Resumo: Tratar-se-á, no presente artigo, a ausência de uma das condições para o regular exercício do direito de ação (a falta de interesse de agir) derivada da falta de prévio requerimento administrativo perante o INSS.
Palavras-chave: Requerimento administrativo. Previdenciário. INSS. Interesse de agir. Lesão. Ameaça de lesão. Inafastabilidade da jurisdição.
I) INTRODUÇÃO
Há muito tempo já se vem discutindo, tanto em âmbito doutrinário quanto jurisprudencial, se pode ou não o segurado ou pretenso beneficiário do Regime Geral da Previdência Social (ou, mesmo, o postulante ao benefício assistencial de prestação continuada da Lei 8.742/93 - LOAS) ingressar diretamente com demanda judicial pleiteando a concessão de benefício sem que, previamente, tenha formulado o adequado requerimento junto à Administração do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Os que defendem tal possibilidade pautam-se na garantia de amplo e livre direito de acesso ao Judiciário (ou princípio da inafastabilidade da jurisdição), previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República de 1988.
A corrente contrária, por sua vez, refuta tal argumento, dentre outros motivos, notadamente porque não haveria, sem prévia análise e indeferimento pela Administração da Autarquia previdenciária, a mencionada lesão ou ameaça de lesão a direito que o próprio inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna traz como pressuposto para que seja regularmente exercido o livre acesso ao Judiciário.
Apreciaremos, no presente ensaio jurídico, algumas linhas argumentativas, revisitando institutos básicos em que as mesmas se amparam e, ao final, exporemos a recente decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, quanto ao tema, em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida.
II) A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO LIVRE ACESSO AO JUDICIÁRIO (ART. 5º, XXXV, CRFB-88)
Também conhecida como princípio da inafastabilidade da jurisdição ou, nas clássicas lições de Pontes de Miranda, princípio da ubiquidade da Justiça, a garantia constitucional do livre acesso ao Judiciário consiste no enunciado "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Da leitura do dispositivo constitucional em comento, constata-se que, por razões históricas, o mesmo dirige-se, precipuamente, ao legislador, impedindo-lhe, no abuso de autoridade de épocas em que imperava a arbitrariedade incompatível com o atual Estado Democrático de Direito, a edição de normas por meio das quais se excluiria da apreciação pelo Poder Judiciário de determinadas lesões ou ameaças de lesão a direitos.
Mas, como se sabe, trata-se de garantia dirigida a todos: garantia individual (a direitos individuais), mas também para assegurar direitos ditos transindividuais (direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos).
Ainda da análise do texto constitucional ora em destaque se pode constatar que a inafastabilidade da jurisdição ou da tutela jurisdicional poderá ocorrer de modo repressivo ("lesão") ou preventivo ("ameaça de lesão a direito").
Mas, como se vê, é pressuposto, para que se possa exercer o regular direito de ação ou de acessar ao Judiciário, que tenha havido uma lesão a direito ou, ao menos, que exista uma considerável ameaça de lesão a direito juridicamente tutelável. Assim, a expressão "livre acesso ao Judiciário" não é plenamente adequada, à medida que traz certo balizamento para tal exercício do direito de ação de forma regular.
Ressalte-se, no entanto, que não se há de confundir tal perspectiva acima delineada com a chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado, prevista em constituições anteriores (v.g. art. 153, §4º, da EC nº 1/0969), em que se exigia, para ingressar com demandas judiciais, que houvesse o prévio esgotamento das vias administrativas pertinentes.
De fato, não se pode confundir prévio REQUERIMENTO administrativo com prévio ESGOTAMENTO das vias administrativas, como melhor se abordará mais adiante.
Por fim, é importante que se lembre que tal garantia é cláusula pétrea (eis que se trata de direito/garantia individual), excepcionada (como no caso do art. 217, §§1º e 2º, da CRFB-88, que trata da Justiça Desportiva) ou excepcionável tão-somente pelo Poder Constituinte originário.
