Resumo: O presente artigo refere-se ao processo de cobrança pela Administração Pública de valores ínfimos despendidos pelos servidores públicos, como é o caso do ressarcimento ao erário de ligações telefônicas atestadas como particulares por esses agentes.
1. Introdução
São frequentes e comuns na Administração Pública despesas originárias de gastos de agentes públicos que extravasam a finalidade pública e entram no campo estritamente particular. São casos em que esses agentes efetuam dispêndios que, num primeiro momento são arcados pelo Poder Público, mas, posteriormente, logicamente, devem ser por eles ressarcidos ao erário por serem particulares. É o caso, por exemplo, de despesas de ligações telefônicas, diárias, tarifas aéreas, suprimentos de fundos. Este breve estudo traz um sucinto panorama de como deve ser feito o processo de cobrança desses gastos particulares pela Administração.
2. Desenvolvimento
Em conformidade com o insculpido no Código Civil (art. 884), aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Apesar da norma estar contextualizada num diploma legal civil, é verdadeiro princípio geral de direito que obriga àquele que teve vantagem de modo indevido, às custas de outrem, recompor o injusto benefício.
Qualquer vantagem auferida indevidamente por um determinado servidor caracteriza locupletamento sem causa, o que enseja a restituição integral do montante recebido.
A Lei nº 8.112/1990 contempla hipóteses de reposição e indenização ao erário (art. 46). Reposição é a devolução ao erário de parcela de remuneração ou provento recebido indevidamente a maior. Indenização, por sua vez, é a reparação em pecúnia advinda da prática de ato comissivo ou omissivo, doloso ou culposo, que resulta em prejuízo ao erário ou a terceiros.[1] Compreende-se, por sua vez, que no ressarcimento (gênero) estariam contempladas essas duas espécies: reposição e indenização.
Objetiva-se com o ressarcimento o retorno ao estado anterior ao dano. Indenizar é repor o patrimônio nas condições preexistentes à lesão. A reposição ou compensação deve, pois, respeitar o princípio do restitutio in integrum, isto é, ser proporcional ao ato lesivo.
Acerca dos gastos aos cofres públicos provenientes de uso de telefones, o Tribunal de Contas da União já se manifestou no sentido de determinar que se evitassem tais dispêndios:
Acórdão nº 1.601/2005 – Plenário:
Ementa
REPRESENTAÇÃO. GASTOS EXCESSIVOS COM TELEFONIA CELULAR. DETERMINAÇÃO.
Considera-se procedente representação que trata de gastos excessivos com telefonia celular, para determinar que a entidade adote providências para apuração dos excessos e ressarcimento dos valores pelos usuários dos serviços e estabeleça procedimentos de controle e concessão do uso de linhas telefônicas móveis, evitando o desperdício de recursos públicos.
Relatório do Ministro Relator
7.1. Sobre esse assunto, esta Corte de Contas tem se manifestado no sentido de reconhecer que o uso indiscriminado de telefones celulares por parte de servidores da administração pública tem acarretado gastos elevados e crescentes ao Governo Federal. Em todos os casos, o Tribunal tem determinado o ressarcimento dos valores que ultrapassem os limites fixados (Acórdãos ns. 201/2000 – Primeira Câmara, 1.498/2003 – Plenário e 256/2004 – Plenário).
Acórdão
9.2.1.1. providencie, junto aos responsáveis pelas linhas de telefones celulares por ela concedidas, os ressarcimentos dos valores que ultrapassaram os limites máximos fixados pelas Portarias ns 222/2002 e 170/2003, abatendo-se os valores já ressarcidos; (Tornado insubsistente pelo Acórdão 1093/2006 Plenário - Ata 27.)
9.2.1.2. estabeleça procedimentos rigorosos no controle e concessão do uso de linhas telefônicas móveis, evitando o desperdício de recursos públicos, que devem ser aplicados com observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, economicidade, razoabilidade e proporcionalidade;
Compreende-se que a via a ser adotada pela Administração é a do desconto mensal legalmente autorizado, caso o servidor esteja dentro dos quadros (seja ativo, inativo ou, ainda, no caso de pensionistas). O servidor que estiver fora do quadro em razão de exoneração/demissão, ou o servidor aposentado cujo afastamento tiver sido cassado, terá prazo legal de sessenta dias para pagamento de seu débito. A não quitação do débito no período previsto implicará em sua inscrição em dívida ativa. Tudo na forma do art. 47, caput, e parágrafo único da Lei nº 8.112/1990.
