as previsões da Resolução CONAMA n.º 237/97 que exigia a expedição de licença prévia, licença de instalação e licença de operação, mas o procedimento mais simples que o ordinário, exigindo-se apenas licença prévia e licença de instalação e operação – LIO, conforme disciplinado pelas resoluções revogadas.
A nova Resolução CONAMA nº 458/2013 traz a necessidade de licenciamento ambiental somente no que diz respeito às atividades agrossilvipastoris e aos empreendimentos de infraestrutura (arts. 4º e 5º), e não para o procedimento de criação do projeto de assentamento em si.
A antiga Resolução CONAMA n. 289/2001 também trazia a previsão de necessidade de licença prévia para criação de projetos de assentamento, porém foi revogada pela Resolução n. 387/2006 (art. 16) e, como não houve nenhuma manifestação expressa, a mesma não recobrou sua vigência:
“Art. 2º.
(...)
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. (Decreto-Lei n. 4.657/42)
Deste modo, por absoluta inexistência de previsão legal, não se poderia mesmo exigir-se licença prévia para criação de projetos de assentamento, ante o princípio da legalidade, que rege os atos da administração pública.
Vale ressaltar que compete ao CONAMA estabelecer as normas e os critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, conforme disposto na Lei n. 6.938/81:
Art. 8º Compete ao CONAMA: (Redação dada pela Lei nº 8.028, de 1990)
I – estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluídoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA; (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)[4]
Portanto, a única interpretação cabível para se considerar a previsão do Anexo I da Resolução CONAMA n. 237/97 como ainda em vigor, é a de considerar que os projetos de assentamento de reforma agrária são licenciáveis na forma da nova Resolução CONAMA nº 458/2013, ou seja, são passíveis de processo de licenciamento simplificado apenas as atividades agrossilvipastoris e os empreendimentos de infraestrutura desenvolvidos no imóvel rural.
5.2) Responsabilidade dos beneficiários da reforma agrária
Vale destacar que a conclusão de não ser mais necessário o processo de licenciamento ambiental para criação de projetos de assentamento não significa que os beneficiários da política de reforma agrária estão isentos de observarem e cumprirem as normas ambientais aplicáveis. Tal conclusão é reforçada, inclusive, pelas previsões constantes dos títulos concedidos aos beneficiários pela autarquia agrária.
A Instrução Normativa INCRA n. 30/2006 dispõe (art. 15) que o CCU e o TD “conterão cláusulas que obriguem o beneficiário a manter, conservar e se for o caso, restaurar, as áreas de preservação permanente e de reserva legal”.
No caso de descumprimento das cláusulas que determinam a observância das leis ambientais, compete ao Incra adotar as providências para que o assentado regularize a situação do lote ou para retomá-lo e destiná-lo a outro interessado que também preencha os requisitos da Lei n. 8.629/93.
Com a Resolução CONAMA nº 458/2013, os projetos de assentamentos de reforma agrária, cujo público é composto de comunidades de agricultores familiares, estão dispensados apenas do licenciamento ambiental nos moldes exigidos pela Resolução CONAMA revogada, nº. 387/2006, o que não significa, naturalmente, qualquer dispensa da observância da legislação ambiental, conforme já destacado.
5.3) O passivo ambiental do imóvel será objeto de regularização
Conforme já destacado, quanto à regularização ambiental dos imóveis rurais, o Cadastro Ambiental Rural - CAR será o instrumento ambiental básico através do qual será promovida a regularização ambiental dos imóveis destinados à reforma agrária. Dele constará a localização das áreas de preservação permanente, áreas de reserva legal, dentre outras, possibilitando identificar e mensurar o passivo ambiental e contribuindo, dessa forma, para elaboração e implantação de planos de recuperação.
Entende-se, pois, que a regularidade ambiental dos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária é alcançada pelo cumprimento da Lei n.º 12.651/2012, por meio do Cadastro Ambiental Rural, não sendo necessária licença ambiental que autorize a criação de projetos de assentamento.