III) O PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO PERANTE O INSS: REQUISITO INDISPENSÁVEL PARA O AJUIZAMENTO DE DEMANDAS PLEITEANDO A CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
Infelizmente, não é recente a constatação de que muitos escritórios de advocacia, militantes em seara previdenciária, fomentam uma prática bastante nociva: o reiterado ajuizamento de demandas postulando benefícios previdenciários (ou assistenciais, como no caso do benefício de prestação continuada da LOAS) sem prévio requerimento dirigido à Administração do INSS, suprimindo-se a instância ordinária para tal desiderato, a instância administrativa.
Trata-se de abuso do direito de acesso ao Judiciário, exatamente porque extrapola o espectro de proteção da norma constitucional do inciso XXXV do art. 5º acima já abordada, haja vista que invoca a tutela jurisdicional repressiva ou preventiva sem que, na verdade, tenha havido qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito.
E tal prática abusiva é nociva ao Judiciário (pois lhe atribui, indevidamente, o dever de atuar em circunstâncias para as quais sua intervenção não necessariamente seria demandada, o que acaba abarrotando de processos "desnecessários" seus juízos), ao INSS (cuja Administração, a quem se atribui o dever constitucional e infraconstitucional de apreciar ordinariamente tais pleitos, se vê impedida de exercer seu poder-dever de analisar e proferir decisão técnica adequada, com as diligências cabíveis e por meio de profissionais especializados para cada área de atuação) e, com certeza, aos próprios segurados/beneficiários, os quais, possivelmente, não precisariam de toda a burocracia, gastos e espera inerentes ao processamento judicial (além de verem suprimida uma instância para análise e julgamento de seu pleito: a instância administrativa).
Sob uma ótica estritamente processualista (ou constitucional-processualista), a ausência de prévio requerimento administrativo (e por conseguinte, de prévia decisão administrativa indeferitória) implica a não-configuração do binômio interesse-necessidade de agir, já que, não tendo havido lesão ou ameaça de lesão a direito, não nasce a pretensão. A provocação do Judiciário, em tais circunstâncias, é desnecessária, eis que ainda resta intacta a via administrativa, onde o interessado poderá pleitear e, sendo o caso, obter o reconhecimento do direito postulado.
Tão-somente na hipótese de eventual indeferimento administrativo (ou deferimento em patamar aquém do esperado), ou, ainda, na hipótese de notória resistência/negativa da Autarquia ao reconhecimento do direito postulado, é que surgirá a lesão ou ameaça de lesão a direito e, por conseguinte, nascerá a pretensão passível de dedução em juízo.
Registre-se, no entanto, que a Jurisprudência tem entendido que o mero descumprimento, pela Administração do INSS, ao prazo de 45 dias para a análise e resposta ao pleito do segurado/beneficiário (artigo 174, caput, do Decreto Federal nº 3.048/1999) já é suficiente para a configuração da lesão e, por conseguinte, do interesse-necessidade de agir - posição que, segundo nosso entendimento, deve ser adotada com razoabilidade, devendo ser mitigada nas hipóteses em que restar verificada a demora justificada para a prolação da decisão administrativa (em decorrência da imprescindibilidade de medidas ou diligências fundamentais para a otimização da instrução processual, ou, ainda, derivada de circunstâncias a que o próprio segurado/beneficiário deu causa).
Sob um prisma funcional, considerando-se as atribuições e competências dos órgãos envolvidos (Judiciário e INSS), também há manifesta afronta ao ordenamento jurídico pátrio perpetrada com tal prática abusiva de ingresso diretamente com demanda judicial sem prévio requerimento administrativo.
Ora, cabe ao INSS o papel de processar, analisar e julgar, ordinariamente, os requerimentos relativos a benefícios previdenciários (e alguns assistenciais, como no caso do BPC/LOAS), em procedimento que atenderá ao devido processo legal para tal fim e será submetido a um corpo técnico de servidores especializados em cada área de atuação para a conferência de cada requisito para os benefícios postulados (técnicos, peritos médicos, assistentes sociais, contadores, fiscais, etc.), sob pena de o Poder Judiciário atuar em competência ou função que é, ordinariamente, do Poder Executivo.
