1. INTRODUÇÃO
As hipóteses de dispensa de licitação constituem matéria frequentemente controvertida em doutrina, sobretudo no que se refere à hipótese de contratação direta em situações de emergência ou calamidade pública, cuja previsão consta no art. 24, inciso IV, da Lei n.º 8.666/1993.
O presente trabalho objetiva examinar a questão da necessidade de elaboração de projeto básico pela Administração contratante previamente à contratação emergencial direta, à luz da legislação de regência, da doutrina e, em especial, do entendimento do Tribunal de Contas da União sobre o assunto.
2. DESENVOLVIMENTO
A contratação realizada por parte da Administração Pública se sujeita em regra, como se sabe, à licitação, assentada nos fundamentos da moralidade administrativa e da igualdade de oportunidades[1]. Nesse sentido, dispõe o artigo 37, inciso XXI, da Constituição da República:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifo nosso)
Daí se percebe que o próprio dispositivo constitucional vem a ressalvar os casos em que a regra do prévio procedimento licitatório não é aplicada, prevendo desta maneira a possibilidade da contratação direta em casos excepcionais e devidamente previstos em lei[2].
Como bem leciona Marçal Justen Filho, toda licitação envolve uma relação entre custos e benefícios. Assim, há custos econômicos, decorrentes do cumprimento dos atos materiais da licitação e da alocação de pessoal, custos de tempo, relativos à demora para desenvolver os atos da licitação, dentre outros. Lado outro, a licitação produz benefícios para a entidade administrativa contratante, primordialmente porque a Administração efetivará, ao menos em tese, uma contratação mais vantajosa do que realizaria se o procedimento licitatório não tivesse ocorrido. Todavia, situações há em que “sabe-se de antemão que a relação custo-benefício será desequilibrada. Os custos necessários à licitação ultrapassarão benefícios que dela poderão advir. Logo, o procedimento licitatório acarretará o sacrifício dos interesses coletivos e supra-individuais. Impõe-se a contratação direta, porque a licitação é dispensável”.[3]
Assim, ocorre a dispensa de licitação “em situações em que, embora viável competição entre particulares, a licitação afigura-se objetivamente inconveniente com os valores norteadores da atividade administrativa”[4]. Em outras palavras, trata-se de hipótese na qual, em tese, poderia ser realizado o procedimento licitatório, mas em que, diante da situação excepcional legalmente prevista, confere-se ao Administrador a faculdade de realizar a contratação direta, mediante a análise dos aspectos de conveniência e oportunidade.
Nesse contexto, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, regulamentando o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, taxativamente traz as situações excepcionais de dispensa de licitação, dentre as quais se destaca a dispensa por razão emergencial ou de calamidade pública, constante no artigo 24, inciso IV, verbis:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos; (grifo nosso)
Acerca do conceito de emergência, leciona Marçal Justen Filho[5]:
No caso específico das contratações diretas, emergência significa necessidade de atendimento imediato a certos interesses. Demora em realizar a prestação produziria risco de sacrifício de valores tutelados pelo ordenamento jurídico. Como a licitação pressupõe certa demora para seu trâmite, submeter a contratação ao processo licitatório propiciaria a concretização do sacrifício a esses valores.
Observa-se, assim, que a dispensa de licitação prevista no artigo 24, inciso IV, da Lei n.º 8.666/1993 pressupõe a ocorrência de situação na qual o lapso temporal necessário para realizar o procedimento licitatório em todas as suas fases viria a impedir a adoção oportuna de medidas necessárias para evitar danos irreparáveis, tornando, assim, ineficaz a contratação administrativa. Desse modo, até que fosse concluída a licitação, o dano já teria ocorrido. Em suma, trata-se de hipótese na qual não é possível ao administrador aguardar o período necessário ao trâmite normal do procedimento licitatório.
Sem embargo disso, entretanto, deve-se atentar para o fato de que a dispensa de licitação em situações de emergência ou calamidade pública, assim como todas as demais hipóteses de dispensa de licitação, requer a formalização de processo administrativo próprio, com a necessidade de instrução processual e juntada de diversos documentos[6], não sendo dado ao gestor, a princípio, promover a contratação direta sem observância das formalidades legais e dos procedimentos de planejamento e concepção da futura contratação.
