Resumo: O artigo propõe a discussão acerca da existência de algum contorno de discricionariedade da autoridade administrativa no momento de julgamento de infração disciplinar praticada por servidor público, seja na decisão de tipificação da conduta transgressora seja na aplicação da sanção disciplinar.
Palavras-chave: processo disciplinar – julgamento – discricionariedade
Sumário: 1 Introdução; 2 Um poder-dever discricionário?; 3 Conclusão; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Os poderes administrativos podem ser conceituados como instrumentos específicos destinados a amparar o bom desempenho da atividade administrativa, prerrogativas indispensáveis à consecução dos fins públicos, que garantem a sobreposição do interesse público sobre o interesse particular[1]. Na medida em que são exercidos na gestão de poderes públicos, com a finalidade de garantir a concretização do interesse público, são irrenunciáveis, constituindo-se em verdadeiros poderes-deveres[2] (não se trata, pois, de faculdade do administrado, que não poder livremente dispor do interesse público[3]).
Dentre esses poderes, destacam-se, para os fins dessa análise, o poder hierárquico e o poder disciplinar. Passa-se a analisá-los de forma geral e breve, para, ao fim, se apresentar a discussão específica proposta neste estudo.
O poder hierárquico pode ser conceituado como uma prerrogativa conferida ao administrador para organização e controle da função administrativa[4]. Emana da forma básica de estruturação da relação interna entre os órgão e agentes do Estado: a hierarquia; atribuindo, assim, à autoridade administrativa prerrogativas de comando sobre as atividades desenvolvidas (gerando, por corolário, o dever dos subordinados de obedecerem às ordens que lhes forem dirigidas, salvo quando manifestamente ilegais), de fiscalização, de revisão e controle de legalidade, de delegação e avocação de competências e de punição dos servidores que cometam infração funcional.
Essa última prerrogativa emanada do poder hierárquico denomina-se poder disciplinar – para os fins desse trabalho, é possível conceituá-lo como poder-dever da autoridade administrativa de apurar notícia de falta funcional que chegue ao seu conhecimento, e, comprovadas sua autoria e materialidade, impor a penalidade cabível ao servidor transgressor.
O exercício do poder disciplinar é provocado pela ciência da autoridade titular do poder acerca da notícia de suposta infração funcional praticada por servidor público – constatando-se a existência de indícios suficientes de autoria e de materialidade do ilícito e justa causa para a investigação, a autoridade determinará, então, a instauração de processo disciplinar punitivo (processo administrativo disciplinar ou sindicância punitiva), que deverá se desenrolar com a observância de todos os direitos e garantias adscritos ao devido processo legal, especialmente a ampla defesa e o contraditório. Confirmando-se, ao final do procedimento, a existência do ilícito, bem como o responsável por sua prática, a autoridade deverá aplicar-lhe sanção que corresponda ao desvalor da conduta apurada e de seu resultado.
A discussão que se propõe nesse breve estudo é pontual e relaciona-se aos limites do poder disciplinar no momento do julgamento: tratando-se de um poder-dever (um dos poderes administrativos), comprovadas, após o regular processo administrativo disciplinar ou sindicância punitiva, a autoria e a materialidade da infração funcional, existe, para a autoridade competente algum contorno de discricionariedade na tipificação da conduta e na aplicação da sanção?
2 UM PODER-DEVER DISCRICIONÁRIO?
Inicialmente, há que se ressaltar, para o melhor compreensão do ponto colocado em debate, que, diferentemente do que ocorre no direito penal, em que prevalece a rígida tipicidade dos ilícitos diretamente atrelados à sanção penal que deve ser aplicada, no direito administrativo disciplinar, as condutas infracionais são previstas de forma aberta, com fórmulas amplas – via de regra, a lei se limita a enumerar os deveres e obrigações funcionais e as sanções, sem, no entanto, ligá-los de forma específica, afastando, pois, o sistema de rígida tipicidade[5]. É essa característica peculiar da previsão dos tipos e das sanções disciplinares que enseja a discussão que ora se propõe.
Não se discute que, para ser considerada infração disciplinar, a conduta irregular deve se consubstanciar na não observância de um dever ou na infringência de uma proibição legalmente previstos, ainda que tal previsão normativa ocorra sem a tipicidade rígida do direito penal. Além disso, parece incontroverso que, no julgamento, a autoridade não poderá perder de vista a proporcionalidade entre o desvalor do que foi apurado (conduta/resultado) e a sanção a ser cominada. Em outras palavras, é imprescindível que se estabeleça parâmetros (legais e principiológicos) para que o exercício do poder disciplinar não se dê de forma subjetiva, parcial ou arbitrária[6].