A admissibilidade, por alguns Juízes, de ingresso diretamente com tais pleitos judiciais, sem prévios requerimentos administrativos, acaba por firmar, de forma extremamente prejudicial à repartição constitucional de competências, fortes precedentes para a perpetuação de tal reiterada e abusiva prática pelos escritórios de advocacia, o que, obviamente, não convém admitir-se, seja pelo abuso de acesso ao Judiciário e atribuição a este de uma posição de “balcão avançado do INSS”, seja pela restrição à Autarquia, através dos profissionais adequados (técnicos, fiscais, peritos, médicos, etc.) e dos procedimentos cabíveis e fundamentais para a apreciação adequada quanto ao mérito dos pedidos.
Cabe ao Judiciário atuar tão-somente quando houver necessidade de se dirimir um conflito de interesses, com uma pretensão resistida, após ter havido lesão ou ameaça de lesão a direito do segurado/beneficiário.
Portanto, eventual prosseguimento da ação em relação ao pedido do benefício pleiteado teria o condão, a título de exemplo, de acarretar ônus indevido à autarquia, consistente na descabida condenação ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, além de retirar dos técnicos especializados do ente estatal a possibilidade de exercer seu poder-dever de processar e analisar adequadamente a existência ou não de cada um dos requisitos legais para a fruição do benefício postulado.
Ora, o Judiciário não pode se tornar uma espécie de “balcão avançado” de pedidos previdenciários. O demandante não pode obrigar a autarquia a analisar seu benefício do modo mais oneroso, qual seja, judicial... Se o órgão estatal instituído, aparelhado e competente para tal função é o INSS, e se este jamais indeferiu administrativamente um requerimento formulado pelo demandante, o mesmo carece de interesse processual, vez que, se lhe é facultada a via administrativa, não há razão para ingressar diretamente na via judicial.
Ressalte-se, no entanto, como já aduzido ao início do presente artigo, que não se há de confundir tal perspectiva ora delineada com a chamada jurisdição condicionada (ou instância administrativa de curso forçado), prevista em constituições anteriores (v.g. art. 153, §4º, da EC nº 1/0969), em que se exigia, para ingressar com demandas judiciais, que houvesse o prévio esgotamento das vias administrativas pertinentes.
Não se pode confundir, portanto, prévio REQUERIMENTO administrativo com prévio ESGOTAMENTO das vias administrativas.
Não se exige que exista esgotamento/exaurimento da questão na seara administrativa (que não se confunde com prévio requerimento, ainda que limitadamente à primeira instância administrativa), muito menos afastar da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito, consoante disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal Brasileira (sendo que, no caso, sequer houve lesão ou ameaça de lesão a direito, pois a Administração do INSS sequer se manifestou, ante a ausência de requerimento para tanto), mas, sim, que a autarquia deveria ter tido, ao menos, previamente, notícia dos fatos asseverados pela parte autora e a oportunidade de processar, analisar e decidir sobre o pleito.
Felizmente, a jurisprudência pátria evoluiu, nos últimos anos, diferenciando, acertadamente, o prévio requerimento administrativo, que é pressuposto da lide, pois esta inexiste sem conflito, do esgotamento da via administrativa, este sim inexigível[1].
Veja-se, a propósito, didática decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CONCESSÓRIA DE BENEFÍCIO. PROCESSO CIVIL. CONDIÇÕES DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR (ARTS. 3º E 267, VI, DO CPC). PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE, EM REGRA.
1. Trata-se, na origem, de ação, cujo objetivo é a concessão de benefício previdenciário, na qual o segurado postulou sua pretensão diretamente no Poder Judiciário, sem requerer administrativamente o objeto da ação.
2. A presente controvérsia soluciona-se na via infraconstitucional, pois não se trata de análise do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF). Precedentes do STF.
3. O interesse de agir ou processual configura-se com a existência do binômio necessidade-utilidade da pretensão submetida ao Juiz. A necessidade da prestação jurisdicional exige a demonstração de resistência por parte do devedor da obrigação, já que o Poder Judiciário é via destinada à resolução de conflitos.
4. Em regra, não se materializa a resistência do INSS à pretensão de concessão de benefício previdenciário não requerido previamente na esfera administrativa.
