RESUMO: a Lei 8.213/91 permite a prorrogação do período de graça para o segurado desempregado, havendo controvérsia na doutrina e jurisprudência acerca das formas de comprovação do desemprego.
Palavras-chave: Previdência Social, CTPS, desemprego, qualidade de segurado, período de graça.
1. Introdução
No Regime Geral de Previdência Social, o período de graça é o espaço de tempo em que o segurado mantém a cobertura previdenciária mesmo sem estar vertendo contribuições para o regime. Caso o segurado fique incapaz para o trabalho durante esse período, por exemplo, terá poderá ter direito ao auxílio-doença se preenchidos os demais requisitos.
O período de graça tem duração variável, de seis a trinta e seis meses, dependendo de uma séria de condições. O tema é regulamentado pelo art. 15 da Lei 8.213/91:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
O presente trabalho trata do §2º do mesmo artigo, que determina:
2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Passamos a estudar a evolução da jurisprudência no que diz respeito à prova de desemprego, em especial a tese de que a simples ausência de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) seria suficiente para que se configurasse a prorrogação prevista no §2º.
2. Da prova de desemprego e extensão do período de graça
A lei 8.213/91 exige, de forma expressa, o registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social para que se prorrogue o período de graça. Desde sua criação, a norma vem sofrendo questionamentos na jurisprudência, por gerar situação em que o descumprimento de mera formalidade tiraria do segurado diretos importantes. Argumenta-se que o mencionado registro não poderia ser encarado como única prova da situação de desemprego.
Por outro lado, outros doutrinadores defendem que o §2º visa não a mera comprovação de ausência de emprego, mas sim a comprovação de que o segurado estaria procurando trabalho no período, sendo o registro a prova desse fato admitida pela legislação [1].
Cabe ressaltar que o registro em questão é aquele exigido para a concessão de seguro-desemprego [2]. O seguro-desemprego, por sua vez, é concedido ao trabalhador dispensado sem justa causa, não sendo devido ao trabalhador dispensado por justa causa ou que voluntariamente pediu demissão.
A prova de recebimento de seguro-desemprego, portanto, passou a ser aceita não só pela jurisprudência [3] mas também pelo pelo próprio Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para os fins do §2º, por meio de suas instruções normativas.
A jurisprudência também passou a aceitar outras provas da condição da situação de desemprego além do recebimento de seguro-desemprego, até que a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais acabou por editar, em 2005, a súmula nº 27 tratando do assunto, com o seguinte enunciado:
A ausência de registro em órgão do Ministério do Trabalho não impede a comprovação do desemprego por outros meios admitidos em Direito.
Curiosamente, a própria Instrução Normativa INSS/PRES Nº 45/10, em seu art. 10, §3º, veio a adotar o entendimento de que o segurado pode comprovar o desemprego por meio do registro, recebimento de seguro-desemprego ou “outras formas”:
Art. 10. [...]
§ 3º O segurado desempregado do RGPS terá o prazo do inciso II do caput ou do § 1º deste artigo acrescido de doze meses, desde que comprovada esta situação por registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, podendo comprovar tal condição, dentre outras formas:
I - mediante declaração expedida pelas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego ou outro órgão do MTE;
II - comprovação do recebimento do seguro-desemprego; ou
III - inscrição cadastral no Sistema Nacional de Emprego - SINE, órgão responsável pela política de emprego nos Estados da federação.
Veja-se, no entanto, que as formas mencionadas na IN dizem sempre respeito ao registro em órgãos competentes, não se cogitando a justificação administrativa ou mera falta de anotação no CNIS ou CTPS, por exemplo, o que extrapolaria os limites da Lei 8.213/91. As “outras formas”, a nosso ver, são formas de comprovação do registro do desemprego nos órgãos competentes.
Quanto à súmula nº 27, não mencione que outros meios seriam capazes de comprovar o desemprego, um de seus precedentes é o PU n. 2004.72.95.005539-6/SC (Turma de Uniformização, julgamento de 25 de Abril de 2005, publicado no DJU de 26/08/2005), que adota a posição de julgados que admitem que “a ausência de anotação em carteira de trabalho pressupõe a situação de desemprego de molde a autorizar a extensão do período de graça”.
A tese traz em si um paradoxo aparentemente insolúvel. Se a mera ausência de anotação na carteira de trabalho é suficiente para estender a qualidade de segurado, e qualquer anotação é suficiente para comprovar a qualidade de segurado, os prazos seriam sempre acrescidos de 12 meses, ficando sem nenhuma aplicação a distinção estabelecida pelo §2º.
A tese acabou repudiada pelo Superior Tribunal de Justiça, que, na PETIÇÃO Nº7.155-PR, assim determinou:
PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEIFEDERAL. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. ART. 15 DA LEI8.213/91. CONDIÇÃO DE DESEMPREGADO. DISPENSA DO REGISTRO PERANTE OMINISTÉRIO DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA SOCIAL QUANDO FOR COMPROVADAA SITUAÇÃO DE DESEMPREGO POR OUTRAS PROVAS CONSTANTES DOS AUTOS.PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. O REGISTRO NACTPS DA DATA DA SAÍDA DO REQUERIDO NO EMPREGO E A AUSÊNCIA DEREGISTROS POSTERIORES NÃO SÃO SUFICIENTES PARA COMPROVAR A CONDIÇÃODE DESEMPREGADO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DO INSS PROVIDO.
