Resumo: O presente trabalho pretende examinar os requisitos necessários para que seja concedido, no âmbito de contrato administrativo, reequilíbrio econômico-financeiro, tomando-se como referencial doutrina especializada e a jurisprudência do Tribunal de Contas da União.
Palavras-chaves: Direito Administrativo. Contratos Administrativos. Reequilíbrio Econômico-financeiro. Requisitos. Fato imprevisível. Fato previsível de consequências incalculáveis. Reajuste. Diferença.
Introdução
1. Sabe-se que a celebração de um acordo de vontades, firmado para ter execução continuada, envolve fatores externos, os quais podem modificar-se ao longo do seu período de vigência e, consequentemente, fazer surgir a necessidade de rediscussão dos termos iniciais da contratação.
2. Ocorre que a natureza do fato que enseja o referido desequilíbrio contratual é determinante para que se possa identificar a medida adequada e necessária à resolução da questão que se apresenta.
3. Com efeito, se o fato que motiva a recomposição do equilíbrio na relação contratual é inerente à álea empresarial ordinária, ou seja, se aquela determinada circunstância se insere no âmbito do risco natural da atividade econômica desempenhada pela Contratada, deve-se adotar o reajustamento de preços, o qual deve ter a devida previsão contratual, bem como obedecer a exigências legais outras, cuja listagem não se faz pertinente nesta oportunidade.
4. De outra banda, caso o motivo que imponha o realinhamento da relação jurídica contratual seja imprevisível ou, ainda, previsível de consequências incalculáveis, terá de se proceder à revisão contratual ou ao reequilíbrio econômico-financeiro, que, por sua vez, independe de previsão expressa no instrumento da avença e tem a sua aplicação vinculada à efetiva ocorrência de fatos extraordinários.
5. Nessa senda, o presente trabalho pretende examinar, em linhas gerais, a natureza dos fatos ensejadores de reequilíbrio econômico-financeiro, bem como os requisitos para a sua concessão.
Desenvolvimento
6. Sabe-se que revisão contratual encontra fundamento na Teoria da Imprevisão, segundo a qual surgirá direito de uma das partes reclamar a alteração contratual sempre que evento extraordinário e imprevisível altere as bases objetivas do contrato, repercutindo na prestação por ela devida, de modo a torná-la excessivamente onerosa.
7. Nesse sentido, cumpre colacionar julgado do Superior Tribunal de Justiça[1], no bojo do qual se trata da retromencionada questão, ad litteram:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS. ART. 130 DO CPC. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. FACULDADE DO JUIZ. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. TEORIA DA IMPREVISÃO. INTEMPÉRIES CLIMÁTICAS.
INAPLICABILIDADE. PRODUTOR RURAL. COMPRA E VENDA DE INSUMOS AGRÍCOLAS. REVISÃO DE CONTRATO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. COBRANÇA ABUSIVA DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.
1. Compete ao magistrado zelar pela necessidade e utilidade da produção das provas requeridas, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil. Além disso, saber se a prova cuja produção fora requerida pela parte é ou não indispensável à solução da controvérsia, de modo a permitir ou não o julgamento antecipado da lide, é questão que exige o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a atrair o óbice previsto na Súmula 7/STJ.
2. A jurisprudência desta Corte é pacífica em afirmar que a Teoria da Imprevisão como forma de revisão judicial dos contratos somente será aplicada quando ficar demonstrada a ocorrência, após a vigência do contrato, de evento imprevisível e extraordinário que onere excessivamente uma das partes contratantes, não se inserindo nesse contexto as intempéries climáticas.
3. "Esta Corte Superior consolidou o entendimento no sentido de que no contrato de compra e venda de insumos agrícolas, o produtor rural não pode ser considerado destinatário final, razão pela qual, nesses casos, não incide o Código de Defesa do Consumidor" (AgRg no AREsp 86.914/GO, Relator o Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 28/6/2012).