Outro não é o posicionamento do Tribunal de Contas da União (TCU), como revela o aresto abaixo transcrito:
É dever do contratante, ainda que no caso de dispensa de licitação, formalizar o respectivo processo, caracterizando a situação emergencial, a razão da escolha do prestador de serviço e a justificativa do preço, e publicar o ato de dispensa na imprensa oficial, conforme prevê o art. 26, caput, parágrafo único e incisos I, II e III, da Lei no 8.666/1993, sendo vedada a prestação de serviços sem a cobertura de contrato devidamente formalizado, por expressa previsão do art. 60, parágrafo único, da citada lei. (Acórdão 3083/2007 Primeira Câmara - Sumário)
Nesse sentido, afirma Marçal Justen Filho[7] que:
A contratação direta submete-se a um procedimento administrativo, como regra. Ou seja, ausência de licitação não equivale a contratação informal, realizada com quem a Administração bem entender, sem cautelas nem documentação. Ao contrário, a contratação direta exige um procedimento prévio, em que a observância de etapas e formalidades é imprescindível. (...)
Nas etapas internas iniciais a atividade administrativa será idêntica, a Administração verificará a existência de uma necessidade a ser atendida. Definirá um objeto a ser contratado, inclusive adotando providências acerca da elaboração de projetos, apuração de compatibilidade entre a contratação e as previsões orçamentárias. Tudo isso estará documentado em procedimento administrativo, externando-se em documentação constante dos respectivos autos. (grifo nosso)
Em regra, portanto, deve a Administração deflagrar processo administrativo prévio, com todas as suas formalidades, trâmites e documentos, mesmo que se trate de contratações diretas.
Contudo, em se tratando de dispensa de licitação para contratações em casos de emergência ou calamidade pública, não há como negar que, em situações extremas, essa formalização processual completa pode vir a comprometer o pronto atendimento daquela necessidade de urgência, pondo em risco, assim, paradoxalmente, a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, bens jurídicos tutelados pelo art. 24, inciso IV, da Lei n.º 8.666/1993.
Diante disso, em hipóteses que tais, seria possível à Administração deixar de adotar todas as providências e formalidades prévias quanto à formação e instrução do processo de dispensa de licitação por situação emergencial ou calamitosa, mais especificamente, no que importa ao presente trabalho, deixar de elaborar o projeto básico para a contratação direta de obras e serviços? Qual a posição do TCU sobre o assunto?
É exatamente nesse contexto que se insere o presente exame.
A Lei n.º 8.666/1993 assim conceitua, em seu art. 6º, inciso IX, o projeto básico, in verbis:
Art. 6º. (...)
IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:
a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;
b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;
c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;
f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados;
Observa-se da descrição legal que o projeto básico define e caracteriza a obra ou serviço a ser contratado, demonstrando a viabilidade e a conveniência de sua realização para a Administração e abordando questões de ordem técnica, ambiental, financeira, bem como todas as outras que se mostrem indispensáveis para a concepção da futura contratação.
Face à relevância do projeto básico em termos de planejamento da contratação, a Lei n.º 8.666/1993, em seu art. 7º, inciso I, e § 2º, inciso I, prevê que as obras e serviços somente poderão ser licitados se houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório, sendo a elaboração do projeto básico a primeira etapa desse tipo de contratação. Por essa mesma razão, o art. 7º, § 9º, da Lei de Licitações e Contratos estabelece que “O disposto neste artigo aplica-se também, no que couber, aos casos de dispensa e de inexigibilidade de licitação”.
Assim, a verifica-se que a Lei n.º 8.666/1993 exige, mesmo nos casos de dispensa de licitação, no que couber, a observância do disposto no seu art. 7º, aí incluída a realização de projeto básico previamente às contratações de obras e serviços.
