RESUMO: o auxílio-reclusão é um benefício singular e controverso, estando relacionado a várias celeumas jurídicas e questões de ordem prática que ainda não foram plenamente resolvidas.
Palavras-chave: Previdência Social, auxílio-reclusão, dependentes, baixa renda.
1. Introdução e conceito
O auxílio-reclusão é um benefício polêmico, com várias características singulares que o diferenciam dos demais benefícios do nosso ordenamento. O presente artigo visa fazer uma apanhado dessas particularidades, além das discussões surgidas na doutrina e jurisprudência acerca do benefício.
O auxílio-reclusão está previsto no art. 80 da Lei 8.213/91:
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Como se observa pela leitura da lei, o benefício é devido aos dependentes, não ao segurado recluso, “nas mesmas condições da pensão por morte”. O legislador visou aqui proteger os dependentes do segurado que, em condição análoga aqueles que perdem o provedor por causa do seu óbito, se veem desamparados ante o seu encarceramento.
Em suma, não apenas o cálculo do benefício é igual ao da pensão por morte, mas também sua finalidade é semelhante. Não se trata de amparo ao segurado preso, mas a seus dependentes.
O benefício dispensa carência (art. 26. II, da Lei 8.213/91) e sua concessão é limitada aos segurados de baixa renda (art. 201, IV, da Constituição Federal).
Passamos analisar cada um desses aspectos.
2. Histórico e singularidade
O auxílio-reclusão existe de forma generalizada desde a Lei 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social), que determinava o pagamento do benefício, nos mesmos valores da pensão por morte, aos dependentes do recluso que não recebesse remuneração da empresa. Era exigida carência de doze contribuições mensais. Leis posteriores não alteraram de forma significativa o benefício, mantendo regras semelhantes até o advento da Lei 8.213/91 [1].
Trata-se de benefício próprio do direito brasileiro, não se tendo notícia de existência de benefício semelhante no direito estrangeiro. Cabe ressaltar, no entanto, que regimes previdenciários de outros ordenamentos também tem benefícios singulares, inexistentes nos demais países [2].
3. Carência
A Lei 8.213/91 dispensou o cumprimento de carência para a concessão do auxílio-reclusão. A alteração iguala o benefício à pensão por morte nesse particular, mas o afasta de benefícios como o auxílio-doença que, em regra, exige a carência de 12 contribuições. É necessária a qualidade de segurado, no entanto.
A carência prevista para os benefícios de pensão por morte e auxílio-doença tem como principal função, a nosso ver, não o simples equilíbrio atuarial, mas a diminuição da possibilidade de fraudes contra a autarquia. Busca-se evitar que o indivíduo que nunca contribui para a previdência social recolha apenas uma contribuição quando já estiver incapaz para o trabalho, recebendo em seguida o benefício.
Esse tipo de fraude não pode, em princípio, ser utilizada no auxílio-reclusão, já que a data do recolhimento à prisão, ao contrário da data de início da incapacidade, é de fácil verificação. Por outro lado, seria possível cogitar que o indivíduo que estivesse ciente do risco de ser preso (por estar foragido, por exemplo) pudesse contribuir por um mês antes de ser capturado, gerando o direito ao benefício, o que nos parece ser contrário aos princípios da previdência social.
4. Beneficiários e cumulação de benefícios
Os beneficiários do auxílio-reclusão são os dependentes do segurado, como ocorre na pensão por morte. Com a reclusão do segurado, eles ficam privados de uma fonte de sustento, o que justifica em tese a existência do benefício e algumas das regras a ele aplicáveis.
Como visto no art. 80 da Lei 8.213/91, se o segurado receber remuneração da empresa, aposentadoria, auxílio-doença ou abono de permanência, seus dependentes não terão direito ao benefício, pois a família não estará privada de sua fonte de renda.
Por outro lado, a Lei 10.666/03 estabelece que o exercício de atividade remunerada do segurado que estiver preso em regime fechado ou semi-aberto não impede o pagamento de auxílio-reclusão, mesmo se houver contribuição como contribuinte individual ou facultativo.
Tendo em vista a forma de cálculo do auxílio-reclusão, sua cessação pela concessão de auxílio-doença poderia causar o curioso efeito de diminuir a renda recebida pela família, razão pela qual a Lei 10.666/03 permita a opção pelo benefício mais vantajoso (art. 2º, §1º). Da mesma forma, caso o segurado volte a contribuir enquanto recolhido à prisão e, ainda recluso, venha a falecer, a família ao receber pensão por morte poderá optar pelo valor do auxílio-reclusão se as novas contribuições diminuírem o valor da pensão (art. 2º, §2º).
5. Baixa renda
A cobertura da previdência social para o evento de reclusão estava prevista no art. 201, I, da Constituição Federal. A Emenda Constitucional nº 20/98 trouxe limitação ao benefício, restringindo sua concessão aos segurados de baixa renda. Na redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, assim determina a Constituição:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
[…]
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
A definição de baixa renda foi determinada pela Emenda Constitucional nº 20/48 e pelo Decreto 3048/99 nos seguintes termos:
Emenda Constitucional nº 20/48
Art. 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.
Decreto 3048/99
Art. 116. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).
§ 1º É devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário-de-contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado.
Os valores mencionados são anualmente atualizados. Atualmente, a Portaria Interministerial MPS/MF nº 19, de 10/01/2014 determina o limite atual de R$ 1.025,81.
