RESUMO: O presente trabalho visa estudar a política pública de inclusão previdenciária do microempreendedor individual, introduzida pela Medida Provisória 529/11, posteriormente convertida na Lei 12.470, de 31 de agosto de 2011.
Palavras-chave: Política pública; Previdência Social; Inclusão Social; Microempreendedor individual.
SUMÁRIO: 1 Da seguridade social e seus objetivos; 2 Alteração do perfil demográfico brasileiro e seu impacto na previdência social; 3 Inclusão dos trabalhadores informais: a questão do microempreendedor individual; 4 Conclusão; 5 Bibliografia.
1 Da seguridade social e seus objetivos
A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem por fundamentos, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, II, III e IV, CF/88). Almeja a concretização do objetivo fundamental de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF/88), com a garantia mínima (art. 5º, §2º, CF/88 e art. 7º, CF/88) dos direitos sociais à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados (art. 6º, CF/88).
Consoante o art. 193 da CF/88, a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivos o bem estar e a justiça sociais. Para Balera, “dizer política pública constitucionalmente válida será, portanto, o mesmo que dizer política erigida segundo os critérios baseados no bem-estar e na justiça sociais”, cujo instrumental dado para sua realização é a legislação social, sendo que a técnica protetiva adotada pelo nosso constituinte corresponde ao sistema de seguridade social, erigido sob a ideia de cooperação entre os membros da sociedade e da aceitação da noção de solidariedade.
Com efeito, não há dúvidas que os riscos sociais (desemprego, morte, doença, invalidez, reclusão) que podem assolar os membros de determinada sociedade, interrompendo o percebimento de rendimento mensal e desencadeando a miséria, acabam por refletir em sua estrutura como um todo. Nesse sentido, ao analisar o nascimento do seguro social como um dos remédios para a chamada questão social desencadeada pela industrialização e a urbanização, ressalta Assis:
[…] o grande papel reservado ao seguro obrigatório estatal era o de remediar as injustiças sociais, e apaziguando assim não apenas a insatisfação das classes trabalhadoras mas também aliviando a pressão que aquelas injustiças geravam para a sociedade inteira. Esta, também, por sua vez, encontrou no seguro social um instrumento para diminuir as tensões internas e capaz de contribuir para seu equilíbrio e tranquilidade.
Nesse sentido, como poderoso fator de paz social, é que o seguro social acabou por inscrever-se como uma das mais formidáveis armas da “política social” dos Estados Modernos.
Nessa perspectiva, a seguridade social, no Brasil, corresponde, conforme o ditame do art. 194 do texto constitucional, a um conjunto de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, que são o instrumental normativo apto a solucionar as contingências apresentadas pelo meio social, devendo ser organizada com base nos princípios da universalidade da cobertura e do atendimento; da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; da irredutibilidade do valor dos benefícios; da equidade na forma de participação no custeio; da diversidade da base de financiamento; e do caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados (art. 194, parágrafo único, I a VII, da CF/88).
No âmbito previdenciário criou o Regime Geral de Previdência Social, unificando os regimes anteriores, rural e urbano. Determinou, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (art. 201), devendo atender a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, reclusão, idade avançada, proteção à maternidade, especialmente à gestante, proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário e outros encargos familiares (art. 201, I a V). As disposições constitucionais, atualmente, estão reguladas pela Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui o Plano de Custeio e dá outras providências, e pela Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Regulamentando a Lei de Custeio e de Benefícios seguiram-se os Decretos nº 356 e 357, de 07 dezembro de 1991, Decretos nº 611 e 612 de 21 de julho de 1992, Decretos nº 2.172 e 2.173 de 05 de março de 1997 e o atual Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999, com suas diversas alterações.
2 Alteração do perfil demográfico brasileiro e seu impacto na previdência social
O Regime Geral de Previdência Social – RGPS brasileiro é estruturado com base no regime de repartição.
Numa situação ótima de harmonia entre trabalhadores ativos e inativos, os primeiros são responsáveis com o pagamento das suas contribuições sociais pela manutenção dos benefícios concedidos aos segundos, mantendo-se o equilíbrio financeiro e atuarial preconizado pela Constituição Federal.
No entanto, as alterações demográficas da população brasileira tem sinalizado para um futuro desequilíbrio entre o pacto entre gerações.
Mas não é só o problema demográfico da população brasileira que tem gerado desequilíbrio em parte da equação financeira do regime de repartição. Há incontáveis trabalhadores brasileiros na informalidade, sem qualquer espécie de proteção trabalhista ou previdenciária. O estado é agravado quando se pensa nos trabalhadores que exercem atividade remunerada por conta própria, os chamados contribuintes individuais, que desprovidos de praticamente qualquer garantia trabalhista, diante da ausência da chamada relação de emprego, muito menos conseguem se inserir no regime de previdência social.
