Tem-se tornado comum o ajuizamento de ação por servidor público federal aposentado requerendo a conversão em pecúnia do saldo de licença prêmio não utilizado por ele para qualquer fim.
Em âmbito administrativo, a praxe tem sido negar a pretensão do servidor, sob o fundamento de que não há amparo legal para a dita conversão.
O instituto da licença-prêmio era previsto no art. 81, V, e 87 a 89, da Lei nº. 8.112/90, a qual consistia em estímulo à continuidade no serviço público. Os servidores – a cada cinco anos de efetivo exercício – poderiam pleitear administrativamente afastamento remunerado pelo período de até três meses.
Não havia direito subjetivo ao gozo da licença em datas determinadas, tendo o gestor discricionariedade para eleger o período mais conveniente e oportuno para que o servidor a usufruísse. Assim, por não haver prazo fatal de concessão, o direito de requerer a licença-prêmio não prescreve, nem está sujeito à caducidade.
Pois bem. A licença-prêmio foi extinta em face da nova redação dada ao art. 87 da Lei n. 8.112/90, a partir de 16/10/96, pela Medida Provisória n. 1.522/96, sendo substituída pela licença para capacitação profissional, com regime bem diverso.
A Medida Provisória n. 1.522/96 foi convertida na Lei n. 9.527, de 10 de dezembro de 1997, a qual, ao revogar os dispositivos que regulavam a licença-prêmio, resguardou as situações consolidadas na égide da legislação anterior, reconhecendo a existência do direito adquirido. É o que se depreende do art. 7º da Lei n. 9.527/1997:
Art. 7º Os períodos de licença-prêmio, adquiridos na forma da Lei nº 8.112, de 1990, até 15 de outubro de 1996, poderão ser usufruídos ou contados em dobro para efeito de aposentadoria ou convertidos em pecúnia no caso de falecimento do servidor, observada a legislação em vigor até 15 de outubro de 1996. (grifos nossos)
Portanto, a Lei assegurou a concessão da licença relativamente aos quinquênios já completados até 15/10/96 para efeito de gozo, ou conversão em pecúnia no caso específico de falecimento do servidor, observando a legislação anteriormente vigente.
Quanto à contagem em dobro para a aposentadoria, o servidor teria de ter completado o tempo necessário para o jubilamento até a data da publicação da Emenda Constitucional nº 20/98.
Em síntese, no que tange à utilização dos períodos adquiridos para o gozo da licença, bem como em relação à contagem em dobro para a aposentadoria, não há controvérsias ou discussões digas de nota.
Contudo, no que se refere à conversão em pecúnia da licença-prêmio não utilizada, os inconformismos ainda pairam.
Nos termos do artigo 7º supracitado, a licença prêmio só poderá ser convertida em pecúnia por ocasião de falecimento do servidor. No caso, se o servidor adquiriu o direito à licença prêmio e faleceu sem usufruí-la, os herdeiros habilitados à pensão por morte receberão o período equivalente em pecúnia.
Em verdade, a restrição não é obra da Lei n. 9.527/1997. Já havia redação similar no §2º do art. 87 da Lei n. 8.112/90:
Art. 87. [...]
§2º Os períodos de licença-prêmio já adquiridos e não gozados pelo servidor que vier a falecer serão convertidos em pecúnia, em favor de seus beneficiários à pensão.
Havia, também, previsão no §1º de que seria “facultado ao servidor fracionar a licença de que trata este artigo em até 3 (três) parcelas, ou convertê-las em pecúnia”.
Porém, tanto o §1º quanto o § 2º foram vetados pelo Presidente da República, sendo apenas o §2º mantido por deliberação do Congresso Nacional, assegurando apenas aos beneficiários da pensão por morte o direito à percepção do equivalente em pecúnia dos períodos de licença-prêmio já adquiridos e não gozados pelo servidor falecido.
Como razão de veto, o então Presidente Fernando Collor fundamentou que a possibilidade de conversão redundaria em excepcional acréscimo de despesa, valendo lembrar o período de grave crise econômica em que o País se encontrava.