5. O interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizam-se nas hipóteses de a) recusa de recebimento do requerimento ou b) negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concreto indeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada.
6. A aplicação dos critérios acima deve observar a prescindibilidade do exaurimento da via administrativa para ingresso com ação previdenciária, conforme Súmulas 89/STJ e 213/ex-TFR.
7. Recurso Especial não provido.
(REsp 1.310.042/PR – Ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª TURMA, DJe 28/05/2012)
Assim, ausente o prévio requerimento administrativo, estará ausente uma das condições para o regular exercício do direito de ação - o interesse de agir -, motivando ao Judiciário promover a extinção do feito, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
É importante que se aborde, outrossim, algo que se mostra bastante comum em demandas judiciais pleiteando a concessão de benefícios: a alegação dos demandantes de que teria havido recusa, pela Administração do INSS, para a protocolização de seus requerimentos.
Parece-nos, todavia, absolutamente intolerável tal mera alegação de recusa para se atingir o fim pretendido (de se superar a preliminar de falta de interesse de agir), por mais de uma razão:
Primeiramente, o INSS, há muito tempo, exatamente com o propósito de se pôr fim às filas que historicamente sempre se formaram às portas de suas agências, alterou seu procedimento de atendimento ao público, colocando à disposição da população o sistema de agendamento eletrônico para marcação de data, horário e local para apresentação de requerimento, que se dá através de duas formas alternativas (por telefone ou pela internet). E, muito embora tal agendamento não substitua o efetivo protocolo de requerimento (eis que são incontáveis as hipóteses em que o indivíduo faz o agendamento e deixa de comparecer no dia aprazado), fato é que, na quase totalidade das hipóteses em que se encontra tal alegação de recusa do recebimento pela Administração do INSS, os autores sequer apresentam as telas confirmatórias de qualquer agendamento que tenham feito.
Todavia, principalmente quanto ao agendamento eletrônico via internet, os interessados jamais encontrarão óbice para agendar seus atendimentos, em dia, horário e Agência da Previdência Social de sua preferência, independentemente de onde residem, inclusive. Assim, não há qualquer fundamento na alegação de uma suposta recusa por parte de algum servidor da Autarquia ou algo similar, se o sistema informatizado prevê tal forma de agendamento em que sequer há qualquer contato humano, dependendo única e exclusivamente do preenchimento dos dados por qualquer interessado no site da Previdência Social na internet.
Além disso, os servidores do INSS estão obrigados, inclusive por orientação normativa interna, a registrar todo e qualquer requerimento protocolizado, ainda que seja para indeferir o pedido de forma imediata. De fato, o art. 105 da Lei nº 8.213/91 (e outras normas infralegais) regula o direito de o segurado/beneficiário ter seu requerimento protocolizado, constituindo falta grava do servidor a recusa a tal cumprimento, o qual responderá em meio a processo administrativo disciplinar ou, ainda, se for o caso, na esfera penal.
Cabe, portanto, ao segurado/beneficiário, em tais situações, discriminar os dados necessários para a apuração de eventual sanção a quem lhe tenha recusado o recebimento do protocolo e buscar, por meio, por exemplo, de seu advogado, as medidas cabíveis. Aliás, o advogado habilitado tem a prerrogativa de exigir o cumprimento a tal dever funcional em qualquer órgão da Administração Pública direta ou indireta, conforme lhe garante o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94), não podendo, assim, simplesmente ser ajuizada demanda em que meramente se alega ter havido recusa por servidor do INSS.
Há de se considerar, ainda, à luz da razoabilidade própria que deve iluminar todo provimento jurisdicional, que admitir-se a mera alegação de recusa de recebimento de requerimento por parte dos servidores da Autarquia, para fins de supressão da falta de interesse de agir dos demandantes, acabaria por firmar, de forma extremamente prejudicial à repartição constitucional de competências, um forte precedente para o reiterado ingresso de requerimentos administrativos diretamente na via Judiciária, o que, obviamente, não convém admitir-se, seja pelo abuso de acesso ao Judiciário e atribuição a este de uma posição de “balcão avançado do INSS”, seja pela restrição à Autarquia, através dos profissionais adequados (técnicos, fiscais, peritos, médicos, etc.) e dos procedimentos cabíveis e fundamentais para a apreciação adequada quanto ao mérito dos pedidos.
