I. INTRODUÇÃO
Apesar da existência de uma preocupação com os direitos sociais desde longa data, mais de um século depois, os direitos sociais ainda enfrentam uma série problemas quanto a sua eficácia e efetividade.
Um breve escorço histórico revela que a duração do trabalho foi tema ignorado durante muito tempo no Brasil. Convém rememorar que as primeiras regulamentações do trabalho assalariado surgiram após a abolição da escravatura, em 1888.
Somente com o fomento à industrialização promovido por Getúlio Vargas, o Estado passou a regular a jornada de trabalho, tendo a Constituição Federal de 1934 regulamentado o horário normal de trabalho.
No cenário hodierno, a duração da jornada de trabalho vem ganhando especial atenção. Estudos científicos constataram que a limitação da jornada de trabalho deve ser encarada como medida de saúde.
No presente trabalho, pretende-se destacar a importância de uma análise adequada sobre a duração da jornada de trabalho, consentânea com os princípios e o mote social consagrados na Constituição Federal de 1988.
II. ESCOPO DA DISCIPLINA CONSTITUCIONAL E LEGAL
A Constituição Federal, no Capítulo que trata dos Direitos Sociais, prevê o seguinte:
CAPÍTULO II
DOS DIREITOS SOCIAIS
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
Some-se os arts. 194, caput, art. 196, art. 197 e, finalmente, o art. 200, II da Constituição Federal. Tais regras de saúde pública estão imantadas de especial obrigatoriedade, por determinação expressa oriunda da Constituição Federal de 1988.
Atento a essa preocupação do constituinte, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União trouxe, em seu art.19, regra geral quanto à jornada de trabalho, in verbis:
Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
§ 1o O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração. (Redação dada pela Lei nº9.527, de 10.12.97)
§ 2o O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
Extraindo o fundamento de validade na legislação citada, o Decreto 1.590/1995 disciplinou a jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal Direta, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais nos seguintes termos:
Art. 1º A jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, será de oito horas diárias e:
I - carga horária de quarenta horas semanais, exceto nos casos previstos em lei específica, para os ocupantes de cargos de provimento efetivo;
II - regime de dedicação integral, quando se tratar de servidores ocupantes de cargos em comissão ou função de direção, chefia e assessoramento superiores, cargos de direção, função gratificada e gratificação de representação.
(...)
Art. 3º Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.(Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)
§ 1o Entende-se por período noturno aquele que ultrapassar as vinte e uma horas. (Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)
§ 2o Os dirigentes máximos dos órgãos ou entidades que autorizarem a flexibilização da jornada de trabalho a que se refere o caput deste artigo deverão determinar a afixação, nas suas dependências, em local visível e de grande circulação de usuários dos serviços, de quadro, permanentemente atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime, constando dias e horários dos seus expedientes. (Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)
Art. 4º Aos Ministros de Estado e aos titulares de órgãos essenciais da Presidência da República, bem como a seus respectivos Chefes de Gabinete e, também, aos titulares de cargos de Natureza Especial e respectivos Chefes de Gabinete é facultado autorizar jornada de trabalho de seis horas e carga horária de trinta horas semanais às secretárias que os atendam diretamente, limitadas, em cada caso, a quatro.
Art. 5º Os Ministros de Estado e os dirigentes máximos de autarquias e fundações públicas federais fixarão o horário de funcionamento dos órgãos e entidades sob cuja supervisão se encontrem. (Vide Decreto nº 1.867, de 1996)
§ 1º Os horários de início e de término da jornada de trabalho e dos intervalos de refeição e descanso, observado o interesse do serviço, deverão ser estabelecidos previamente e adequados às conveniências e às peculiaridades de cada órgão ou entidade, unidade administrativa ou atividade, respeitada a carga horária correspondente aos cargos.
§ 2º O intervalo para refeição não poderá ser inferior à uma hora nem superior a três horas.
O ponto de convergência entre todos os diplomas normativos elencados é a preocupação do legislador com a duração da jornada de trabalho dos servidores.
Tal preocupação está assentada nas conclusões dos novos estudos e pesquisas sobre a saúde e segurança laborais.
Essas normas assumem verdadeiro caráter de normas de ordem pública, alcançando função determinante de normas de saúde e segurança laborais. Nesse contexto, perde espaço a interpretação meramente econômica das normas jurídicas concernentes à duração do trabalho.
Segundo doutrina abalizada “essas reflexões têm levado à noção de que a redução da jornada e da duração semanal do trabalho em certas atividades ou ambientes constitui medida profilática importante no contexto da moderna medicina laboral”.
Com efeito, a redução do trabalho previne os efeitos psicofisiológicos da fadiga, aumenta a capacidade produtiva do trabalhador, diminui o número de acidentes de trabalho, ocorridos em razão da prestação de trabalho extraordinário, possibilita maior convívio familiar e social, aumenta o número de novos postos de trabalho, dentre outros aspectos positivos.
Noutro giro, os conceitos de período de descanso, intervalo ou repouso ganham importância. Os períodos de descanso são comumente entendidos como lapsos temporais regulares, remunerados ou não, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias ou de sua inserção familiar, comunitária e política.
Desta feita, regras jurídicas que, ao invés de reduzirem o risco à saúde e segurança laborais, alargam-no ou o aprofundam, mostram-se francamente inválidas, ainda que subscritas pela vontade coletiva dos agentes econômicos envolventes à relação jurídica.
Por oportuno, trago à colação jurisprudência do Tribunal de Contas da União sobre o tema:
REPRESENTAÇÃO. JORNADA DE TRABALHO DOS SERVIDORES DO INSS. DETERMINAÇÃO. Considera-se procedente representação para determinar à entidade que regularize a jornada de trabalho dos servidores, alertando-a que a jornada de trabalho de seis horas diárias e a carga horária de trinta horas semanais só deverão ser facultadas quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público. Acórdão TCU 1677/2005
III. CONCLUSÃO
Pelo exposto, resta claro que a disciplina normativa existente em solo pátrio revela a preocupação do legislador com a duração da jornada de trabalho dos servidores.
Com efeito, a tutela social extraída do tratamento conferido aos direitos sociais pelo legislador constituinte deve servir de norte interpretativo para todos os atos normativos hierarquicamente inferiores.
Como visto, os estudos sobre saúde e segurança do trabalho ensinam que a redução da jornada em certos ambientes ou atividades,representa medida profilática importante no contexto da moderna medicina laboral.
Deste modo, os atos normativos sobre o assunto não devem ser analisados como normas estritamente econômicas, já que podem alcançar, em certos casos, o caráter determinante de normas de medicina e segurança do trabalho, portanto, normas de saúde pública.
Desta feita, a interpretação meramente econômica existente outrora perde espaço para os novos estudos acerca de saúde e seguranças laborais, razão pela qual, qualquer ato normativo que verse sobre duração da jornada de trabalho de servidores deve se manter atento a essas diretrizes sob pena de invalidade.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso do Direito do Trabalho – 8. ed. – São Paulo: LTr, 2009
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2007
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro.18.ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.
PROCURADORA FEDERAL. ESPECIALISTA EM DIREITO CONSTITUCIONAL PELA UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA. ESPECIALISTA EM CI ÊNCIAS PENAIS PELA UNISUL<br>CURSANDO LLM EM DIREITO EMPRESARIAL. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Ivja Neves Rabelo. A importância do intervalo intrajornada no serviço público federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42561/a-importancia-do-intervalo-intrajornada-no-servico-publico-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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