A previsão contida no art. 45 da Lei nº 8.112/1990, segundo o qual “salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento”, regulamentada pelo Decreto nº 6.386/2008, permite a consignação relativa às reposições e indenizações ao erário:
Art. 2º Considera-se, para fins deste Decreto:
II - consignante: órgão ou entidade da administração pública federal direta ou indireta, que procede, por intermédio do SIAPE, descontos relativos às consignações compulsória e facultativa na ficha financeira do servidor público ativo, do aposentado ou do beneficiário de pensão, em favor do consignatário;
III - consignado: servidor público integrante da administração pública federal direta ou indireta, ativo, aposentado, ou beneficiário de pensão, cuja folha de pagamento seja processada pelo SIAPE, e que por contrato tenha estabelecido com o consignatário relação jurídica que autorize o desconto da consignação;
IV - consignação compulsória: desconto incidente sobre a remuneração, subsídio ou provento efetuado por força de lei ou mandado judicial;
V - consignação facultativa: desconto incidente sobre a remuneração, subsídio ou provento, mediante autorização prévia e formal do interessado, na forma deste Decreto;
Art. 3º São consignações compulsórias:
III - obrigações decorrentes de decisão judicial ou administrativa;
V - reposição e indenização ao erário;
XII - outras obrigações decorrentes de imposição legal.
Grifou-se.
No que toca à comunicação do servidor para desconto da importância devida, é possível verificar em precedentes jurisprudenciais que se trata de mera transmissão de informação no sentido de realizar descontos em folha, o que eliminaria a necessidade de instauração de processo administrativo formal para a reposição:
Processo: APELRE 200950010141697 / APELRE - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO - 499893
Relator(a): Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA
Sigla do órgão: TRF2 (Órgão julgador: QUINTA TURMA ESPECIALIZADA)
Fonte: E-DJF2R - Data::17/07/2012 - Página::210/211 (Data da Decisão: 12/06/2012)
Ementa
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PAGAMENTO EM DUPLICIDADE DE ABONO DE PERMANÊNCIA. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. COMUNICAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. I - O Supremo Tribunal Federal, mitigando o rigor de sua jurisprudência predominante, reconheceu recentemente que a reposição ao erário dos valores indevidamente pagos a servidores por erro da Administração seriam insuscetíveis de cobrança quando verificada a presença concomitante dos seguintes requisitos: •I - presença de boa-fé do servidor; II - ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; III - existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; IV - interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração– (cf. MS 256.641/DF, Pleno, Rel. Min. EROS GRAU, DJU de 22.02.2008) II - A reposição ao erário deve ocorrer nos moldes do art. 46, caput, da Lei n.º 8.112/90, segundo o qual exige-se a prévia comunicação ao servidor da realização dos descontos ali previstos, o que não significa a necessidade de aquiescência do servidor com o desconto em folha, nem tampouco a instauração de processo administrativo formal, com a possibilidade de ampla defesa, salvo quando •(...) a situação envolver caráter punitivo, ou se envolver uma situação fática não clara, nebulosa, ou uma situação cristalizada no tempo há longos anos–. Precedentes desta Corte. III - Remessa necessária e apelação desprovidas.
Grifou-se.
Em razão das inovações tecnológicas inseridas no âmbito público, a exemplo da Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, o meio eletrônico tem sido cada vez mais utilizado. A eficiência, a celeridade, a otimização, a economia e sustentabilidade são causa e consequência dessa mudança. Cite-se a previsão do parágrafo único do art. 237 do Código de Processo Civil:
Art. 237. Nas demais comarcas aplicar-se-á o disposto no artigo antecedente, se houver órgão de publicação dos atos oficiais; não o havendo, competirá ao escrivão intimar, de todos os atos do processo, os advogados das partes:
I - pessoalmente, tendo domicílio na sede do juízo;
II - por carta registrada, com aviso de recebimento quando domiciliado fora do juízo.
