“Punhal de prata já eras,
punhal de prata!
Nem foste tu que fizeste
a minha mão insensata.
Vi-te brilhar entre as pedras,
punhal de prata!
No cabo flores abertas,
no gume, a medida exata,
exata, a medida certa,
punhal de prata,
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data.
A maior pena que eu tenho,
punhal de prata,
não é de me ver morrendo,
mas de saber quem me mata.”
(Punhal de Prata, Cecília Meireles)
Como se sabe, foi promulgada uma nova lei, alterando o Código de Processo Penal, permitindo, doravante, a decretação da prisão preventiva para assegurar a confissão do acusado (ou do indiciado, conforme o caso).
Com efeito, a nova lei, modificando os termos do art. 312 do Código de Processo Penal, passou a permitir expressamente que o pedido de prisão preventiva tenha como fundamento a necessidade para se conseguir a confissão do réu ou investigado.
A lei entrou em vigor imediatamente após a sua publicação e, inclusive, já serviu de base para pareceres feitos pelo Ministério Público, devidamente acatados pelo Poder Judiciário.
Como exemplo, podemos citar quatro pareceres em Habeas Corpus, quando a Procuradoria Regional da República da 4ª. Região defendeu a manutenção da prisão preventiva face à “possibilidade real de o infrator colaborar com a apuração da infração penal”.
Os pareceres ministeriais foram subscritos no dia 21 de novembro de 2014 e enviados ao Tribunal Regional da 4ª. Região no dia 25 subsequente. A respectivas prisões haviam sido feitas no dia 15 de novembro. Na origem , trata-se de autos em trâmite na 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba.
No mérito, já adotando a nova lei, foram mantidos os decretos de prisão preventiva pelo relator dos Habeas Corpus no Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça.
Em um dos pareceres ministeriais enviados ao Tribunal Regional Federal, o Procurador da República, atento à nova lei, afirma, já na ementa, que, “além de se prestar a preservar as provas, o elemento autorizativo da prisão preventiva, consistente na conveniência da instrução criminal, diante da série de atentados contra o país, tem importante função de convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais, o que poderá acontecer neste caso, a exemplo de outros tantos”. Os demais pareceres têm a mesma fundamentação, apenas diferenciando-se em relação aos fatos.
Segundo a Procuradoria da República, as prisões devem ser mantidas, também, diante da “possibilidade de a segregação influenciá-lo (o réu) na vontade de colaborar na apuração de responsabilidade, o que tem se mostrado bastante fértil nos últimos tempos”.
Aliás, a nova lei, agora modificando o texto do parágrafo sexto do art. 282 do Código de Processo Penal, passou a estabelecer que a prisão preventiva não será substituída por qualquer outra medida cautelar, quando por razões óbvias (diz o texto) as demais medidas cautelares diversas da prisão, mostrarem-se inadequadas e impróprias. Utilizando-se, então, do novo texto legal, lê-se do respeitável e acima referido parecer ministerial: “por razões óbvias, as medidas cautelares alternativas à prisão são inadequadas e impróprias”.
O digno e atualizado Procurador da República, subscritor do parecer, em conversa com a Revista Consultor Jurídico afirma que foi “um entendimento avançado” do que diz o art. 312 do Código de Processo Penal, defendendo o seu entendimento.
Ademais, explicou que seu parecer se baseia na parte do dispositivo que autoriza a prisão preventiva “para conveniência da instrução criminal”. Segundo ele, trata-se de um conceito aberto: “É um entendimento meu, posso interpretar o Direito. Não estou distorcendo fatos, estou tratando de teses”, pois “o Direito precisa evoluir” e que a figura da delação premiada é recente no Direito Penal brasileiro. Por isso, diante de uma regra que fala da conveniência da instrução de forma abstrata como causa para a prisão preventiva, é possível se interpretar que uma dessas conveniências seja forçar o réu a colaborar, conclui.
Também asseverou que se está diante de um dos crimes mais difíceis de se apurar, por causa da sofisticação. “Em crime de colarinho branco, onde existem rastros mas as pegadas não ficam, são necessárias pessoas envolvidas com o esquema para colaborar. E o passarinho pra cantar precisa estar preso”, comenta. Comparando, afirma que assim como a prisão nos crimes tributários é para forçar o réu a pagar o imposto devido (trata-se, igualmente, de nova redação dada pela lei ora promulgada), no caso dos crimes financeiros, a prisão também pode servir para forçar o réu a contar à Justiça como foi cometido o delito. “É um negócio que o Estado faz com o criminoso: ele já agrediu a sociedade, agora agride os companheiros dele. Se os criminosos usam de todos os artifícios para tentar fugir, temos que tentar nos adequar.” Maiores detalhes, consultar: http://www.conjur.com.br/2014-nov-27/parecer-mpf-defende-prisoes-preventivas-forcar-confissoes
Por óbvio não concordamos com a atualização legislativa.
Com efeito, o art. 282 do Código de Processo Penal (na parte não alterada pela nova lei) estabelece que as medidas cautelares previstas em todo o Título IX deverão ser aplicadas observando-se um dos seguintes requisitos: a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (periculum libertatis).
Além destes requisitos (cuja presença não precisa ser cumulativa, mas alternativamente), a lei estabelece critérios que deverão orientar o Juiz no momento da escolha e da intensidade da medida cautelar, a saber: a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do indiciado ou acusado (fumus commissi delicti). Evidentemente, merecem críticas tais critérios, pois muito mais condizentes com as circunstâncias judiciais a serem aferidas em momento posterior quando da aplicação da pena, além de se tratar de típica opção pelo odioso Direito Penal do Autor.[1]
Procura-se, portanto, estabelecer neste Título os requisitos e os critérios justificadores para as medidas cautelares no âmbito processual penal, inclusive no que diz respeito às prisões provisórias, incluindo-se a prisão temporária[2], “pois são regras abrangentes, garantidoras da sistematicidade de todo o ordenamento.”[3] Ademais, a prisão temporária encontra-se prevista neste Título IX do Código de Processo Penal (art. 283).
Assim, quaisquer das medidas cautelares estabelecidas neste Título (repetimos: inclusive as prisões provisórias codificadas ou não) só se justificarão quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis (ou o periculum in mora, conforme o caso) e só deverão ser mantidas enquanto persistir a sua necessidade, ou seja, a medida cautelar, tanto para a sua decretação quanto para a sua mantença, obedecerá à cláusula rebus sic stantibus.
"A imposição de medidas cautelares exige fundamentação concreta e individualizada que justifique a medida. Esse foi o entendimento aplicado pela 7ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para conceder Habeas Corpus e suspender duas medidas cautelares impostas pelo juiz federal Sergio Fernando Moro, da 13ª. Vara Federal de Curitiba, a 47 investigados pela Operação Curaçao, da Polícia Federal. Moro havia proibido que os condenados saíssem do país e que operassem no mercado de câmbio oficial. Entretanto, seguindo o voto da relatora do caso no TRF-4, desembargadora Claudia Cristina Cristofani, a maioria do colegiado entendeu que Sergio Moro não justificou as imposições. Por isso, o colegiado determinou a suspensão dessas duas cautelares.Para a desembargadora, dizer que há a possibilidade de reiteração dos ilícitos financeiros, sem qualquer referência a indícios de reiteração ou outros elementos concretos, ainda mais após o transcurso de anos, é, deveras, exercício probabilístico, contudo não consubstancia evidência. Não há fundamentação indireta, ou dispersa no corpo da sentença, que permita distinguir as razões que conduziriam à necessidade e adequação da medida. Na medida em que inexistente fundamentação concreta ou, ainda, exposição prévia, na sentença, de fatos relacionados a cada um dos diversos réus, que justifiquem as cautelas decretadas, está-se diante de decisão genérica, concluiu a desembargadora, votando pelo afastamento das medidas. A decisão foi proferida no Habeas Corpus apresentado pelo advogado Renato de Moraes, do escritório Evaristo de Moraes. Porém, considerando o princípio da isonomia e o artigo 580 do Código de Processo Penal, que garante tratamento igual a réus que se encontram em situação processual idêntica, a desembargadora determinou que a decisão seja estendida aos demais corréus, inclusive àqueles que já tiveram Habeas Corpus apreciados pela turma. A Operação Curaçao, da Polícia Federal, apurou denúncias sobre a existência de esquema de evasão e lavagem de dinheiro por meio do First Curaçao International Bank, com sede nas Antilhas Holandesas, paraíso fiscal, e que foi fechado em 2006 pelo Banco Central dos Países Baixos. De acordo com os autos, os acusados utilizariam contas no First Curaçao International Bank para transações financeiras no mercado de câmbio negro. Elas eram supostamente movimentadas a partir do Brasil por meio de empresas de fachada e casas de câmbio. Ao julgar a acusação do Ministério Público, o juiz Sergio Fernando Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, condenou 47 investigados pela prática do crime tipificado no artigo 22 da Lei 7.492/86 — efetuar operação de câmbio não autorizada, com o objetivo de promover evasão de divisas do país. Na dosimetria, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Além disso, na sentença condenatória, o juiz de origem aplicou medidas cautelares diversas da prisão, com base nos artigos 319, incisos II, IV e VI; e 320, ambos do Código de Processo Penal. Considerando que o modus operandi envolve a abertura e movimentação de conta no exterior, é o caso de impedir que os condenados possam ir ao exterior abrir ou negociar novas contas em nome de pessoas interpostas ou offshores para emprego no mercado de câmbio negro, justificou. Também proibiu a atuação no mercado de câmbio. Assim, impôs a todos os condenados a proibição de viajar ao estrangeiro no curso da Ação Penal e até o trânsito em julgado. Independentemente do trânsito em julgado, determinou que os condenados entregassem seus passaportes na vara, no prazo de 30 dias. O descumprimento das duas medidas cautelares poderá ensejar a imposição da prisão cautelar nos termos do artigo 312, parágrafo único, do Código de Processo Penal, advertiu o julgador. Diante das medidas impostas, foram impetrados diversos Habeas Corpus. No início de setembro, a 7ª. Turma do TRF-4 começou a analisar o HC apresentado pelo advogado Renato de Moraes. Após sustentação oral do advogado e do Ministério Público Federal, a desembargadora Claudia Cristina Cristofani, relatora, pediu vista, sobrestando o julgamento. O caso retornou à corte no dia 30 de setembro, com outros seis HCs sobre o mesmo assunto na pauta. Na ocasião, a relatora apresentou seu voto pela concessão da ordem, revogando a cautelar de proibição de sair do país, e estendendo a todos os demais condenados. De ofício, a relatora concedeu a ordem também para afastar a cautelar de proibição de atuar no mercado de câmbio." (Por Jomar Martins e Tadeu Rover).
As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente[4] e serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.
Observa-se que as medidas cautelares só poderão ser decretadas de ofício pelo Juiz durante a fase processual; antes, no curso de uma investigação criminal, apenas quando instado a fazê-lo, seja pelo Ministério Público, seja pela Polícia. Ainda que tenha sido louvável esta limitação, parece-nos que no sistema acusatório é sempre inoportuno deferir ao Juiz a iniciativa de medidas persecutórias, mesmo durante a instrução criminal. É absolutamente desaconselhável permitir-se ao Juiz a possibilidade de, ex officio, ainda que em Juízo, decidir acerca de uma medida cautelar de natureza criminal (restritiva de direitos, privativa de liberdade, etc.), pois que lembra o velho e pernicioso sistema inquisitivo[5].
É evidente que o dispositivo é perigoso, pois não se pode admitir que uma mesma pessoa (o Juiz), ainda que ungido pelos deuses, possa avaliar como “necessário um ato de instrução e ao mesmo tempo valore a sua legalidade. São logicamente incompatíveis as funções de investigar e ao mesmo tempo garantir o respeito aos direitos do imputado. São atividades que não podem ficar nas mãos de uma mesma pessoa, sob pena de comprometer a eficácia das garantias individuais do sujeito passivo e a própria credibilidade da administração de justiça. (...) Em definitivo, não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardião zeloso da segurança individual. É inegável que ‘o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor’”.[6]
Claro que há efetivamente certo distanciamento dos postulados do sistema acusatório, mitigando-se a imparcialidade[7] que deve nortear a atuação de um Juiz criminal, que não se coaduna com a determinação pessoal e direta de medidas cautelares. “Este sistema se va imponiendo en la mayoría de los sistemas procesales. En la práctica, ha demonstrado ser mucho más eficaz, tanto para profundizar la investigación como para preservar las garantías procesales”, como bem acentua Alberto Binder.[8]
Dentro desta perspectiva, o sistema acusatório é o que melhor encontra respaldo em uma democracia, pois distingue perfeitamente as três funções precípuas em uma ação penal, a saber: o julgador, o acusador e a defesa. Tais sujeitos processuais devem estar absolutamente separados (no que diz respeito às respectivas atribuições e competência), de forma que o julgador não acuse, nem defenda (preservando a sua necessária imparcialidade), o acusador não julgue e o defensor cumpra a sua missão constitucional de exercer a chamada defesa técnica[9].
Observa-se que no sistema acusatório estão perfeitamente definidas as funções de acusar, de defender e a de julgar, sendo vedado ao Juiz proceder como órgão persecutório. É conhecido o princípio do ne procedat judex ex officio, verdadeiro dogma do sistema acusatório. Nele, segundo o professor da Universidade de Santiago de Compostela, Juan-Luís Gómez Colomer, “hay necesidad de una acusación, formulada e mantenida por persona distinta a quien tiene que juzgar, para que se pueda abrir y celebrar el juicio e, consecuentemente, se pueda condenar”[10], proibindo-se “al órgano decisor realizar las funciones de la parte acusadora”[11], “que aqui surge com autonomia e sem qualquer relacionamento com a autoridade encarregue do julgamento”[12].
Dos doutrinadores pátrios, talvez o que melhor traduziu o conceito do sistema acusatório tenha sido José Frederico Marques:
“A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal, tão-somente, da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu. Não há, em nosso processo penal, a figura do juiz inquisitivo. Separadas estão, no Direito pátrio, a função de acusar e a função jurisdicional. (...) O juiz exerce o poder de julgar e as funções inerentes à atividade jurisdicional: atribuições persecutórias, ele as tem muito restritas, e assim mesmo confinadas ao campo da notitia criminis. No que tange com a ação penal e à função de acusar, sua atividade é praticamente nula, visto que ambas foram adjudicadas ao Ministério Público.”[13]
Ainda como corolário dos princípios atinentes ao sistema acusatório, aduzimos a necessidade de se afastar o Juiz, o mais possível, de atividades persecutórias[14]. Um dos argumentos mais utilizados para contrariar esta afirmação é a decantada busca da verdade real, verdadeiro dogma do processo penal[15]. Ocorre que este dogma está em franca decadência, pois hoje se sabe que a verdade a ser buscada é aquela processualmente possível, dentro dos limites impostos pelo sistema e pelo ordenamento jurídico.