Tendo em vista esse panorama legal, tem-se que o TCU, examinando situações em que a Administração Pública houve por bem realizar obras e serviços emergenciais, posicionou-se, num primeiro momento, no sentido de que seria necessária, mesmo nas contratações emergenciais, a realização de projeto básico completo, com todos os elementos do art. 6º, inciso IX, da Lei n.º 8.666/1993, sob pena de anulação dos respectivos contratos administrativos. Confira-se, nesse sentido, o Acórdão n.º 1.644/2008 – TCU – Plenário, por meio do qual o TCU proferiu as seguintes determinações ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT):
Determinações: ao DNIT:
1.6. que, mesmo em obras emergenciais, providencie projeto básico com todos os elementos do art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em obediência ao art. 7º, § 2º, inciso II, e 9º, da Lei nº 8.666/1993, sob pena de aplicação do § 6º do mesmo artigo, ou seja, anulação dos contratos;
1.7. que, nas próximas contratações de obras por emergência, adote como referência de preços máximos aqueles observados em licitações em que tenha havido competitividade;
1.8. arquivar o presente processo. (Acórdão nº 1645/2008 - TCU – Plenário)
O DNIT, porém, apresentou pedido de reexame em face da referida decisão, havendo a Corte de Contas, no bojo do Acórdão n.º 614/2010 acolhido parcialmente a irresignação, para considerar que, em se tratando de obras emergenciais de baixa complexidade executiva, em caráter excepcional, seria possível substituir o projeto básico por planilha estimativa, desde que esta se encontre devidamente fundamentada em relatório técnico:
Necessidade de projeto básico em contratações emergenciais
Contra o Acórdão n.º 1.644/2008, por meio do qual o Plenário determinou ao Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT) que, “mesmo em obras emergenciais”, providenciasse “projeto básico com todos os elementos do art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em obediência ao art. 7º, § 2º, inciso II, e 9º, da Lei nº 8.666/1993, sob pena de anulação dos contratos com base no § 6º do mesmo artigo”, foi interposto pedido de reexame, no qual a autarquia afirmou a impossibilidade de cumprimento do acórdão recorrido, em razão de não haver “tempo hábil para elaboração de um projeto básico nos termos exigidos no artigo 6º, IX, da Lei n.º 8.666/1993, quando se trata de contratação direta de obras emergenciais”. Como subsídio às suas razões recursais, o DNIT fez alusão ao Acórdão n.º 395/2008-Plenário, no qual restou consignado que o projeto básico para obra rodoviária de natureza emergencial e de baixa complexidade executiva pode ser substituído por planilha estimativa, devidamente fundamentada em relatório técnico. Considerando que a simples exclusão da ordem guerreada, conforme pleiteava o recorrente, “esvaziaria de significado a determinação lá constante”, o representante do Ministério Público junto ao TCU sugeriu a alteração do seu conteúdo, tendo em vista remanescer, como regra, a necessidade de o DNIT “providenciar o projeto básico, sob pena de anulação dos contratos, nos termos da Lei n.º 8.666/93”. Acompanhando o Parquet especializado, o relator propôs e o Plenário decidiu dar provimento parcial ao recurso, a fim de conferir à determinação atacada a seguinte redação: “determinar ao DNIT que, mesmo em obras emergenciais, providencie projeto básico com todos os elementos do art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em obediência ao art. 7º, § 2º, inciso II, e 9º, da Lei nº 8.666/1993, sob pena de anulação dos contratos com base no § 6º do mesmo artigo, ressalvando, para o caso de obras emergenciais de baixa complexidade executiva, em caráter excepcional, a possibilidade de substituição do projeto básico por planilha estimativa, desde que esta se encontre devidamente fundamentada em relatório técnico”. Precedentes citados: Acórdãos n.os 2.364/2006, 103/2007 e 2.263/2008, todos do Plenário. Acórdão n.º 614/2010, TC-007.965/2008-1, rel. Min. Valmir Campelo, 31.03.2010. Informativo de Licitações e Contratos n.º 10/2010
Apesar da ressalva favorável à autarquia, o DNIT opôs embargos de declaração em face do decisum, tendo sido os aclaratórios acolhidos em parte pelo Plenário do TCU, por meio do Acórdão n.º 943/2011, nos seguintes termos:
ACORDAM os Ministros do Tribunal da União, reunidos em sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator e com fundamento no art. 32, inciso II, da Lei 8.443/92 e no art. 287 do Regimento Interno, em:
9.1. conhecer, excepcionalmente, dos embargos para, no mérito, acolhê-los parcialmente;
9.2. conferir a seguinte redação ao item 1.6 do Acórdão n.º 1644/2008 - Plenário:
"Determinação/Recomendação:
1.6. determinar ao DNIT que, mesmo em obras emergenciais, providencie projeto básico com todos os elementos indicados no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em consonância com o disposto no art. 7º, §2º, inciso II e §9º da mesma Lei, sendo admissível, com a finalidade precípua de afastar risco de dano a pessoas ou aos patrimônios público e particular, que os primeiros serviços sejam iniciados ou executados previamente à conclusão do projeto básico;
1.6.1. em casos excepcionais e devidamente justificados, poderão ser utilizados projetos básicos que não apresentem todos os elementos do art. 6º, inc. IX da Lei nº 8.666/1993, devendo constar do processo de contratação as razões que impossibilitam a elaboração do projeto completo;
1.6.2. em atendimento ao inciso IV do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, a contratação direta deve se restringir somente à parcela mínima necessária para afastar a concretização do dano ou a perda dos serviços executados, devendo a solução definitiva, conforme o caso, ser objeto de licitação formal, baseada em projeto básico que tenha todos os elementos do art. 6º, inc. IX da Lei nº 8.666/1993;"
9.3. dar ciência desta deliberação ao embargante.