Parágrafo único. As intimações podem ser feitas de forma eletrônica, conforme regulado em lei própria. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 2006).
Grifou-se.
Outro exemplo seria a recente Lei nº 12.682, de 9 de julho de 2012, que dispõe sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos.
Por essas razões, compreende-se que a notificação do servidor público por meio eletrônico é plenamente cabível para apuração de créditos relativos a ligações telefônicas atestadas como particulares. Essa saída, decerto, não implicaria gastos desnecessários para a Administração em torno da cobrança de seus créditos, seja na busca de valores ínfimos ou de quantia substancial.
Logicamente o documento eletrônico de cobrança deverá ter a devida formalidade, ou seja, deve apresentar garantia e autenticidade por meio de tecnologia de certificação digital das informações ali contidas, bem como mecanismo de certificação de seu recebimento pelo servidor.
A ementa do julgado que abaixo se reproduz sinaliza a possiblidade de notificação eletrônica. Nota-se que a matéria é tributária, o que, regra geral, atrai certas formalidades peculiares, e que mesmo ausentes vários dos requisitos da notificação de lançamento, ainda assim não houve decretação de nulidade, porquanto não houve prejuízo à defesa do contribuinte:
Processo: EIAC 200004010066408 / EIAC - EMBARGOS INFRINGENTES NA APELAÇÃO CIVEL
Relator(a): MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
Sigla do órgão: TRF4 (Órgão julgador: PRIMEIRA SEÇÃO)
Fonte: DJ 16/10/2002 PÁGINA: 342 (Data da Decisão: 02/10/2002)
Ementa
IRPF. NOTIFICAÇÃO EMITIDA POR VIA ELETRÔNICA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. - Embora formalmente irregular a notificação de lançamento de débito em face da ausência de assinatura, função ou cargo do servidor, nos termos do parágrafo único do artigo 11 do Decreto nº 70.235/72, inexistindo prejuízo à defesa do contribuinte, mostra-se inoportuna a decretação de sua nulidade.
Numa outra compreensão do Judiciário foi possível observar que a opção pela via eletrônica também não foi o traço equívoco do caso. A falha caracterizou-se pela incerteza quanto à ciência da parte. O Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca[2] adotou o Parecer do Ministério Público Federal, o qual aduziu:
15. Igualmente, é certo que o Poder Público, e no que interessa, o Judiciário, acompanhando esse avanço tecnológico, possibilitou o acesso eletrônico a informações e, especialmente, a realização de alguns procedimentos por essa via, como, por exemplo, aqueles citados pela recorrente: penhora on-line e interrogatório on-line.
16. Entretanto, há nesses procedimentos a certeza da ciência dos interessados quanto à sua realização, o que é imprescindível para a validade desses atos.
17. Também na esfera privada o ato praticado com vistas à obtenção/efetivação de direito, deve conter o requisito da certeza, excluindo a dúvida da parte adversa quanto à pretensão apresentada.
18. No caso em tela, esse requisito é a ciência do legitimado passivo - diretor da empresa jornalística ou de radiodifusão – quanto ao requerimento do direito de resposta formulado.
Por todos esses argumentos, opina-se pela adoção da forma eletrônica da cobrança como início do processo de apuração desses créditos, o que eliminaria despesas próprias procedimentais que se sobreporiam aos créditos devidos.
A fim de que não haja qualquer alegação de prejuízo por parte dos devedores, compreende-se que a mais devida formalidade deve ser conferida no processo de cobrança desses créditos não tributários. Nesse sentido, mostra-se razoável que a notificação eletrônica para pagamento ou apresentação de impugnação:
a) seja encaminhada com os dados indispensáveis e suficientes à identificação do devedor e respectivo montante devido, tais como: qualificação completa do notificado, seu endereço, o fundamento da dívida, o valor da dívida (valor originário e os acréscimos moratórios, devidamente discriminados e acompanhados dos respectivos fundamentos legais), se for o caso.
b) contenha a finalidade da notificação, o prazo para o pagamento ou impugnação, a informação de que o processo continuará independentemente da manifestação do devedor.
c) apresente a assinatura do agente público competente, com indicação do cargo ou função e o número da matrícula.[3]
No que tange ao prazo para a defesa, compreende-se plenamente aplicáveis as disposições contidas na Lei nº 9.784/1999, porquanto ausente um regramento genérico para manifestações de inconformismo em face de atos da Agência no Regimento Interno da Anatel. Dessa forma, para a impugnação é de se conceder um prazo de dez dias, em conformidade com o art. 44 da Lei nº 9.784/1999:
Art. 44. Encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado.
