Resumo: Este artigo traz exame acerca da necessidade de edital de notificação para as multas de ofício no campo tributário, já que a legislação não possui disposição mais específica do conteúdo que deve estar contido em uma notificação editalícia.
1. Introdução
Considerando que, de um modo geral, os editais contem dados mais abreviados das informações destinadas ao notificado e que a norma não estabelece preceito definido acerca do conteúdo editalício, dúvidas surgem na seara da Administração Tributária em torno dos requisitos que devem estar contemplados nesse tipo de notificação especial. As considerações aqui feitas referem-se à análise da necessidade de o edital contemplar o comunicado ao contribuinte da obrigação tributária principal (tributo) e da obrigação tributária acessória (multa de ofício).
2. Desenvolvimento
A notificação é ato de comunicação processual em que a Administração a determina a fim de que o interessado tome ciência de uma decisão, ou para a efetivação de diligências.
A notificação do devedor é ato umbilicalmente ligado ao exercício da ampla defesa e do contraditório na via administrativa. É por meio dela que o contribuinte será cientificado para efetuar o pagamento ou apresentar impugnação. É, portanto, ato formal de conhecimento de todo o conteúdo da cobrança.
A deficiência na notificação formal torna viciado o ato, por cerceamento de defesa. Defeituosa a notificação, violado estará o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, bem como do devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV).
A regra básica é a de que o sujeito passivo do lançamento deve ser notificado pessoalmente, ou por escrito, no seu domicílio tributário. Somente na incerteza do domicílio é que a notificação por edital tem cabimento. De acordo com o art. 23 do Decreto 70.235/1972,
Art. 23. Far-se-á a intimação:
I - pessoal, pelo autor do procedimento ou por agente do órgão preparador, na repartição ou fora dela, provada com a assinatura do sujeito passivo, seu mandatário ou preposto, ou, no caso de recusa, com declaração escrita de quem o intimar;
II - por via postal, telegráfica ou por qualquer outro meio ou via, com prova de recebimento no domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo;
III - por meio eletrônico, com prova de recebimento, mediante:
a) envio ao domicílio tributário do sujeito passivo; ou
b) registro em meio magnético ou equivalente utilizado pelo sujeito passivo.
§ 1o Quando resultar improfícuo um dos meios previstos no caput deste artigo ou quando o sujeito passivo tiver sua inscrição declarada inapta perante o cadastro fiscal, a intimação poderá ser feita por edital publicado:
I - no endereço da administração tributária na internet;
II - em dependência, franqueada ao público, do órgão encarregado da intimação; ou
III - uma única vez, em órgão da imprensa oficial local.
A legislação, ao tratar da notificação de lançamento, descreve em seu art. 11 os requisitos que devem estar contidos nesse importante ato de comunicação processual. A redação do Decreto nº 70.235/1972 é clara e explícita na afirmação da obrigatoriedade dos elementos da notificação. Assim, a ostentação desses dados não é uma mera faculdade:
Art. 11. A notificação de lançamento será expedida pelo órgão que administra o tributo e conterá obrigatoriamente:
I - a qualificação do notificado;
II - o valor do crédito tributário e o prazo para recolhimento ou impugnação;
III - a disposição legal infringida, se for o caso;
IV - a assinatura do chefe do órgão expedidor ou de outro servidor autorizado e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.
Parágrafo único. Prescinde de assinatura a notificação de lançamento emitida por processo eletrônico.
Apesar de a norma ser descritiva e não lacunosa em relação ao teor da notificação, não o foi ao tratar da forma editalícia, limitando-se a caracterizar a hipótese de cabimento dessa via de ciência dos atos procedimentais. Ao se pesquisar a legislação de uma forma geral, também não se viu uma disposição mais específica do conteúdo que deve estar contido em uma notificação editalícia.
É certo que, de uma forma geral, os editais contem dados mais resumidos das informações destinadas ao notificado, mas nada impede que a comunicação seja mais detalhada.
A multa de ofício, em regra, é cobrada conjuntamente com o crédito tributário[1] e decorre da necessidade do lançamento de ofício. Trata-se, portanto, de uma penalidade acessória decorrente de um débito principal.
A multa de ofício decorre da necessidade de lançamento suplementar por parte do Fisco, ou seja, a intenção da norma é punir o contribuinte que não apura ou declara o tributo corretamente, exigindo da Fazenda suprir a omissão do sujeito passivo no seu dever de constituir do crédito tributário.
Tendo em conta a acessoriedade da multa de ofício, compreende-se que as regras de notificação que disserem respeito aos tributos, também terão aplicação em relação a essas penalidades.
A despeito do caráter da acessoriedade falada, há uma certa autonomia entre a multa de ofício e o tributo. Eis que é plenamente possível que o sujeito passivo pretenda impugnar somente a penalidade, reconhecendo o cabimento da cobrança do tributo propriamente dito. O inverso também é factível: o contribuinte defender-se tão somente do tributo e aceitar a arrecadação da multa. Assim, a hipótese de o devedor impugnar apenas uma das obrigações é possível e viável.
Foi dito acima que a notificação é instrumento inerente ao exercício do contraditório processual. Uma comunicação processual deficitária implicará, diretamente, num cerceamento de defesa por parte do destinatário da cientificação.
A decisão do sujeito passivo de impugnar ou não uma cobrança, bem como a extensão da defesa a ser empregada (com maior alcance ou não dos fatos a ele imputados) tem correlação íntima com o teor da notificação. Será a partir do que contém essa comunicação é que o devedor tomará suas providências.
Nessa ordem de ideias, compreende-se que as informações do edital devem fazer alusão não somente ao fundamento legal da obrigação tributária principal, mas também em relação à aplicação da penalidade.