Como ensina Muñoz Conde, “el proceso penal de un Estado de Derecho no solamente debe lograr el equilibrio entre la búsqueda de la verdad y la dignidad de los acusados, sino que debe entender la verdad misma no como una verdad absoluta, sino como el deber de apoyar una condena sólo sobre aquello que indubitada e intersubjetivamente puede darse como probado. Lo demás es puro fascismo y la vuelta a los tiempos de la Inquisición, de los que se supone hemos ya felizmente salido.”[16]
Com efeito, não se pode, por conta de uma busca de algo muitas vezes inatingível (a verdade...)[17] permitir que o Juiz saia de sua posição de supra partes, a fim de auxiliar, por exemplo, o Ministério Público a provar a imputação posta na peça acusatória. Sobre a verdade material ou substancial, ensina Ferrajoli, ser aquela “carente de limites y de confines legales, alcanzable con cualquier medio más allá de rígidas reglas procedimentales. Es evidente que esta pretendida ´verdad sustancial´, al ser perseguida fuera de reglas y controles y, sobre todo, de una exacta predeterminación empírica de las hipótesis de indagación, degenera en juicio de valor, ampliamente arbitrario de hecho, así como que el cognoscitivismo ético sobre el que se basea el sustancialismo penal resulta inevitablemente solidario con una concepción autoritaria e irracionalista del proceso penal”. Para o mestre italiano, contrariamente, a verdade formal ou processual é alcançada “mediante el respeto a reglas precisas y relativa a los solos hechos y circunstancias perfilados como penalmente relevantes. Esta verdad no pretende ser la verdad; no es obtenible mediante indagaciones inquisitivas ajenas al objeto procesal; está condicionada en sí misma por el respeto a los procedimientos y las garantías de la defensa. Es, en suma, una verdad más controlada en cuanto al método de adquisición pero más reducida en cuanto al contenido informativo de cualquier hipotética ´verdad sustancial´[18]”.
Vê-se, portanto, que se permitiu um desaconselhável “agir de ofício” pelo Juiz. Não é possível tal disposição em um sistema jurídico acusatório, pois que lembra o sistema inquisitivo caracterizado, como diz Ferrajoli, por “una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en su capacidad de alcanzar la verdad”, ou seja, este sistema “confía no sólo la verdad sino también la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga”.[19]
Parece-nos claro que há, efetivamente, uma mácula séria aos postulados do sistema acusatório, precipuamente à imprescindível imparcialidade que deve nortear a atuação de um Juiz criminal (e não neutralidade, que é impossível)[20]. Quanto à neutralidade, faz-se uma ressalva, pois não acreditamos em um Juiz neutro (como em um Promotor de Justiça ou um Procurador da República neutro). Há sempre circunstâncias que, queiram ou não, influenciam em decisões e pareceres, sejam de natureza ideológica, política, social, etc., etc. Como notou Eros Roberto Grau, “ainda que os princípios os vinculem, a neutralidade política do intérprete só existe nos livros. Na práxis do direito ela se dissolve, sempre. Lembre-se que todas as decisões jurídicas, porque jurídicas, são políticas.”[21] São inconfundíveis a neutralidade e a imparcialidade. É ingenuidade acreditar-se em um Juiz neutro, mas é absolutamente indispensável um Juiz imparcial.
Um Magistrado imparcial, como afirmam Alexandre Bizzotto, Augusto Jobim e Marcos Eberhardt, implica em um “formal afastamento fático do fato julgado, não podendo o Magistrado ter vínculos objetivos com o fato concreto colocado à discussão processual. Coloca-se daí na condição de terceiro estranho ao caso penal. (...) Já a neutralidade é a assunção da alienação judicial, negando-se ingenuamente o humano no juiz. Este agente político partícipe da vida social sente (a própria sentença é um ato de sentir), age, pensa e sofre todas as influências provocadas pela sociedade pós-moderna. Afirmar que o juiz é neutro é ocultar uma realidade.”[22]
Sobre o sistema acusatório, afirmava Vitu: “Ce système procédural se retrouve à l’origine des diverses civilisations méditerranéennes et occidentales: en Grèce, à Rome vers la fin de la Republique, dans le droit germanique, à l’époque franque et dans la procédure féodale. Ce système, qui ne distingue pás la procédure criminelle de la procédure, se caractérise par des traits qu’on retrouve dans les différents pays qui l’ont consacré. Dans l’organisation de la justice, la procédure accusatoire suppose une complète égalité entre l’accusation et la défense.”[23]
A propósito, relembramos o art. 3º. da Lei nº. 9.296/96 (interceptações telefônicas) que permite ao Juiz, mesmo na primeira fase da persecutio criminis, determinar de ofício a quebra do sigilo telefônico, o que também representa uma quebra flagrante dos postulados do sistema acusatório, bem como o art. 311 do Código de Processo Penal, possibilitando ao Juiz Criminal a decretação, de ofício, da prisão preventiva (ver adiante), decisões que (pasmen!), ainda o tornam prevento (art. 75, parágrafo único e art. 83 do Código de Processo Penal).[24]
Com inteira razão Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: “a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (...) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime (...) ”[25]
Atendendo à exigência constitucional do contraditório, dispõe o § 3º. do art. 282 que, ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida (quando, então, será tomada inaudita altera pars, como, por exemplo, uma interceptação telefônica), o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias; neste caso, os autos devem permanecer em juízo. Parece-nos que mesmo no caso da medida ser determinada de ofício pelo Juiz, deve assim também se proceder, ou seja, ouvir-se a parte a quem a medida possa trazer algum prejuízo, ressalvadas, evidentemente, as hipóteses de urgência ou de perigo para a eficácia da decisão. Não há devido processo legal sem o contraditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ação haja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. A respeito do contraditório, Willis Santiago Guerra Filho afirma “que não há processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo, precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organização do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de organização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fundamental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito ao contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.” (grifos no original).[26]
Segundo Étienne Vergès, a Corte Européia dos Direitos do Homem (CEDH) “en donne une définition synthétique en considérant que ce principe ´implique la faculté, pour les parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance de toutes pièces ou observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant, en vue d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/ Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).”[27]
O contraditório será fundamental (ressalvada a urgência e a possibilidade de ineficácia da medida), até para que o investigado ou acusado tenha a oportunidade de, por exemplo, requerer “a decretação de medida menos gravosa do que aquela sugerida pela parte contrária.”[28]
Aliás, ainda que a medida tenha sido tomada inaudita altera pars, “a observância do contraditório, nesses casos, é feita depois, dando-se oportunidade ao suspeito ou réu de contestar a providência cautelar (...). Fala-se em contraditório diferido ou postergado.”[29]
Esta exigência do contraditório (prévio ou postergado) aplica-se, inclusive, quando se tratar da prisão provisória (temporária ou preventiva), pois típica medida cautelar, ressalvando-se, obviamente, a urgência e a possibilidade de sua ineficácia (prisão preventiva para aplicação da lei penal, por exemplo).
Caso haja descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o Juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312, parágrafo único do Código de Processo Penal. Observa-se que a lei é expressa ao considerar a prisão cautelar (incluindo-se a temporária) como ultima ratio. É imposição legal a excepcionalidade da prisão provisória, que somente deverá ser decretada quando não for absolutamente cabível a sua substituição por outra medida cautelar. E na respectiva decisão, esta imprescindibilidade deve restar claramente demonstrada, nos termos do art. 93, IX da Constituição.
Como dissemos acima, a medida cautelar decretada poderá ser revogada ou substituída quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a ser decretada, se sobrevierem razões que a justifiquem (é a conhecida cláusula rebus sic stantibus). Aqui também, deve-se atender à exigência constitucional do contraditório, na forma do § 3º. do art. 282.
Ainda neste Capítulo I, o art. 283 estabelece que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Evidentemente, ressalvam-se os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, em cumprimento ao disposto no art. 5º., LXI da Constituição.
Aliás, a propósito, a prisão temporária, disciplinada na Lei nº. 7.960/89, nada mais é do que aquela famigerada prisão para averiguações, hoje legalizada. Se do ponto de vista formal pode-se até concluir que a antiga prática foi regularizada, sob o aspecto material, indiscutivelmente, continua a mácula aos postulados constitucionais. Como bem notou Paulo Rangel, “no Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado, efetivamente, é o autor do delito. Trata-se de medida de constrição da liberdade do suspeito que, não havendo elementos suficientes de sua conduta nos autos do inquérito policial, é preso para que esses elementos sejam encontrados. (...) Prender um suspeito para investigar se é ele, é barbárie. Só na ditadura e, portanto, no Estado de exceção. No Estado Democrático de Direito havendo necessidade se prende, desde que haja elementos de convicção quanto ao periculum libertatis.”[30]
Veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez, segundo os quais não se pode “atribuir a la medida cautelar el papel de instrumento de la investigación penal.
Dizem eles que “sin duda alguna, esa utilización de la prisión provisional como impulsora del descubrimiento del delito, para obtener pruebas o declaraciones, ha de rechazarse de plano, pues una concepción de este tipo excede los límites constitucionales, y colocaría a la investigación penal así practicada en un lugar muy próximo a la tortura indagatoria.”[31]
Esta lei padece de vício de origem, pois ela foi criada pela Medida Provisória nº. 111/89 quando deveria sê-lo, obrigatoriamente, por lei em sentido formal, votada pelo Congresso Nacional. Como observou Alberto Silva Franco, esta lei “originou-se de uma medida provisória baixada pelo Presidente da República e, embora tenha sido convertida em lei pelo Congresso Nacional, representou uma invasão na área da competência reservada ao Poder Legislativo. Pouco importa a aprovação pelo Congresso Nacional da medida provisória.”[32]
Tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4980 contra a Medida Provisória 497/2010, convertida na Lei 12.350/2010. O autor da ação, o Procurador-Geral da República afirma na inicial que, ainda que em caráter de excepcionalidade, o STF admite o controle de constitucionalidade dos requisitos para a edição de uma medida provisória – relevância e urgência. E “a conversão [da MP em lei] não tem o condão de convalidar a norma originalmente viciada”, sustenta. Reporta-se, neste contexto, a decisões da Suprema Corte no julgamento das ADIs 3330 e 3090, relatadas, respectivamente, pelos ministro Ayres Britto (aposentado) e Gilmar Mendes. A lei derivada da MP 497/2010 inseriu em seu texto uma alteração no artigo 83 da Lei 9.430/1996. Tal artigo disciplina o envio da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, fixando a necessidade de prévio esgotamento das instâncias administrativas. A MP – e a Lei 12.350/2010, que resultou da sua conversão –, incluiu no artigo os crimes contra a Previdência Social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal. A PGR alega inconstitucionalidade no que se refere aos crimes de natureza formal, especialmente o de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do CP), por ofensa aos artigos 3º; 150, inciso II; 194, caput e inciso V, e 195 da Constituição Federal, bem como ao princípio da proporcionalidade, sob a perspectiva da proteção deficiente. Observa que a MP 497 “violou a limitação à edição de medida provisórias, contemplada no artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, letra “b”, da CF, ao tratar de matéria penal e processual penal, vedada por tal dispositivo. A PGR lembra que a alteração do artigo 83 da Lei 9.430/1996 originou-se, segundo a exposição de motivos que acompanhou a MP, da necessidade de ajustar a legislação previdenciária ao tratamento normativo conferido aos demais tributos. Serviria para corrigir uma omissão surgida por ocasião da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou Super-Receita, em 2007, no sentido de uniformizar o procedimento adotado para os crimes previdenciários com aquele adotado para os crimes tributários. No entanto, segundo a Procuradoria, de 2007 a 2010 passaram-se três anos, o que não sustenta o argumento da inexistência de tempo hábil, a título de urgência, para regulamentar a matéria por lei ordinária. “Em verdade, aproveitou-se a edição da medida provisória que versa sobre questão verdadeiramente urgente e relevante – a realização da Copa do Mundo e da Copa das Confederações, no Brasil – para inserir dispositivo absolutamente estranho à matéria”, afirma a autora. Presentes os pressupostos – fumaça do bom direito e perigo na demora de uma decisão –, a PGR pede a concessão de liminar para suspender a eficácia do artigo 83 da Lei 9.430/1996, com a alteração promovida pela Lei 12.350/2010, no que se refere aos crimes formais, especialmente o de apropriação indébita previdenciária. No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo. Subsidiariamente, requer seja dada interpretação conforme a Constituição ao texto impugnado para declarar que os delitos formais, sobretudo o de apropriação indébita previdenciária, consumam-se independentemente do exaurimento da esfera administrativa. O relator da ação, Ministro Celso de Mello, adotou ao caso o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs). Desse modo, o processo será apreciado pelo Plenário do STF diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de liminar. O Ministro determinou também que a Presidência da República, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal prestem informações sobre a norma questionada, no prazo de dez dias.
Portanto, é direito do réu aguardar em liberdade o seu recurso interposto, inclusive os recursos constitucionais, nada obstante o disposto no art. 27 da Lei nº. 8.038/90, não aplicável nos processos criminais, não impedindo que, excepcionalmente, aguarde-se preso o julgamento, caso no acórdão condenatório mantenha-se ou se decrete fundamentadamente a prisão provisória; neste último caso, terá o acusado direito à fruição dos benefícios da Lei de Execução Penal, à vista do disposto no seu art. 2º., bem como no Enunciado 716 da súmula do Supremo Tribunal Federal e na Resolução nº. 19/2006 do Conselho Nacional de Justiça)[33].
Observa-se, outrossim, que todas as medidas cautelares estabelecidas no Título IX (incluídas as prisões, insista-se) não podem ser aplicadas à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. Portanto, não será possível aplicá-las em relação às contravenções penais a que a lei comina, isoladamente, pena de multa, como, por exemplo, aquelas previstas nos arts. 292, 303, 304, do Código Eleitoral (dentre várias outras). Diga-se o mesmo em relação ao art. 28 da Lei nº. 11.343/06 (Lei de Drogas).
