01. INTRODUÇÃO
Em 25 de novembro de 2013, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte de São José) julgou o caso Família Pacheco Tineoversus Estado Plurinacional da Bolívia, mediante o qual este país foi condenado por ter violado uma série de direitos da Família Pacheco tais como: o direito de solicitar e receber asilo em caso de perseguição política; o direito à integridade psíquica e moral dos membros da família; por ter violado à obrigação de proteção especial às crianças; bem como o princípio de direito internacional da não devolução (princípio do non refoulement).
O objetivo deste texto é o de tratar resumidamente acerca do princípio de direito internacional do non refoulement, e contextualizá-lo com o caso julgado pela Corte de Direito Interamericana de Direitos Humanos, ressaltando a importância do conhecimento da jurisprudência das cortes internacionais às quais o Brasil reconhece a jurisdição para a concreta proteção dos direitos humanos no país.
02. DESENVOLVIMENTO
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão judicial guardião da interpretação do texto da Convenção Americana de Direitos Humanos, o conhecido Pacto de São José da Costa Rica, a qual foi aprovada em 1969 e entrou em vigor em 1978. O Brasil ratificou a Convenção Americana em 1992 e aceitou a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (órgão judicial da Convenção Americana de Direitos Humanos) em 1998, razão pela qual tona-se importante o estudo dos precedentes desta Corte Internacional, pois de suas sentenças, decorrem consequências jurídicas para o país na órbita internacional de proteção aos direitos humanos.
No caso envolvendo a família Pacheco Tineo e o Estado Plurinacional da Bolívia, foi submetido à jurisdição da Corte, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a situação da expulsão dessa família efetuada pelo Estado da Bolívia com destino ao Perú no dia 24 de fevereiro de 2001.
A família Pacheco Tineo estaria sofrendo perseguições políticas por parte do governo ditatorial de Fujimori no Peru, tendo ingressado em terras bolivianas em busca de proteção. A devolução da família Pacheco Tineo pela Bolívia ao Perú se deu como resultado da recusa de sua admissão na condição de refugiados, sendo a decisão de expulsão adotada pelas autoridades migratórias bolivianas.
Os membros dessa família, composta por Rumaldo Juan Pacheco Osco, sua esposa FredesvindaTineo Godos, e os filhos de ambos Juana Guadalupe, Frida Edith e Juan Ricardo (todos de sobrenome Pacheco Tineo) ingressaram na Bolívia em 19 de fevereiro de 2001. As autoridades de migração na Bolívia tomaram nota da situação irregular dos membros da família e adotaram as medidas destinadas à sua expulsão para o Perú. Na ocasião, o Senhor Rumaldo Juan Pacheco Osco solicitou ao Estado boliviano o reconhecimento da condição de refugiados para si e sua família, tendo ocorrida então a negativa sumária da condição de refugiados, com a violação do direito ao processo legal do pedido, e por conseguinte, tendo havido a expulsão com destino ao Perú.
No Perú, o casal Pacheco foi acusado pelo governo peruano da prática de terrorismo, sendo que foram absolvidos da acusação mas posteriormente a sentença de absolvição foi cassada pela Corte Suprema peruana, tendo a família seguido para o Chile em fuga em 1998, após ter tentado anteriormente permanecer na Bolívia. No Chile, a família obteve a condição de refugiados. Em 03 de fevereiro de 2001, o Senhor Romualdo e a família decidiram voltar ao Perú para providenciar um possível retorno definitivo ao país de sua nacionalidade, atualizar documentos pessoais e tentar providenciar trabalho. Já no Peru foram informados pelo seu advogado que sua situação legal no país de nacionalidade era de risco, já que a ordem de prisão contra eles não teria sido anulada, motivo pelo qual decidiram retornar à Bolívia, ocasião na qual lhes foi negada a condição de refugiados. Dias depois, em 24 de fevereiro de 2001, a família foi efetivamente expulsa com direção ao Peru, tendo sido detida no país de sua nacionalidade. O casal Pacheco foi separado dos filhos e permaneceu detido até julho de 2001, quando a família foi autorizada a retornar ao Chile, país em que reside atualmente.
Após o retorno ao Chile, a família Pacheco apresentou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que processou o Estado Plurinacional da Bolívia perante a Corte Interamericana, tendo este país sido condenado pelas violações às garantias judiciais de solicitar e receber asilo, violação ao dever de proteção das crianças, violação da integridade psíquica e moral dos membros da família e por fim por violação ao princípio da proibição do rechaço (ou princípio do non refoulement).