Posteriormente, o TCU, no Acórdão n.º 3.065/2012 – Plenário, reiterou as determinações já formuladas ao DNIT, dessa feita em relação à Secretaria de Obras do Estado do Rio de Janeiro (Seobras), in verbis:
1. Mesmo na hipótese de contratação emergencial, é necessária a elaboração de projeto básico com todos os elementos indicados no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em face do disposto no art. 7º, § 2º, inciso II e § 9º da mesma Lei. É possível admitir a celebração de contratos firmados com suporte em projeto básico que não apresentem todos esses elementos, em casos excepcionais, com o intuito de afastar risco iminente de dano a pessoas ou a patrimônio público ou particular.
Acompanhamento realizado pelo Tribunal apontou supostas irregularidades nas ações que tiveram como objetivo promover a recuperação e reconstrução de pontes nos municípios do Estado do Rio de Janeiro atingidos pelas chuvas de janeiro de 2011. Destaque-se, entre elas, a utilização de projeto básico deficiente e incompleto nas respectivas contratações emergenciais realizadas pela Secretaria de Obras do Estado do Rio de Janeiro (Seobras). O relator, ao examinar as razões de justificativas apresentadas pelos responsáveis, anotou que, mesmo em obras emergenciais, o projeto básico deve ser executado; “Essa é a regra”. Ressalvou, no entanto, que “o próprio Tribunal admite exceções”. Recorreu, então, à determinação efetuada pelo Tribunal ao Dnit, por meio do Acórdão 1644/2008–Plenário, que revela tal orientação: “1.6. determinar ao DNIT que, mesmo em obras emergenciais, providencie projeto básico com todos os elementos indicados no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em consonância com o disposto no art. 7º, §2º, inciso II e §9º da mesma Lei, sendo admissível, com a finalidade precípua de afastar risco de dano a pessoas ou aos patrimônios público e particular, que os primeiros serviços sejam iniciados ou executados previamente à conclusão do projeto básico; 1.6.1. em casos excepcionais e devidamente justificados, poderão ser utilizados projetos básicos que não apresentem todos os elementos do art. 6º, inc. IX da Lei nº 8.666/1993, devendo constar do processo de contratação as razões que impossibilitam a elaboração do projeto completo”. – grifos do relator. Reconheceu, ao avaliar os contornos do caso concreto, que, em face da urgência dos serviços e do prazo reduzido para promoção de medidas imprescindíveis, não seria possível, “na excepcional circunstância ora em análise, aguardar a realização dos levantamentos topográficos, relatórios de sondagens e demais estudos necessários à elaboração de um projeto que contemplasse todos os elementos contidos no art. 6º, inciso IX, da Lei 8666/93”. Mencionou que a situação excepcional enfrentada “demandava providências instantâneas”. Não se poderia exigir, naquelas circunstâncias, conduta diversa dos gestores. Levou em conta, também, a notícia fornecida pelo órgão, a respeito das medidas promovidas para saneamento dos vícios contidos nos projetos básicos utilizados. O Tribunal, então, ao acolher proposta do relator, decidiu: a) acolher as razões de justificativas dos responsáveis; b) dar ciência à Seobras sobre impropriedades verificadas nas contratações, de modo a prevenir reincidências futuras, entre as quais, “a utilização de projeto básico deficiente e incompleto para realizar contratações, mesmo em obras emergenciais, (...)”. Acórdão n.º 3065/2012-Plenário, TC-000.437/2012-3, rel. Min. Valmir Campelo, 14.11.2012. (Informativo de Licitações e Contratos n.º 132/2012)
Assim, diante dos precedentes colacionados, o entendimento mais recente do TCU sobre o assunto pode ser assim sintetizado:
a) em regra, mesmo em se tratando da contratação direta de obras e serviços emergenciais, deve ser providenciado pela Administração contratante o projeto básico com todos os elementos indicados no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em consonância com o disposto no art. 7º, §2º, inciso II e §9º da mesma Lei;
b) admite-se, porém, com a finalidade precípua de afastar risco de dano a pessoas ou aos patrimônios público e particular, que os primeiros serviços sejam iniciados ou executados previamente à conclusão do projeto básico, o qual, entretanto, deverá ser finalizado com a maior brevidade possível;
c) em casos excepcionais e devidamente justificados, poderão ser utilizados projetos básicos que não apresentem todos os elementos do art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/1993, devendo constar do processo de contratação as razões que impossibilitaram a elaboração do projeto completo.