Dispõe o § 2º. do art. 283 que a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. Neste sentido, observar-se-á o disposto no art. 5º., XI da Constituição, bem como o art. 150 do Código Penal.[34]
O art. 289 prescreve que quando o acusado estiver no território nacional, fora da jurisdição do juiz processante, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado. Neste caso, havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada, devendo a autoridade a quem se fizer a requisição tomar as precauções necessárias para averiguar a autenticidade da comunicação. Ainda aqui, o juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de trinta dias, contados da efetivação da medida. Com as cautelas devidas, cremos ser possível aplicar-se no processo penal a Lei nº. 11.419/2006 que trata de estabelecer a realização de atos processuais por meios eletrônicos. Outrossim, como não foi alterado o art. 290, tendo sido o caso de prisão em flagrante, a remoção ficará a cargo da autoridade policial que lavrou o auto de prisão em flagrante (a do local da prisão) e esta transferência deve ser imediata.
Já o art. 289-A, dispõe que o juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, devendo o Conselho regulamentar este registro. Esta nova disposição legal permite que qualquer agente policial possa efetuar a prisão determinada no mandado de prisão registrado no Conselho Nacional de Justiça, ainda que fora da competência territorial do Juiz que o expediu. Outrossim, qualquer agente policial poderá efetuar a prisão decretada, ainda que sem registro no Conselho Nacional de Justiça, adotando as precauções necessárias para averiguar a autenticidade do mandado e comunicando ao Juiz que a decretou, devendo este providenciar, em seguida, o registro do mandado. Nestes casos, a prisão será imediatamente comunicada ao Juiz do local de cumprimento da medida o qual providenciará a certidão extraída do registro do Conselho Nacional de Justiça e informará ao juízo que a decretou, devendo o preso ser informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5o. da Constituição Federal; caso o autuado não informe o nome de seu advogado, deve ser comunicada a prisão à Defensoria Pública (atentar que no caso de prisão em flagrante, mais do que a simples comunicação, a lei exige que seja, em até 24 horas após a realização da prisão, encaminhada à Defensoria Pública cópia integral do auto de prisão em flagrante, caso o preso não informe o nome do seu advogado – art. 306, parágrafo primeiro); se existirem dúvidas das autoridades locais sobre a legitimidade da pessoa do executor ou sobre a identidade do preso, poderão por em custódia o preso, até que fique esclarecida a dúvida. Evidentemente que esta custódia deve ter uma duração pequena, apenas a necessária para o devido esclarecimento.
Sobre tais disposições, mais uma vez entendemos pertinentes as observações de Pierpaolo Bottini, ao ressaltar “que tais informações não devem restar guardadas apenas no âmbito do Poder Judiciário, pois consistem em instrumento importantíssimo para a elaboração de estratégias de políticas de segurança pública. (...) Como tais informações, em regra, não são sigilosas, poderiam e deveriam ser compartilhadas em sua inteireza com órgãos da Polícia Federal, com o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, dentre outros, estruturando um sistema de inteligência e de desenvolvimento estratégico de ações nesta seara.” E o autor vai mais além, com toda razão: “seria importante que constassem do Cadastro Nacional não apenas as ordens de privação de liberdade, mas também as determinações a respeito de outras cautelares, (...) para que as autoridades policiais ou judiciais de outras comarcas ou de outras unidades da Federação tivessem ciência das restrições impostas, auxiliando em sua fiscalização e cumprimento.”[35]
A captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial, por qualquer meio de comunicação, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta.
As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas, nos termos da Lei de Execução Penal. O art. 300 repete a regra estabelecida na Lei de Execução Penal (art. 84)[36] e na que dispõe sobre a prisão temporária (art. 3º.), disposições que, na prática, nem sempre são obedecidas, apesar de constarem nas Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas (nº. 8.b): “As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas.” Com o nosso atual sistema carcerário muito dificilmente tal artigo será observado, como não o são os artigos das Leis nºs. 7.210/84 e 7.960/89.
Em relação ao militar preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição a que pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades competentes. Caso o militar seja um oficial, terá direito a ser recolhido em prisão especial (art. 295, V); caso contrário, ficará preso em cela comum de um estabelecimento militar (art. 296).
O art. 311 do Código de Processo Penal estabelece que em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Observa-se que a prisão preventiva só poderá ser decretada de ofício pelo Juiz durante a fase processual; antes, ou seja, no curso de uma investigação criminal, apenas quando instado a fazê-lo, seja pelo Ministério Público, seja pela Polícia (como se sabe, na fase inquisitorial não há querelante nem assistente). Como já afirmamos acima a respeito das demais medidas cautelares, ainda que haja esta limitação, parece-nos que no sistema acusatório é absolutamente desaconselhável permitir-se ao Juiz a possibilidade de, ex officio, ainda que em Juízo, decidir acerca de uma medida cautelar de natureza criminal (veja-se o que foi acima escrito sobre o assunto).
Entendemos que caso a prisão preventiva tenha sido determinada ainda na fase investigatória, urge que a peça acusatória seja oferecida em até cinco dias (art. 46 do Código de Processo Penal), pois se há justa causa para a decretação da prisão preventiva (fumus commissi delicti), obviamente que também há para o exercício da ação penal (indícios suficientes da autoria e prova da existência do crime). Caso não haja tempestivamente o oferecimento da peça acusatória, a prisão deverá ser revogada, pois patente o constrangimento ilegal. Se não o for, cabível será a ordem de habeas corpus.
Relembre-se, por fim, “que a custódia cautelar constitui exceção, por afetar o direito de ir e vir, sendo impossível admitir a execução antecipada da pena. Com efeito, determinou que Tribunal Estadual apreciasse a possibilidade de aplicação das medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, em substituição à prisão preventiva de acusado de peculato, fraude em licitação e formação de quadrilha. A decisão foi proferida em processo cujo acusado teve sua prisão temporária decretada pelo prazo de cinco dias, em razão do inciso I e III da Lei 7.960/89, mas como fugiu o TJ converteu a temporária em preventiva, nos termos do Art. 312 do CPP. Inconformado recorreu ao STJ fundamentando seu pedido na falta de justa causa para a custódia cautelar, obtendo êxito.” (Fonte: BRASIL. STJ, 5ª Turma, HC 229194/RN, rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), julgado em 15 de mai. 2012. Disponível em: http://migre.me/9bWak. Acesso em 23 de mai. 2012).
Também a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu parcialmenteo Habeas Corpus (HC) 110008, para que C.R.C. responda em liberdade a ação penal a que responde na Justiça de Minas Gerais, onde foi denunciado pela suposta prática de crimes no âmbito de um grupo dedicado à exploração e comercialização ilegal de carvão vegetal, denominado “máfia do carvão”. Contudo, a Turma determinou ao juiz de primeiro grau responsável pela condução do processo na comarca de Monte Azul (MG) que adote as medidas necessárias de forma a impedir que o acusado continue atuando dentro do mencionado grupo.O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, deferiu liminar em agosto de 2011 para suspender a prisão preventiva do acusado, sem prejuízo de que o juízo de origem analisasse a aplicação de medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP). Ao votar hoje pela confirmação da liminar, o ministro negou seguimento (julgou inviável) a algumas alegações da defesa, entre elas a de usurpação da competência da polícia judiciária e da autoridade judiciária pelo Ministério Público. O ministro afastou a prisão cautelar, entretanto, tendo em vista a fundamentação genérica do juiz de primeiro grau, baseada principalmente na gravidade abstrata de crimes imputados a C.R.C.Quanto à determinação ao juiz de origem para que adote medidas concretas para evitar a reiteração delituosa, a Turma acolheu proposta da ministra Cármen Lúcia. Ela chamou atenção para a gravidade da situação na região Norte de Minas Gerais, onde atua a chamada “máfia do carvão”. A ministra disse que a região já está devastada e, além disso, não há policiamento suficiente para coibir a prática criminosa. Assim, a Turma converteu em determinação uma faculdade anteriormente dada ao juiz de primeiro grau, no sentido de que adote, em relação a C.R.C., medidas cautelares diversas da prisão. A decisão foi unânime.
Veja-se esta perfeita decisão do Superior Tribunal de Justiça:
"Com efeito, as medidas alternativas à prisão preventiva não pressupõem, ou não deveriam pressupor, a inexistência de requisitos ou do cabimento da prisão preventiva, mas sim a existência de uma providência igualmente eficaz (idônea, adequada) para o fim colimado com a medida cautelar extrema, porém com menor grau de lesividade à esfera de liberdade do indivíduo.É essa, precisamente, a ideia da subsidiariedade processual penal, que permeia o princípio da proporcionalidade, em sua máxima parcial (ou subprincípio) da necessidade (proibição de excesso): o juiz somente poderá decretar a medida mais radical - a prisão preventiva - quando não existirem outras medidas menos gravosas ao direito de liberdade do indiciado ou acusado por meio das quais seja possível, com igual eficácia, os mesmos fins colimados pela prisão cautelar. Trata-se de uma escolha comparativa, entre duas ou mais medidas disponíveis - in casu, a prisão preventiva e alguma(s) das outras arroladas no artigo 319 do CPP - igualmente adequadas e suficientes para atingir o objetivo a que se propõe a providência cautelar.Desse modo, é plenamente possível que estejam presentes os motivos ou requisitos que justificariam e tornariam cabível a prisão preventiva, mas, sob a influência do princípio da proporcionalidade e a luz das novas opções fornecidas pelo legislador, deverá valer-se o juiz de uma ou mais das medidas indicadas no artigo 319 do CPP, desde que considere sua opção suficiente e adequada para obter o mesmo resultado - a proteção do bem sob ameaça - de forma menos gravosa.Vale dizer, cabível a prisão preventiva, não há dúvida de que poderia magistrado decretá-la, pondo a salvo, assim, o bem ameaçado pela liberdade do agente. No entanto, em avaliação criteriosa, cuja iniciativa não deve juiz olvidar, poderá ele entender que, para a mesma proteção ao bem ameaçado pela liberdade do agente, é adequado e suficiente proibir, por exemplo, o indiciado ou acusado de ausentar-se do País. E, para implementar e tornar mais segura a eficácia de tal cautela, o magistrado providenciará a comunicação da decisão às autoridades de fiscalizar as saídas do território nacional e intimará o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 horas, nos termos do artigo 320 do CPP.No exemplo citado por hipótese, ao indiciado ou acusado poderá ainda ser imposta a monitoração eletrônica (inciso IX do artigo 319 do CPP), restrição à liberdade que, somada à retirada do passaporte, assegurará, de modo tão idôneo e eficaz quanto a prisão preventiva, porém com carga coativa menor, a proteção do bem ameaçado pela liberdade plena do indiciado ou réu.Semelhante opção judicial produzirá o mesmo resultado cautelar - evitar a fuga do réu e o consequente prejuízo à aplicação da lei penal - sem a necessidade de suprimir, de modo absoluto, a liberdade do acusado. Além do menor custo pessoal e familiar da medida - pois o não-recolhimento à prisão do réu o poupa, bem assim seus entes mais próximos, de um sofrimento desnecessário - o Estado também se beneficia com essa escolha, porquanto preserva vultosos recursos, humanos e materiais, indispensáveis à manutenção de alguém sob custódia, a par de diminuírem-se os riscos e malefícios inerentes a qualquer encarceramento (lesões corporais, tortura, ou mesmo homicídio, eventualmente cometidos por outros presos ou por carcereiros, transmissão de doenças infecto-contagiosas, criminalização do preso, estigmatização, etc).Nessa diretriz é também a doutrina de Andrey Borges de Mendonça:A nova legislação deixa bastante claro que qualquer medida cautelar pessoal somente pode ser decretada se demonstrada, concretamente, a sua real e efetiva necessidade, para tutela de algum bem jurídico do processo ou da sociedade. Os fundamentos que antes se aplicavam apenas para a prisão preventiva (art. 312 do CPP), agora são ampliados para toda e qualquer medida cautelar pessoal. Assim sendo, não há qualquer distinção de finalidade entre a prisão preventiva e as demais medidas cautelares: todas buscam proteger a tríplice finalidade indicada (para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e para evitar a prática de infrações penais). Somente se presentes tais fins - que representam a própria cautelaridade de qualquer medida é que se poderá decretar uma medida cautelar. Em outras palavras, todas as medidas cautelares buscam a mesma finalidade de proteção aos interesses do processo ou da própria sociedade. (Prisão e outras medidas cautelares pessoais, São Paulo, Editora Método, 2011, p. 31).E mais. A cabeça do artigo 282 do CPP evidencia que“as medidas cautelares previstas neste Título [o que inclui, desse modo, tanto a prisão quanto as outras medidas cautelares e a liberdade provisória] deverão ser aplicadas observando-se a:I- necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;II- adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.”O primeiro inciso é muito claro ao mencionar os mesmos motivos ou circunstâncias que, na letra do artigo 312, primeira parte, autorizam a decretação da prisão preventiva. Esses motivos emanam da necessidade de sacrificar a liberdade do investigado ou acusado, por representar ela um perigo (periculum libertatis) à investigação ou instrução do processo (cautela instrumental), à aplicação da lei penal (cautela final) ou à ordem pública ou econômica (medida de defesa social).Sendo assim, tanto a prisão preventiva (stricto sensu) quanto as demais medidas cautelares pessoais introduzidas pela Lei n. 12.403/11 destinam-se a proteger os meios (a atividade probatória) e os fins do processo penal (a realização da justiça, com a restauração da ordem jurídica e da paz pública e, eventualmente, a imposição de pena ao condenado ou a absolvição do inocente), ou, ainda, a própria comunidade social, ameaçada pela perspectiva de novas infrações penais. O que varia, portanto, não é a justificativa ou a razão final da cautela, mas a dose de sacrifício pessoal decorrente de cada uma delas.Destarte, decretar a prisão preventiva ou determinar, v.g., o recolhimento domiciliar noturno tem, na sua ratio essendi, igual preocupação em proteger o processo, a jurisdição e a sociedade, variando apenas a quantidade - se é que assim podemos nos referir - da liberdade (total ou parcial) retirada do âmbito de disponibilidade do investigado ou acusado.Isso equivale a dizer que os motivos justificadores da prisão preventiva são os mesmos que legitimam a determinação do recolhimento noturno ou qualquer outra das medidas cautelares a que alude o artigo 319 do CPP, sendo equivocado condicionar a escolha de uma dessas últimas ao não cabimento da prisão preventiva. Na verdade, a prisão preventiva é, em princípio, cabível, mas a sua decretação não é necessária, porque, em avaliação judicial concreta e razoável, devidamente motivada, considera-se