O caso da família Pacheco é exemplo recente de violação do princípio do nonrefoulement reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, eis que a Bolívia negou asilo territorial à família que reconhecidamente era perseguida por questões políticas em seu país de nacionalidade. Ao expulsar a família Pacheco para o Perú, a Bolívia submeteu os membros da família à risco em seu direito de locomoção, tendo lhes proporcionado agressão psíquica e abalo moral, diante da sujeição ao estado de perseguição no qual foram colocados pelo Estado condenado.
O princípio do non refoulement ou da proibição da devolução ou da proibição do rechaço foi consagrado pelo direito internacional dos refugiados e também pelo ordenamento jurídico brasileiro. Por esse princípio, o estrangeiro em situação migratória que solicita a condição de asilado ou refugiado não pode ser devolvido ao país no qual alega sofrer riscos à sua vida e integridade física.
Trata o princípio do non refoulementdo direito de não ser expulso ou entregue à outro país (seja ou não o da sua nacionalidade) onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua nacionalidade, raça, religião, opiniões políticas ou qualquer outra condição pessoal. Nesse sentido, o princípio tem previsão normativa no art. 22.8 da Convenção Americana de Direitos Humanos (sendo de observância obrigatória para o Brasil), destacado in verbis:
“Artigo 22.8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas.”
No Brasil, a Lei 9.474/97, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951[1], positiva na legislação pátria o princípio da não devolução ao estabelecer quanto ao estrangeiro migrante que “em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política” (art. 7º, §1º, da Lei 9.474/97).
Ainda sobre a normatividade do princípio da proibição do rechaço, André de Carvalho Ramos destaca que:
“o Direito dos Refugiados possui diversos pontos convergentes aos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, como é o caso do princípio da proibição da devolução (ou proibição do rechaço – non-refoulement), que consta da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 (artigo 33) e simultaneamente da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura (artigo 3) e da Convenção Americana de Direitos Humanos (artigos 22.8 e 22.9), sem contar o dever dos Estados de tratar com dignidade o solicitante do refúgio, o que é espelho do dever internacional de proteger os direitos humanos (previsto na Carta da ONU).”[2]
Em razão disso, constata-se que o princípio do non refoulementou da proibição da devolução, é de observância obrigatória aos países signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos, tendo fundamento convencional e legal no Brasil, a indicar a sua força normativa.
3. CONCLUSÃO
Como se constata, é possível a responsabilização internacional dos Estados signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos que reconhecem a jurisdição de sua Corte pela violação à direitos humanos de pessoas em situação jurídica de asilo ou refúgio.
O caso da Família Pacheco Tineo diz respeito ao pedido de asilo dos integrantes da família em território boliviano, tendo sido a Bolívia condenada pela violação ao princípio da não devolução. Não obstante, a sentença da Corte utilizou o termo asilo em sua concepção ampla, englobando tanto o instituto do asilo como o do refúgio.
Diante da força normativa do princípio do nonrefoulement, princípio geral de direito internacional dos direitos humanos previsto não somente na Lei 9.474/97, mas tambémConvenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e naConvenção Americana de Direitos Humanos, o Brasil está obrigado à observá-lo sob pena de também ser responsabilizado internacionalmente no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 14.12.2014.
BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9474.htm>. Acesso em 14.12.2014.
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>, acesso em 14.12.2014.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Família Pacheco Tineo v. Bolívia. Objeções Preliminares, Mérito, Reparações e Custos, Julgamento em 25 de novembro de 2013. Disponível em: http://joomla.corteidh.or.cr:8080/joomla/jurisprudencia-oc-simple/38-jurisprudencia/2123-corte-idh-caso-familia-pacheco-tineo-vs-bolivia-excepciones-preliminares-fondo-reparaciones-y-costas-sentencia-de-25-de-noviembre-de-2013-serie-c-no-272, acesso em 14.12.2014.
ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. Manual Prático de Direitos Humanos Internacionais. Coordenador SvenPeterke: Brasília-DF, 2010.
RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional.4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.
[1]O Brasil aderiu à Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, ratificando-a, tendo sido promulgado o Decreto n. 50.215, de 28.1.2961, publicado no Diário Oficial da União em 30.1.1961, que tornou público o tratado a todos os brasileiros.
[2]RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional.4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014, p. 63.
Procurador Federal atuante na Procuradoria-Federal em Goiás, órgão de execução da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás - UFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Victor Nunes. O caso família Pacheco Tineo versus Bolivia e o princípio do non refoulement Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42594/o-caso-familia-pacheco-tineo-versus-bolivia-e-o-principio-do-non-refoulement. Acesso em: 23 dez 2024.
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