O art. 28 da Lei nº 9.784/1999 dá uma luz ao intérprete. Segundo este dispositivo legal, devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o destinatário em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.
No caso, por exemplo, de o tributo a ser arrecadado ser da categoria dos lançamentos por homologação, será possível, a depender da hipótese, o incidência da multa de ofício, a qual não atinge aqueles tipicamente sujeitos a lançamento de ofício. A partir disso é possível que se desdobrem as seguintes situações:
a) não havendo declaração espontânea nem tampouco pagamento, o valor apurado pela fiscalização é a base de cálculo para a incidência da multa de ofício;
b) havendo declaração espontânea, e não havendo pagamento, e sendo apurado pela fiscalização valor igual ao valor declarado, não há incidência de multa de ofício, podendo o respectivo valor declarado ser desde logo inscrito em dívida ativa, acrescido de juros de mora e correção monetária (SELIC), mais multa de mora, nos termos da lei.
c) havendo declaração espontânea, mas sendo apurado pela fiscalização valor superior ao declarado, incidirá multa de ofício apenas sobre a diferença entre o declarado e o apurado, incidindo multa de mora sobre o valor declarado pelo contribuinte;
Portanto, a depender da situação do contribuinte, que será, necessariamente definida pela administração tributária, algumas consequências podem advir de seu comportamento: desde a cobrança plena da multa, passando pela parcialidade de sua arrecadação, à não incidência de multa de ofício.
Se os dados pertinentes à penalidade não tiverem presentes na notificação, seja ela pessoal, por carta com aviso de recebimento, ou por edital, o devedor sequer saberá como a administração fiscal considerou sua situação. Com efeito, a ausência de informações pertinentes ao crédito tributário afetará em cheio o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Repita-se: a notificação é ato formal de conhecimento de todo o conteúdo da cobrança. Indicar, tão somente, a existência de débitos relativos à obrigação tributária principal não satisfaz à necessidade (obrigação) de se informar toda a moldura legal que embasa a ação da administração fiscal voltada à arrecadação de seus créditos.
Os julgados abaixo colacionados evidenciam a questão da formalidade da notificação, bem como sua interdependência para com o exercício do direito de ampla defesa do devedor:
Processo: AGRESP 200802038011 / AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 1090469
Relator(a): TEORI ALBINO ZAVASCKI
Sigla do órgão: STJ / Órgão julgador: PRIMEIRA TURMA
Fonte: DJE Data: 10/02/2011 (Data da decisão: 03/02/2011)
Ementa
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INAPLICABILIDADE DO RESP 1.103.050/BA. LANÇAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NOTIFICAÇÃO. EDITAL. EXCEPCIONALIDADE. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO TIDO POR VIOLADO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. OFENSA A PORTARIA E A RESOLUÇÃO. NÃO-INCLUSÃO DESSAS ESPÉCIES DE ATO NORMATIVO NO CONCEITO DE "LEI FEDERAL" DO ART. 105, III, DA CF. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA, AINDA QUE POR OUTROS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Processo: AC 200538000285465 / AC - APELAÇÃO CIVEL – 200538000285465
Relator(a): JUIZ FEDERAL CLEBERSON JOSÉ ROCHA (CONV.)
Sigla do órgão: TRF1 / Órgão julgador: OITAVA TURMA
Fonte: e-DJF1 Data: 16/09/2011 p.: 516 (Data da decisão: 12/08/2011)
Ementa
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE FISCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO INVÁLIDA. 1. A constituição válida do tributo, via lançamento de ofício, exige prévia notificação do devedor, de modo a propiciar a este o exercício da ampla defesa na via administrativa. 2. O lançamento da Taxa se Fiscalização e Funcionamento dá-se de ofício, e a notificação se aperfeiçoa com o envio do respectivo carnê para o domicílio do devedor. 3. Notificação pessoal da devedora não comprovada pelo exequente, que não carreou aos autos os respectivos Avisos de Recebimentos (ARs). 4. Mera publicação de editais não pode servir de fundamento para execução de débito, devendo ser comprovado pela exequente o envio efetivo do carnê de cobrança, e não pelo sujeito passivo, dada a dificuldade em se produzir prova negativa. 5. Edital de Notificação de Lançamento do tributo que não individualiza nem o contribuinte, nem muito menos os débitos cobrados. 6. Lançamento eivado de nulidade por violação ao postulado do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88). Extinção da execução devida. 7. Apelação desprovida.
Possivelmente a postura aqui defendida, em havendo judicialização em torno da formalidade da notificação editalícia, evitaria que a tese da nulidade da comunicação vingasse. Trata-se, acima de tudo, de uma diligência preventiva e que servirá como uma espécie de imunização contra possíveis impugnações por parte do devedor.
3. Conclusão
Portanto, diante de todas as considerações aqui expostas, compreende-se que em sendo necessário a notificação do devedor tributário por meio de edital, mostra-se necessário, em havendo aplicação de multa de ofício, a indicação do fundamento legal dessa (art. 44, I, da Lei nº 9.430/96), em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
4. Referências Bibliográficas
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 16 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; 2014.
CAMPOS, Dejalma de. Direito processual tributário. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
[1] Nada impede, contudo, que haja cobrança da multa em separado, caso não tenha sido objeto de lançamento suplementar juntamente com o crédito tributário, nos termos do art. 43, caput, da Lei n.º 9.430/96.
Procuradora Federal em Brasília - DF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Teresa Resende. Da notificação editalícia e as multas de ofício Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42552/da-notificacao-editalicia-e-as-multas-de-oficio. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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