Uma outra questão também relevante e discutida na doutrina e em meio a uma miríade de processos judiciais com objeto de natureza previdenciária refere-se à notória a discussão travada quanto à impropriedade in procedendo quando o Judiciário eventualmente considera sanada a inexistência de prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que a parte ré (no caso, o INSS), em respeito ao princípio da eventualidade, adentra ao mérito e contesta o pedido do autor.
Realmente, consideramos tratar-se de conduta odiosa e inadequada, porque acaba por restringir a ampla defesa do réu, vendo-se este, na verdade, em uma situação “sem saída”: ou tão-somente alega a preliminar de carência da ação (restando silente quanto ao mérito da causa) ou, então, em respeito ao princípio da eventualidade, alega tudo o que lhe cabe (inclusive opondo-se, no mérito, ao pedido do autor). Latente, pois, o conflito de princípios e normas processuais, sobretudo à luz do princípio maior, trazido pela Constituição da República – o da ampla defesa.
Todas as matérias de ordem pública – exemplos são as condições da ação, dentre elas o interesse de agir – podem ser alegadas pelas partes ou conhecidas ex officio pelo juiz. Assim, caso o Magistrado, despercebidamente, não conheça, de ofício, de defeito hábil a ensejar a nulidade do feito, cumpre à parte levá-lo ao conhecimento daquele, para que se atenda aos preceitos legais atinentes à validade e à regularidade processuais. Em que, hipótese, pois, tal preceito não seria “letra morta”, se a parte ré não puder alegá-lo?
Assim, com base nos argumentos acima expendidos, advogamos tese em sentido diametralmente contrário à postura de grande parte dos juízes que permitem o processamento e prosseguimento dos feitos judiciais em que, mesmo não tendo havido prévio requerimento administrativo por parte do autor, o INSS, em sua contestação, apresenta defesa de mérito (o que, no entender de tal corrente a que ora nos opomos, configuraria a lide e "apagaria" o vício da ausência de interesse de agir).
Ora, para haver a extinção do feito, sem resolução do mérito, por falta de interesse de agir, faz-se necessário que o INSS sequer teça uma linha argumentativa quanto ao mérito propriamente dito (restringindo-se apenas à preliminar de carência da ação)?!... Parece-nos que não, pois tal entendimento se mostra inelutavelmente ofensivo à garantia constitucional do direito à ampla defesa!
De qualquer modo, felizmente, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em recente decisão plenária em recurso extraordinário com repercussão geral, decidiu pela perfeita constitucionalidade da exigência de prévio requerimento administrativo junto ao INSS para que se configure o interesse-necessidade de agir.
Em 27/08/2014, a Corte Suprema deu parcial provimento ao RE 631.240, com repercussão geral reconhecida, acolhendo, assim, o pleito recursal do INSS, que advogava em prol da tese da exigência de prévio requerimento administrativo para que o segurado/beneficiário possa buscar a tutela jurisdicional com vistas à concessão de benefício previdenciário. O Plenário, por maioria, entendeu, em consonância com o relator do processo (Ministro Luís Roberto Barroso), que tal exigência de prévio requerimento administrativo não ofende o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CRFB-88), haja vista que só com eventual indeferimento administrativo é que se caracteriza a lesão ou ameaça de lesão a direito.
O Relator considerou não existir interesse de agir do segurado/beneficiário que não tenha inicialmente protocolado seu requerimento junto ao INSS, pois a obtenção de um benefício depende de uma postulação ativa. Segundo o Ministro Luís Roberto Barroso, exatamente como também nos posicionamos às linhas argumentativas expendidas no presente ensaio, apenas nos casos em que o requerimento administrativo for negado, total ou parcialmente, ou em que não houver resposta da Administração no prazo legal de 45 dias, é que restará caracterizada lesão ou ameaça de lesão a direito. Eis trecho de seu voto:
“Não há como caracterizar lesão ou ameaça de direito sem que tenha havido um prévio requerimento do segurado. O INSS não tem o dever de conceder o benefício de ofício. Para que a parte possa alegar que seu direito foi desrespeitado é preciso que o segurado vá ao INSS e apresente seu pedido”.