suficiente para produzir o mesmo resultado a adoção de medida cautelar menos gravosa.Logo, a dicção normativa do artigo 321, ao condicionar, se for o caso, a imposição das medidas cautelares - observados os critérios constantes do artigo 282 do Código - a que estejam“ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva”, suscita a seguinte indagação: com base em quê será autorizada a providência cautelar menos gravosa, dentre as previstas no artigo 319?Haja vista que os requisitos das cautelares indicados no artigo 282, I, se aplicam a quaisquer das medidas previstas em todo o Título IX do CPP, não será periculum libertatis - que também justifica uma prisão preventiva - o fundamento para autorizar, por exemplo, a proibição de o réu manter contato com uma testemunha (inciso III do artigo 319 do CPP) que se diz ameaçada pelo acusado para não depor contra ele?Decerto que nem todas as medidas cautelares possuem os mesmos requisitos exigidos para a decretação da medida restritiva extrema. Forçoso, então, concluir que pode ser cabível uma medida cautelar pessoal qualquer e não ser cabível a prisão preventiva.Deveras, para a decretação de uma prisão preventiva, é mister, nos termos do artigo 313, inciso I, do CPP, que o crime seja punido com pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, ou que se trate de uma das hipóteses previstas nos incisos II e III, bem como no parágrafo único, do mesmo dispositivo.Já para a decretação de uma das medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, a única vedação que se faz é quanto à infração“a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.” (artigo 283, § 1°, do CPP).Assim, os requisitos que autorizam a decretação de uma prisão preventiva podem justificar a imposição das medidas cautelares referidas no artigo 319 do CPP mas os requisitos que autorizam essas medidas nem sempre serão bastantes para impor ao indiciado ou acusado uma prisão preventiva. Por isso que, nessa medida, não só o artigo 321 do CPP é passível de crítica, na forma alhures esposada, mas também o § 6° do art. 282 do mesmo diploma legal, consoante o escólio de Gustavo Henrique Badaró: O novo sistema de medidas cautelares pessoais deixa claro que as medidas cautelares alternativas à prisão são preferíveis em relação à prisão preventiva, dentro da ótica de que sempre se deve privilegiar os meios menos gravosos e restritivos de direitos fundamentais. Sendo necessária a imposição de alguma medida cautelar para tutelar o processo, seja quanto à instrução criminal, seja quanto ao seu resultado final, a primeira opção deverá ser uma medida cautelar alternativa à prisão (CPP, art. 319 e 320). Somente quando nenhuma das medidas alternativas for adequada às finalidades assecuratórias que o caso exige, seja pela sua aplicação isolada, seja por sua imposição cumulativa, é que se deverá verificar o cabimento da medida mais gravosa, no caso, a prisão preventiva. Nesse sentido é que deve ser interpretado o novo § 6° do art. 282: “a prisão preventiva será determinada quando não for cabível sua substituição por outra medida cautelar art. 319)”. A preferibilidade das medidas cautelares alternativas à prisão tem, como reverso da moeda, a excepcionalidade da prisão preventiva. A prisão preventiva é a extrema ratio, somente podendo ser determinada quando todas as outras medidas alternativas se mostrarem inadequadas.A redação do § 6° do art. 282 do CPP, porém, não é isenta de críticas. Por primeiro, merece registro o ato falho do legislador que parece ainda ter em mente que o sistema de medidas cautelares tem seu epicentro na prisão preventiva, seu astro-rei, em torno do qual gravitam as medidas cautelares. Mais grave do que tal mentalidade ter inspirado o legislador, será se tal forma de pensar continuar a influenciar as decisões judiciais. O magistrado que permanecer raciocinando a partir da prisão preventiva, como primeira, principal e referencial medida, que eventualmente poderá ser “substituída” por “outra medida cautelar”, tal qual um “favor judicial” ou um “benefício” generosamente concedido ao acusado, estará violando o caráter subsidiário da prisão e o reconhecimento da liberdade do acusado como regra no processo. A redação do dispositivo deveria ser, portanto, “quando não for cabível medida cautelar diversa da prisão (art. 319) o juiz poderá determinar a prisão preventiva”.A premissa equivocada é a origem da segunda crítica: “as outras medidas cautelares” do art. 319 não são medidas “substitutivas” da prisão, mas medidas “alternativas” à prisão preventiva, como já destacado. Não se trata de caso em que se podia impor a prisão, mas já se mostrava adequada medida diversa da prisão preventiva, sendo, pois, excessivo o encarceramento. Por tal motivo, o § 6° do art. 282 não deveria se referir a “substituição por outra medida cautelar”. A prisão não será substituída, porque não poderá ser imposta! Se a prisão não é concretamente adequada, deverá ser aplicada, inicial e preferencialmente, apenas medida alternativa à prisão preventiva (CPP, art. 282, § 6°). (Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas: comentários à Lei 12.403/2011, Antonio Magalhães Filho...[et al.]; coordenação Og Fernandes, São Paulo, Editora RT, 2011, pp. 222-223, destaquei).Ou, novamente, nas palavras de Andrey Borges de Mendonça:Nesta mesma linha, o art. 282, § 6o, assevera que a “prisão preventiva será determinada quando não for possível a sua substituição por outra medida cautelar”, nos termos do art. 319 do CPP. Assim, se houver medida adequada diversa da prisão para sanar o risco, deverá o magistrado dar preferência a ela. Em outras palavras, deve o magistrado percorrer todo o rol de medidas cautelares alternativas à prisão, estabelecidas no art. 319, e somente decretar a custódia preventiva e temporária quando insuficientes aquelas medidas. Agora o legislador foi ainda mais claro e incisivo: a prisão deve ser a exceção. A liberdade, a regra. (Ob. cit. p. 46, destaquei).Na mesma diretriz, Antônio Magalhães Gomes Filho, na obra já citada da coordenadoria do Ministro Og Fernandes, ao comentar os incisos do art. 282 do CPP:(...) De qualquer forma, o legislador brasileiro, ao fazer referência no novo texto do art. 282, caput, I, do CPP, fornece critérios para orientar o raciocínio judicial deve ser realizado na escolha da medida cautelar mais apropriada ao caso, e justamente por isso, devem ser observados e reproduzidos na obrigatória motivação do provimento. (Ob. cit. p. 43. destaquei).Em suma é possível concluir que a reforma abandona o sistema bipolar - prisão ou liberdade provisória - e passa a trabalhar com várias alternativas à prisão, cada qual adequada a regular o caso concretamente examinado, sendo cogente ao juiz natural da causa observar, nos moldes do art. 282 do CPP:1. se a plena liberdade do investigado ou acusado representa um risco(periculum libertatis) que justifica a necessidade da cautela, para resguardar a aplicação da lei penal, a investigação ou a instrução criminal, ou, nos casos expressamente previstos para evitar a prática de infrações penais;2. se está presente o pressuposto básico de qualquer cautela, ou seja, prova da existência de um crime e indícios suficientes de autoria(fumus comissi delicti);3. a adequação da medida à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado ou acusado.No caso ora examinado, constato que, nada obstante tenha a defesa do paciente requerido expressamente a substituição da prisão preventiva por medida(s) a ela alternativa(s), com fulcro no artigo 319 do CPP, os órgãos jurisdicionais de origem nada proveram a esse respeito, omitindo-se de decidir sobre ponto fundamental relacionado à liberdade do ora paciente.Confira-se o que assevera o decisum de 2° grau:Alega o impetrante que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal consistente na decretação de sua prisão preventiva sem a fundamentação concreta dos motivos ensejadores da necessidade da imposição da medida extrema, não sendo suficientes a gravidade abstrata do delito e o clamor público.Salienta que o Juízo “a quo” também deixou de esclarecer os motivos pelos quais não foram aplicadas medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP.Sustenta que o recebimento da denúncia não é requisito hábil para decretação ou manutenção da custódia cautelar. Ressalta que o paciente é primário, com bons antecedentes, residência fixa, ocupação lícita, família constituída e nega veementemente a prática do delito, afirmando que não esteve no local dos fatos e que a carteira de habilitação que ensejou o reconhecimento fotográfico, havia sido extraviada em data anterior ao ocorrido.Das cópias trazidas pelo impetrante, depreende-se que L. C. foi denunciado como incurso no artigo 157, § 2o, incisos I e II, do Código Penal, sendo decretada sua prisão preventiva quando do recebimento da exordial,Conforme pesquisa obtida através do sistema INTINFO, ora juntada, verifica-se que o paciente foi preso aos 29/09/2013. No entanto, a providência liminar em habeas corpus é excepcional, razão pela qual está reservada para os casos em que avulta flagrante o constrangimento ilegal. E essa não é a hipótese dos autos. Em que pesem às alegações do impetrante, o reconhecimento convicto da vítima E. de que L. C. foi um dos autores do delito, precisamente aquele que estava como garupa da moto e a abordou com um revólver, anunciando o assalto e assumindo a direção do carro, e a sua fuga no momento da abordagem por policiais militares, dois dias após os fatos, deixando para traz a sua carteira de habilitação e pertences da vítima, demonstram a presença de indícios de autoria e materialidade delitiva, tornando desaconselhável, por ora, sua soltura. Ademais, a análise do preenchimento, ou não, dos requisitos legais autorizadores da custódia provisória revela-se inadequada à esfera de cognição sumária que distingue a presente fase do procedimento.). (Rogério Schietti Cruz - Relator. . 6.ª Turma HC 282.509 j. 19.11.2013 - public.22.11.2013).
Bem a propósito, o Ministro Teori Zavascki concedeu liminar no Habeas Corpus nº. 120722, impetrado por G.D.C. e J.C.T.S., presos preventivamente sob a acusação da prática de crime de tráfico internacional de animais silvestres. Na avaliação do Ministro, embora os fundamentos do decreto de prisão preventiva estejam, genericamente, apoiados em elementos idôneos, pois a restrição da liberdade dos acusados busca evitar a reiteração criminosa e a destruição de provas, tal medida se mostra desnecessária e inadequada ao caso, consideradas as suas peculiaridades. “Com relação ao receio de reiteração delitiva, verifica-se que os fatos imputados na denúncia e no decreto de prisão preventiva teriam ocorrido em 2009. Não há, desse modo, a necessária atualidade a justificar uma medida constritiva desta natureza, ainda mais se considerado o fato de a restrição da liberdade constituir a última opção extrema em termos de medida cautelar”, observou. O Ministro lembrou ainda que o artigo 319 do CPP coloca à disposição do juiz outras medidas, diversas da prisão, visando aos mesmos objetivos. “Impõe-se ao julgador, assim, não perder de vista a proporcionalidade da medida cautelar a ser aplicada no caso”, afirmou. Citando decisão no Habeas Corpus nº. 95009, relatado pelo Ministro Eros Grau, o Ministro Teori Zavascki apontou que, “tendo o juiz da causa autorizado a quebra de sigilos telefônicos e determinado a realização de inúmeras buscas e apreensões, com o intuito de viabilizar a eventual instrução da ação penal, torna-se desnecessária a prisão preventiva do paciente por conveniência da instrução penal”.
No mesmo sentido, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, rejeitou os embargos de declaração do Ministério Público em que alegava que a Corte teria extrapolado os limites das deliberações admitidas em sede de Habeas Corpus, além de ter suprido instância ao aplicar medidas cautelares sobre as quais o juiz singular não havia se manifestado. A relatora dos embargos, Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau, Lilian Romero, sustentou em sua decisão que: "O Código de Processo Penal, após as alterações promovidas pela Lei 12.403/2011, passou a prever, além da prisão preventiva, também outras medidas cautelares em meio aberto, diversas da prisão, elencadas no seu art. 319." E acrescentou: "Frequentemente, a adoção de outras providências basta para restabelecer ou garantir a ordem pública, ou para assegurar a higidez da instrução criminal e evitar a não aplicação da lei penal." A magistrada ressaltou ainda que: "Com a máxima vênia, se a Corte concluir que uma das medidas do art. 319 do CPP for necessária, adequada e suficiente para acautelar o direito tutelado, tornando despicienda a prisão provisória, deve ela reconhecer o constrangimento ilegal e, concomitantemente ao afastamento da custódia aplicar a medida diversa cautelar de meio aberto." (Embargos de Declaração nº 963.939-4/01 – Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná).
Em relação à possibilidade do assistente da acusação requerer a decretação da prisão preventiva, entendemos como uma possibilidade limitada, apenas quando for por conveniência da instrução criminal ou quando for cabível como substituição de medida cautelar anteriormente decretada, especialmente aquelas indicadas no art. 319, IV e VIII. Este entendimento baseia-se no fato de que “a razão de se permitir a ingerência do ofendido em todos os termos da ação penal pública, ao lado do Ministério Público, repousa na influência decisiva que a sentença da sede penal exerce na sede civil”, como explica Tourinho Filho embasado nas lições de Florêncio de Abreu e Canuto Mendes de Almeida[37]. Para nós, acertada é esta posição, pois só entendemos legítima a atuação do ofendido como assistente quando configurado estiver o seu interesse em uma posterior indenização pelo dano sofrido. Logo, sempre que da infração penal advier prejuízo de qualquer ordem para o ofendido, este estaria legitimado a se habilitar como assistente para pleitear depois a ação civil ex delicto, executando a sentença penal condenatória[38]. Logo, não há interesse por parte do assistente em requerer a prisão preventiva invocando outros requisitos que não tenham relação com a sua intervenção no processo penal (para a aplicação da lei penal, por exemplo, ou garantia da ordem pública...).
Observa-se que de há muito a intervenção do ofendido no processo penal vem sendo questionada, muitos a contestando sob o argumento de que caberia ao Estado exclusivamente exercer as funções persecutórias em matéria penal, pois se admitir a intervenção do particular seria aceitar que “su papel en el proceso parece estar teñido de una especie de sentimiento de venganza”.[39]
Analisando o Direito português, por exemplo, o mestre lusitano Germano Marques da Silva esclarece que a “intervenção dos particulares no processo penal é por muitos contestada por poder constituir um factor de perturbação, pois não é de esperar deles a objectividade e a imparcialidade que devem dominar o processo penal, mas é também por muitos outros considerada como uma excelente e democrática instituição e assim o entendemos também”.[40]
Além do novo requisito acrescentado pela nova lei, continuam sendo requisitos para a prisão preventiva: a) garantia da ordem pública (desgraçadamente); b) garantia da ordem econômica (idem, mas menos mal); c) por conveniência da instrução criminal; d) para assegurar a aplicação da lei penal.
Além destes, podem ser também indicados como requisitos legais para a decretação da prisão preventiva, nos termos da nova lei, os seguintes: a) o descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (tal como já previsto no art. 282, § 4o.); b) a garantia para a execução de medidas protetivas de urgência estabelecidas em relação a determinadas vítimas (mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência).
Aqui está consubstanciada a necessidade indispensável para a decretação da prisão preventiva, o chamado periculum libertatis.