Especialmente em virtude da citada tipificação aberta das infrações funcionais e da necessidade de que exista proporcionalidade entre a sanção aplicada e o devalor da conduta e do resultado apurados há quem identifique o poder-dever disciplinar como um poder discricionário. Todavia, a doutrina vem alertando para essa correlação seja vislumbrada com cautela.
Na opinião de Odete Medauar, soa estranho associar o poder disciplinar à discricionariedade, uma vez que ele é exercido sob moldes processuais (garantindo-se, pois, ao indiciado, todos os direitos constitucionais de defesa), o que se mostra incompatível com atuações livres e desvinculadas dos preceitos legais, impedindo, assim, arbítrios e subjetivismos.[7]
Por outro lado, Maria Sylvia Zanella di Pietro destaca que reconhecer o poder disciplinar como um poder discricionário não significa afirmar que a Administração tem a liberdade de escolha entre punir e não punir o servidor faltoso (destacando a obrigatoriedade de instauração de procedimento investigativo quando há notícia de prática de fato irregular, sob pena de a omissão se configurar em condescendência criminosa e/ou improbidade administrativa). De acordo com a autora, a discricionariedade existe limitadamente nos procedimentos previstos para apuração da falta funcional (que geralmente têm regras menos rígidas do que as aplicáveis ao processo penal) e no momento de tipificação da conduta e de aplicação da pena, uma vez que a lei costuma conferir à Administração o poder de levar em consideração, na escolha da pena, a natureza e a gravidade da infração e os danos que dela provierem para o serviço público (nos termos, por exemplo, do que prevê o art. 128 da Lei nº 8.112/90[8]). Além disso, a autora afirma que haveria discricionariedade da Administração no tocante a certas infrações enunciadas com expressões imprecisas (cita como exemplo os termos “procedimento irregular” e “ineficiência no serviço” irregularidades puníveis com suspensão e “falta grave”, ilícito punível com demissão, nos termos do estatuto disciplinar dos servidores civis de São Paulo – Lei nº 10.261/68), hipóteses em que a lei teria deixado à Administração a possibilidade de enquadrar a conduta analisada no caso concreto a uma ou outras dessas infrações.[9]
Dirley da Cunha Júnior defende que a afirmação de que o poder disciplinar é um poder discricionário não é inteiramente verdadeira, uma vez que a Administração tem o dever de apurar a conduta faltosa e puni-la (sob pena de sua omissão se enquadrar no tipo da condescendência criminosa) e que a apuração de qualquer infração cometida por servidor exige a observância do procedimento legal, assegurados o contraditório e ampla defesa, dependendo a aplicação de punição deste procedimento e a eleição da sanção, de sua proporcionalidade com a falta aplicada. No entanto, acerca do entendimento de Maria Silvia Zanella de Pietro – sobre a existência de discricionariedade limitada da Administração referente à indicação da pena e tipificação de condutas previstas de forma abstrata e aberta – afirma:
Concordamos com essas ponderadas lições, para reconhecer a existência de certa discricionariedade da Administração Pública, limitada àqueles aspectos, no exercício deste poder disciplinar. Nesse sentido, pode-se afirmar que o poder disciplinar é discricionário, circunstância que não dispensa, evidentemente, a fundamentação ou motivação da punição disciplinar.[10]
Fernanda Marinela segue caminho semelhante, também reconhecendo, nos moldes como defendidos por Maria Sylvia Zanella di Pietro, uma discricionariedade limitada da Administração no momento da tipificação da conduta. No entanto, a autora defende que, tipificada a infração funcional, a liberdade de escolha da sanção não existe:
Apesar dessa valorac?a?o gerada pela lei na definic?a?o da infrac?a?o praticada, para a escolha da sanc?a?o essa liberdade na?o existe. O estatuto determina que, uma vez definida a infrac?a?o funcional, a sanc?a?o correspondente e? a expressa na lei, na?o restando, portanto, discricionariedade para o Administrador, caracterizando assim uma decisa?o vinculada.[11]
Por fim, José dos Santos Carvalho Filho entende que a avaliação conferida ao administrador para aplicar a punição não constitui discricionariedade porque, nessas hipóteses, não há propriamente um juízo de conveniência e oportunidade, uma vez que o administrador deve formar sua convicc?a?o com base em todos os elementos constantes do processo administrativo, de forma que sua decisão estará vinculada, pois, a esses elementos. Segundo o autor, a aplicação da sanção, ao final, deve considerar todos esses elementos referentes ao ilícito funcional apurado, de forma que a sanção imposta se adeque perfeitamente à conduta infratora (princípio da adequação punitiva ou princípio da proporcionalidade)[12].