Nos casos de servidor estar fora dos quadros da Administração bem como nos casos em que, após a notificação eletrônica, não houve pagamento nem apresentação de impugnação e há dúvidas quanto ao recebimento da mensagem pelo servidor, recomenda-se que haja notificação postal com o mesmo conteúdo da notificação eletrônica, a qual após o recebimento pelo servidor, iniciaria novo prazo para impugnação ou pagamento.
Havendo pagamento pelo servidor no prazo de 30 dias contados da efetiva realização da notificação para impugnação ou pagamento, o processo se encerra. Caso não tenha havido apresentação de impugnação no prazo de 10 dias contados do recebimento, nem pagamento no prazo de 30 dias, deve incidir a multa de mora prevista no art. 37-A da Lei nº 10.522/2001 e no art 61, §§1º e 2º da Lei nº 9.430/96, e, a partir desse momento, seguirá a mesma regra aplicada aos créditos da Administração definitivamente constituídos, com possibilidade de inscrição do Crédito no CADIN[4] e em Dívida Ativa, desde que observados os demais requisitos previstos na legislação e regulamentação, especialmente quanto aos limites mínimos de valores para a realização dessas inscrições.
Caso haja impugnação, esta deve ser dirigida ao gestor do crédito que proferirá decisão acerca do crédito, contra a qual caberá a interposição de recurso administrativo para o superior hierárquico do gestor do crédito. As decisões acerca de eventuais recursos também ensejam a interposição de recursos hierárquicos até o encerramento da instância administrativa. Encerrada a discussão administrativa do crédito, deve ser conferido ao servidor um prazo de 30 dias para efetuar o pagamento sem a incidência da multa de mora. Não havendo o pagamento, o crédito seguirá os mesmos trâmites adotados para os créditos da Administração definitivamente constituídos, tal como apresentado no parágrafo anterior.
3. Conclusão
Compreende-se que na hipótese de a Administração se deparar com gastos particulares advindos de agentes públicos, a consignação em folha de pagamento do servidor público, na forma da lei tem vez. Na hipótese de o agente estar fora do quadro e não pagar o débito no período legalmente previsto, isso implicará em sua inscrição em dívida ativa. Por fim, defende-se o cabimento de procedimentos eletrônicos em busca da cobrança dos créditos para quantias de reduzida monta.
4. Referências Bibliográficas
BRANDÃO, Júlio Cezar Lima. Comentários ao Estatuto do Servidor Público Federal Atualizado. Curitiba: Juruá Editora. 2008.
[1] BRANDÃO, Júlio Cezar Lima. Comentários ao Estatuto do Servidor Público Federal Atualizado. Curitiba: Juruá Editora. Pg. 111.
[2] Processo: REsp 699709 / SP - RECURSO ESPECIAL 2004/0146127-4
Relator(a): Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106)
Sigla do Órgão: STJ (Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA)
Data do Julgamento: 04/10/2005 (Data da Publicação/Fonte: DJ 14/11/2005 p. 392)
Ementa
RECURSO ESPECIAL. PENAL. LEI DE IMPRENSA. PEDIDO DE RESPOSTA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL REALIZADA POR E-MAIL E FAC-SÍMILE. AUSÊNCIA DE CERTEZA QUANTO À CIÊNCIA DO LEGITIMADO PASSIVO. PROCEDIMENTO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO.
Recurso conhecido, mas desprovido.
[3][3] Isso nada mais representa que o cumprimento dos preceitos normativos contidos na Lei nº 9.784/1999.
[4] Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin).
Procuradora Federal em Brasília - DF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Teresa Resende. Considerações acerca do ressarcimento de pequenos gastos particulares de agentes públicos à Administração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42595/consideracoes-acerca-do-ressarcimento-de-pequenos-gastos-particulares-de-agentes-publicos-a-administracao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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