Lamentavelmente continuamos a ter como um dos requisitos para a decretação da prisão preventiva a “garantia da ordem pública”, conceito por demais genérico e, exatamente por isso, impróprio para autorizar uma custódia provisória que, como se sabe, somente se justifica no processo penal como um provimento de natureza cautelar (presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis). Há mais de dois séculos Beccaria já preconizava que “o réu não deve ficar encarcerado senão na medida em que se considere necessário para o impedir de escapar-se ou de esconder as provas do crime”[41], o que coincide com dois outros requisitos da prisão preventiva em nosso País (conveniência da instrução criminal e asseguração da aplicação da lei penal).
Decreta-se a prisão preventiva no Brasil, muitas vezes, sob o argumento de se estar resguardando a ordem pública, quando, por exemplo, quer-se evitar a prática de novos delitos pelo imputado ou aplacar o clamor público. Não raras vezes vê-se prisão preventiva decretada utilizando-se expressões como “alarma social causado pelo crime” ou para “aplacar a indignação da população”, e tantas outras frases (só) de efeito.
A respeito, veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez:
“Tampoco puede atribuirse a la prisión provisional un fin de prevención especial: evitar la comisión de delitos por la persona a la que se priva de libertad. La propia terminología más frecuentemente empleada para expresar tal idea – probable comisión de ´otros´ o ´ulteriores´ delitos – deja entrever que esta concepción se asienta en una presunción de culpabilidad. (…) Por las mismas razones no es defendible que la prisión provisional deba cumplir la función de calmar la alarma social que haya podido producir el hecho delictivo, cuando aún no se ha determinado quién sea el responsable. Sólo razonando dentro del esquema lógico de la presunción de culpabilidad podría concebirse la privación en un establecimiento penitenciario, el encarcelamiento del imputado, como instrumento apaciguador de las ansias y temores suscitados por el delito. (…) La vía legítima para calmar la alarma social – esa especie de ´sed de venganza´ colectiva que algunos parecen alentar y por desgracia en ciertos casos aflora – no puede ser la prisión provisional, encarcelando sin más y al mayor número posible de los que prima facie aparezcan como autores de hechos delictivos, sino una rápida sentencia sobre el fondo, condenando o absolviendo, porque sólo la resolución judicial dictada en un proceso puede determinar la culpabilidad y la sanción penal.”[42]
Ressaltamos que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim, deferiu em parte a liminar pedida no Habeas Corpus nº. 84548, pois considerou que o decreto de prisão preventiva do acusado teria se desviado dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, por lhe faltar as indicações do que consiste a periculosidade do paciente e a quais riscos a ordem pública estaria exposta se ele respondesse à ação penal em liberdade, salientando, outrossim, que o entendimento do STF não permite que clamor público sirva como fundamento para a prisão preventiva. Ele observou que o acusado sempre colaborou com a instrução criminal e as investigações. Assim, o Ministro deferiu a liminar para revogar a prisão preventiva, se por outro motivo o acusado não estiver preso.
Na Itália, o Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Pádua, Palombarini, assim decidiu acerca da prisão preventiva:
“Pena e prisão preventiva têm diversa natureza jurídica, diferentes objectivos, diversa função... Para decidir se uma certa garantia individual deve aplicar-se a um determinado instituto, é necessário atender, em primeiro lugar, à incidência do mesmo instituto sobre a esfera do indivíduo. Ora a prisão preventiva – embora diversa, como se disse, da pena – traduz-se para o indivíduo numa restrição total de sua liberdade. Diferentes os institutos, idênticos os valores em jogo e o perigo de lesão do fundamental direito da liberdade.”[43]
Em outra oportunidade, a 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus (Processo nº. 84778) a um servidor público que responde a processo pela prática de três crimes de concussão (art. 316 do Código Penal). O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do processo, concedeu a ordem para revogar o decreto de prisão preventiva e permitir que o réu aguarde o julgamento da apelação em liberdade. Consoante Pertence, não há como falar em conveniência da instrução criminal se esta já terminou, nem invocar a garantia da ordem pública para não comprometer a imagem do Poder Judiciário. "Já repisei minha convicção acerca da ilegitimidade constitucional da prisão preventiva fundada na necessidade de satisfazer a ânsias populares de repressão imediata em nome da credibilidade das instituições públicas, dentre elas o Poder Judiciário", afirmou. Para o Ministro, tais considerações "desvelam o abuso da prisão processual para fins não cautelares, seja o de antecipação da pena, que aborrece a presunção da não-culpabilidade, seja a instrumentalização do encarceramento do acusado para a popularização do Judiciário, que repugna o princípio fundamental da dignidade humana". Por fim, sustentou o relator não ser motivo idôneo para a prisão preventiva a invocação da gravidade do crime ou o prestígio e a credibilidade do Judiciário. O voto do ministro-relator foi acompanhado pelos demais integrantes da Primeira Turma.
Em um outro caso, um advogado acusado de participar da organização que operava fraudes fiscais no ramo do comércio de combustíveis respondeu às acusações em liberdade. A decisão foi tomada pela 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal. Nesta oportunidade, todos os Ministros da Turma seguiram o voto do relator, Ministro Sepúlveda Pertence, salientando “que o Supremo tem negado a manutenção de prisão preventiva quando o motivo é a invocação da gravidade do crime imputado.” O Ministro Marco Aurélio sustentou que “há de se aguardar a comprovação do fato criminoso a cargo do Ministério Público para posteriormente ter-se as conseqüências.” (HC nº. 85068).
Em outra decisão recente, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, concedeu duas liminares, em habeas corpus, a dois condenados por seqüestro, emasculação e assassinato de menores em Altamira, no Pará, entre 1989 e 1992. Nas decisões monocráticas, o Ministro Marco Aurélio destacou que os condenados são réus primários, têm bons antecedentes e estão presos há mais de um ano. Afirmou que a circunstância de os condenados viverem em unidades da Federação diversas daquela em que foram julgados não é motivo para ensejar, por si só, a custódia, “afigurando-se o recolhimento como execução precoce, açodada, temporã do título judicial, sujeito ainda a modificação, em face da recorribilidade ordinária”, observando, ainda, que “o barulho da turba, a repercussão dos acontecimentos na sociedade, na mídia, não podem servir à execução precoce da pena”. (HC-85223).
Também a 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou liminar do Ministro Eros Grau que concedeu liberdade provisória para um policial acusado de assassinar um Delegado da Polícia Civil em Minas Gerais. O Ministro Eros Grau, ao deferir o pedido de habeas corpus e libertar o acusado, afirmou que os fundamentos no clamor público e na repercussão do caso não são "idôneos" para a manutenção da prisão preventiva. Na decisão, ele relacionou julgamentos do Supremo nesse sentido. (HC-85046).
Ainda sobre este requisito da “ordem pública”, anota Bruno César Gonçalves da Silva (no artigo intitulado: “Uma vez mais: da ´Garantia da ordem pública` como fundamento de decretação da prisão preventiva”):
“Entre os juristas brasileiros que se insurgiram contra a prisão preventiva com fundamento na "garantia da ordem pública", destaca-se Gomes Filho (1991), que demonstrou-nos não possuir a idéia de "ordem pública" caráter instrumental relacionado com os meios e fins do processo, veja-se: À ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de caráter cautelar propriamente ditas, mas constituem formas de privação da liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, então, em "exemplaridade", no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou, ainda, em prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos crimes; uma primeira infração pode revelar que o acusado é acentuadamente propenso a práticas delituosas ou, ainda, indicar a possível ocorrência de outras, relacionadas à supressão de provas ou dirigidas contra a própria pessoa do acusado. (GOMES FILHO, 1991, p. 67-68). Delmanto Júnior (1998), comentando a decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública, considera ser indisfarçável que nesses termos a prisão preventiva se distancia de seu caráter instrumental - de tutela do bom andamento do processo e da eficácia de seu resultado - ínsito a toda e qualquer medida cautelar, servindo de instrumento de justiça sumária, vingança social etc. (DELMANTO JUNIOR, 1998, p.156). sim, dúvida não resta que falta à prisão preventiva decretada com base na "garantia da ordem pública" caráter instrumental inerente a toda medida cautelar, pois, esta visa assegurar os meios e os fins do processo, ao passo que na "ordem pública" não se vislumbra este caráter, não possuindo tal expressão limites rígidos para a sua definição, dando azo ao arbítrio e a casuísmos na restrição da liberdade. O apelo à forma genérica e retórica da "garantia da ordem pública" representa a possibilidade de superação dos limites impostos pelo princípio da legalidade estrita, propiciando um amplo poder discricionário ao juiz com "uma destinação bastante clara: a de fazer prevalecer o interesse da repressão em detrimento dos direitos e garantias individuais". (GOMES FILHO, 1991, p. 66).”
E conclui este autor:
“A garantia da ordem pública não possui caráter cautelar propriamente dito, tendo na verdade finalidades que ora são meta-processuais, ora são exclusivas das penas. As interpretações dadas à expressão "garantia da ordem pública" são violadoras do princípio da presunção de inocência, pois, ou desconsideram a avaliação da necessidade da medida, ou se fundam em presunções e antecipações do juízo de culpabilidade. Devemos na interpretação e aplicação das medidas cautelares, nos libertarmos dos resquícios do autoritarismo e assimilarmos a nova orientação constitucional, lembrando-nos sempre que, dentro deste novo paradigma, os fins nunca podem justificar os meios.”
Não esqueçamos, igualmente, que o art. 30 da Lei nº. 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, estabelece estupidamente mais uma possibilidade de se decretar a prisão preventiva: a “magnitude da lesão causada”, termo que, assim como “ordem pública”, é por demais genérico e, por conseguinte, desaconselhável em se tratando de norma privativa da liberdade.
Nada obstante esta observação, o certo é que a jurisprudência vem reiteradamente decretando a prisão preventiva com fulcro neste requisito; assim, por exemplo, o Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, negou pedido de liberdade provisória solicitado por um acusado de participar de uma organização criminosa envolvida com crimes financeiros e lavagem de dinheiro em vários estados brasileiros. Em sua decisão, o relator lembrou que as investigações dão conta de que os presos participariam “de uma sofisticada organização criminosa, de aprimorado modo de atuação”. Essa quadrilha contaria inclusive, ressaltou o Desembargador, com o auxílio de servidores públicos, o que dificultaria a fiscalização por parte dos órgãos competentes. Assim, afirmou, a prisão apresenta-se como imprescindível para a garantia da ordem pública. “Em liberdade, tudo leva a concluir que o agente continuará na prática delituosa”, salientou o Magistrado. A necessidade de imposição da prisão também se justifica para garantir a coleta de provas “sem a interferência dos integrantes da organização” e a eventual aplicação da lei penal, uma vez que os membros da quadrilha possuem “enorme facilidade” para fugir. O Desembargador ainda lembrou que, de acordo com a decisão da 1ª. Vara Federal Criminal, parte dos valores arrecadados através dos delitos teriam sido enviados para o exterior, destacando, outrossim, o resguardo da ordem econômica e a magnitude dos danos econômicos decorrentes da atuação delituosa como justificativa para a manutenção da prisão. (Processos nºs. 2005.04.01.013110-1; 2005.04.01.015015-6 e 2005.04.01.015066-1).
Em outra decisão, a 7ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou habeas corpus a dois acusados de crime contra o sistema financeiro nacional. No julgamento do mérito do habeas corpus, a Turma, por maioria, negou o pedido de liberdade. Os Desembargadores Federais Tadaaqui Hirose e Maria de Fátima Freitas Labarrère argumentaram que a magnitude da lesão (os réus teriam movimentado cerca de 530 milhões de dólares nas contas no exterior) e o risco à ordem pública justificam a decretação da prisão. (HC 2005.04.01.015120-3/PR).
Em sentido contrário, veja-se:
“TRF 4ª REGIÃO - HABEAS CORPUS Nº. 2004.04.01.017015-1/PR (DJU 09.06.2004, SEÇÃO 2, P. 634, J. 18.05.2004) - RELATOR: Des. Federal JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA - Não obstante o art. 30 da Lei nº 7492/86 determine que a prisão preventiva do acusado da prática de crime contra o sistema financeiro nacional poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada, sua legitimação depende da satisfação dos pressupostos insculpidos no art. 312 do CP.”.
“A elevada monta da sonegação fiscal não justifica a decretação da prisão preventiva do agente, tratando-se, sim, de elemento a ser considerado por ocasião da dosimetria da pena, em eventual condenação.” (TRF 3ª R. 2ª T. - RSE 2008.61.05.008828-2 – rel. Nelton dos Santos – j. 21.07.2009 – DJU 06.08.2009).
Evidentemente que este requisito não pode ser levado em conta para se decretar uma prisão preventiva, mesmo porque, “nota-se que a magnitude da lesão é conseqüência do crime, fator que deve ser levado em consideração para a aplicação da pena (art. 59, CP).” Logo, “este dispositivo é flagrantemente inconstitucional, sua aplicação virá a macular todos os atos que se lhe seguirem”: eis a lição de Roberto Podval.[44] Manoel Pedro Pimentel já perguntava: “Como se há de aferir esse elemento normativo – magnitude da lesão causada – se não for através de critério subjetivo, que pode variar amplamente, já que a lei não define quantitativa ou qualitativamente tal magnitude?”[45]
Neste sentido, por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 99210). A decisão confirmou liminar concedida pelo relator do processo, Ministro Eros Grau. O juiz levou em conta o poderio econômico do acusado e a magnitude da lesão gerada aos cofres públicos, que alcançaria a cifra de R$ 241 milhões. “O decreto prisional funda-se na magnitude da lesão e na presunção de que os pacientes [os acusados] reiterariam nos crimes a eles imputados, o que, na linha de entendimento consolidado nesta Corte, não se presta à decretação da prisão preventiva”, disse o Ministro Eros Grau. O Ministro citou ainda precedentes do STF no sentido de que a magnitude da lesão causada por um suposto crime não justifica de maneira autônoma a prisão cautelar. Todos os ministros presentes à sessão seguiram o voto do relator.