A limitação estabelecida pela Emenda Constitucional 20/98 é curiosa, uma vez que, tratando-se de benefício previdenciário e não assistencial, não há razão atuarial para restringir a concessão do benefício ao segurado de baixa renda, chegando alguns doutrinadores a afirmar que a distinção é inconstitucional[3]. Mais adequado, talvez seria impor um teto ao valor do benefício [4]. Cumpre lembrar que, sendo o benefício calculada na mesma forma da pensão por morte, em tese ele poderia ter valor muito superior a R$ 1.025,81, caso o último salário do segurado fosse muito inferior aos salários anteriores, o que é raro na prática.
A renda em questão é a renda do segurado, não de seus dependentes, como ficou determinado pelo Supremo Tribunal Federal nos REs 587365 e 486413. Deve ser mencionada a existência de respeitável posição em contrário[5] uma vez que e a tese adotada pelo STF possibilitaria situações em que dependentes com renda significativa recebessem o benefício enquanto dependentes sem renda nenhuma não recebessem nada pelo fato da renda anterior do segurado ser de R$ 1.200,00, por exemplo. Isso demonstra que a solução adotada não é a mais eficiente para o cumprimento do objetivo de amparar os dependentes do segurado, embora esteja de acordo com a vontade da lei, segundo o entendimento predominante.
Por fim, propõe Hermes Arrais de Alencar, “ de lege ferenda”, a ampliação do benefício para amparar também as famílias de eventuais vítimas do segurado, em caso de homicídio[6]. Tal inovação legislativa, a nosso ver, seria de grande utilidade não só para ajudar os dependentes da vítima, mas também para reduzir a resistência criada em torno da discussão e da própria existência do auxílio-reclusão.
6. Prisão e permanência
Segundo se observa do art. 116 e seguintes do Decreto 3048/99 e seus incisos, o benefício é devido durante a permanência do segurado na prisão, cabendo aos dependentes comprovar que o segurado continua encarcerado. Transcrevemos os dispositivos mais relevantes do decreto:
Art. 116.
[...]
§ 2º O pedido de auxílio-reclusão deve ser instruído com certidão do efetivo recolhimento do segurado à prisão, firmada pela autoridade competente.
[...]
§ 4º A data de início do benefício será fixada na data do efetivo recolhimento do segurado à prisão, se requerido até trinta dias depois desta, ou na data do requerimento, se posterior, observado, no que couber, o disposto no inciso I do art. 105. (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)
[…]
§ 5º O auxílio-reclusão é devido, apenas, durante o período em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado ou semi-aberto. (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)
Art. 117. O auxílio-reclusão será mantido enquanto o segurado permanecer detento ou recluso.
[…]
§ 1º O beneficiário deverá apresentar trimestralmente atestado de que o segurado continua detido ou recluso, firmado pela autoridade competente.
§ 2º No caso de fuga, o benefício será suspenso e, se houver recaptura do segurado, será restabelecido a contar da data em que esta ocorrer, desde que esteja ainda mantida a qualidade de segurado.
Não há amparo na redação da Constituição Federal ou da Lei 8.213/91 para a restrição do benefício apenas aos que estão presos em virtude de sentença penal definitiva, razão pela qual a doutrina tende a entender possível a concessão no caso de prisão cautelar, civil ou administrativa[7], mesmo que a redação do art. 116, §5º pudesse indicar o contrário.
O art. 117, §2º, determina a suspensão do benefício em caso de fuga. Presume-se que, não estando mais recolhido à prisão, o segurado possa voltar ao trabalho e sustentar a família, ainda que foragido (ao menos em tese). Por outro lado, não podemos deixar de mencionar que a suspensão, na prática, acabado tendo o efeito principal de desestimular a fuga, independentemente da família do foragido estar amparada ou não.
7. Conclusão
O auxílio-reclusão é um benefício singular, tanto no direito comparado (sendo desconhecido em outros ordenamentos) quanto no próprio direito pátrio, apresentando várias notas distintivas em relação a outros benefícios, o que colabora para o surgimento de controvérsias em torno de sua concessão, muitas das quais ainda não estão plenamente resolvidas. Por meio do presente artigo esperamos ter chamado a atenção para alguns aspectos do benefício que estão a merecer reforma legislativa para melhor cumprimento dos fins a que ele se destina.
NOTAS:
[1] SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 298-299.
[2] MARCÃO, Renato. O auxílio-reclusão na previdência social brasileira e estrangeira. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 35, abril. 2010. Disponível em:
<http://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao035/roberto_demo.html>
Acesso em: 13 dez. 2014.
[3] SANTOS, Marisa Ferreira dos, op. cit., p. 300.
[4] DANTAS, E. de A.; RODRIGUES, E. B. de O. Auxílio-reclusão: uma abordagem conceitual. Informe de Previdência Social, v. 21, n. 6, p. 1-13, jun. 2009. p 13.
[5] ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 3. ed. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária de Direito, 2007. pp. 501-504.
[6] Ibid., p. 513.
[7] SANTOS, Marisa Ferreira dos, op. cit., p. 299.
REFERÊNCIAS:
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011.
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. – 7. edição – Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 51.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 3. ed. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária de Direito, 2007.
MARCÃO, Renato. O auxílio-reclusão na previdência social brasileira e estrangeira. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 35, abril de 2010. Disponível em:
<http://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao035/roberto_demo.html>
DANTAS, E. de A.; RODRIGUES, E. B. de O. Auxílio-reclusão: uma abordagem conceitual. Informe de Previdência Social, v. 21, n. 6, p. 1-13, junho de 2009.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Geral Federal de Santos-SP, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVIAN, Eduardo. Auxílio-reclusão - características, peculiaridades e aspectos controversos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42550/auxilio-reclusao-caracteristicas-peculiaridades-e-aspectos-controversos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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