3 Inclusão dos trabalhadores informais: a questão do microempreendedor individual
O financiamento da seguridade social deve ser estruturado com base na diversidade das bases de financiamento (art. 194, VI, da CF/88) e na equidade na forma de participação no custeio (art. 194, V, da CF/88). Em razão das diretivas que o art. 195 da CF/88, refere que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta mediante o pagamento de contribuições sociais, e de forma indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Com supedâneo na regra matriz de incidência prevista no art. 195, II, a Lei de Custeio da Seguridade Social estabeleceu a contribuição do contribuinte individual no art. 21. O contribuinte individual, de regra, sempre foi responsável pessoal pelo recolhimento de uma alíquota de 20% sobre o seu salário de contribuição.
Em meio a políticas públicas previdenciárias de inclusão social de trabalhadores, a EC 47/2005 inseriu no texto constitucional os §§ 12 e 13 no art. 201, para tratar da inclusão previdenciária dos trabalhadores de baixa renda.
Com a edição da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e alterou dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, foi criada a alíquota de 11% para o segurado contribuinte individual, que optar pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
O chamado Plano Simplificado de Previdência Social – PSPS é uma forma de inclusão previdenciária com percentual de contribuição reduzido de 20% para 11% para algumas categorias de segurados da Previdência Social. É aplicável ao contribuinte individual que trabalha por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparada, estando excluídos o contribuinte individual prestador de serviços, que é considerado a pessoa física que presta serviços à pessoa jurídica ou cooperativa. No entanto, o valor do salário de contribuição é limitado ao salário-mínimo, não podendo pagar mais que esse montante no PSPS.
Referido plano simplificado dá direito aos benefícios de aposentadoria por idade, auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão, e aposentadoria por invalidez. Está excluído do regime a possibilidade de computar o período recolhido com a alíquota reduzida para fins de requerimento de aposentadoria por tempo contribuição, salvo se complementar a contribuição mensal, mediante o recolhimento de mais 9%, incidente sobre o salário-mínimo, acrescido de juros moratórios.
Recentemente, a Medida Provisória 529/11, posteriormente convertida na Lei 12.470, de 31 de agosto de 2011, alterou os arts. 21 e 24 da Lei 8.212/91, que dispõe sobre o Plano de Custeio da Previdência Social, para estabelecer alíquota diferenciada de contribuição para o microempreendedor individual e do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda. Em razão disso, para o microempreendedor individual a contribuição previdenciária simplificada passou a ser de apenas 5% do salário-mínimo, mantidas as restrições já indicadas quanto ao cômputo do período como tempo de contribuição.
Infere-se que as duas técnicas utilizadas, quais seja, da redução de alíquota com a contrapartida da exclusão da possibilidade de utilizar o tempo contribuído para o benefício por excelência do RGPS estão de acordo com as diretrizes máximas do sistema.
Com efeito, com o objetivo de atingir o bem-estar e justiça sociais ao grupo beneficiado, colocando no epicentro do programa o primado do trabalho - sem paternalismos, portanto -, o legislador considerou a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios (art. 195, III, da CF/88) ao limitar o grupo atingido pela política pública e o rol de prestações que seriam outorgadas. Lembre-se que “a seletividade, fixando o rol de prestações, e a distributividade, definindo o grau de proteção devido a cada um, são corolário da isonomia em tema de seguridade social”.
Questão que não deve ser descuidada diz como a proposição da manutenção do paternalismo estatal e do deficit da Previdência Social, considerando que a redução da alíquota do MEI para 5% implica em renúncia fiscal do Estado.
Nesse norte, a redução da alíquota atende o princípio tributário da capacidade contributiva. Conforme Yamashita, “a capacidade econômico-contributiva é um critério natural do tratamento isonômico entre todos os contribuintes, pois resulta da natureza econômica da relação jurídica-tributrária”. Aliás, em matéria de seguridade, nas quais a ideia de cooperação entre os membros da sociedade e a noção de solidariedade ganha contornos especialíssimos, o princípio da capacidade contributiva também possui um colorido diferente. Destarte, assume a diretriz de equidade na forma de participação no custeio (art. 194, V, da CF/88), cuja peculiaridade está em também “[…] operar como redutor de desigualdades sociais”.