A propósito, vejamos a lição de Ronald Dworkin:
“O direito penal poderia ser mais eficiente se desconsiderasse essa distinção problemática e encarcerasse homens ou os forçasse a aceitar tratamento sempre que isso parecesse ter probabilidade de reduzir crimes no futuro. Mas isso, como sugere o princípio de Hart, significaria cruzar a linha que separa tratar alguém como ser humano e como nosso próximo e tratá-lo como um recurso para o benefício dos outros. Para as convenções e práticas de nossa comunidade, não pode haver insulto mais profundo que esse. O insulto é da mesma grandeza quando o processo recebe o nome de punição ou tratamento. É verdade que algumas vezes impomos restrições e submetemos a tratamento um homem apenas porque acreditamos que ele não tem controle sobre sua conduta. Fazemos isso com base em leis que regem a custódia de civis e, de modo geral, após um homem ter sido absolvido de um crime sério com base numa alegação de insanidade. Mas devemos reconhecer o compromisso de princípio que essa política implica. Deveríamos tratar um homem contra a sua vontade apenas quando o perigo que ele representa é real e não sempre que calculamos que o tratamento poderá reduzir a ocorrência de crimes, se for adotado.”[46]
Também é importante salientar ser incabível a decretação da prisão preventiva quando a medida protetiva de urgência tiver um caráter eminentemente civil, como, por exemplo, as medidas previstas no art. 24 da Lei nº. 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Tal afirmação decorre do fato que a prisão preventiva, em tais casos, decorreria de um inadimplemento de natureza cível, não passível de prisão (como se sabe, a prisão civil só é legítima constitucionalmente quando se trata de alimentante faltoso).[47]
Como pressuposto da medida extrema temos o fumus commissi delicti, ou seja, a demonstração cabal e induvidosa de prova da existência de determinados crimes e indício suficiente de autoria (o que coincide com a justa causa para a ação penal, nos termos do art. 395, III do Código de Processo Penal).
Ainda em relação ao fumus commissi delicti, a prisão preventiva, em regra, só poderá ser decretada em relação aos supostos autores de crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, a não ser se o indiciado ou acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado (ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal), ou se o delito envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (aqui está um requisito específico para esta última hipótese). Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida (neste aspecto, atente-se ao disposto nos arts. 2º. e 3º., da Lei nº. 12.037/2009[48]).
Observa-se, portanto, que, excepcionalmente (mesmo porque a prisão preventiva só será decretada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, nos termos do art. 282), permite-se a prisão preventiva mesmo em crime culposo e qualquer que seja a pena privativa de liberdade cominada. Não seria mais necessária a demonstração daqueles outros requisitos (garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal).
Obviamente, mais uma vez não se observou o princípio da proporcionalidade[49], perfeitamente exigível quando se trata de estabelecer requisitos e pressupostos para a prisão provisória; aqui, pode-se prender preventivamente quando, muito provavelmente, não haverá aplicação de uma pena privativa de liberdade quando da sentença condenatória.
Como ensina Alberto Bovino, não é possível “que a situação do indivíduo ainda inocente seja pior do que a da pessoa já condenada, é dizer, de proibir que a coerção meramente processual resulte mais gravosa que a própria pena. Em conseqüência, não se autoriza o encarceramento processual, quando, no caso concreto, não se espera a imposição de uma pena privativa de liberdade de cumprimento efetivo. Ademais, nos casos que admitem a privação antecipada da liberdade, esta não pode resultar mais prolongada que a pena eventualmente aplicável. Se não fosse assim, o inocente se acharia, claramente, em pior situação do que o condenado. ”[50]
Entendemos, pois, incabível a decretação da prisão preventiva naqueles casos, pois, “não obstante o fato de ocorrer exclusivamente em sede parlamentar a atuação do princípio da proporcionalidade, isso não significa que as disposições normativas penais não possam ser submetidas a um eventual controle constitucional acerca da proporção nelas contidas. Não apenas isto é permitido, mas, acima de tudo, é recomendável quando alguma dúvida houver neste sentido.”[51]
Com o mesmo entendimento, Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Domínguez, advertem que “las medidas cautelares son homogéneas, aunque no idénticas, con las medidas ejecutivas a las que tienden a preordenar.”[52]
Segundo Humberto Ávila, “um meio é proporcional quando o valor da promoção do fim não for proporcional ao desvalor da restrição dos direitos fundamentais. Para analisá-lo é preciso comparar o grau de intensidade da promoção do fim com o grau de intensidade da restrição dos direitos fundamentais. O meio será desproporcional se a importância do fim não justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais.”[53]
Antonio Scarance Fernandes:
“(...) Se o réu apenas pode ser considerado culpado após sentença condenatória transitada em julgado, a prisão, antes disso, não pode configurar simples antecipação de pena, somente se justificando quando tiver natureza cautelar. Em suma, qualquer prisão durante o processo, para não haver ofensa ao princípio da presunção de inocência, deve ter natureza cautelar e não pode significar antecipação de pena, pois esta, necessariamente, deve ocorrer de sentença condenatória transitada em julgado.”[54]
O entendimento esposado decorre da incidência do princípio da homogeneidade, tratado com bastante propriedade por Paulo Rangel[55]:
“A homogeneidade da medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dado e o que será concedido. Exemplo: admite-se prisão preventiva em um crime de furto simples? A resposta é negativa. Tal crime, primeiro, permite a suspensão condicional do processo. Segundo, se houver condenação, não haverá pena privativa de liberdade face à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. Nesse caso, não haveria homogeneidade entre a prisão preventiva a ser decretada e eventual condenação a ser proferida. O mal causado durante o curso do processo é bem maior do que aquele que, possivelmente, poderia ser infligido ao acusado quando do seu término. Entendemos, em uma visão sistemática do sistema penal como um todo, que, nos crimes de médio potencial ofensivo, ou seja, aqueles que admitem a suspensão condicional do processo (cf. art. 89 da Lei 9.099/95,) não mais se admite prisão cautelar.”
Em sentido convergente, é o escólio de Roberto Delmanto Júnior[56]: “Aliás, a garantia constitucional de que o acusado não pode ser considerado culpado antes de passada em julgado a condenação jamais poderia admitir interpretação que acabasse por impor-lhe encarceramento com intensidade mais grave daquele que lhe seria infligido caso ele fosse realmente considerado culpado”.
Vejamos a doutrina estrangeira, a começar por Julian Lopez Masle e Maria Inês Horvitz: “(...) el principio de inocência no excluye, de plano, la posibilidad de decretar medidas cautelares de carácter personal durante el procedimiento. En este sentido, instituiciones como la detención o la prisión preventiva resultan legitimadas, en principio, siempre que no tengan por consecuencia anticipar los efectos de la sentencia condenatória sino asegurar fines del procedimiento”[57]
Também Alberto M. Binder: “Já vimos que todas as medidas de coerção penal são, em princípio, excepcionais. Dentro dessa excepcionalidade, a utilização da prisão preventiva deve ser muito mais restringida e, para assegurar essa restrição devem ser considerados dois tipos de suposição. Em primeiro lugar, não se pode aplicar a prisão preventiva se não existe um mínimo de informação que fundamente uma suspeita sobre limite essencial e absoluto: se não existe sequer uma suspeita racional e com fundamento de que uma pessoa possa ser autora de um fato punível, de maneira nenhuma é admissível uma prisão preventiva. Porém, este requisito não é suficiente. Por mais que se tenha uma suspeita com fundamentos, tampouco seria admitida constitucionalmente a prisão preventiva se não houverem outros requisitos, os chamados ‘requisitos processuais’. Estes se fundamentam em que a prisão preventiva seja direta e claramente necessária para assegurar a realização do julgamento ou assegurar a imposição da pena.”[58]
Vejamos a jurisprudência:
“Imperioso observar a possível desproporcionalidade de se atingir a liberdade pessoal do acusado, como custódia cautelar ante a bastante provável aplicação de condenação final apenas restritiva de direitos. Ordem de habeas corpus concedida” (TRF 3ª R. - 5ª T. HC 2008.03.00.050617-2 – rel. Erik Gramstrup – j. 02.02.2009 – DJU 20.02.2009).
“Mesmo em caso de condenação, ao paciente, será aplicado regime menos severo do que aquele em que se encontra, sendo, portanto, a manutenção de sua segregação cautelar afronta ao princípio da homogeneidade. Diante do deferimento de medidas protetivas em favor da vítima e da inexistência de qualquer dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, não há como manter a prisão preventiva do paciente que, todavia, poderá ser novamente decretada, nos termos do art. 316 do mesmo diploma legal, se sobrevierem motivos ensejadores da espécie. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida” (TJMT – 2ª C. – HC 115068/08 – rel. Paulo da Cunha – j. 26.11.2008 – DOE 10.11.2008).
“TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO - PRIMEIRA TURMA - 2006.03.00.073226-6 25097 HC-SP - RELATOR: DES. FED. LUIZ STEFANINI –Uma vez fixado o regime aberto é o caso de se aplicar o princípio da proporcionalidade quanto à prisão cautelar no caso dos autos. As pacientes foram condenadas a penas privativas de liberdade inferiores a 4 anos a serem cumpridas em regime inicial aberto, tendo, ainda, a nobre juíza a quo as substituído por penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do CP. 2- A sentença transitou em julgado para o Ministério Público conforme informação contida nos autos. Considerando-se a proibição da reformatio in pejus, constante do artigo 617 do CPP e o trânsito em julgado da citada sentença para o Ministério Público, a pena máxima prevista para o crime das pacientes não poderá ser maior do que o já estipulado, nem o regime inicial de cumprimento outro que não o aberto, não sendo nem mesmo possível a revogação da substituição da penas por outras restritivas de direitos. 3- É de se aplicar na hipótese o princípio da proporcionalidade, não havendo que se falar em decretação da prisão preventiva.”
Vejamos este trecho do voto:
“(...) A Constituição Federal vigente, ao consagrar o princípio da presunção de inocência no inciso LVII de seu artigo 5º, determinou grande restrição interpretativa à chamada prisão cautelar, na medida em que tornou exceção a segregação de um acusado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória. Este princípio deve também ser aplicado ao instituto da prisão preventiva, que só será admitida para fins processuais, jamais como forma de antecipação de pena, pelo que, para sua ocorrência, devem estar preenchidos os requisitos do artigo 312 do CPP. Na consagração do princípio da presunção de inocência, vemos a preocupação do legislador constituinte no resguardo de um direito dos mais importantes, fundamental a cada cidadão: a liberdade. Com efeito, deve o aplicador do direito ter em mente sempre o supremo valor dado pelo constituinte ao direito de liberdade do indivíduo ao interpretar as normas legais, só consentindo em restringi-la quando profundamente necessário. Ora. Em decorrência deste raciocínio, surge o princípio da proporcionalidade na aplicação da segregação cautelar. De acordo com este princípio, a prisão cautelar (como são a prisão preventiva, a prisão em flagrante, etc.), que é expediente lesivo à esfera jurídica do acusado ou investigado, na medida em que lhe restringe a liberdade, não deve ser aplicada quando impossível a privação da liberdade no caso de eventual condenação, ainda que presentes os requisitos autorizadores. É o que leciona, entre outros, Maurício Zanoide de Moraes (in Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, v. 3, ed. Revista dos Tribunais, São Pulo, 2004, pg. 208), a respeito da prisão em flagrante:"Em outras situações, caberá ao julgador fazer essa análise de necessidade e oportunidade em cada caso concreto: por exemplo, quando verificar que à infração imputada àquele agente haverá, mesmo em caso de condenação, a substituição da pena privativa de liberdade eventualmente aplicável por outra pena restritiva de direito e/ou multa.(...) Não poderá o juiz manter a prisão em flagrante (neste caso), sob pena de tornar o processo mais punitivo que a sanção penal abstratamente prevista para o crime. Em termos ilustrativos: tornará os efeitos colaterais do remédio (a prisão em flagrante) pior do que os efeitos da própria doença (pena a ser imposta em eventual condenação futura)." Este entendimento, não há dúvida, deve ser aplicado à prisão preventiva, não obstante a ausência de disposição expressa neste sentido quanto a esta modalidade de prisão cautelar, como a que existe quanto ao flagrante em delitos de menor potencial ofensivo (parágrafo único do artigo 69 da Lei 9.099/95). É o caso de se aplicar o princípio da proporcionalidade quanto à prisão cautelar nestes autos. As pacientes foram condenadas a penas privativas de liberdade inferiores a 4 anos a serem cumpridas em regime inicial aberto, tendo, ainda, a nobre juíza a quo as substituído por penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do CP (sentença às fls. 16/40). Além disso, transitou a sentença em julgado para o Ministério Público em 31 de julho de 2006, conforme informação de fl. 69. Pois bem. Considerando-se a proibição da reformatio in pejus, constante do artigo 617 do CPP e o trânsito em julgado da citada sentença para o Ministério Público, a pena máxima prevista para o crime das pacientes não poderá ser maior do que o já estipulado, nem o regime inicial de cumprimento outro que não o aberto, não sendo nem mesmo possível a revogação da substituição da penas por outras restritivas de direitos. Assim, pelo princípio da proporcionalidade, impossível de faz a decretação de prisão preventiva no caso em questão. Ante o exposto, meu voto é pela CONCESSÃO DA ORDEM.”
A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região concedeu habeas corpus aos presos na Operação Big Brother da Polícia Federal. A defesa argumentou ainda que a pena para esses crimes seria provavelmente inferior a quatro anos, ou seja, os réus, ainda que condenados, teriam o benefício de prestarem pena alternativa, em regime aberto, sendo desproporcional a manutenção da prisão preventiva. Após analisar o recurso, o Desembargador Néfi Cordeiro decidiu submeter o pedido à 7ª. turma, que entendeu não haver mais necessidade da medida cautelar, decidindo, por unanimidade, conceder a ordem. (HC 2005.04.01.0011606-9/PR).
Destarte, será preciso muito cuidado dos Juízes ao decretarem a prisão preventiva em crimes punidos com prisão (reclusão ou detenção) com pena máxima inferior ou igual a quatro anos, pois é preciso que se faça uma interpretação sistemática com o art. 282 do Código, sendo preferível optar-se por outra medida cautelar menos gravosa.
Por força de lei, a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Código Penal (excludentes de ilicitude). Nada obstante o silêncio da lei entendemos também ser incabível a decretação da prisão preventiva, quando o Juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato sob o pálio de uma excludente de culpabilidade, pois a similitude das circunstâncias (todas retiram o caráter criminoso da conduta) obriga a igualdade de tratamento.
Assim como ocorre em relação às demais medidas cautelares, também a prisão preventiva submete-se à cláusula rebus sic stantibus (art. 316, inalterado), devendo os Juízes observar que a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada, advertência, aliás, absolutamente desnecessária, à luz da exigência já constante no art. 93, IX da Constituição.