Verifica-se, pois, não haver amparo legal para a conversão em pecúnia de licença-prêmio não utilizada, considerando que a lei somente admite tal conversão em caso de óbito do servidor, quando o saldo correspondente ao período não utilizado em vida será repassado aos respectivos beneficiários habilitados à pensão por morte.
Logo, valendo-se o intérprete do método hermenêutico histórico, constata-se que a intenção do legislador foi de manter a restrição consubstanciada no veto do Presidente da República. Ademais, em homenagem ao princípio da legalidade administrativa, só seria dado ao administrador agir em conformidade com as normas legais vigentes que, no caso, não contemplam a conversão do período de licença-prêmio não usufruído em pecúnia.
É bem verdade que o Superior Tribunal de Justiça possui inúmeros precedentes no sentido de que cabe o pagamento em pecúnia de licença-prêmio não gozada à época própria, por interesse do serviço, e não contada em dobro, para evitar enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública. Vejamos:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. IMPOSTO DE RENDA. NÃO INCIDÊNCIA. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de ser devida a conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada e não contada em dobro, por ocasião da aposentadoria do servidor, sob pena de indevido locupletamento por parte da Administração Pública. 2. Os valores recebidos a título de licença-prêmio não gozada são de caráter indenizatório, não constituindo acréscimo patrimonial a ensejar a incidência do Imposto de Renda. 3. Agravo Regimental não provido.
(STJ, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 15/03/2012, T2 - SEGUNDA TURMA)
Em menor escala, o Supremo Tribunal Federal também se curvou à possibilidade da transformação. In verbis:
1. A jurisprudência consolidada desta Corte já assentou que os servidores públicos têm direito à conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada, desde que cumpridos os requisitos necessários à sua concessão, mesmo que tal direito seja suprimido por lei revogadora superveniente. 2. O recurso extraordinário possui como pressuposto necessário à sua admissão o pronunciamento explícito sobre as questões objeto do recurso, sob pena de supressão de instância inferior. 3. Agravo regimental improvido.
(STF - AI-AgR: 460152 SC , Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 29/11/2005, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 10-02-2006 PP-00010 EMENT VOL-02220-03 PP-00555)
Assim, pode-se dizer que há relativa pacificação no que se refere ao pagamento em pecúnia da licença não usufruída. Inclusive, o Tribunal de Contas da União decidiu no Acórdão TCU 1980/2009, de 02/09/2009, que tal conversão era possível. Vejamos:
Ementa: ADMINISTRATIVO. REQUERIMENTO FORMULADO POR SERVIDOR APOSENTADO DO TCU. LICENÇA-PRÊMIO. CONVERSÃO EM PECÚNIA DOS PERÍODOS NÃO GOZADOS E NEM COMPUTADOS EM DOBRO PARA FINS DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. DATA DA APOSENTADORIA. DEFERIMENTO. DETERMINAÇÃO. RESTITUIÇÃO À UNIDADE COMPETENTE. 1. É possível a conversão em pecúnia dos períodos de licença-prêmio não-gozados e nem computados em dobro para fins de aposentadoria em benefício do servidor aposentado. Precedentes. 2. Nos casos de pedido de conversão em pecúnia de licença-prêmio não gozada nem computada em dobro para fins de aposentadoria, o termo inicial do prazo prescricional de 5 (cinco) anos é data da respectiva aposentadoria do servidor.
Nesse caso, percebe-se que o Tribunal de Contas da União não só definiu a possibilidade da conversão, como estipulou o prazo prescricional para seu pleito. Assim, se não havia prazo prescricional para usufruir a licença durante a atividade, o mesmo não se pode dizer quando o servidor já se encontra aposentado.