Defende-se, nesse trabalho, a existência de uma certa liberdade de valoração do titular do poder disciplinar em relação à tipificação da conduta infratora. Realmente, a descrição da conduta típica no âmbito do direito disciplinar é feita, via de regra, com a utilização de fórmulas amplas, abertas, o que permite à autoridade – com fundamento em todos os elementos constantes no processo administrativo de apuração – enquadrá-la de forma menos rígida do que ocorre no direito penal. Mas, entende-se, seguindo a lição de José dos Santos Carvalho Filho, que esta maior liberdade da autoridade administrativa não se qualifica como um ato discricionário, pois não se lhe aplicam as ideias de conveniência e oportunidade – ao contrário, no enquadramento final da conduta infratora, deve a autoridade considerar todos os elementos apurados no processo investigatório, indicando-os para justificar a tipificação nesta ou naquela previsão normativa (por exemplo, considerando as previsões da Lei nº 8.112/90, para demonstrar porque a conduta descuidada do servidor se enquadra em falta de zelo – infração funcional que é punida, a princípio, com advertência – e não em desídia, falta punida com pena demissão). Assim, reconhece-se que, alfim, de toda forma, a tipificação da conduta infracional, embora confira certa margem de liberdade à autoridade, não se configura em uma escolha de conveniência e oportunidade, mas sim um ato estritamente vinculado aos elementos apurados no processo investigativo-punitivo.
Quanto à aplicação da pena, no entanto, a questão se torna um pouco mais complexa. Toma-se como fundamento a análise da Lei nº 8.112/90 (estatuto dos servidores públicos federais).
Os artigos 129 e 130 do referido diploma estatutário prevêem os casos em que as condutas devem ser sancionadas com advertência ou com suspensão:
Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.
Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.
Nota-se, inicialmente, que a cláusula “que não justifique imposição de penalidade mais grave” do art. 129 permite uma maior liberdade do julgador em relação às condutas inicialmente punidas com advertência – a depender das circunstâncias do caso concreto, poderá ao final ser aplicada sanção mais gravosa, motivando-se devidamente a decisão, com a indicação dos fatos que justificaram a imposição de penalidade mais grave.
Ademais, verifica-se que o art. 128 do mesmo texto legal prevê que:
Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
Parágrafo único. O ato de imposição da penalidade mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar.
Extrai-se, pois, que a previsão do art. 128 efetivamente determina que a autoridade julgadora considere e pondere os elementos específicos no caso concreto – natureza e gravidade a infração, dano para o serviço público, agravantes e atenuantes, antecedentes funcionais do infrator – no processo de dosimetria da sanção a ser aplicada.
Assim, a análise do caso concreto poderá levar a que uma conduta, a que se tenha aplicado pena-base de advertência, após a dosimetria da pena, seja sancionada com suspensão, em virtude, por exemplo, do considerável prejuízo causado ao ente público; em sentido contrário, uma conduta para a qual inicialmente tenha se fixado pena-base de suspensão, diante da inexistência de prejuízos, de fortes circunstâncias atenuantes e de bons antecedentes funcionais do servidor indiciado, pode terminar punida com advertência.
Entende-se que também essa atividade de aplicação de sanção não é discricionária – novamente, como bem ressaltado por José dos Santos Carvalho Filho, não se trata de uma decisão pautada em conveniência e oportunidade, estando a autoridade julgadora vinculada aos elementos dos autos. É por isso que, defende-se, a dosimetria da pena a ser aplicada, deve ser rigorosamente fundamentada, indicando-se todas as circunstâncias que levaram à autoridade a minorar ou majorar a pena-base inicialmente aplicada. Vale ressaltar que isso ocorre mesmo em relação à pena de suspensão, que pode variar de 1 a 90 dias – o que se defende aqui é que, da mesma forma que o trânsito entre a aplicação de advertência ou suspensão (quando o caso permita uma ou outra hipótese a depender dos elementos do caso concreto) deve ser justificado no processo de dosimetria da pena, também a quantidade de dias de suspensão deve ser demonstrada de forma fundamentada, indicando-se os elementos que constam dos autos para justificar a decisão por mais ou menos dias de sanção.
A questão, no entanto, parece gerar mais dúvidas quando se trata da punição de condutas com penas mais gravosas, como demissão ou cassação de aposentadoria. A Lei nº 8.112/90 traz em seu art. 132 a previsão das condutas sujeitas à pena de demissão (e, de forma paralela, nos termos do art. 134, de cassação de aposentadoria):
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.