4. O Tribunal a quo, com base no suporte fático-probatório dos autos, foi categórico em afirmar a inexistência de capitalização de juros. Desse modo, a alteração do julgado, quanto ao ponto, encontra óbice nas Súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça.
5. Agravo regimental a que se nega provimento. (Grifos nossos)
8. Na sistemática dos contratos administrativos, é essa a linha de raciocínio a ser adotada, conforme se depreende do teor da alínea “d”, do inciso II, do art. 65, da Lei nº 8.666/1993, in verbis:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
[...]
II - por acordo das partes:
[...]
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Grifos nossos).
9. Assim, observa-se que, para que o fundamento normativo para a concessão de reequilíbrio econômico-financeiro reste concretizado, deve verificar-se o advento de fato imprevisível ou previsível porém de consequências incalculáveis.
10. Desse modo, a título ilustrativo, empresa, participante de regular procedimento licitatório, não pode oferecer produto ou serviço por valores abaixo daqueles praticados no mercado, visando sagrar-se vencedora do certame e, após efetivamente vencê-lo, requerer aumento da contraprestação, aduzindo, por exemplo, que outras empresas comercializam o mesmo produto por preços maiores.
11. Além de representar conduta reprovável ética e moralmente, o que por si só já viola a boa-fé objetiva, cláusula geral que se impõe a todos aqueles que entre si celebrem ajustes de vontades, tal postura fere, ainda, princípios reitores do regular processo licitatório, como, por exemplo, a igualdade entre os concorrentes, a vinculação ao instrumento convocatório e o julgamento objetivo das propostas.
12. Esse também é o entendimento de Lucas Rocha Furtado[2], Subprocurador-Geral do Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União, in verbis:
Segundo a definição legal, fatos previsíveis, de consequências que se possam razoavelmente estimar, não podem servir de fundamento à pretensão de recomposição de preços. A lei não visa suprir a imprevidência do particular ou sua imperícia em calcular o comportamento da curva inflacionária, por exemplo. Apenas o resguarda de situações extraordinárias, fora do risco normal da economia de seus negócios.
Ademais, os contratos, ressalvadas as hipóteses de contratação direta, são celebrados com a empresa vencedora do processo de licitação, em que a Administração, entre várias propostas que se lhe formularam, escolheu a que lhe era mais vantajosa. Mais vantajoso deve ser entendido como a que atende ao fim público visado e com o menor custo possível.
De fato, admitir a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos administrativos fora das circunstâncias definidas em lei, vale dizer, aceitar a recomposição de preços nos contratos a todo tempo e modo, na hipótese de o contratante apenas demonstrar alterações na relação econômico-financeira, seria negar qualquer sentido ao instituto da licitação e premiar o licitante que, por má-fé ou inépcia empresarial, apresentou proposta que, com o tempo, revelou-se antieconômica.
A licitação, caso não sejam definidos critérios rígidos para aplicação da teoria da imprevisão, poderia conduzir a Administração à escolha de propostas apenas aparentemente mais econômicas. As empresas que oferecessem propostas adequadas assentadas em previsões benfeitas e com margem de lucro razoável, poderiam ser derrotadas por propostas mal calculadas, que manifestariam seus malefícios somente meses mais tarde.
13. Nesse mesmo sentido, Marçal Justen Filho[3] assevera o seguinte:
Não se caracteriza rompimento do equilíbrio econômico-financeiro quando a proposta do particular era inexequível. A tutela à equação econômico-financeiro não visa a que o particular formule proposta exageradamente baixa e, após vitorioso, pleiteie elevação da remuneração.
14. Desse modo, apesar de a análise do caráter extraordinário do evento motivador do reequilíbrio ter o condão de, em certas circunstâncias, exigir conhecimentos técnicos que extrapolam o jurídico, na situação utilizada como exemplo, não remanescem dúvidas quanto à ausência de adequação dos motivos alegados pela licitante ao conceito de “fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis”.