Se imóvel rural estiver com algum tipo de passivo ambiental, as inadequações serão objeto de regularização, o que não se confunde (ao contrário, se complementa) com o processo de licenciamento ambiental das atividades que serão desenvolvidas no projeto de assentamento, visando à prevenção de danos.
5.4) Licenciamento de atividades em projeto de assentamento
A Resolução CONAMA nº 458/2013 prevê um procedimento de licenciamento simplificado para os empreendimentos de infraestrutura e as atividades agrossilvipastoris desenvolvidas em projetos de assentamento de reforma agrária (art.3º, §1º da nova resolução), bem como dispõe que as atividades eventuais ou as de baixo impacto ambiental (assim definidas no artigo 2º da resolução, que reproduziu previsão do art.3º, X da Lei n. 12.651/2012) independem das licenças previstas na resolução (art. 3º§3º).
Já as atividades desenvolvidas em projetos de assentamento que assim não forem consideradas, ou seja, que não forem de baixo impacto ambiental, deverão seguir o processo de licenciamento ordinário, caso o órgão ambiental competente identifique potencial impacto ambiental significativo (art. 3º, § 4º).
6) Conclusões
Buscou-se analisar a necessidade de licenciamento ambiental para o ato de criação de projetos de assentamento de reforma agrária, a partir da revogação da Resolução CONAMA nº 387/2006 pela Resolução CONAMA nº 458/2013, considerando também que a expressão “projetos de assentamento e de colonização” foi mantida no Anexo I da Resolução CONAMA nº 237/97.
Nesse contesto, observou-se que um dos motivos para a revisão da Resolução anterior foi a necessidade de adaptação às previsões da Lei n.º12.651/2012, que instituiu o novo Código Florestal e criou o Cadastro Ambiental Rural-CAR como instrumento adequado para a regularização ambiental de todos os imóveis rurais.
Entende-se, por todo o exposto, que a regularidade ambiental dos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária é alcançada pelo cumprimento da Lei n.º 12.651/2012, por meio do Cadastro Ambiental Rural, não sendo necessária licença ambiental que autorize a criação de projetos de assentamento, como forma de atestar a regularidade ambiental do imóvel destinado à política pública
Se o imóvel rural estiver com algum tipo de passivo ambiental, as inadequações serão objeto de regularização, o que não se confunde, mas se complementa, com o processo de licenciamento ambiental das atividades que serão desenvolvidas no projeto de assentamento, visando à prevenção de danos.
Conforme visto, o licenciamento ambiental das atividades desenvolvidas nos projetos de assentamento é preventivo dos possíveis danos que essas atividades venham a causar, já que o licenciamento ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, inciso IV da Lei n.º 6.938/81) que permite uma atuação preventiva do Poder Público em relação aos danos ambientais passíveis de serem causados por determinadas atividades.
No que diz respeito à manutenção da previsão no Anexo I da Resolução nº 237/97, percebe-se que houve no âmbito do CONAMA um entendimento de que as atividades constantes do Anexo I da Resolução CONAMA n.º 237/97 devem ser revistas para que restem adequadas às novas disposições legais (LC nº 140/2011 e Lei nº 12.651/2012), motivo pelo qual se entendeu desnecessária uma revogação expressa da atividade de “projetos de assentamento de reforma agrária” da lista de atividades licenciáveis.
Ainda, considerando o conceito de reforma agrária, bem como que o público-alvo da política é composto por agricultores familiares, é possível afirmar que a criação e a implantação de projetos de assentamento não constituem empreendimentos de significativo impacto ambiental a justificar a exigência de licenciamento, visto que o objetivo do Estado com a criação desses projetos é o de “promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso”, a fim de atender aos princípios da justiça social e da função social da propriedade, buscando a diminuição do número de latifúndios improdutivos e possibilitando a proliferação de unidades familiares através do qual o homem do campo possa se fixar no meio rural de forma digna, o que, por si só, não constitui atividade de impacto ambiental.