1. O art. 15 da Lei 8.213/91 elenca as hipóteses em que há a prorrogação da qualidade de segurado, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
2. No que diz respeito à hipótese sob análise, em que o requerido alega ter deixado de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social, incide a disposição do inciso II e dos §§ 1o. e 2o. do citado art. 15 de que é mantida a qualidade de segurado nos12 (doze) meses após a cessação das contribuições, podendo ser prorrogado por mais 12 (doze) meses se comprovada a situação por meio de registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
3. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, esse dispositivo deve ser interpretado de forma a proteger não o registro da situação de desemprego, mas o segurado desempregado que, por esse motivo, encontra-se impossibilitado de contribuir para a Previdência Social.
4. Dessa forma, esse registro não deve ser tido como o único meio de prova da condição de desempregado do segurado, especialmente considerando que, em âmbito judicial, prevalece o livre convencimento motivado do Juiz e não o sistema de tarifação legal de provas. Assim, o registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá ser suprido quando for comprovada tal situação por outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal.
5. No presente caso, o Tribunal a quo considerou mantida a condição de segurado do requerido em face da situação de desemprego apenas com base no registro na CTPS da data de sua saída no emprego, bem como na ausência de registros posteriores.
6. A ausência de anotação laboral na CTPS do requerido não é suficiente para comprovar a sua situação de desemprego, já que não afasta a possibilidade do exercício de atividade remunerada na informalidade.
7. Dessa forma, não tendo o requerido produzido nos autos prova da sua condição de desempregado, merece reforma o acórdão recorrido que afastou a perda da qualidade de segurado e julgou procedente o pedido; sem prejuízo, contudo, da promoção de outra ação em que seenseje a produção de prova adequada.
(STJ, Pet 7.115, Terceira Seção, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 10/03/2010, publicado em 06/04/2010)
É a posição do STJ que vem prevalecendo na jurisprudência, devendo o segurado comprovar o desemprego por quaisquer meios em direito admitidos, inclusive por meio de prova testemunhal, não bastando, no entanto, a meara ausência de anotação em CTPS.
Para melhor compreensão do tema, mostra-se importante, também, a leitura do voto-vista do Ministro Jorge Mussi, que traz maiores explicações adicionais. Diz o voto que “seja pela comprovação de recebimento de seguro-desemprego, ou de qualquer documento expedido por órgão próprio do Ministério do Trabalho, conclui-se que não há com afastar determinação de comprovar-se a situação de desemprego sem observância do comando legal”. É sob essa ótima, entendemos, que deve ser interpretada a IN 45/2010.
Por outro lado, o voto menciona desemprego involuntário e cita o art. 201 da Constituição Federal, que determina (destaques no voto-vista):
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
[...]
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
O voto não se aprofunda na questão do desemprego involuntário. A nosso ver, a norma da Lei 8.213/91, como qualquer outra norma infraconstitucional, deve ser interpretada sob a luz da Constituição Federal. A ausência de anotação em CTPS não pode ser admitida para fins de comprovação de desemprego não só porque pode existir trabalho informal – como parece afirmar a ementa acima mencionada – mas também porque pode existir situação de desemprego voluntário, que não é suficiente para estender o período de graça.
3. Conclusão
O art. 15, §2º, da Lei 8.213/91, ao estender o período de graça, pressupõe o registro do desemprego no órgão competente. Prevalece na jurisprudência atual a teoria de que seja possível a prova por outros meios em direito admitidos, não bastando, no enanto, a ausência de vínculo anotado em CTPS. Entendemos ainda que o desemprego a ser comprovado é o desemprego involuntário, conforme previsto na Constituição Federal.
NOTAS:
[1] CARLI, Kalinca De. O desemprego involuntário como hipótese legal de extensão do período de graça do segurado - Aspectos controvertidos na doutrina e na jurisprudência. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov. 2012. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.40900&seo=1>. Acesso em: 14 dez. 2014.
[2] SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 144
[3] AgRgRD no REsp n. 439021-RJ, da 6ª Turma, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18/09/2008.
REFERÊNCIAS:
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 1. edição – São Paulo : Saraiva, 2011.
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. – 7. edição – Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 51.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 3. ed. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária de Direito, 2007.
CARLI, Kalinca De. O desemprego involuntário como hipótese legal de extensão do período de graça do segurado - Aspectos controvertidos na doutrina e na jurisprudência. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov. 2012. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.40900&seo=1>. Acesso em: 14 dez. 2014.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Geral Federal de Santos-SP, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVIAN, Eduardo. A ausência de anotação na CTPS como motivo de prorrogação do período de graça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42593/a-ausencia-de-anotacao-na-ctps-como-motivo-de-prorrogacao-do-periodo-de-graca. Acesso em: 23 dez 2024.
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