15. Destarte, é possível, no caso em tela, realizar um juízo de certeza negativa, ou seja, mesmo que o conceito de “fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis” seja indeterminado e não se possa estabelecer categoricamente o seu alcance, pode-se afirmar com convicção que as alegações da licitante, no caso dado como exemplo, não se enquadram em tal definição.
16. O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello[4] trata do assunto da seguinte maneira, in verbis:
É certo que todas as palavras têm um conteúdo mínimo, sem o quê a comunicação humana seria impossível. Por isso, ainda quando recobrem noções elásticas, estão de todo modo circunscrevendo um campo de realidade suscetível de ser apreendido, exatamente porque recortável no universo das possibilidades lógicas, mesmo que em suas franjas remanesça alguma imprecisão.
Em suma: haverá sempre, como disse Fernado Sainz Moreno, uma “zona de certeza positiva”, ao lado de uma “zona de certeza negativa”, em relação aos conceitos imprecisos, por mais fluidos que sejam, isto é: “el de certeza positiva (lo que es seguro que es) y el de certeza negativa (lo que es seguro que no es).
17. Cumpre, a esta altura, esclarecer, ainda, que, a concessão de reequilíbrio nada tem a ver com eventual vedação contratual à concessão de reajuste.
18. A referida vedação diz respeito apenas às hipóteses ordinárias de equilíbrio contratual, ou seja, aquelas que previsivelmente oneram o contratado durante a vigência do ajuste, notadamente em contratos de execução diferida no tempo, ou seja, refere-se a outra categoria de modificação do equilíbrio contratual, quais sejam aquelas que podem ser previstas por indivíduo minimamente diligente, como, por exemplo, a variação inflacionária de determinado período.
19. Assim, quanto a estas circunstâncias, podem as partes acordar obstar a modificação dos preços inicialmente estipulados.
20. O reequilíbrio, por seu turno, configura-se como outra espécie de alteração da equação econômico-financeira e refere-se exclusivamente a situações atípicas ou extraordinárias e não depende de previsão contratual, tampouco pode ser vedado por acordo de vontade, visto que a sua verificação depende unicamente do preenchimento das exigências trazidas pela lei.
21. Logo, apesar de não se exigir prévia disposição contratual para que se proceda à sua concessão - podendo esta ocorrer a qualquer tempo, dentro da vigência contratual -, devem ser observados determinados requisitos para que o reequilíbrio econômico-financeiro seja considerado lícito e legítimo, mormente aquele que impõe o advento de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis.
Conclusão
22. Por tais razões, observa-se que a concessão de reequilíbrio econômico-financeiro depende diretamente da configuração da hipótese prevista no art. 65, inciso II, 'd', da Lei nº 8.666/1993, ou seja, depende do efetivo advento de fatos imprevisíveis ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis.
23. Ademais, diferentemente do reajuste, a sua legalidade não depende de previsão contratual, visto que, por se tratar de medida que somente verifica-se em contextos de imprevisibilidade, não se mostra razoável impor, à parte prejudicada pelo advento do fato extraordinário, contraprestação excessivamente onerosa, por não ter previsto a configuração deste.
Referências bibliográficas
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudências. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª edição, São Paulo: Editora Dialética, 2012.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 4ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
[1] AgRg no AREsp 155.702/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 27/06/2013.
[2] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 4ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 485.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª edição. São Paulo: Editora Dialética, 2012, p. 890.
[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 964.
Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica do Ministério da Pesca e Aquicultura, Pós-graduado em Direito do Estado pelo Juspodivm - Salvador/BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Jefferson Oliveira. Dos requisitos legais para a concessão de reequilíbrio econômico-financeiro no âmbito do contrato administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42573/dos-requisitos-legais-para-a-concessao-de-reequilibrio-economico-financeiro-no-ambito-do-contrato-administrativo. Acesso em: 23 dez 2024.
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