Veja-se que, neste caso, o verbo utilizado no caput do artigo é claro e impositivo: “a demissão será aplicada”. Assim, nos termos do entendimento defendido por Fernanda Marinela, exposto supra, uma vez capitulada determinada infrac?a?o funcional em um dos incisos do art. 132, a penalidade de demissão deverá ser aplicada inevitavelmente.
Seguindo este entendimento, caso a autoridade julgadora, ao analisar as circunstâncias e os elementos do caso concreto (nos termos do art. 128) verifique a desproporcionalidade entre a conduta apurada e a pena de demissão, ela deverá desclassificar a conduta, tipificando-a entre aquelas às quais se comina pena de advertência ou suspensão e, então, proceder à dosimetria da pena com fundamento nesta nova tipificação e na correspondente pena-base. Caso contrário, capitulando-se a conduta dentre aquelas previstas no art. 132, a pena de demissão seria inafastável. Em outras palavras, seguir a doutrina de Fernanda Marinela é admitir que, ao menos para os casos de infrações para os quais a lei prevê pena de demissão, as circunstâncias referidas no art. 128 devem ser consideradas na tipificação da conduta (desclassificando-a, se for o caso), mas antes do processo de dosimetria da pena.
Assim, o procedimento de desqualificação da conduta permitiria reconhecer a existência de discricionariedade limitada da autoridade na tipificação da conduta, momento em que também deveriam ser consideradas a proporcionalidade e a razoabilidade a partir da previsão da sanção com a tipificação, já que aquela restaria vinculada ao que se decidiu no momento desta.
Realmente, ao que parece, esse procedimento pode trazer mais segurança para a decisão final, evitando subjetivismos e arbitrariedades.
No entanto, defende-se que, excepcionalmente, ainda que esse processo de desqualificação não seja realizado no momento da tipificação da conduta, pode a autoridade julgadora, que tenha fixado a pena-base em demissão (por capitular a conduta em um dos incisos do art. 132), realizar todo o processo de dosimetria da pena e, nos termos do art. 128, havendo fortes circunstâncias favoráveis ao agente, minorar a pena para suspensão (ou mesmo advertência). Defende-se, enfim, cabível uma análise de proporcionalidade da pena em relação ao desvalor da conduta/resultado apurados, ainda que a conduta infracional tenha sido capitulada em algum dos incisos do art. 132.
Passa-se a justificar.
Inicialmente, verifica-se que o art. 128 e o art. 132 estão previstos no mesmo Capítulo V (Das Penalidades) do Título IV (Do Regime Disciplinar) da Lei nº 8.112/90 – desta forma, entende-se, a interpretação do alcance da norma impositiva do art. 132 deve se pautar pela análise das regras expressas no art. 128. Com efeito, não há no texto normativo qualquer dispositivo legal que determine a não aplicação do art. 128 durante o procedimento de dosimetria da pena, quando a pena-base aplicada seja de demissão – note-se que o texto do citado art. 128 começa da seguinte forma “na aplicação das penalidades serão consideradas...”, o que indica que aquelas circunstâncias, em qualquer caso, deverão ser ponderadas na dosimetria da pena e não somente na tipificação da conduta.
Ademais, entende-se que é durante a dosimetria da pena que se poderá melhor avaliar a proporcionalidade entre o desvalor da conduta e do resultado apurados e a sanção cominada – é só neste processo de construção da sanção que, enfim, se terá claro qual o resultado penalizador melhor se ajustará à medida do ilícito.
No entanto, é necessário deixar claro que não se entende que exista discricionariedade do administrador na aplicação da sanção – assim como exposto por José dos Santos Carvalho Filho, defende-se que, em qualquer caso, a autoridade julgadora estará estritamente vinculada aos elementos dos autos, às circunstâncias comprovadas do caso concreto, devendo o processo de dosimetria da pena ser cuidadosamente fundamentado, considerando, em qualquer caso, a presença, na hipótese concreta analisada, das circunstâncias expostas no art. 128 (seja para majorar ou minorar a pena-base). Acredita-se que, desta forma, evita-se a aplicação de sanções injustas ou desproporcionais às condutas apuradas, dissociadas dos elementos do caso concreto, garantindo-se a apenação na justa medida do ilícito.