Nesse particular, andou bem a Corte de Contas, a qual, sensível às peculiaridades de cada caso concreto, veio a compatibilizar o disposto no art. 6º, inciso IX, e no art. 7º, inciso I, § 2º, inciso I, § 9º, da Lei n.º 8.666/1993, com a prescrição do art. 24, inciso IV, da Lei n.º 8.666/1993, aplicando a exigência legal de prévia realização de projeto básico completo às contratações diretas, ainda que emergenciais, no que couber, ou seja, a depender das circunstâncias de cada situação vivenciada pelo gestor.
O entendimento do TCU coaduna-se, inclusive, às considerações doutrinárias sobre o tema, afirmando, nesse sentido, Marçal Justen Filho[8], que “somente em hipóteses-limite é que a Administração estaria autorizada a contratar sem o cumprimento dessas formalidades. Seriam aqueles casos de emergência tão grave que a demora, embora mínima, pusesse em risco a satisfação dos valores a cuja realização se orienta a atividade administrativa”.
Cabe ao gestor, assim, orientar-se de acordo com essas diretrizes, minimizando, ao máximo, a necessidade de contratações emergenciais sem o prévio planejamento administrativo e sem a adoção das medidas procedimentais previstas em lei.
3. CONCLUSÃO
Conclui-se, em face do exposto, que tanto a doutrina quanto os precedentes do Tribunal de Contas da União admitem a possibilidade de, nas contratações diretas emergenciais, com base no art. 24, inciso IV, da Lei n.º 8.666/1993, a exigência legal de prévia elaboração do projeto básico ser adequada às peculiaridades de cada caso concreto. Destarte, pode a Administração Pública, nas contratações emergenciais de obras e serviços, iniciar ou executar os primeiros serviços previamente à conclusão do projeto básico, o qual, contudo, deverá ser finalizado com a maior brevidade possível, ou, ainda, utilizar projetos básicos que não apresentem todos os elementos do art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/1993, desde que se trate, em qualquer caso, de situações-limite, excepcionais e extremadas, devidamente justificadas pela autoridade competente, e que tais medidas sejam adotadas com a finalidade de afastar o risco de dano a pessoas ou aos patrimônios público e particular.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Atlas, 2013.
FERNANDES, Leonardo Silva Lima. Apontamentos sobre a contração emergencial à luz da Lei nº 8.666/93 e da jurisprudência do TCU. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3859, 24 jan. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26459>. Acesso em: 14 dez. 2014.
JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Dialética, 2008.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Atlas, 2013. p. 250
[2] Assim, a doutrina dá ênfase aos aspectos preliminares da excepcionalidade e da taxatividade para o cabimento da contratação direta.
[3] JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Dialética, 2008. p. 287.
[4] JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Dialética, 2008. p. 287.
[5] JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Dialética, 2008. p. 292.
[6] FERNANDES, Leonardo Silva Lima. Apontamentos sobre a contração emergencial à luz da Lei nº 8.666/93 e da jurisprudência do TCU. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3859, 24 jan. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26459>. Acesso em: 14 dez. 2014.
[7] JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Dialética, 2008. p. 281/282.
[8] JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. São Paulo: Dialética, 2008. p. 281.
Procuradora Federal. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Caroline Marinho Boaventura. O posicionamento do TCU sobre a necessidade de projeto básico em contratações diretas emergenciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42569/o-posicionamento-do-tcu-sobre-a-necessidade-de-projeto-basico-em-contratacoes-diretas-emergenciais. Acesso em: 23 dez 2024.
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