Não esqueçamos que o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello conheceu e negou provimento a Recurso Extraordinário (RE 385943) interposto pelo Estado de São Paulo contra acórdão que reconheceu a responsabilidade civil objetiva do Estado por decretação de prisão cautelar indevida e o dever de reparação à vítima. De acordo com ele, a pretensão recursal não tem o amparo da própria jurisprudência que o STF firmou em precedentes aplicáveis ao caso. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela indenização pleiteada em favor de pessoa indevidamente envolvida em inquérito policial arquivado e que teve a perda do emprego como consequência direta da prisão preventiva. Segundo o acórdão, apesar da ausência de erro judiciário (art. 5º, LXXV da CF), o Estado, no desempenho de suas funções, tem o dever de agir, com margem de segurança, sem a qual fica configurada sua responsabilidade objetiva, de modo a não ofender os direitos subjetivos outorgados aos cidadãos na Constituição.No recurso, o Estado de São Paulo alegou a inexistência do nexo de causalidade material entre o evento danoso e a ação do Poder Público. Para a Procuradoria Geral estadual, a demonstração de que a prisão provisória para fins de averiguação ocorreu nos estritos limites da lei, através da decisão judicial fundamentada e mantida pelo Tribunal em habeas corpus, afigura-se como causa excludente de responsabilidade na medida em que rompe o nexo causal entre a ação do poder público e o evento danoso.O ministro do STF não deu razão ao Estado de São Paulo. De acordo com ele, "a situação que gerou o gravíssimo evento da prisão cautelar de pessoa inocente põe em evidência a configuração, no caso, de todos os pressupostos primários que determinam o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva da entidade estatal".Além disso, Celso de Mello sustenta que a discussão da inexistência do nexo causal revela-se incabível em sede de RE, por depender do exame de matéria de fato, de todo inadmissível na via do apelo extremo. E que o Tribunal de Justiça, com apoio no exame de fatos e provas, interpretou, com absoluta fidelidade, a norma constitucional que consagra a responsabilidade civil objetiva do Poder Público.Segundo o ministro, o acórdão reconheceu, com inteiro acerto, a cumulativa ocorrência dos requisitos sobre a consumação do dano, a conduta dos agentes estatais, o vínculo causal entre o evento danoso e o comportamento dos agentes públicos e a ausência de qualquer causa excludente de que pudesse eventualmente decorrer a exoneração da responsabilidade civil do Estado de São Paulo.
A prisão provisória pode gerar responsabilidade do Estado. Neste sentido: "Responsabilidade civil. Prisão indevida. Primazia do valor da liberdade da pessoa humana. Mau funcionamento do serviço público demonstrado. Responsabilidade do Estado. Danos morais inerentes ao fato. Valor da indenização fixado com moderação. Juros devidos na forma da Súmula nº 54 do STJ. Recursos improvidos. Voto: A r. sentença de fls. 229/237, cujo relatório é adotado, julgou parcialmente procedente ação condenando a Fazenda do Estado de São Paulo a pagar ao autor o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais, corrigido monetariamente a partir da decisão e acrescido de juros de mora desde o evento danoso, nos termos do art. 398 do Código Civil de 2002 e Súmula 54 do STJ. Anotou-se o reexame necessário, com base no art. 475, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil.A ré apela com vistas ao provimento do recurso, pretendendo a reforma integral da sentença ou que o valor da indenização seja reduzido.Para tanto, fundamenta seu recurso na arguição de inexistência de nexo causal entre a conduta do agente público e o dano acarretado ao apelado, imprescindível para a existência de responsabilidade objetiva do Estado.Além disso, alega que o apelado não comprovou ter sido preso em razão do processo criminal, cujo alvará de soltura foi posteriormente encaminhado pelo Juiz Corregedor, e que a prisão foi motivada por sua culpa exclusiva.Houve resposta pela manutenção do julgado.É o relatório.Trata-se de ação promovida por José Francisco Correa contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, visando ao recebimento de danos morais e materiais, em decorrência de ter permanecido sete meses preso indevidamente.É induvidoso que o autor foi mantido encarcerado mesmo após sua absolvição devido a erro relativo ao exame de informações, não havendo que se falar em inexistência de pressupostos de responsabilidade do Estado.A situação descrita nos autos fere bem jurídico de indiscutível magnitude, que é o da liberdade, o qual não pode ser afetado desnecessariamente.É incumbência da administração o dever de eficiência, notadamente para efetivação dos direitos humanos, na hipótese em questão, o da liberdade. Tanto é assim que o art. 5º, inciso LXII, da Constituição Federal, repetido pelo art. 306 do Código de Processo Penal, determina que a prisão seja imediatamente comunicada ao juiz. E o inciso LXV do mesmo art. 5º determina que o juiz imediatamente relaxe a prisão ilegal.Como se vê, o tratamento relativo à liberdade exige providências eficazes no controle da legalidade de sua privação.Logo, a referência normativa para a aferição do máximo de eficiência é o imediato.Ora, o autor foi preso em 14 de maio de 2003 (fls. 20), em razão de processo no qual foi absolvido e cujo Alvará de Soltura havia sido expedido em seu favor (fls. 100).O cumprimento de uma ordem de soltura não pode ser postergado por qualquer fato imputável ao aparato estatal, por mais legítimo ou aparentemente justificável que seja.E qualquer demora desarrazoada há de ser compreendida como mau funcionamento do serviço público, o que enseja a responsabilização da administração pública.Nesta E. 4ª Câmara, em mais de uma oportunidade, já se decidiu que a burocracia não escusa a administração:INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL - PRISÃO ILEGAL - ABUSO DECORRENTE DE DESCONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO – DANOS MORAIS DEVIDOS - AÇÃO IMPROCEDENTE - RECURSO PROVIDO (Apelação Cível nº 0202054-77.2008.8.26.0000 rel. Des. Ricardo Feitosa).Indenização. Responsabilidade civil do Estado. Danos morais. Prisão indevida da autora, por 03 (três) dias, em razão do cumprimento equivocado de mandado de prisão preventiva. Situação configurada nos autos. Reconhecimento da responsabilidade do Estado, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal - Redução, no entanto, do valor da indenização e do percentual dos juros moratórios. Sentença de procedência da ação. Desprovimento do recurso da autora, com o provimento parcial da remessa oficial e do recurso da Fazenda do Estado, consoante especificado, mantida no mais a r. sentença recorrida, também por seus próprios e jurídicos fundamentos (Apelação Cível nº 9076435.18.2007.8.26.0000 rel. Des. Osvaldo Magalhães). Os danos morais na espécie são derivados da própria natureza das coisas e do próprio fato.Ainda neste sentido é a orientação desta E. Câmara no tema em exame:E quando são atingidos direitos da personalidade, como a liberdade humana, os danos morais mostram-se detectáveis à luz da própria experiência da vida, prescindindo de prova direta.A prisão equivocada constitui humilhação insuportável para qualquer ser humano, daí decorrendo o sofrimento psicológico, a amargura pela vergonha e o sentimento de injustiça (Apelação Cível nº 0266361- 06.2009.8.26.0000 rel. Des. Ricardo Feitosa).Logo, é de se reconhecer a responsabilidade da administração pública no presente caso, pois o cidadão ficou preso após a determinação de sua soltura, tudo por força de desatenção, pois o mandado de prisão expedido teve origem nos mesmos fatos de cuja prática ele foi absolvido.Além disso, também não se verifica culpa alguma da vítima, que foi presa indevidamente.Sendo objetiva a responsabilidade da ré, é incontroverso o cabimento de indenização, não havendo que se falar em culpa de terceiro, e nem em culpa da vítima não provada.O dano, como bem considerou a r. sentença apelada, é inerente ao fato, não havendo que se exigir prova de que o autor sofreu danos ao ser mantido preso em razão de processo criminal no qual ele foi absolvido.Considerando que os valores indenizatórios devem ser justos e suficientes para trazer alguma compensação, minimizar a dor da vítima, punir o ofensor para que não reincida no fato, ao mesmo tempo evitar que ocorra enriquecimento sem causa, e que estabelecê-los é uma tarefa complexa e subjetiva, entende-se que o julgador agiu com acerto e razoabilidade ao determiná-los.A responsabilidade civil é extracontratual, e assim os juros são mesmo devidos na forma da Súmula de nº 54 do C. STJ.Quanto à correção monetária, seu termo inicial foi fixado no ato do arbitramento, de modo que descabida a pretensão recursal de vê-lo fixado em data anterior.Desse modo, devem ser improvidos o recurso da FESP e o oficial, mantida a r. sentença apelada." (Luís Fernando Camargo de Barros Vidal - Relator. INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS - Boletim - 261 – Agosto/2014 - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).
A propósito, a "política criminal no Brasil funciona da seguinte forma: só é processado quem foi preso em flagrante e só é condenado quem já estava preso." É o que se conclui de estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e do Departamento de Política Penitenciária do Ministério da Justiça, divulgado no dia 27 de novembro de 2014.
De acordo com a pesquisa, 60% dos inquéritos policiais conclusos em 2011 foram abertos a partir de flagrantes. E 65,5% das denúncias recebidas pelo Judiciário tratavam de inquéritos abertos depois de flagrante. Em 87% dos casos, o réu já estava preso. Nos inquéritos abertos por portaria, a proporção de denúncias aceitas com o réu já preso cai para 12,3%. Quando se trata da condenação, as cifras são parecidas: 63% dos réus que cumpriram prisão provisória foram condenados a penas privativas de liberdade e 17% foram absolvidos. Isso mostra que 37% dos réus que foram submetidos à prisão provisória não foram condenados a cumprir pena atrás das grades. Receberam penas restritivas de direitos e medidas alternativas ou a decisão foi pelo arquivamento do caso ou pela prescrição da pretensão punitiva: “Ou seja, o fato de que praticamente quatro em cada dez presos provisórios não recebem pena privativa de liberdade revela o sistemático, abusivo e desproporcional uso da prisão provisória pelo sistema de Justiça do país”, conclui o estudo.
Almir de Oliveira Júnior, um dos responsáveis pelo levantamento, complementa com o dado do chamado déficit carcerário: em dezembro de 2011 o Brasil tinha 270 mil vagas para 514,5 mil presos. Faltavam, portanto, 244,5 mil vagas no sistema prisional brasileiro. “Faltam vagas, mas prende-se mais do que devia”, afirma o diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
O levantamento também conclui que parte da “culpa” pela situação estar como está é da falta de defesa adequada. Em 60% dos casos em que houve sentença condenatória, não houve qualquer recurso. Dos casos em que a defesa recorreu, em 22,4% aguardaram o recurso presos. “Uma vez proferida a sentença, ela é cumprida imediatamente pelos réus. São poucos os processos com recursos capazes de adiar o cumprimento da sentença.”
O estudo refere-se a inquéritos, denúncias e processos criminais conclusos até dezembro de 2011. O maior impacto da Lei nº. 12.403/2011, editada em maio daquele ano, portanto, não foi retratado no documento. A pesquisa começou a ser feita em 2012 e durou cerca de dois anos. Por isso, explica a entidade, há “defasagem” das informações. Também foram analisados dados dos estados com as maiores taxas de homicídio por habitante, entre eles Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Segundo os dados do Departamento de Política Penitenciária do Ministério da Justiça do mesmo período, o Brasil tinha, em dezembro de 2011, 514,7 mil pessoas presas, entre homens e mulheres em todos os regimes. Desses, 217,1 mil eram presos provisórios, entre os detidos em presídios e em delegacias. Uma proporção de 42%.
“Os dados mostram que, embora o senso comum diga que as leis são fracas, ou que a polícia prende para a Justiça soltar, a realidade é que, instaurado o inquérito, o Ministério Público denuncia e a Justiça assina embaixo”, comenta Oliveira Júnior, que é diretor de estudos e políticas de Estado das instituições da democracia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, segundo o qual ficou constatado pela pesquisa "que a prisão é vista pelo sistema criminal como uma forma de fazer as coisas andarem”. É decretada a prisão preventiva para garantir que o réu será encontrado e que comparecerá às audiências, por exemplo, segundo o pesquisador. “De fato, quando o réu está preso o processo anda mais rápido. Muito se fala que há dificuldade em achar as pessoas. Por isso a polícia já prende, o Ministério Público denuncia e a Justiça condena, mantendo a prisão. É como se o Judiciário tomasse para si o papel de dar respostas à sociedade. Mas é essa a solução? Num Estado Democrático de Direito?”
Segundo a pesquisadora Raquel da Cruz Lima, o estudo aponta a necessidade do “combate ao encarceramento”. Ela é da equipe de Justiça Criminal do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, uma Organização não Governamental que milita pela redução do encarceramento e pelos direitos da população carcerária. Ela acredita que o flagrante seja o “eixo fundamental” dos problemas da política criminal brasileira atual. Ela explica que, como é o flagrante que garante a instauração do inquérito, são as chamadas delegacias de circunstância, não especializadas, que determinam quem será processado ou não. E, pelas estatísticas, quem será condenado ou não. Segundo a pesquisadora, suspeitos é que são presos em flagrante, e a definição de um suspeito passa pela análise de uma série de padrões físicos e comportamento. A pesquisadora entende essa postura como preconceituosa, o que explicaria a grande maioria de presos negros, pobres e de baixa escolaridade.
O próprio Departamento de Política Penitenciária do Ministério da Justiça afirma que, em dezembro de 2011, quase a metade dos presos do país não tinha nem o ensino fundamental completo, a maioria tinha entre 18 e 24 anos e se identificou como parda. “Diante do dado de que o juiz mantém preso por causa da dificuldade de localizar o réu, quem está mais propenso a ser preso senão uma pessoa em situação de rua?”, comenta Raquel Lima.
Fabiana Costa de Oliveira Barreto, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, concorda com a pesquisadora. Para ela, o estudo prova que “o flagrante é nosso arqui-inimigo”. Segundo ela, "a política criminal que não trata das prisões em flagrante não toca no cerne do problema, porque as pessoas são processadas porque são presas.” Para maiores detalhes, confira: http://www.conjur.com.br/2014-nov-27/37-submetidos-prisao-provisoria-nao-sao-condenados-prisao
Quanto ao número da nova lei, é melhor não mencionarmos, esqueçam... Ou melhor, perguntem ao Dr. Manoel Pastana, digno Procurador da República que subscreveu o parecer, ao Dr. Sérgio Moro, ilustre Juiz Federal que decretou as prisões preventivas ou ao Dr. João Pedro Gebran Neto, eminente relator dos Habeas Corpus no Tribunal Regional Federal, que manteve as prisões provisórias, negando as liminares requeridas.
E já que começamos, vamos terminar com poesia, coisa muito mais importante do que certos pareceres ministeriais...
"Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.
O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonnettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas.
Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.
Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.
Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões…
os Amazonas inenarráveis… os incríveis João-Pessoas…
Precisamos adorar o Brasil.
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos…
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.
Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?"