3 CONCLUSÃO
Os poderes administrativos são prerrogativas, poderes-deveres conferidos à Administração para o bom e regular desempenho da atividade pública, com vistas à concretização do interesse público – dentre eles, encontra-se o poder disciplinar, emanado da estruturação da Administração baseada na hierarquia, razão pela qual se confere à autoridade administrativa, além do comando e da fiscalização da atividade desempenhada pelos servidores, também a prerrogativa de apurar eventual prática de infração disciplinar e, comprovadas a autoria e a materialidade da falta funcional ao final de regular processo administrativo pautado por todos os princípios que dão forma ao devido processo legal, aplicar penalidade ao servidor transgressor, na justa medida do desvalor da conduta e do resultado apurados.
Entende-se que não é possível se qualificar o poder disciplinar, de forma geral, como um poder discricionário – em regra, a partir do momento em que a autoridade competente toma ciência do suposto ato infracional praticado pelo servidor, seu poder-dever de atuar é provocado, gerando-lhe a obrigação de apurar a conduta faltosa. Se a notícia de irregularidade se fizer acompanhar de indícios suficientes e seguros de autoria e materialidade, deve a autoridade determinar a instaurac?a?o de procedimento disciplinar punitivo (processo administrativo disciplinar ou sindicância punitiva) assegurando que, durante a investigação, sejam observados todos os preceitos que salvaguardem o imparcial esclarecimento dos fatos e os direitos de defesa do investigado, ou seja, que o processo se desenrole à luz dos princípios que informam o devido processo legal (art. 5º, LIV da Constituição), garantido-se, em especial, o contraditório e a ampla defesa do investigado (art. 5º, LV da Constituição), de forma a possibilitar que o acusado atue no processo, seja ouvido sobre o fato que lhe é imputado, apresente defesa, produza provas e conteste as que forem produzidas contra ele[13], enfim, salvaguardando a efetiva participação do investigado no processo na busca de verdadeiramente integrar a formação da convicção da autoridade julgadora.
Confirmadas, ao final do procedimento, tanto a existência do fato funcional quanto a responsabilidade do servidor investigado, a autoridade deverá aplicar-lhe pena na justa medida do ilícito, das circunstâncias em que foi cometido e do resultado que tenha gerado.
Acerca desta fase final do exercício do poder disciplinar – a fase de julgamento – entende-se, seguindo de perto as lições de José dos Santos que tanto no momento da tipificação final da conduta quanto no processo de dosimetria da pena não se confere à autoridade julgadora decisão de conveniência e oportunidade – ao contrário, a decisão final de julgamento se encontra sempre vinculada aos elementos apurados no procedimento investigativo-punitivo, devendo ser cuidadosamente fundamentada. Acredita-se que, desta forma, evita-se a aplicação de sanções injustas ou desproporcionais às condutas apuradas, dissociadas dos elementos do caso concreto, garantindo-se a apenação na justa medida do ilícito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. 11ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 4ª ed. Niterói: Impetus, 2011.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
[1] Nas palavras de José dos Santos CARVALHO FILHO (Manual de direito administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 46), os poderes administrativos constituem um “conjunto de prerrogativas de direito pu?blico que a ordem juri?dica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob. cit., 2009, p. 42.
[3] MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 4ª ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 187
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 71 e CARVALHO FILHO, José dos Santos. ob. cit., 2009, p. 66 e 67 destacam que a hierarquia só é cabível no âmbito da função administrativa (típica ou atípica), mas não às atividades legislativas (para as quais prevalece a noção de partilha de competências constitucionais) e nem às atividades judiciais (em que predomina o livre convencimento motivo do juiz, o que lhe garante a independência de atuação).
[5] CARVALHO FILHO, José dos Santos. ob. cit., 2009, p. 68. No entanto, o autor adverte que nada impede que se adote a tipicidade específica no direito disciplinar.
[6] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 138.
[7] MEDAUAR, Odete, ob. cit, 2004, p. 138.
[8] “Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.”
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, ob. cit., 2012, p. 95 e 96.
[10] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. 11ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 86 e 87.
[11] MARINELA, Fernanda, ob. cit., 2011, p. 199.
[12] CARVALHO FILHO, José dos Santos. ob. cit., 2009, p. 68 e 69.
[13] CUNHA JÚNIOR, Dirley da, ob. cit., 2012, p. 84 e 85.
Procuradora Federal; Procuradora-Chefe substituta da Divisão de Assuntos Disciplinares da PGF. Mestra em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal. Doutoranda em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GONTIJO, Danielly Cristina Araújo. Da (suposta) discricionariedade da autoridade administrativa no julgamento dos procedimentos disciplinares punitivos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42614/da-suposta-discricionariedade-da-autoridade-administrativa-no-julgamento-dos-procedimentos-disciplinares-punitivos. Acesso em: 23 dez 2024.
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