Em que pesem os precedentes jurisprudenciais no sentido de que o interessado deve requerer a conversão dentro de cinco anos, contados da data do reconhecimento administrativo de tal direito, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido recentemente que o prazo prescricional deveria começar a ser computado a partir do ato homologatório da aposentadoria pelo Tribunal de Contas. É o que se depreende do julgado seguinte:
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORPÚBLICO. CONVERSÃO DE LICENÇA-PRÊMIO EM PECÚNIA. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HOMOLOGAÇÃO DO ATO DE APOSENTADORIA PELO TCU. 1. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que indeferiu o pedido administrativo da agravante, de conversão de licença-prêmio não gozada em pecúnia, ao argumento da prescrição do fundo de direito. 2. A Administração utilizou o período de licença-prêmio a que fazia jus a agravante, o qual foi desconsiderando pelo Tribunal de Contas da União - TCU - ao examinar o ato de sua aposentação. No caso vertente, o direito da agravante de requerer a conversão da licença-prêmio em pecúnia somente nasceu com a decisão do TCU, ao homologar o ato de aposentadoria, o que ocorreu em 2006. 3. A jurisprudência deste Tribunal e a do Supremo Tribunal Federal são no sentido de que o ato de aposentadoria é um ato complexo, que somente se perfectibiliza com a homologação da aposentadoria pelo Tribunal de Contas da União. 4. No caso, o termo inicial do prazo prescricional para requerimento da conversão da licença-prêmio em pecúnia iniciou-se no ano de 2006, ano em que o TCU homologou o ato de aposentadoria. Assim, tendo a agravante requerido administrativamente a conversão em pecúnia em 2009, não se operou a prescrição sobre o direito pleiteado. Agravo regimental provido.
(STJ - AgRg no RMS: 36287 DF 2011/0251302-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 27/03/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/04/2012) (Grifos nossos)
Entretanto, deve-se aqui ressaltar que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça diz respeito apenas à possibilidade de o agente público, no momento da aposentadoria, requerer a conversão em pecúnia de licença-prêmio não gozada, tendo em vista o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa (no caso, por parte da Administração).
Diante do exposto, percebeu-se que a controvérsia em torno da conversão em pecúnia de licença-prêmio não gozada está relativamente pacificada nos tribunais, restando alguma dúvida quanto ao termo a quo do prazo prescricional.
De fato, não há previsão legal. É uma criação jurisprudencial que, paulatinamente, vem se tornando rotina administrativa no âmbito da Administração Federal, justamente pela analogia que se faz à impossibilidade de gozo após o falecimento do servidor, quando será usufruída pelos dependentes. Por isso, não se poderia acusar a Administração pelas negativas que vinham e ainda vem, em menor escala, ocorrendo.
Quanto à conversão para os servidores em atividade, o entendimento ainda está sendo construído, mas em se tratando de direito patrimonial, nada impediria que tal pagamento viesse a ocorrer, desde que houvesse disponibilidade orçamentária para cobrir a referida despesa.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RMS: 36287 DF 2011/0251302-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 27/03/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/04/2012. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21478529/agravo-regimental-no-recurso-em-mandado-de-seguranca-agrg-no-rms-36287-df-2011-0251302-7-stj>. Acesso em: 05 dez. 2014.
________. Acórdão TCU 1980/2009, de 02/09/2009. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:tribunal.contas.uniao;plenario:acordao:2009-09-02;1980>. Acesso em: 05 dez. 2014.
________. Supremo Tribunal Federal. AI-AgR: 460152 SC , Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 29/11/2005, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 10-02-2006 PP-00010 EMENT VOL-02220-03 PP-00555. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/762424/agregno-agravo-de-instrumento-ai-agr-460152-sc>. Acesso em: 05 dez. 2014.
________. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm>. Acesso em: 05 dez. 2014.
CAMPOS, Luciana Dias de Almeida. Conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada pelos servidores públicos federais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3313, 27 jul. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22312>. Acesso em: 05 dez. 2014.
Procuradora Federal lotada na Procuradoria Federal Especializada do INSS em Juazeiro/BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PACHECO, Patrícia Wilma Correia. Conversão de licença-prêmio em pecúnia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42591/conversao-de-licenca-premio-em-pecunia. Acesso em: 23 dez 2024.
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