(Hino Nacional, Carlos Drummond de Andrade)
[1] Neste mesmo sentido Pierpaolo Cruz Bottini, “Medidas Cautelares – Projeto de Lei 111/2008”, in As Reformas no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 458.
[2] A prisão temporária, disciplinada na Lei nº. 7.960/89, nada mais é do que aquela famigerada prisão para averiguações, hoje legalizada. Se do ponto de vista formal pode-se até concluir que a antiga prática foi regularizada, sob o aspecto material, indiscutivelmente, continua a mácula aos postulados constitucionais. Como bem notou Paulo Rangel, “no Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado, efetivamente, é o autor do delito. Trata-se de medida de constrição da liberdade do suspeito que, não havendo elementos suficientes de sua conduta nos autos do inquérito policial, é preso para que esses elementos sejam encontrados. (...) Prender um suspeito para investigar se é ele, é barbárie. Só na ditadura e, portanto, no Estado de exceção. No Estado Democrático de Direito havendo necessidade se prende, desde que haja elementos de convicção quanto ao periculum libertatis.” (Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, 7ª. ed., pp. 643/644). A propósito, veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez, segundo os quais não se pode “atribuir a la medida cautelar el papel de instrumento de la investigación penal. Dizem eles que “sin duda alguna, esa utilización de la prisión provisional como impulsora del descubrimiento del delito, para obtener pruebas o declaraciones, ha de rechazarse de plano, pues una concepción de este tipo excede los límites constitucionales, y colocaría a la investigación penal así practicada en un lugar muy próximo a la tortura indagatoria.” (Ob. cit., p. 524). Aliás, esta lei padece de vício de origem, pois ela foi criada pela Medida Provisória nº. 111/89 quando deveria sê-lo, obrigatoriamente, por lei em sentido formal, votada pelo Congresso Nacional. Como observou Alberto Silva Franco, esta lei “originou-se de uma medida provisória baixada pelo Presidente da República e, embora tenha sido convertida em lei pelo Congresso Nacional, representou uma invasão na área da competência reservada ao Poder Legislativo. Pouco importa a aprovação pelo Congresso Nacional da medida provisória.” (Crimes Hediondos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000, p. 357).
[3] Pierpaolo Bottini, ob. cit., p. 457.
[4] Segundo Pierpaolo Bottini, “no caso de aplicação cumulativa, a razoabilidade exige que as medidas sejam compatíveis, que possam ser aplicadas ao mesmo tempo, pelo que, a despeito do previsto no texto, a cautelar de prisão será sempre aplicada isoladamente.” (ob. cit. p. 460).
[5] Interessante transcrever um depoimento de Leonardo Boff, ao descrever os percalços que passou até ser condenado pelo Vaticano, sem direito de defesa e sob a égide de um típico sistema inquisitivo. Após ser moral e psicologicamente arrasado pelo secretário do Santo Ofício (hoje Congregação para a Doutrina da Fé), Cardeal Jerome Hamer, em prantos, disse-lhe o brasileiro: “Olha, padre, acho que o senhor é pior que um ateu, porque um ateu pelo menos crê no ser humano, o senhor não crê no ser humano. O senhor é cínico, o senhor ri das lágrimas de uma pessoa. Então não quero mais falar com o senhor, porque eu falo com cristãos, não com ateus.” Por uma ironia do destino, depois de condenado pelo inquisidor, Boff o telefonou quando o Cardeal estava à beira da morte, fulminado por um câncer. Ao ouvi-lo, a autoridade eclesiástica desabafou, chorando: “Ninguém me telefona... foi preciso você me telefonar! Me sinto isolado (...) Boff, vamos ficar amigos, conheço umas pizzarias aqui perto do Vaticano...” (in Revista Caros Amigos – As Grandes Entrevistas, dezembro/2000).
[6] Lopes Jr., Aury, Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 74.
[7] Como diz o Professor da Universidade de Valencia, Juan Montero Aroca, “en correlación con que la Jurisdicción juzga sobre asuntos de otros, la primera exigencia respecto del juez es la de que éste no puede ser, al mismo tiempo, parte en el conflicto que se somete a su decisión.” (Sobre la Imparcialidad del Juez y la Incompatibilidad de Funciones Procesales, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 186).
[8] Iniciación al Proceso Penal Acusatório, Buenos Aires: Campomanes Libros, 2000, p. 43.
[9] Como se sabe, o defensor exerce a chamada defesa técnica, específica, profissional ou processual, que exige a capacidade postulatória e o conhecimento técnico. O acusado, por sua vez, exercita ao longo do processo (quando, por exemplo, é interrogado) a denominada autodefesa ou defesa material ou genérica. Ambas, juntas, compõem a ampla defesa. A propósito, veja-se a definição de Miguel Fenech: “Se entiende por defensa genérica aquella que lleva a cabo la propia parte por sí mediante actos constituídos por acciones u omisiones, encaminados a hacer prosperar o a impedir que prospere la actuación de la pretensión.. No se halla regulada por el derecho con normas cogentes, sino con la concesión de determinados derechos inspirados en el conocimientode la naturaleza humana, mediante la prohibición del empleo de medios coactivos, tales como el juramento – cuando se trata de la parte acusada – y cualquier otro género de coacciones destinadas a obtener por fuerza y contra la voluntad del sujeto una declaración de conocimiento que ha de repercutir en contra suya”. Para ele, diferencia-se esta autodefesa da defesa técnica, por ele chamada de específica, processual ou profissional, “que se lleva a cabo no ya por la parte misma, sino por personas peritas que tienen como profesión el ejercicio de esta función técnico-jurídica de defensa de las partes que actuán en el processo penal para poner de relieve sus derechos y contribuir con su conocimiento a la orientación y dirección en orden a la consecusión de los fines que cada parte persigue en el proceso y, en definitiva, facilitar los fines del mismo”. (Derecho Procesal Penal, Vol. I, 2ª. ed., Barcelona: Editorial Labor, S. A., 1952, p. 457).
[10] Introducción al Derecho Penal y al Derecho Penal Procesal, Editorial Ariel, S.A., Barcelona, 1989, p. 230.
[11] Gimeno Sendra, Derecho Procesal, Valencia: Tirant lo Blanch, 1987, p. 64.
[12] José António Barreiros, Processo Penal-1, Almedina, Coimbra, 1981, p. 13.
[13] Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Forense, p. 64.
[14] Sobre a atividade instrutória do Juiz no Processo Penal, remetemos o leitor a duas obras: “A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal”, de Marcos Alexandre Coelho Zilli, Editora Revista dos Tribunais, 2003 e “Poderes Instrutórios do Juiz”, de José Roberto dos Santos Bedaque, Editora Revista dos Tribunais, 2ª. ed., 1994..
[15] Sobre a matéria há obras importantes, a saber, por exemplo: “A Busca da Verdade Real no Processo Penal”, de Marco Antonio de Barros, Editora Revista dos Tribunais, 2002; “O Mito da Verdade Real na Dogmática do Processo Penal”, de Francisco das Neves Baptista, Editora Renovar, 2001 e “La verdad en el Proceso Penal”, de Nicolás Guzmán, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2006.
[16] Búsqueda de la Verdad en el Proceso Penal, Buenos Aires: Depalma: 2000, p. 107.
[17] “Classicamente, a verdade se define como adequação do intelecto ao real. Pode-se dizer, portanto, que a verdade é uma propriedade dos juízos, que podem ser verdadeiros ou falsos, dependendo da correspondência entre o que afirmam ou negam e a realidade de que falam.” (Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, Dicionário Básico de Filosofia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 241). “A porta da verdade estava aberta / Mas só deixava passar / Meia pessoa de cada vez / Assim não era possível atingir toda a verdade. / Porque a meia pessoa que entrava / Só trazia o perfil de meia verdade / E a segunda metade / Voltava igualmente como perfil / E os meios perfis não coincidiam. / Arrebentavam a porta, derrubavam a porta, / Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. / Era dividida em metades diferentes uma da outra. / Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. / Nenhuma das duas era totalmente bela e carecia optar. / Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.” (Carlos Drummond de Andrade, do livro "O corpo", editora Record). “Não tenho a menor noção do que é a verdade, mulher! Caguei pra verdade, a verdade é uma coisa escrota, uma nojeira filosófica inventada pelos monges do século XIII, que ficavam tocando punheta nos conventos, verdade o cacete, interessa a objetividade.” (“Eu sei que vou te amar”, de Arnaldo Jabor, Rio de Janeiro: Objetiva, p. 65).
[18] Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, pp. 44 e 45.
[19] Ferrajoli, Luigi, Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, p. 604.
[20] Como diz o Professor da Universidade de Valencia, Juan Montero Aroca, “en correlación con que la Jurisdicción juzga sobre asuntos de otros, la primera exigencia respecto del juez es la de que éste no puede ser, al mismo tiempo, parte en el conflicto que se somete a su decisión.” (Sobre la Imparcialidad del Juez y la Incompatibilidad de Funciones Procesales, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 186).
[21] Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, São Paulo: Malheiros, 2ª. ed., 2003, p. 51. Também neste sentido, veja-se Rodolfo Pamplona Filho, “O Mito da Neutralidade do Juiz como elemento de seu Papel Social” in "O Trabalho", encarte de doutrina da Revista "Trabalho em Revista", fascículo 16, junho/1998, Curitiba/PR, Editora Decisório Trabalhista, págs. 368/375, e Revista "Trabalho & Doutrina", nº 19, dezembro/98, São Paulo, Editora Saraiva, págs.160/170.
[22] A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal, obra organizada por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Salo de Carvalho, Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 20.
[23] André Vitu, Procédure Pénale. Paris: Presses Universitaires de France, 1957, p. 13-14.
[24] Sobre prevenção veja o que escrevemos em nosso Curso Temático de Direito Processual Penal, Curitiba: Juruá, 2010, p. 348.
[25] O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.
[26] Introdução ao Direito Processual Constitucional, São Paulo: Síntese, 1999, p. 27.
[27] Procédure Pénale, Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 35.
[28] Pierpaolo Botinni, ob. cit., p. 462.
[29] Antonio Scarance Fernandes, Processo Penal Constitucional, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 60. No mesmo sentido, veja-se Rogério Lauria Tucci, Direitos e Garantias no Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª., ed., 2004, p. 361.
[30] Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, 7ª. ed., pp. 643/644.
[31] Ob. cit., p. 524.
[32] Crimes Hediondos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000, p. 357.
[33] Sobre o direito de apelar em liberdade, inclusive quando se interpõe recurso especial e extraordinário, veja o que escrevemos em nosso Curso Temático de Direito Processual Penal, Curitiba: Juruá, 2010, págs. 809 e segs. Neste sentido, atentemos para a lição de Ada Pellegrini Grinover, segundo a qual esta norma “visa a regulamentar os recursos de forma genérica, não sendo aplicável, quanto aos efeitos prisionais, à esfera penal.” (apud Roberto Delmanto Junior, in As modalidades de prisão provisória e o seu prazo de duração, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 206). Também Paganella Boschi, para quem este parágrafo “endereça-se unicamente aos processos cíveis, porque nestes a execução provisória da sentença, mediante caução pelo autor, é perfeitamente admissível. Jamais as sentenças proferidas nos processos criminais, por implicar ofensa aberta, direta e frontal à garantia da presunção de inocência, antes citada.” (Revista de Estudos Criminais nº. 05, Porto Alegre: Editora NotaDez, 2002).
[34] “RHC 90376/RJ - Relator: Min. CELSO DE MELLO – Julgamento: 03/04/2007 - Órgão Julgador: Segunda Turma - Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito (invito domino), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF). A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do male captum, bene retentum. Doutrina. Precedentes. Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do due process of law e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.”
[35] “Medidas Cautelares – Projeto de Lei 111/2008”, in As Reformas no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, págs. 499 e 500.
[36] “O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado. § 1°. O preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes. § 2°. O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência separada.”
[37] Processo Penal, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 33ª. ed., 2011, p. 610.
[38] Conferir sobre a ação civil ex delicto o nosso Curso Temático de Direito Processual Penal, Curitiba: Juruá, 2010. Também nesta obra, tratamos sobre o assistente.
[39] Victor Moreno Catena, Derecho Procesal Penal, Madrid: Editorial Colex, 1999, p. 250.
[40] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3ª. ed., Lisboa: Verbo, vol. 1, 1996, p. 308.
[41] Dos Delitos e das Penas, São Paulo: Hemus, 1983, p. 55 (tradução de Torrieri Guimarães).
[42] Derecho Procesal Penal, Madrid: Colex, 3ª. ed., 1999, pp. 522/523.
[43] Apud Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 1990, p. 251.
[44] Leis Penais e Sua Interpretação Jurisprudencial, Vol. I, São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ª. ed., 2001, p. 896.
[45] Apud João Gualberto Garcez Ramos, “A Tutela de Urgência no Processo Penal Brasileiro”, Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 145.
[46] “Levando os Direitos a Sério”, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 18/19.
[47] Neste sentido, Rogério Sanches Cunha, “Prisão e Medidas Cautelares”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 151.
[48] Em nosso Curso Temático de Direito Processual Penal (Curitiba: Juruá, 2010), analisamos esta lei.
[49] Como afirma Denilson Feitoza Pacheco, “a importância da afetação negativa causada pela medida cautelar pessoal deve estar justificada pela importância da realização do fim perseguido por essa intervenção no direito fundamental.” (O Princípio da Proporcionalidade no Direito Processual Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 261).
[50] Apud Rogerio Schietti Machado Cruz, “Prisão Cautelar – Dramas, Princípios e Alternativas”, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 100.
[51] Mariângela Gama de Magalhães Gomes, “O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 213.
[52] Derecho Procesal Penal, Madri: Editorial Colex, 3ª. ed., 1999, p. 475.
[53] Teoria dos Princípios, São Paulo: Malheiros, 4ª. ed., 2004, p. 131.
[54] Processo Penal Constitucional. 4ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 315.
[55] Direito Processual Penal.8a ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 584 – grifou-se
[56] As Modalidades de Prisão Provisória e Seu Prazo de Duração. 2a ed., São Paulo: Renovar, 2001, p. 218.
[57] Derecho Processual Penal Chileno, Tomo I, Santiago do Chile : Editorial Jurídica de Chile, 2003, p. 83.
[58] Introdução ao Direito Processual Penal, Tradução de Fernando Zani, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2003, p. 150.
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova Lei da prisão preventiva e o novo requisito para a sua decretação: "assegurar a confissão do acusado" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42631/a-nova-lei-da-prisao-preventiva-e-o-novo-requisito-para-a-sua-decretacao-quot-assegurar-a-confissao-do-acusado-quot. Acesso em: 23 dez 2024.
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