Também em consonância com o que argumentamos anteriormente, o Ministro Barroso ressalvou a possibilidade de ingresso diretamente no Judiciário nos casos em que a posição do INSS seja notoriamente contrária ao reconhecimento do direito postulado.
No mesmo voto vencedor, também se ratificou o entendimento segundo o qual prévio REQUERIMENTO administrativo não se confunde com EXAURIMENTO de todas as instâncias administrativas, de forma a que, uma vez indeferido o benefício, em primeira instância administrativa, poderá o segurado/beneficiário ingressar logo no Judiciário mesmo antes de que eventual recurso seja examinado pelas instâncias superiores da Autarquia.
O Ministro Barroso, contudo, ponderou que, para os pedidos de revisão de benefícios, não há necessidade de formulação de prévio requerimento administrativo, salvo nas hipóteses em que seja necessária a apreciação de matéria de fato.
Portanto, afora uma ou outra situação sui generis que mereça um novo olhar atento e vigilante da doutrina e do Judiciário, parece-nos suficientemente amparada a tese da exigência de prévio requerimento administrativo junto ao INSS para que se permita o ulterior ingresso com demandas judiciais pleiteando concessão de benefícios previdenciários (ou assistenciais, como no caso do BPC/LOAS) - tese que, como se viu acima, foi, finalmente, acolhida em decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, em recurso com repercussão geral.
IV) CONCLUSÃO
Não há mais como se tolerar o manifesto abuso do direito de acesso ao Judiciário por parte dos escritórios de advocacia e segurados/beneficiários do RGPS que, sem prévio requerimento junto à Administração do INSS, optam por ingressar diretamente com demandas judiciais, para verem seu suposto direito reconhecido.
Muitos são os motivos pelos quais não mais se pode admitir tal prática abusiva dos demandantes e, por outro lado, tal postura temerariamente permissiva de grande parte dos Magistrados nos últimos anos, destacando-se, sobremodo, a constatação de ausência de lesão ou ameaça de lesão a direito e consequente inexistência de interesse-necessidade de agir, bem como a atribuição, ao Judiciário, de papel que ordinariamente não lhe incumbe (de processar, analisar e conceder benefícios previdenciários, função ordinariamente atribuída ao INSS).
Pensar de modo diverso implicaria: criar litígios onde não há lide; subtrair da Administração do INSS função que lhe é atribuída normativamente; suprimir da Administração o direito (e a obrigação) de analisar cada caso concreto, de apreciar os fatos apresentados pelo requerente, fomentando a produção desnecessária de lides; e subverter a organização Constitucional dos Poderes, visto que o Judiciário estaria assumindo atribuições típicas do Poder Executivo.
Portanto, como dito alhures, afora uma ou outra hipótese sui generis que mereça um novo olhar atento e vigilante da doutrina e do Judiciário, parece-nos suficientemente amparada a tese da exigência de prévio requerimento administrativo junto ao INSS - tese que, agora, finalmente, restou acolhida em decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, em recurso com repercussão geral, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, decisão que implicará, ao menos em linhas gerais, a pacificação jurisprudencial quanto ao tema discutido no presente ensaio.
[1] V., por todos, o acórdão do TRF da 3ª Região no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0022953-84.2010.4.03.0000/SP, Relatora Des. Leide Polo, julgado em 22/10/2010.
Procurador Federal (Advocacia-Geral da União). Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do RJ e Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília. Foi Técnico Judiciário e Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) entre os anos de 1998-2004. Aprovado e nomeado Procurador da República (MPF) no ano de 2006
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAVES, Roberto de Souza. Da falta de interesse de agir por ausência de prévio requerimento de benefício previdenciário formulado à Administração do INSS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42576/da-falta-de-interesse-de-agir-por-ausencia-de-previo-requerimento-de-beneficio-previdenciario-formulado-a-administracao-do-inss. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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