As atividades que serão desenvolvidas pelos agricultores familiares destinatários da política é que pode ou não ocasionar impacto ambiental significativo.
Por outro lado, verificou-se também que inexiste previsão legal que fundamente a exigência de licença prévia para criação de projeto de assentamento, pois a revogação do procedimento de licenciamento ambiental previsto na Resolução CONAMA nº 387/2006, pela superveniência da Resolução CONAMA nº 458/2013, operou a revogação tácita de todas as disposições a ela contrárias.
A previsão do Anexo I da Resolução CONAMA nº. 237/97 não tem força, por si só, de tornar exigível tal procedimento, pois apenas indica atividades que são passíveis de licença ambiental.
E os projetos de assentamento de reforma agrária eram licenciáveis na forma da resolução revogada, de modo que a previsão do anexo I da Resolução CONAMA n. 237/97 em relação aos projetos de assentamento de reforma agrária deve ser interpretada de maneira compatível com a nova Resolução CONAMA nº 458/2013: o Anexo da Resolução CONAMA nº. 237/97 diz que projetos de assentamentos são licenciáveis e a Resolução CONAMA nº 458/2013 especifica a forma de licenciamento, que não exige licença prévia para criação de projetos de assentamento.
Isso não exclui, por fim, a responsabilidade ambiental dos beneficiários da política de reforma agrária, não extingue a necessidade de regularização ambiental do imóvel destinado ao projeto de assentamento (adequações conforme exigência do Código Florestal) e nem exclui a necessidade de licenciamento ambiental de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente desenvolvidas dentro dos projetos de assentamento.
7) Referências:
1 – Lei Complementar nº 95/1998.
2 – Lei Complementar nº 140/2011.
3 – Lei nº 4.504/1964.
4 – Lei nº 6.938/1981.
5 – Lei nº 8.629/1993.
6 – Lei nº 11.326/2006.
7 – Lei nº 12.651/2012.
8 – Decreto 4657/1942.
9 – Decreto nº 4.176/2002.
10 – Instrução Normativa do Incra nº 30/2006.
11 – Instrução Normativa do MMA nº 02 de 5 de maio de 2014.
12 – Resolução CONAMA nº 237/1997.
13 – Resolução CONAMA nº 289/2001.
14 – Resolução CONAMA nº 387/2006.
15 – Resolução CONAMA nº 458/2013.
16 – Regimento Interno do CONAMA.
[1] Previsão da Ementa da Resolução do CONAMA nº 458/2013. Segundo o Decreto 4176/2002, em seu artigo 6º, a “ementa explicitará, de modo conciso e sob a fórmula de título, o objeto do ato normativo”. No mesmo sentido, o artigo 5º da LC 95/1998.
[2] A Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos – CTAJ é órgão do CONAMA com atuação no exame da “constitucionalidade, legalidade e técnica legislativa de propostas” e na “compatibilidade das propostas de resoluções com os acordos internacionais, dos quais o Brasil seja signatário”, tal como previsto no art. 32 do Regimento Interno do Conselho.
[4] Ressalte-se que, apesar da iniciativa da nova Resolução ter sido do MDA/Incra, o IBAMA endossou a proposta.
Procuradora Federal desde 2006 (Advocacia-Geral da União. Em exercício na Procuradoria Federal Especializada do Incra desde 2008). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2005). Especialista em Estado, Governo e Políticas Públicas pela Universidade de Brasília (2012).<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Paula Renata Castro. Licenciamento ambiental de projetos de assentamento de reforma agrária a partir da Resolução CONAMA n.º 458/2013 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42544/licenciamento-ambiental-de-projetos-de-assentamento-de-reforma-agraria-a-partir-da-resolucao-conama-n-o-458-2013. Acesso em: 08 dez 2024.
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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