Oportuno transcrever a exposição de motivos da Medida Provisória 529/11, convertida na Lei 12.470, de 31 de agosto de 2011:
Excelentíssima Senhora Presidenta da República,
Temos a honra de submeter à apreciação de Vossa Excelência a anexa proposta de Medida Provisória que altera a Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, no tocante à contribuição previdenciária do microempreendedor individual.
2. A Lei Complementar no 128, de 19 de dezembro de 2008, criou condições especiais para que o trabalhador conhecido como “informal” possa se tornar microempreendedor individual e, assim, passar a atuar como microempresário participante da chamada “economia formal”. São requisitos para a qualificação como microempreendedor individual receita bruta de até R$ 36.000,00 por ano e a não participação em outra empresa como sócio ou titular, além de outras exigências legais.
3. Dentre outros benefícios como a isenção de taxas para o registro da empresa e a possibilidade de contratar um funcionário a menor custo, a Lei Complementar nº 128, 19 de dezembro de 2008, define que o microempreendedor individual fará suas contribuições à Previdência Social, na forma estabelecida no § 2o do art. 21 da Lei no 8.212, de 1991, sendo que, atualmente, a alíquota é de 11% sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal do salário de contribuição.
4. Nesse sentido, a primeira alteração proposta é a redução da alíquota prevista no § 2o do artigo 21 da Lei no 8.212, de 1991, para o montante de 5%. A medida é de relevância inequívoca, já que apta a ampliar os incentivos à formalização com o correspondente acesso aos benefícios previdenciários dessa categoria.
5. A segunda alteração proposta visa ajustar o § 3o do art. 21 da Lei no 8.212, de 1991, em razão da implementação da contribuição diferenciada para o microempreendedor individual, estabelecendo as regras de complementação da contribuição caso este pretenda contar o tempo de contribuição correspondente para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição.
6. Com relação ao art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), cabe informar que a renúncia de receita decorrente do disposto nesta Medida Provisória será de R$ 276 milhões (duzentos e setenta e seis milhões de reais) para o ano de 2011 e de R$ 414 milhões (quatrocentos e quatorze milhões de reais) nos anos de 2012 e 2013. A renúncia será compensada com o aumento de arrecadação de R$ 140 milhões (cento e quarenta milhões de reais) decorrente da edição dos Decretos nº 7.455, de 25 de março de 2011, e nº 7.456, de 25 de março de 2011, remanescente da compensação efetuada com a estimativa de renúncia da Medida Provisória nº 528, de 25 de março de 2011. Já os R$ 136 milhões (cento e trinta e seis milhões de reais) restantes serão advindos da edição do Decreto nº 7.457, de 6 de abril de 2011.
7. Finalmente, a proposta se mostra urgente na medida em que se busca o aumento do número de empreendedores individuais na economia formal; para isso, a imediata vigência da nova regra incentiva o avanço do programa sem se abdicar da proteção previdenciária central ao microempreendedor.
8. Essas, Senhora Presidenta, são as razões que justificam a edição da medida provisória que ora submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência.
Note-se que se está operacionalizando a inclusão previdenciária de setores econômicos diferenciados. Com efeito, as atividades econômicas englobadas pelo programa dizem, por exemplo, como cabeleireiros, pedreiros e serviços ambulantes de alimentação, categorias normalmente afastadas da seguridade social diante do rendimento mensal que não propiciava a destinação securitária.
4 Conclusão
O presente trabalho analisou a política pública de inclusão previdenciária do microempreendedor individual, introduzida pela Medida Provisória 529/11, posteriormente convertida na Lei 12.470, de 31 de agosto de 2011.
Referida política previdenciária criou condições para que trabalhadores informais possam se tornar microempreendedores individuais, com o que passam a gozar de proteção previdenciária.
5 Bibliografia
ASSIS, Armando de Oliveira. Compêndio de Seguro Social. Rio de Janeiro: FGV, 1963.
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004.
GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coord). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005.
YAMASHITA, Douglas. Princípio da solidariedade em direito tributário. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coord). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005.
Procurador federal, lotado na Procuradoria Seccional-Federal de Passo Fundo, RS. Cursou a Escola Superior da Magistratura Federal ESMAFE/AJUFERGS. É pós-graduado em direito previdenciário pelo Instituto Meridional de Ensino - IMED, Passo Fundo, RS. É pós-graduado em direito processual civil pelo Instituto Meridional de Ensino - IMED, Passo Fundo, RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Felipe Simor de. Políticas públicas previdenciárias de inclusão dos trabalhadores informais: a questão do microempreendedor individual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42566/politicas-publicas-previdenciarias-de-inclusao-dos-trabalhadores-informais-a-questao-do-microempreendedor-individual. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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